Blog Católico, para os Católicos

BLOG CATÓLICO, PARA OS CATÓLICOS.

"Uma vez que, como todos os fiéis, são encarregados por Deus do apostolado em virtude do Batismo e da Confirmação, os leigos têm a OBRIGAÇÃO e o DIREITO, individualmente ou agrupados em associações, de trabalhar para que a mensagem divina da salvação seja conhecida e recebida por todos os homens e por toda a terra; esta obrigação é ainda mais presente se levarmos em conta que é somente através deles que os homens podem ouvir o Evangelho e conhecer a Cristo. Nas comunidades eclesiais, a ação deles é tão necessária que, sem ela, o apostolado dos pastores não pode, o mais das vezes, obter seu pleno efeito" (S.S. o Papa Pio XII, Discurso de 20 de fevereiro de 1946: citado por João Paulo II, CL 9; cfr. Catecismo da Igreja Católica, n. 900).

quarta-feira, 8 de março de 2023

ENCONTRO DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO, NO TEMPLO, POR SÃO JOSÉ E NOSSA SENHORA.


A vida humana encerra tantas surpresas, ora alegres, ora tristes, com muito mais frequência tristes que alegres. Em vão se é previdente, indaga-se a respeito do futuro e se está preparado contra os golpes adversos da fortuna, entesourando a experiência do passado. Quando menos se pensa, eis que um incidente inesperado e nem sempre agradável, muda com frequência a posição do indivíduo; são as surpresas que Deus reserva a cada um. Foi Deus que quis manter na obscuridade o futuro de nossa vida, do próprio amanhã, a fim de compreendermos que só Ele é o verdadeiro Senhor que dispõe de nós e de nossas coisas, e que só a Ele devemos confiar os nossos destinos.

A nossa vida é como uma carreira no desconhecido, que só se deixa adivinhar e compreender em face da cruel realidade. Foi o que sucedeu a São José com a perda de Jesus aos doze anos.

Os hebreus celebravam anualmente três grandes Solenidades: a Páscoa, que lhes recordava a libertação da escravidão do Egito; o Pentecostes, em memória da publicação da Lei de Deus ao pé do Monte Sinai; e festa dos Tabernáculos, em memória de sua entrada na Terra Prometida.

Tais festas duravam oito dias. Eram celebradas em Jerusalém, porque no grande Templo se conservava a Arca do Antigo Testamento. Dessas três festas, a principal e mais solene era a da Páscoa, e todos os hebreus, até os que habitavam nos mais longínquos países, tinham a obrigação de se dirigirem ao Templo, à exceção das mulheres e dos meninos com menos de doze anos.

Ora, aproximava-se a Páscoa; já resplandeciam em toda a parte, nos cimos das montanhas, os fogos noturnos, para anunciar o novilúnio do mês de Nisan; e, enquanto se aplanavam os caminhos, todo o povo se dispunha à peregrinação para a grande festa em Jerusalém.

Nas povoações e cidades, reuniam-se as caravanas, dirigindo-se para a Capital, e os peregrinos, em tais viagens de devoção, caminhavam, para maior modéstia, separadamente os homens das mulheres, fazendo ressoar por toda a parte o alegre cântico dos Salmos. Os meninos podiam ser acompanhados tanto pelo pai quanto pela mãe.

Jesus chegara aos doze anos e tornara-se, segundo a expressão hebraica, “filho da Lei”, isto é, achava-se obrigado aos jejuns prescritos e a presenciar a festa da Páscoa em Jerusalém.

São José, observador perfeito da Lei, jamais faltava a esse dever religioso e, decerto, quando o Divino Menino chegou à idade aprazada, julgou de seu dever conduzi-Lo consigo. Maria Santíssima não ia por dever, pois a Lei não obrigava as mulheres, mas por devoção, como aliás faziam muitas outras. E assim, os corações de Jesus, de José e de Maria, desde o momento em que se conheceram, estiveram sempre unidos pelo mais santo amor, no lar e fora dele, no trabalho e na solenidade.

