Blog Católico, para os Católicos

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"Uma vez que, como todos os fiéis, são encarregados por Deus do apostolado em virtude do Batismo e da Confirmação, os leigos têm a OBRIGAÇÃO e o DIREITO, individualmente ou agrupados em associações, de trabalhar para que a mensagem divina da salvação seja conhecida e recebida por todos os homens e por toda a terra; esta obrigação é ainda mais presente se levarmos em conta que é somente através deles que os homens podem ouvir o Evangelho e conhecer a Cristo. Nas comunidades eclesiais, a ação deles é tão necessária que, sem ela, o apostolado dos pastores não pode, o mais das vezes, obter seu pleno efeito" (S.S. o Papa Pio XII, Discurso de 20 de fevereiro de 1946: citado por João Paulo II, CL 9; cfr. Catecismo da Igreja Católica, n. 900).

sábado, 2 de março de 2019

PREDESTINAÇÃO DE SÃO JOSÈ.



São José predestinado a cooperador de nossa salvação.

Deus é infinitamente sábio e poderoso, e não é sem razão profunda que escolhe, para seus fins santíssimos, um meio de preferência a outro. Não nos cabe julgar a sua obra, mas antes, indagar quais os motivos que O induziram a tomar um caminho em vez de outro.

Poderemos agora perguntar: Por que Deus quis que o seu Divino Filho, Nosso Redentor e Salvador, nascesse de uma Virgem, desposada com São José? Antes de tudo, porque também ele devia concorrer, de certo modo, para a obra de nossa Redenção.

Estava decretado por Deus, que tal obra fosse realizada com o sacrifício voluntário do Divino Filho. Este devia tomar carne humana e, após uma vida cheia de padecimentos, morrer em uma Cruz como Vítima voluntária. Necessário se tornava pois, que a Vítima do sacrifício fosse gerada, nutrida, guardada e conservada para o solene sacrifício. Quem será o escolhido para esse nobilíssimo ofício? O escolhido será São José, que terá a ventura de estreitar ao coração e beijar o celeste Menino, fruto da Virgem sua Esposa. Vesti-Lo-á, providenciará o alimento necessário, guarda-Lo-á, cooperando de tal forma para a nossa salvação.

É doutrina de São Tomás que, ao escolher e destinar alguém para uma grande obra, Deus o prepara e dispõe de modo a ser apto para a obra a que se destina. São José tinha de entrar nessa economia da Providência. Escolhido para Esposo da Mãe de Deus, para Pai virginal e legal de Jesus, devia ser enriquecido com tais graças, a fim de tornar-se digno de sua missão.

Disse o Papa Leão XIII na Encíclica Quamquam pluries: De ser José Esposo de Maria e Pai putativo de Jesus, deriva toda a sua grandeza, graça, santidade e glória. É certo que a dignidade de Mãe de Deus, tão alto se eleva que nada pode existir de mais sublime. Mas, pois que, entre a Beatíssima Virgem e José estreitou-se o vínculo conjugal, não há de duvidar, de que ele se tenha aproximado, mais que qualquer outro, da altíssima dignidade pela qual a Mãe de Deus se acha infinitamente elevada acima de todas as criaturas.

São José destinado a ocultar, com a sua presença, a Concepção sobrenatural e o milagroso Nascimento de Jesus. – O Salvador devia ser isento de toda espécie de culpa, devia ser concebido no seio puríssimo de Maria por obra do Espírito Santo. Esse Mistério de amor não devia então ser manifestado aos hebreus, seja para salvar a honra da Virgem Mãe, seja porque eles, não compreendendo o Mistério, teriam duvidado da existência da humanidade de Cristo. A presença de José devia servir para ocultar, aos olhos dos incrédulos, o parto virginal da Mãe de Deus. Por isso, quis Deus que Maria, com um Matrimônio totalmente celeste, fosse Esposa do mais humilde, do mais ilibado, do mais santo dos homens. Assim, predestinou expressamente um Esposo Virgem a Maria, que fosse ao mesmo tempo o Pai Virginal e Legal de Jesus. Tal Mistério seria revelado aos fiéis somente quando preparados pela graça para compreendê-lo.