Os peregrinos eram esperados na cidade pelos amigos e parentes, e os outros podiam encontrar o necessário com ínfima despesa.

A 14 de Nisan, comia-se o Cordeiro Pascal, a 15 todos os homens deviam assistir às funções solenes no Templo, e, à tarde do mesmo dia, ofereciam-se as primícias do trigo. Após esta oferta, com que se abria a colheita daquele ano, muitos encetavam a viagem de regresso e os outros permaneciam na cidade por toda a Oitava da Páscoa.

Durante a viagem e a permanência da Sagrada Família em Jerusalém, nada aconteceu de particular; mas, não foi assim ao partirem da Capital, de regresso a Nazaré. O Menino Jesus, por sua grande amabilidade e admirável formosura, era sempre procurado e desejado pelos amigos e parentes; por isso, ao regressar a caravana de que fazia parte a Sagrada Família, José e Maria caminhavam respectivamente no próprio grupo e não perceberam a falta de Jesus. José julgava que estivesse com Maria e Maria O julgava com José.

Chegados à primeira etapa, sem Jesus, pensando que haveria de chegar com os parentes ou com alguns conhecido, ao princípio não se preocuparam demasiadamente. Mas qual não foi a dor de São José e de Maria, depois de O haverem esperado tanto, procurado e pedido notícias aos peregrinos que chegavam, ao não poderem encontrá-Lo nem saber coisa alguma a Seu respeito! Que noite de penas e ansiedade! Piores ainda foram os dias seguintes, em que os Santos Esposos, alquebrados pela fadiga e pela dor, retomaram o caminho de Jerusalém.

A cada passo, José espera encontrar Jesus, a cada passo que vê, pede notícias suas, mas sempre uma nova desilusão. Jesus não aparece, não responde à voz do pai angustiado que O chama pelo Nome. Quisera ao menos consolar sua Esposa, que o acompanha, prostrada pela dor de haver perdido o Filho, mas a dor lhe mutila a palavra nos lábios. Esforça-se por pronunciar palavras de conforto, mas impendem-no as lágrimas copiosas que lhe descem pelas faces.

Que terá acontecido? Onde estará? Será chagada talvez a espada predita por Simeão? Ah, quem pode compreender a amargura daqueles suspiros e daquelas lágrimas! Entre tantas dores na fuga para o Egito, ao menos tinha consigo o Amado Menino, e com Ele diante dos olhos, resignado deve graças a Deus pela provação. Mas agora… quem sabe?

Diz Orígenes, que São José, nessa circunstância, experimentou no coração dor mais amarga e tormentosa que a padecida pelos Mártires na violenta separação da alma e do corpo, causada pelos suplícios. E não podia ser de outra maneira, pois São José colocara todo o seu amor em Jesus, e este amor era a vida da sua vida. Perdido Jesus, era como que extinta a luz de seu olhos, roubada a alegria de seu coração, desaparecido o único bem que constituía o objeto contínuo de seus pensamentos.

O Menino subtraíra-se à vista dos pais por vontade de Deus. Depois de haver escolhido, em presença do Sacerdote, a profissão que devia exercer na oficina de Nazaré ao lado do pai terrestre, quis dar aos homens uma primeira lição da Missão Divina que Lhe fora confiada pelo Pai Celeste.

Deteve-se pois no Templo onde se achavam os principais Sacerdotes e Doutores da Lei, reunidos no sinédrio, e, com a amabilidade de seus gestos, com as interrogações que fazia e as sábias respostas que dava, atraiu a admiração de todos. Ao terceiro dia, com Sua inaudita sabedoria e superioridade de espírito, pasmou os Doutores que, para melhor ouvi-Lo, fizeram-No sentar entre eles em lugar de honra.

Não é difícil adivinhar, observa Meschler, que a discussão se referisse à vinda do Messias, e com esse assunto o Divino Mestre realizou uma espécie de revolução, enquanto aquele Sinédrio, quase divinizado, de sábios anciãos, não se dedignou de honrar a um Menino e de se deixar instruir por Ele.

É próprio da Divina Providência para com as suas almas fiéis, deixar que cheguem, em suas aflições, até aos extremos, e, quando por tal forma as achou dignas de seus favores, socorrê-las com as consolações celestes, abundante compensação de quanto sofreram. Assim, uma alma atribulada, ao se ver imersa em um mar de desolação, parecendo-lhe não vir mais conforto algum nem de Deus nem das criaturas, pode estar certa de que Deus se acha então mais próximo que nunca e, após havê-la assistido na tribulação como testemunho de seu valor, dar-lhe-á a coroa da vitória.

Assim sucedeu a São José e a Maria. Quando seus Corações não mais podiam suportar a plenitude da dor, perdida toda esperança de encontrar o seu Jesus, súbita inspiração lhes ilumina o pensamento, uma voz interior lhes diz que O procurem no Templo.

Um clarão de esperança lhes ilumina os pálidos semblantes, desfeitos pela longa angústia.

Correm ao Templo, entram, olham em derredor, quando… oh, que espetáculo se apresenta a seus olhos! O seu adorado Jesus sentava-Se, cheio de Majestade, entre os Doutores da Lei que, num círculo, ouviam maravilhados a sapientíssima doutrina a brotar-Lhe dos lábios.

A tal quadro, o Coração de José abandonou toda angústia e se encheu de consolação, não só por rever o seu Jesus, mas por vê-Lo objeto de admiração dos próprios Doutores da Lei; perdera-O desconhecido do mundo e encontrava-O irradiando a própria Divindade.

Mas a Mãe, opressa ainda pela dor sofrida, não obstante a consolação de achar-Se diante de seu Jesus, exclamou: Ah, Filho, que nos fizeste! Teu Pai e Eu Te procurávamos com tanta aflição!

O Salvador se ergueu, respondendo com Majestosa serenidade: Por que procurar-me? Não sabíeis que devo ocupar-me com o que diz respeito a meu Pai? E foi tal o esplendor divino que Lhe transpareceu no semblante a essas palavras, que todos silenciaram por reverência. Depois disso, reuniu-se aos pais, e, passando por entre a multidão emudecida e admirada, tomaram o caminho de Nazaré.

Era natural que Maria, com o seu Coração Materno tão aflito, prorrompesse naquela dolorosa exclamação, enquanto São José se conservou, também ali, o homem do silêncio e reflexão. O tácito desaparecimento com que Jesus, sempre obediente, lhes causara tantas penas, a entrada no Templo, fazendo-Se admirar por todos em um período de vida tão humilde e escondida, era sem dúvida um Mistério de meditação profunda; Mistério que foi como o prelúdio de Sua vinda como Messias e da peregrinação através da Palestina, revelando a Sua Divindade.

Nesse acontecimento se manifesta, sob diversos aspectos, a posição de São José na vida de Jesus, e se faz referência à participação do Santo na missão redentora do Salvador no Calvário à vista de Jesus moribundo, ali feriu, com Ela, também o Seu virgem Esposo.

Aprendamos de São José a considerar a perda de Jesus a maior de todas as desgraças. Tudo é vaidade, diz Salomão; para tudo neste mundo se acha remédio, mas, perdida a graça de Deus com o pecado, e excluídos do Céu para toda a eternidade, onde encontraremos remédio para a nossa mísera sorte? De que vale ganhar o mundo inteiro se se perder a alma? E que importa perder tudo, quando se salva a alma?


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Fonte: Rev. Pe. Tarcísio M. Ravina, da Pia Sociedade de São Paulo, São José – na Vida de Jesus Cristo, na Vida da Igreja, no Antigo Testamento, no Ensino dos Papas, na Devoção dos Fiéis e nas Manifestações Milagrosas; 1ª Parte, pp. 84-90. Edições Paulinas, Recife, 1954.


SÃO TOMÁS DE AQUINO, DOUTOR DA IGREJA CATÓLICA.