Outro admirável dom que São José recebeu de Deus, é o de ser predestinado para companheiro de Maria e testemunha de sua Virgindade. – Maria é, depois de Jesus, o primeiro objeto da complacência divina. Diz o Padre Suarez: Deus ama a Bem-aventurada Virgem, por Ela só, mais que a todos os outros Santos. Pelo amor que Lhe dedicava, escolheu-A entre todas as mulheres e A elevou à altíssima dignidade de Mãe do Verbo e de Corredentora dos homens. Mas, pelo próprio amor que Deus tinha por Maria, devia providenciar ao seu bem e honra. E para isso, serviu-se de São José, constituindo-se seu Esposo, a fim de Lhe ser companheiro inseparável, amparo, conforto, defensor, testemunha verdadeira, fiel custódio e confirmador da Divina Maternidade e perfeita Virgindade de Maria.


São José ultrapassou em santidade os Patriarcas e os Profetas, os Santos, os Apóstolos e todos os Anjos do Céu. – Sendo São José elevado a mais alta dignidade existente após a da Mãe de Deus, era justo que Deus O predestinasse também a possuir na terra, tal abundância de graças que superasse a qualquer outro Santo, excetuando-se Maria, e a ocupar o primeiro lugar na glória do Céu, após o de sua Santíssima Esposa.

São José predestinado acima dos Patriarcas e Profetas. – Tendo São José ultrapassado em santidade o antigo José, o mais santo dos Patriarcas, é, por conseguinte, o maior de todos os Profetas, maior que os Patriarcas e superior também a São João Batista.

Foi maior que o antigo José, por ser este apenas uma figura profética, e a figura é sempre inferior ao objeto figurado. Foi superior a todos os Profetas, pois nenhum teve uma vida tão íntima com Deus, como ele com o Verbo encarnado.

Desta divina predestinação, logo se compreende a excelsa dignidade de São José. Com efeito, na vida sobrenatural, podem considerar-se três ordens: a ordem dos Anjos, a dos Santos e a ordem da Encarnação. A ordem da Encarnação é superior às duas primeiras, pois tem por Autor, princípio e fim Jesus. E de Jesus, como Príncipe soberano, depende toda hierarquia, todo principado no Céu e na terra. E São José, por divina predestinação, acha-se justamente nesta ordem soberana. Ordem constituída somente por três pessoas: Jesus, José e Maria. Jesus, verdadeiro Deus e verdadeiro homem; José, verdadeiro Esposo de Maria e pai virginal e legal de Jesus; Maria, verdadeira Mãe de Deus e dos homens. Ora, quando se pensa que o último grau de uma ordem superior é sempre maior, em dignidade, que o primeiro grau de uma ordem inferior, compreende-se imediatamente que São José, embora o último em sua ordem, é todavia, superior em dignidade, a todos os Anjos e a todos os Santos do Paraíso.

São José predestinado acima de todos os Santos e acima dos Apóstolos. – O Novo Testamento é a Lei da graça por excelência. Aos primeiros promulgadores desta Lei, Deus concedeu graças especiais, em maior abundância que aos outros homens. Por isso, acredita-se na Igreja, que os Apóstolos tenham recebido graças mais abundantes que todos os outros. Com exceção, porém, de Maria e de seu castíssimo Esposo, o qual, tendo na obra da Redenção um encargo superior ao dos Apóstolos, devia certamente receber de Deus maiores graças, e um lugar mais distinto na glória. Era pois conveniente, que o glorioso Santo superasse tanto os outros predestinados, quanto sua dignidade de Pai de Jesus, de Esposo de Maria, de Padroeiro da Igreja universal, o constituía acima de todos os Santos e dos Apóstolos.

São José, predestinado acima dos Anjos do Céu. – No Céu não estão apenas os que entram após a prova desta vida, mas também a imensa multidão de Anjos, que se conservaram fiéis na grande prova. Os Anjos que não perseveraram no amor de Deus mas, unindo-se a Lúcifer, príncipe dos Anjos rebeldes, envaideceram-se de si mesmos, pereceram miseravelmente, deixando os lugares de glória dos quais se haviam tornado indignos.