São Tomás, lustre e ornamento do estado religioso, um dos mais brilhantes luminares de todo o mundo, um dos maiores Santos e dos mais esclarecidos Doutores da Igreja, era italiano, de uma das mais nobres famílias do reino de Nápoles. Landulfo, seu pai, pertencia à ilustre casa dos Condes de Aquino, entroncada com os reis da Sicília e de Aragão; e Teodora, sua mãe, era filha do Conde Chieti, descendente dos príncipes normandos, que tinham conquistado outrora os reinos de Nápoles e da Sicília.

Tomás nasceu no mês de março de 1225, no castelo de Rocca-Sicca, pouco distante da cidade de Aquino. Puseram-lhe o nome de Tomás, de conformidade com o que tinha anunciado um santo eremita, prognosticando a alta santidade daquele menino e os importantes serviços que viria a prestar à Igreja.

Não tardou em confirmar-se o vaticínio deste homem de Deus, com um sucesso singular. Notou um dia a ama que o criava, que o menino tinha um pedaço de papel na mão, e quis tirar-lhe. Mas Tomás, que só contava um ano, apertou-o tanto entre as mãozinhas, chorou e afligiu-se de tal modo, que ela se viu obrigada a desistir do intento. Presenciando isto a mãe, desejou saber o que o papel continha, e tirou-lhe à força. Que surpresa não foi a sua ao ver nele escritas as palavras: Ave, Maria!

Redobrou o menino os vagidos e os gritos, sendo preciso restituir-lhe o papel para se calar; mas ele, apenas o tornou a ver nas suas mãos, levou-o imediatamente à boca em atitude de o engolir. Tão estranho fato, que várias pessoas presenciaram, que fez julgar a todos que o menino Tomás viria a ser um grande santo e um fidelíssimo servo de Maria.

Para secundar as inclinações de Tomás, que todas convergiam para a piedade, seus pais mandaram-no aos cinco anos para o Mosteiro de Monte Cassino, a fim de ser ali educado. O natural feliz do nosso ditoso jovem quase nada deixou que fazer à educação. Antecipava-se às instruções a sua inclinação para a virtude. Todos os seus divertimentos reduziam-se ao estudo e à oração; o que fez com que o Abade aconselhasse seu pai a mandá-lo para alguma universidade.

Tomás estudou humanidades e filosofia com grande distinção; porém, os seus grandes progressos nas letras humanas ficavam muito longe dos que ia fazendo cada dia na ciência dos Santos. Conservou a inocência no meio da corrupção do século; temendo, porém, naufrágio, demandou porto seguro. Foi esta a célebre Ordem dos Pregadores, que, embora fundada há pouco, enchia já o mundo com as maravilhas que operava, e renovando o antigo esplendor do estado religioso, edificava então, como edifica ainda hoje, toda a Igreja, com as grandes virtudes dos seus filhos, com a sua profunda sabedoria, e com os frutos do seu zelo verdadeiramente apostólico.

Foi o santo recebido no Convento de Nápoles, aos dezoito anos de idade; e logo desde os primeiros dias do noviciado era modelo de perfeição religiosa. Fez pasmar o mundo, pouco acostumado então a semelhantes exemplos, o retiro de um jovem daquela qualidade e daquelas esperanças. Seus pais ficaram admirados.

Sabendo o noviço que sua mãe se encaminhava para Nápoles com o intuito de o tirar da religião, pediu ao Prior que o enviasse para Roma. Ali o seguiu a aflita senhora, e não o encontrando, porque os Superiores o tinham mandado para Paris, a fim de concluir os seus estudos, não desanimou nem desistiu do empenho. Escreveu imediatamente aos seus dois filhos mais velhos, Landulfo e Reinaldo, que serviam nos exércitos do imperador Frederico, e que então se achavam na Toscana, para que por todos os modos diligenciassem prender seu irmão Tomás, e lho remetessem com boa escolta. Assim o cumpriram os dois irmãos.

A Condessa, que não queria que seu filho abraçasse o estado religioso, tendo-o agora à sua disposição, valeu-se de todos os artifícios para o abrigar a despir o hábito: rogos, razões, lágrimas, lisonjas, ameaças, tudo empregou, mas tudo sem proveito. O santo jovem respondeu-lhe sempre muito respeitosa e modestamente, mas com toda a firmeza, que Deus era o seu primeiro e soberano Senhor, e que a sua voz era mais forte que a da carne e do sangue; e visto que Ele o chamava para a religião, pedia aos seus pais que não lhe pusessem obstáculos.