E qual o afortunado a quem caberá o lugar vazio de Lúcifer, recebendo assim no Céu, o primado sobre todos os Anjos? Será São José. Ele, realmente, com seu admirável exemplo, convidou o mundo para seguir a Cristo com maior êxito que Lúcifer, excitando seus sequazes à rebelião.

O Papa Pio XI, de s. m., no Decreto de virtudes heroicas de um Venerável, no dia do Patrocínio de São José, disse: Entre São José e Deus, não vemos e não devemos ver senão Maria, por sua divina Maternidade. Portanto, São José, depois de Maria, é superior a todas as naturezas criadas, sem excluir os Anjos. Em 1928, a 19 de março, disse também estas palavras: São José teve a missão de guardar o Filho de Deus, o Rei do mundo, a missão de guardar a Virgem, a santidade de Maria, a missão de cooperar na Encarnação divina e na salvação do gênero humano.

E, na tarde do mesmo dia, recebendo os paroquianos da Igreja de Todos os Santos, disse-lhes: São José, depois de Maria, é o maior de todos os Santos.

Ó insigne santidade do Pai adotivo de Jesus! Não podemos deixar de admirar os altíssimos decretos da divina Providência, dispondo que os Mistérios sejam ocultos aos soberbos e revelados aos humildes e simples.



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Fonte: Rev. Pe. Tarcísio M. Ravina, da Pia Sociedade de São Paulo, São José – na Vida de Jesus Cristo, na Vida da Igreja, no Antigo Testamento, no Ensino dos Papas, na Devoção dos Fiéis e nas Manifestações Milagrosas; 3ª Parte, pp. 139-144. Edições Paulinas, Recife, 1954.


sexta-feira, 1 de março de 2019

SOBRE OS DIVERTIMENTOS DO ENTRUDO.



Ecce ascendimus Jerosolimam,
et consummabuntur omnia,
quae escripta sunt per
Prophetas Filio hominis.

Nós vamos entrar em Jerusalém,
e se realizarão todas as coisas,
que foram escritas pelos Profetas
a respeito do Filho do Homem.
(São Lucas 18, 31).


Grande é o cuidado da Santa Igreja, nossa Mãe, a qual sempre desvelada pelo bem de seus filhos, procura desviá-los do mal, encaminhá-los ao bem; os seus Preceitos, os seus Conselhos e as suas Lições, tudo é sempre dirigido para nossa felicidade. Querendo desviar-nos, nestes dias de carnaval e loucura, desses divertimentos e excessos pecaminosos, nos traz à lembrança os tormentos do nosso Divino Salvador, que brevemente vão a representar-se, para nós desde já d’Ele, nos começarmos a compadecer. Ela nos cita as mesmas palavras do Evangelho, que o Divino Salvador disse aos seus Discípulos: “Nós vamos já para Jerusalém, e se realizarão todas as coisas, que os Profetas disseram do Filho de Deus – Ecce ascendimus Jerosolimam, et consummabuntur omnia, quae scripta sunt Prophetas de Filio hominis”.1

Ele será entregue nas mãos dos governadores da Judeia, será escarnecido, açoitado, e finalmente será morto, mas ressuscitará ao terceiro dia. Quer dizer a Santa Igreja: nós vamos entrar no santo tempo da Quaresma, tempo em que Jesus Cristo jejuou 40 dias e 40 noites, e depois sofreu uma paixão e morte dolorosa.

Convém pois, e é mesmo necessário, que nos preparemos já para celebrar tão altos Mistérios; que nos disponhamos desde já com mortificações e penitências, com boas obras e virtudes, para partilharmos dos padecimentos do nosso Salvador e o acompanharmos nos seus tormentos. Convém, e é mesmo necessário, que desde já comecemos a limpar as nossas consciências por um rigoroso exame para lavar as nossas almas nas águas puras de uma boa Confissão. Convém, finalmente, e é mesmo necessário, que desde já nos entreguemos à oração, a contemplação dos tormentos do nosso Redentor; que nos apliquemos a ouvir a Palavra de Deus; tudo isto, para bem celebrarmos os Mistérios da nossa Redenção, e que para isto nos retiremos de todos os divertimentos que podem distrair o nosso pensamento e roubar-nos o proveito de tão alto benefício, que o nosso bom Deus vai fazer-nos. Tal é, irmãos meus, o desejo da nossa cara Mãe; tais os fins para que nos convida; e tais os motivos por que reprova todos esses divertimentos do Entrudo; porque todos eles nos afastam do verdadeiro caminho, por onde devemos chegar a Deus. Contra esse mesmos divertimentos vou eu hoje a clamar. – Eu principio.


Entrudo, é uma palavra vulgar, corrompida pelo povo, tirada da palavra – entrada. Entrada sim, para o santo tempo da Quaresma, preparação para celebrarmos santamente os piedosos Mistérios da nossa Redenção. Mas, o mundo viciou esta palavra, corrompeu estas ideias tão santas, pondo entre a palavra – Entrudo – que quer dizer no sentido popular – divertimento, carnaval, ocasião de cometer toda a qualidade de brincadeiras profanas e pecaminosas, e excessos em comer e beber. Perdendo, pois, imensa gente estas ideias religiosas, se deixa conduzir por ideias mundanas e da gentilidade nestes dias. Mascaradas, bailes, teatros, jogos, laranjadas, enfarinhadas, apupadas, excessos na comida e bebida, todas estas e outras coisas péssimas, são as que se praticam nestes dias, e com que muitas pessoas se preparam para o santo tempo da Quaresma. Em lugar da modéstia cristã, antepõe brincadeiras e mais brincadeiras indecentes; em lugar da sobriedade no comer e beber, admitem uma fartura mais que brutal; em lugar de pensamentos santos e piedosos, se deixam dominar de ideias loucas e pecaminosas; em lugar, finalmente, de se mostrarem bons cristãos, se mostram pagãos, ou ainda piores do que os pagãos.

Encobrem a cara que o Criador lhes deu, e a suprem com outra mais feia e horrenda; trocam a sorte. Vestindo-se de diverso sexo; cobrem o corpo de mil modas indecentes; jogam laranjadas ou enfarinhadas, e entregam-se a diversas brincadeiras e danças; comem e bebem desnecessariamente, e até as vezes perdendo o juízo e a saúde; enfim, todos estes e outros excessos se praticam nestes dias; e mais ainda, vendo-se homens misturados com mulheres, donde resultam ações impuras e milhares de pensamentos desonestos, palavras indecentes, uma multidão de pecados contra a santa castidade. Oh! Que entretenimentos são estes tão impróprios de cristãos! Eles tiveram o seu princípio nas Bacanais, festa com que os pagãos honravam o deus do vinho (Baco); e dos pagãos passaram desgraçadamente aos cristãos, tanto ou mais loucos e mais desmoralizados do que aqueles.

Embora os mestres da vida espiritual tenham escrito contra tais divertimentos; embora zelosos pregadores tenham levantado sua voz contra eles; embora os mesmos Santos Padres e a Igreja os tenham reprovado e condenado; nada tem sido bastante para deles se afastarem muitos cristãos. O grande Santo Agostinho já no seu tempo gritava contra quem praticava tais excessos, a que dava o nome de hinnulas ou cervulas, dizendo: “Se sabeis de algumas pessoas, que ainda cometem esses jogos ou brincadeiras de entrudo, de tal modo os castigai que lhes pese de terem praticado estas sacrílegas maldades – Si ad huc cognoscitis aliquos illam sordidissimum turpitudinem de hinnula, vel cervula exercere, ita durissime castigate, ut eos poeniteat rem sacrilegam commississe”. Chama este Santo aos divertimentos de entrudo coisa sacrílega; ou sacrilégio, porque com isto se profana o santo nome de cristão. Os antigos Cânones, que se leem no código Andegavense, tanto clamam contra tais brincadeiras, que condenam a quem os pratica à três anos de penitência – Tribus omnis poeniteat, quia hoc demoniarum est. Quem jogar o entrudo, dizem os sagrados Cânones, faça penitência por três anos, porque tais brincadeiras são demoníacas, são coisas inventadas pelo Demônio, e tais festas ou divertimentos só a ele são dedicados.