Vendo que nada adiantava, a Condessa encomendou a empresa a uma filha sua, dama de singularíssimo respeito, fiando da sua discrição, da sua arte e das suas lágrimas o triunfo sobre a resistência de Tomás; mas este, como adquiria todos os dias novas forças, recorrendo à oração, sustentou o rude ataque com tanto êxito, que longe de entibiar no fervoroso empenho de se manter no estado que escolhera, persuadiu sua irmã a fazer-se também religiosa, – o que ela realizou pouco depois no Convento de Santa Maria de Cápua, onde foi Abadessa e veio a morrer santamente.

A vitória que o santo conseguiu de seus irmãos, não foi tão vantajosa nos efeitos, mas muito mais custosa. Tendo voltado do exército, Landulfo e Reinaldo, deixando-se levar unicamente pelo orgulho e pelo espírito de soldados, quiseram realizar a empresa à viva força. Encerraram Tomás na torre do castelo, arracaram-lhe o hábito, fazendo-o em mil pedaços, e tentaram cansar a sua perseverança com o rigor de cruéis tratamentos.

Achando-o inflexível, resolveram abrandá-lo por meio da sensualidade e do deleite; e discorrendo que Tomás perderia a vocação no mesmo instante em que perdesse a graça, introduziram no quarto da torre uma jovem cortesã, a mais atrevida que havia então. O ataque foi violento e o santo conheceu toda a força do perigo. Levantou o coração a Deus, implorou o auxílio de Maria; e como não pudesse fugir, pegou de um tição do fogareiro, e assim pôs em fuga aquela desgraçada. Pasmado só com a ideia do perigo, riscou com o tição uma cruz na parede e prostrando-se diante do Senhor, que lhe dera a vitória, fez voto de perpétua castidade.

Não tardou o Senhor, em recompensar a generosa fidelidade do seu puríssimo servo; tendo adormecido, sentiu que durante o sono, dois Anjos lhe apertaram os rins com um cíngulo, em sinal do dom da pureza que lhe comunicava. Desde então, como ele mesmo atestou pouco antes da morte, nunca mais sentiu os molestos estímulos da concupiscência.

Souberam os frades da sua Ordem o que se tinha passado; e encantados com uma tão heroica perseverança, acharam meio de o ver e de o consolar, e levaram-lhe um hábito. A mãe, recordando-se então do que tinha sido predito de seu filho, não quis opor-se mais aos desígnios de Deus; e fingindo ignorar as medidas que se tomavam para lhe dar a liberdade, consentiu que o descessem por uma janela da torre. Vendo-se livre, depois de uma prisão de quase dois anos, voltou para o Convento de Nápoles, onde foi recebido pelos religiosos com a alegria e os aplausos que mereciam a sua virtude e perseverança. Ali fez a sua profissão.

Temendo os Superiores que segunda vez lhe roubassem aquele tesouro, enviaram-no para Roma, donde o Geral da Ordem o fez partir para Paris, e dali para Colônia, onde estava então ensinando teologia Alberto Magno, o mais famoso doutor que naquele tempo tinha a Ordem dos Pregadores.

Sob a direção de tal mestre, fez Tomás assombrosos progressos; porém, tão ocultos no véu da modéstia, que os seus condiscípulos chamavam-lhe o boi mudo. Mas, por maior cuidado que tivesse de confirmar pelo silêncio a opinião menos vantajosa que corria da sua capacidade, a penetração do seu espírito traduzia através da profunda humildade, e aquele pretenso boi mudo, tornou-se dentro de pouco tempo o oráculo de todo o universo e o Anjo das Escolas.

Vãmente recusou tomar o grau de doutor na célebre Universidade de Paris, pois teve de obedecer. Logo que recebeu a borla, mandaram-no explicar o Mestre das Sentenças; o Tomás de tal modo se houve, que quase logo desde o primeiro dia igualou a alta reputação de seu mestre Alberto Magno, e excedeu a todos os outros professores.