Entre os gentios, foi o Demônio que tudo isso inventou; e como se achasse bem com essas brincadeiras, colhendo daí muitos pecados, os fez passar dos gentios aos cristãos, onde continua a colher imensas ofensas a Deus, e muitas almas para o Inferno. Esse espírito enganador não fazendo mais do que iludir os incautos e arrastá-los à perdição, tenta muitos cristãos desta maneira: É chegado o tempo da Quaresma, tempo de luto, tristeza e penitência, tempo de jejum e mortificação; e por isso, convém muito que antes vos divirtais, que brinqueis como quiserdes, visto que então não o podereis fazer. Convém muito que agora comais e bebais com fartura e excesso, porque então haveis de jejuar; convém muito que agora me festejeis e sirvais a mim, como se fosse o vosso Deus, e depois festejareis e servireis o vosso Redentor. Assim tenta muitas pessoas, e desgraçadamente assim delas o consegue. Deixam-se dominar de tão manhosa sugestão do Demônio; deixam-se cegar da suas loucuras e paixões, e se entregam nestes dias a toda a qualidade de excessos pecaminosos. Ó miseráveis cristãos, que será de vós, deixando-vos assim cegar do Demônio?

Bem a propósito traz a Santa Igreja no Evangelho deste dia uma comparação para instruir-nos; e vem a ser o cego de Jericó, o qual, quando o Senhor ia passando para Jerusalém, clamava que lhe desse vista, dizendo: “Jesus, Filho de Davi, compadecei-Vos de mim, eu estou cego, dai-me vista”. E o mesmo Senhor, comovido dos seus clamores, logo lhe abriu os olhos. Os cristãos, que se entregam a esses divertimentos do entrudo, sejam do modo que forem, também andam cegos, e ainda mais cegos do que aquele. Andam cegos no entendimento, porque não conhecem o mal que fazem, nem o escândalo que dão. Por três dias, ensina a Sagrada Escritura, houveram trevas horríveis no Egito no tempo do rei Faraó – Factae sunt tenebae horribiles in universa terra Egypti tribus diebus.2 Nenhuma pessoa do Egito via onde estava, nem o que fazia. Em toda a parte do Cristianismo também há trevas horríveis nestes três dias; muitos cristãos andam cegos na alma; já não veem onde estão; já não se lembram que estão no seio da Religião de Jesus Cristo, e que fazem ações de pagãos; já não se lembram que estão perto de ver o seu Redentor jejuando, padecendo, e morrendo por amor deles; já não consideram o mal que fazem, nem o mau exemplo que dão; tão cegos andam, que julgam todos esses divertimentos como lícitos, e nada de pecado.

Ó meu Deus, deixai-me pedir-Vos por essas cegas criaturas, como aquele cego de Jericó pediu para ele mesmo. Já que estes pecadores cegos não clamam, não pedem vista para as suas almas, peço-Vos eu, Deus meu. Jesus, Filho de Davi, compadecei-Vos de tantos pecadores loucos, que nestes e noutros dias andam cegos, desatinados, cometendo mil excessos e pecados contra Vós e contra eles mesmos; dai-Lhes graça para se converterem e emendarem; compadecei-Vos deles, e compadecei-Vos de nós todos; não permitais que ao menos estas pessoas que lerem ou ouvirem esta prática se deixem cegar também dessas brincadeiras; permiti antes que se recolham ao templo, ou a suas casas, e que se entreguem à oração, e que vivam com toda a modéstia cristã.


Isto mesmo pede o grande São Paulo, o qual compadecido de tão miseráveis cristãos, roga encarecidamente que se emendem, dizendo assim: “Meus irmãos, eu vos peço pela misericórdia e amor de Deus, que mostreis os vossos corpos como uma hóstia viva, santa e agradável a Deus – Frates, obsecro vos per misericordiam Dei, ut exhibeatis corpora vestra hostiam viventem, sanctam, Deo placentem”.3 Quer dizer: Eu vos peço pelo amor de Deus, que mostreis os vossos corpos como uma vítima santa, isto é, que vos mostreis modestos, penitentes, mortificados, e em todas as vossas obras agradáveis a Deus. Mas fazem assim todas essas pessoas que se entregam aos divertimentos do entrudo? Não, de certo. Em lugar de mostrarem os seus corpos como o Criador lhes deu, e como uma vítima santa e agradável ao mesmo Deus, os mostram como feios monstros, mascarando-se; em lugar de se mostrarem modestos, mortificados e penitentes, se mostram loucos, desatinados, dançando e brincando de mil modos, comendo e bebendo desordenadamente.