A facilidade que tinha em aclarar e resolver as dificuldades mais obscuras; a penetração, a erudição e o método que se admiram em todas as suas obras, comprovam o que o Papa João XXII diz na Bula da sua Canonização: Que a sua doutrina teve mais de infusa do que de adquirida.

Dava sempre princípio ao estudo pela oração; e ele mesmo confessou que as dúvidas que se lhe ofereciam, o seu principal oráculo era o Crucifixo. Ensinou em Bolonha, em Fondi, em Pisa e em Orvietto, com a mesma reputação que em Paris; e em todas as partes deixou provas da sua santidade e sabedoria.

Tendo-se declarado contra as Ordens Religiosas, certos espíritos malignos, e alguns hereges contra a Santa Sé, Tomás fez emudecer aqueles, e confundiu estes com os seus escritos, com tanta viveza e com tão vitoriosa eficácia, que desde então o olharam e temeram como o seu maior açoite, tanto os dissolutos como os inimigos da Igreja.

À vasta sabedoria que todos admiravam em Tomás, correspondeu sempre a eminência da sua heroica virtude. Era difícil encontrar homem de mérito mais verdadeiro, nem mais universalmente reconhecido, e nunca houve ninguém mais humilde. Quando estava ensinando em Bolonha, chegou ao Convento um frade que não o conhecia, e tendo de comprar algumas coisas pediu-lhe que o acompanhasse à praça. Achava-se o santo muito molestado de um pé, e além disso era quase a hora de entrar para dar aula; porém, sem alegar nem uma nem outra desculpa, foi acompanhando o bom do religioso, que mal soube com quem tratava, se desfez em desculpas, mas o santo viu-se mais embaraçado com as desculpas, do que com o exercício do ato que fizera, impulsionado pela humildade.

Recusou tenazmente as primeiras dignidades Eclesiásticas, e nomeadamente o Arcebispado de Nápoles, mau grado as reiteradas instâncias do Papa. Não se podia levar mais longe a mortificação do corpo e do coração. Houve quem dissesse que ele tinha nascido sem paixão; tanto as tinha mortificadas. A doce suavidade do gênio, o tom da voz e a serenidade do semblante, foram sempre inalteráveis; e à força de macerar a carne, tinha quase perdido o uso dos sentidos.

Posto que houvesse recebido por especial privilégio o dom da pureza, nada poupou que pudesse servir à conservação de tão delicada virtude. Nunca fitou o rosto de mulher alguma, e toda a vida evitou escrupulosamente todas as conversações que pôde desculpar com este sexo.

A sua devoção favorita foi a que professou ao Santíssimo Sacramento. Sempre que se aproximava do altar, deixava-o orvalhado de lágrimas. Brotavam-lhe pelo semblante os interiores incêndios do seu amor. Por ordem do Papa Urbano IV, compôs o Ofício do Santíssimo Sacramento, com aquela terna efusão do coração que se faz sentir em cada palavra; e não contribuiu pouco para que se ordenasse a celebração da sua Festa Solene em toda a Igreja, e para reacender no coração dos fiéis o quase extinto fogo do amor a Jesus Sacramentado.

A ternura de São Tomás para com a Santíssima Virgem, constituiu desde o berço parte do seu caráter. Muitas vezes lhe apareceu esta Soberana Rainha durante a vida; e poucos dias antes de morrer assegurou-lhe, que ele nada tinha pedido ao Filho por intercessão da Mãe, que não tivesse conseguido.

Seria interminável a relação das virtudes e das maravilhas deste grande gênio. Nunca deixava de pregar a Palavra de Deus; e estando a exercer este ministério pela Oitava da Páscoa na Basílica de São Pedro, curou de um fluxo de sangue uma mulher, que tocou a fímbria das suas vestes.

A sua vida foi uma perpétua cadeia de milagres, o mais visível dos quais, como notaram os próprios Sumos Pontífices, é que um só homem em menos de vinte anos, pudesse ensinar com inaudito aplauso em quase todas as Universidades mais célebres da Europa; combater e dissipar com os seus escritos os maiores inimigos da Igreja; converter com os seus Sermões grande número de pecadores e de hereges; compor aquela prodigiosa multidão de sapientíssimas obras, que podem chamar-se o Tesouro da Religião; explicar com tanta precisão e com tanta solidez os Mistérios mais obscuros da Teologia; ensinar com tanta unção e nitidez as verdades da Moral; expor com tanta clareza nos seus sábios Comentários os Livros da Sagrada Escritura; satisfazer tão plenamente a quantas dúvidas que incessantemente e de todas as partes lhe propunham como a Oráculo; e apesar disto, dar todos os dias muitas horas à oração; não se dispensar quase nunca dos mais ordinários exercícios da Comunidade; macerar a sua carne com austeríssima penitência, apesar de ter uma saúde fraca. Tal foi a vida de São Tomás de Aquino.

Mas não se deve admirar, diz Santo Antonino, falando do nosso grande Santo, que um homem que nunca perdia a Deus de vista e tinha frequente conversação com as celestiais inteligências; que um homem, a quem tantas vezes se viu arrebatado em êxtases maravilhosos, durando alguns por espaço de três dias inteiros; um homem a quem os Apóstolos São Pedro e São Paulo ditavam a exposição de suas Epístolas; não se deve admirar, que um homem assim possuísse uma ciência tão profunda e operasse tantas maravilhas em favor da Religião.

Foi isto o que armou a indignação de todos os hereges contra ele. Como é a este admirável Doutor que se deve aquele método regular, que reina nas Escolas, com o qual se resolvem as dúvidas, se arranca a máscara do erro e se explicam os Dogmas da Fé, segundo a verdadeira inteligência da Igreja e dos Santos Padres; a heresia não conheceu maior inimigo que São Tomás, porque nenhum heresiarca tem podido defender-se contra a solidez, e, se é lícito falar assim, contra a infalibilidade da sua doutrina.

E esta doutrina angélica, que tantas vezes e por tantos Papas tem sido elogiada, é esta doutrina que o grande São Pio V reconheceu por uma das Regras mais certas e infalíveis da Fé, tendo-se muitos Sagrados Concílios valido das próprias palavras de Tomás, para a disposição dos seus Cânones.

Que heresia, diz o mesmo ilustre Pontífice, não tem sido desarmada pela doutrina deste Santo Doutor? Que erro poderá levantar-se, cujo contra-veneno não se ache na sua portentosa Summa? Cada artigo desta obra admirável, diz o Papa João XXII, é um milagre. O que segue a doutrina de São Tomás, diz Inocêncio V, não poderá transviar-se; e o que dela se afasta, expõe-se a errar.

Comparado aos Espírito Angélicos, não menos pela inocência do que pelo engenho, mereceu o nome de Doutor Angélico, título que lhe foi confirmado por São Pio V. Porém, o maior elogio deste grande Doutor e da sua assombrosa doutrina, é o que lhe sucedeu, achando-se em Nápoles, quando compunha a Terceira Parte da sua Summa.

Estava em oração na Capela de São Nicolau, diante de um Crucifixo, quando entrou num doce êxtase, durante o qual ouviu uma voz miraculosa, que saindo do Crucifixo disse estas palavras: Tomás, tens escrito bem de Mim; que recompensa queres que te dê? Ao que o Santo respondeu: Nenhuma outra, senão Vós, Senhor, nenhuma outra. Assegura-se que recebeu o mesmo favor em Orvietto, quando compunha o Ofício do Santíssimo Sacramento; e em Paris, quando explicava o que nos ensina acerca deste Mistério.

Achava-se em Nápoles, dando fim às suas últimas obras, quando recebeu ordem do Papa Gregório X para se apresentar no Concílio Geral, que acabava de convocar em Lião; e não obstante estar ainda mal convalescido de uma espécie de apoplexia, cuja violência o tinha privado dos sentidos, por espaço de três dias, logo se pôs à caminho.