A Santa Igreja, nossa Mestra para a virtude e para o Céu, querendo também ver todos os seus filhos afastados de tais excessos do entrudo, e prepará-los com boas obras e pensamentos santos para celebrar os Mistérios da nossa Redenção, desde o Domingo da Septuagésima começa já a suspender as aleluias, os cânticos alegres, e a supri-los com palavras ternas e piedosas. Começa também desde o mesmo tempo a procurar que os seus Ministros não usem na Missa e funções religiosas dos Domingos senão de vestimentas roxas ou de luto, e não de gala ou de alegria, para fazer ver assim já a pena que deve acompanhar-nos pelos tormentos que o seu Esposo e nosso Deus brevemente vai sofrer. Determina ainda mais o Jubileu das quarenta horas para tirar os cristãos de tantos abusos, chamando-os assim para a Igreja. Porém, muitas pessoas desprezam tão santas lições; em lugar de rezarem, ou entoarem cânticos piedosos em louvor de Deus, proferem palavras desonestas, e entoam cânticos profanos; e com buzinas, ou outros instrumentos fazem grandes gritarias; em lugar de vestidos de luto, se vestem de gala ou de escárnio, mascarando-se de mil modos indecentes; em lugar, finalmente, de começarem a mostrar-se sisudos e compungidos pelos padecimentos do Divino Salvador, como brevemente se vai ver, tocam, bailam, ou vão a tais divertimentos, jogam laranjadas, farinhadas ou polvilhadas, fazem estes e outros muitos excessos, só próprios de quem não tem modéstia cristã, nem juízo, nem virtude alguma. Oh! Que cegueira e que miséria!

Mas dizem muitas pessoas: Que mal ou que pecado é jogar o entrudo? É costume muito velho, respondem elas mesmas; é um divertimento próprio destes dias; não é pecado algum. Ó irmãos meus, se vós assim pensais e respondeis, estais inteiramente cegos, estais perdidos. Que importa que seja costume muito velho? Porventura, por ser costume velho, deixará de ser pecado? Desde o princípio do mundo se começaram a fazer muitas coisas más e pecaminosas; mas por essas coisas se usarem há tantos mil anos, nem por isso deixaram de ser pecados. E que importa ser divertimento destes dias? Que merecimento dá o entrudo a tantos jogos e brincadeiras, que em todo o tempo são ilícitos ou proibidos? Que privilégio tem estes dias para autorizar o que é condenado em toda a ocasião? Divertimentos impróprios de cristãos deixarão de ser maus e pecaminosos? Renovar no meio do Cristianismo os divertimentos de pagãos; desonrar a profissão do batismo e de cristão por esses excessos mundanos, e até fazer deles gala, não será pecado?

Examinai se Jesus Cristo, nosso Divino Mestre, assim obrou, ou se tal nos ensinou: examinai se os seus Apóstolos e tantos Santos e Santas jogavam o entrudo, ou se em tempo algum se entregavam a esses excessos. Oh! Não achareis nem um só; antes muitos nos seus escritos os reprovaram. Entre outros já vos apontei a um sábio e Santo Agostinho, que mandava castigar a que se entregasse a tais divertimentos. Este mesmo ainda diz em outra parte, (reparai cristãos) “Não deve ser, diz ele, não convém entregar os membros do nosso corpo, que tem sido consagrados pelo batismo e pela graça, a jogos ou brincadeiras imodestas, ou ações estravagantes – Membra nostra quae jam conscerata sunt, ludis, aut incaeptis moribus dare non decet. Ora, se assim fala um Santo, e se ele manda castigar severamente a quem se entrega a brincadeiras de entrudo, deixarão esses excessos de ser pecados?