Chegado ao Mosteiro de Fossa-Nova, da Ordem de Cister, foi de novo assaltado pela doença de que tinha sido atacado. Em virtude dos remédios que lhe aplicaram e do caritativo desvelo com que os Monges acudiram a conservar aquela preciosa vida, sentiu o Santo algum alívio. Aproveitando-se deste intervalo, os referidos Monges pediram-lhe que lhes fizesse uma exposição do Livro dos Cantares. Tomás começou a trabalhar nela, mas não a pode concluir, porque o mal voltou a assaltá-lo com maior e mais perigoso ataque.

Conhecendo que se ia já aproximando o ditoso fim da sua gloriosa carreira, confessou-se e recebeu o Sagrado Viático, fazendo a Profissão de Fé diante da Hóstia consagrada, com lágrimas tão copiosas e tão ternas, que fez humedecer também os olhos de todos os assistentes. Recebida a Extrema-Unção, com uma presença de espírito e devoção extraordinária, entregou a venturosa alma nas mãos do Criador e foi receber no Céu, o prêmio que Deus lhe tinha preparado.

Morreu na quinta-feira, 7 de Março, do ano de 1274, contando apenas 50 anos de idade, cumulado de glória e merecimentos.

Tanto pelos milagres que tinha feito em vida, como pelos que continuaram depois da sua morte, juntos à santidade da sua vida, o Papa João XXII canonizou-o no ano de 13323, aos quarenta e nove anos depois de falecido; e no ano de 1567 mandou São Pio V, que em todo o mundo católico se rezasse o Ofício de São Tomás, como de Doutor da Igreja.

Foram muitas as trasladações que se fizeram do santo corpo, e em todas elas se achou inteiro e incorrupto. Houve grandes e ruidosos pleitos entre os Padres Dominicanos e os Monges de Fossa-Nova, sobre a posse destas inestimáveis relíquias, até que o Papa Urbano V os terminou em favor dos primeiros; e em virtude da sentença pontifícia, foi trasladado o corpo de São Tomás, para o Convento de Tolosa, no ano de 1369.

Paris possui um osso do braço direito, e Nápoles outro. Esta segunda cidade venera e honra São Tomás, como um dos seus Patronos e Protetores.

As suas Obras, foram publicadas em Roma em 18 volumes in-fol., 1570-71; em Paris, em 23 volumes in-fol., 1636-41; em Veneza, em 20 volumes, in-4., 1745; em Parma, em 24 volumes, in-fol., 1857-58; e, reimpressas pelo Abade Migne, em 4 volumes in-8, a duas colunas.

Encontram-se nelas, com Tratados Dogmáticos de Teologia, Comentários sobre Aristóteles, – sobre a Escritura, – sobre o Mestre das Sentenças (Pedro Lombardo), Sermões, Escritos de Controvérsia, e Poesias (especialmente Hinos: Lauda, Sion; Adorote; Pange, língua; Verbum supernum, etc.) As suas Obras principais são uma Suma de Fé Católica contra os Gentios, e uma Suma de Teologia.

O imortal Pontífice Leão XIII, recebendo jubiloso as reclamações e os votos de quase todos os Bispos do Orbe Católico, e de outros Varões eminentes pela ciência, piedade e dignidade eclesiástica, tendo em vista principalmente combater tantos maus sistemas filosóficos, e desejando promover o desenvolvimento das ciências e a utilidade comum do Gênero Humano, depois de consultada a Sagrada Congregação dos Ritos, pela sua memorável Encíclica Aeterni Patris, declarou São Tomás de Aquino, Especial Patrono de todas as Universidades Católicas, Academias, Liceus e Escolas, ordenando que a mesma Sagrada Congregação dos Ritos, introduzisse no Martirológio e nas lições do Breviário Romano, a menção deste fato.


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Fonte: Pe. Croiset, “Ano Cristão”, Vol. III, dia 7 de Março, pp. 79-86. Traduzido do Francês e adaptado às últimas reformas litúrgicas pelo Pe. Matos Soares, professor do Seminário do Porto. Tip. “Porto Medico”, Ltda. Porto. 1923.


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