E se a Santa Igreja nas suas regras antigas determina três anos de penitência a quem jogar o entrudo, deixará de ser pecado? Determinaria tão sábia e prudente Mestra tanta penitência por nada, ou sem supor culpa, e grande culpa? Pois não será pecado mudar a sorte, ou desmentir o sexo, trocar a cara que Deus nos deu por outra mais bonita ou mais feia, vestir de gala ou zombaria, brincar descompostamente e até com o diverso sexo, provocando assim a maldita luxúria? Pois não será pecado dançar, perder a modéstia cristã, que tanto recomenda Deus por São Paulo, e de mais a mais perder tanto tempo nesses divertimentos, tempo de que Deus nos há de pedir conta? Ó criaturas loucas, cegas e miseráveis, sois criaturas humanas, ou sois monstros? Sois cristãos, ou sois gentios? Que diriam estes, se presenciassem entre nós, filhos de uma Religião tão mortificada e tão santa, os mesmos excessos, e ainda piores do que eles praticam no meio do paganismo, numa seita que favorece as paixões! Eles pasmariam à vista de tais divertimentos; e por via de tão maus exemplos ficariam mais firmes na sua maldade ou no seu erro, porque veriam ações que não são próprias de cristão; eles diriam que o Cristianismo não é mais que um fantasma ou uma quimera, e que o nome de Jesus Cristo, do qual nos servimos, é um nome vil e desprezível.

Eu mesmo pasmo e me envergonho de ver entre nós tais excessos. Pasmo ainda mais de ver tantas pessoas envolvidas nestes divertimentos, e nem disto se confessarem; ou se acaso se confessam, é sem verdadeira dor, sem propósito e sem emenda; porque de ano a ano, e ainda às vezes antes, renovam os mesmos crimes. Pasmo também de ver tantos Confessores, que nem por isto perguntam, nem repreendem, nem castigam, como se nada fosse. Porém, na última hora da vossa vida conhecereis a verdade; vereis então, ainda que tarde, a gravidade de todos esses divertimentos e de outros tais; então vereis quanto eram sábios, zelosos e amigos vossos, os Ministros do Evangelho que vos repreendiam tais coisas para o vosso bem; então conhecerei no vosso coração que as máximas e divertimentos deste mundo são contrários à verdadeira Sabedoria e aos costumes da Religião; então vereis que estas festas do Demônio são opostas à salvação.


Mas ah! Quanto é amargo o arrependimento do mal, quando é já sem fruto e proveito! Quanto é custosa de sofrer a lembrança das loucuras e pecados no leito da morte! Oh! Não espereis, cristãos, para essa última hora; não demoreis para mais tarde a vossa sincera conversão; não vos prepareis para essa última ocasião com divertimentos profanos, mas sim com mortificações, boas obras e boas confissões. É agora que deveis renunciar o mundo e as suas máximas; é agora que deveis preparar-vos para fazer uma Confissão Geral, e partilhardes dos padecimentos do vosso Salvador. Ora vinde, vinde já aos pés de Jesus Cristo; vinde arrepender-vos de tantos excessos, que até aqui tereis cometido nestes e noutros dias. Fugi a essa Babilônia corrompida; voltai-vos ao Senhor de todo o vosso coração, e dizei-Lhe: Ó meu Deus, eu não quero mais esses entretenimentos do Demônio: só Vós sereis nestes dias e sempre todo o objeto dos meus cuidados. Já vejo que quem verdadeiramente Vos ama não pode amar os costumes do maldito mundo. É verdade que algum tempo me deixei conduzir das suas lições envenenadas, que tanto estragaram o meu coração e desgraçaram a minha alma; mas agora conheço a verdade, e estou pronto a segui-la. Muito me pesa de Vos ter ofendido tanto com os meus divertimentos, e de Vos ter causado com eles tantas amarguras: mas proponho verdadeiramente emendar-me. Ajudai-me com a vossa graça, porque com ela tudo farei. Ajudai-me também, Maria Santíssima. Vós, que vivestes com tanta modéstia e recato, ajudai-me a fazer o mesmo; pedi a vosso Filho por mim. Amém.


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Fonte: Pe. Fr. Manoel da Madre de Deus, OCD, Práticas Mandamentais ou Reflexões Morais Sobre os Mandamentos da Lei de Deus e os Abusos que lhes são Opostos, Outras Práticas e Missões – Prática 4ª, pp. 509-517. 3ª Edição, Em Casa de Cruz Coutinho – Editor, Porto, 1871.

1.  Luc. 18, 31.

2.  Êx. 10, 21-23.

3.  Rom. 12, 1.


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