Blog Católico, para os Católicos

BLOG CATÓLICO, PARA OS CATÓLICOS.

"Uma vez que, como todos os fiéis, são encarregados por Deus do apostolado em virtude do Batismo e da Confirmação, os leigos têm a OBRIGAÇÃO e o DIREITO, individualmente ou agrupados em associações, de trabalhar para que a mensagem divina da salvação seja conhecida e recebida por todos os homens e por toda a terra; esta obrigação é ainda mais presente se levarmos em conta que é somente através deles que os homens podem ouvir o Evangelho e conhecer a Cristo. Nas comunidades eclesiais, a ação deles é tão necessária que, sem ela, o apostolado dos pastores não pode, o mais das vezes, obter seu pleno efeito" (S.S. o Papa Pio XII, Discurso de 20 de fevereiro de 1946: citado por João Paulo II, CL 9; cfr. Catecismo da Igreja Católica, n. 900).

segunda-feira, 29 de maio de 2023

SANTA MARIA MADALENA DE PAZZI, VIRGEM E MÍSTICA CARMELITA.


Santa Maria Madalena, da ilustre casa de Pazzi, no ducado da Toscana, tão recomendável por sua vida religiosa, como por sua santidade, era filha de Camilo de Geri de Pazzi e de Maria Lourenço de Bondelmont. Nasceu em Florença no dia 2 de Abril do ano de 1566, e foi seu nome de Batismo Catarina. Deus preveniu-a desde o berço com as Suas mais doces bênçãos; nunca houve menina que fosse menos criança. Isenta das fraquezas ordinárias das crianças, os seus divertimentos consistiam na oração; querendo distraí-la, nada havia mais próprio do que ler-lhe a vida dos Santos, ou levá-la à igreja. A sua devoção era a admiração de seus pais.

Tinha um gênio tão dócil, acompanhado de uma seriedade e de uma doçura tão insinuante, que se fazia amar e admirar de todos os que a conheciam. Dir-se-ia que tinha nascido com um amor ardente para com Jesus Cristo e uma ternura extrema para com a Santíssima Virgem, tanto a sua devoção era sensível para com ambos. Deus favoreceu-a com o dom da oração, ainda antes de ter a idade para aprender a ler. Passava horas inteiras nesse exercício, e quando lhe perguntavam o que fazia em seu oratório, respondia: “Peço ao Bom Deus que me ensine o que me é necessário que eu saiba para Lhe agradar”. Tinha apenas sete a oito anos, quando o Padre Rossi, jesuíta, começou a ouvi-la em Confissão. Foi sem dúvida nesse comércio espiritual, que tinha com Deus, que aprendeu essas pequenas indústrias de se mortificar, com as quais iludia a atenção de sua aia. A sobriedade encaminhou-a desde logo à abstinência; foi necessário observá-la para lhe interromper os jejuns; toda a solicitude do seu Diretor e de sua mãe não conseguia mais do que moderar-lhe as austeridades. Mas nada fazia sofrer tanto esta anta donzela, como não se ver ainda em idade de ser admitida à mesa da Comunhão; tinha uma santa inveja a todos aqueles, a quem uma idade mais adiantada concedia esse privilégio. O seu desejo, a sua virtude, a sua razão determinaram o Confessor a permitir-lhe a Comunhão na idade de dez anos. Depois desta graça não acreditava que pudesse haver felicidade maior do que a sua. Não sabendo como mostrar-se reconhecida, resolveu consagrar a Deus a sua virgindade; fez voto de assim cumprir, e desde então não se considerou senão como esposa Sua.

Esta nova qualidade despertou-lhe um novo desejo dos sofrimentos. Para se tornar agradável ao seu Divino Esposo, começou desde a idade de doze anos a deitar-se sobre a terra dura e a macerar o corpo com toda a sorte de austeridades.

A vista de Jesus Cristo sobre a Cruz inspirava-lhe cada dia alguma nova mortificação. Além do cilício que trazia continuamente, fez uma coroa de espinhos muito penetrantes que apertou sobre a cabeça, e passou uma noite inteira neste doloroso tormento. Nunca o amor de Deus pareceu mais engenhoso, do que nas indústrias que empregou esta donzela para mortificar os seus sentidos; em toda a parte encontrava matéria de sacrifício. Por este tempo o grão-duque da Toscana deu o governo da cidade de Cortona a seu pai Camilo. A nossa santa obteve de sua família, por conselho do Padre Blanca, Reitor dos Padres jesuítas, a permissão de entrar como pensionista, no Mosteiro das religiosas de São João, em Florença.

Este retiro lhe aumentou o fervor; e a vantagem de poder adorar a Jesus Cristo a toda a hora no Santíssimo Sacramento, fazia-lhe dizer que o Convento era o paraíso terrestre. Teria passado noites inteiras no coro, se não se empregasse alguma severidade para de lá a arrancar. As suas delícias eram fazer sempre a corte a Jesus Cristo; querendo encontrá-la, era sabido que se achava na igreja. Era forçoso, no entanto, deixar uma tão doce habitação, por ocasião do regresso de seus pais a Florença; esta despedida custou bastante lágrimas às religiosas e à donzela; a dor foi recíproca; mas nada a afligiu tanto como a resolução de a casarem.

Tinha apenas 15 anos; a sua virtude, mais ainda do que a sua fortuna, nascimento ou beleza, tornava-a muito pretendida. Mas todas as solicitações se malograram; declarou a seus pais que tinha feito voto de entrar em religião e de não ter jamais outro esposo além de Jesus Cristo. Seus pais eram muito virtuosos e a sua vocação muito patente, para que pusessem obstáculos à sua resolução.

Deixaram-lhe o Convento à sua escolha; preferiu as Carmelitas a todas as outras Comunidades, porque comungavam todos os dias. Entrou em virtude desta resolução no Convento de Santa Maria dos Anjos no ano de 1582, tendo cerca de dezesseis anos e meio de idade. Depois de alguns dias de prova, quando se julgava em vésperas de vestir o Santo Hábito, viu-se novamente chamada por seus pais. Foram três meses de rudes combates que teve de sustentar; mas nada pode abalar a sua resolução; tornou outra vez para o Convento, onde, não querendo reter nada daquilo que tinha tido no século, esqueceu até seus pais, e deixou o nome de Catarina pelo de Madalena; e não querendo também nem ver, nem ser vista por pessoa alguma de fora, fez do claustro o seu túmulo, onde se considerou como sepultada.

O sacrifício de sua própria vontade, acompanhou este desapego. Por muito louvável que fosse o hábito que tinha no mundo de praticar grandes austeridades, e de passar muitas horas em oração, não deliberou um momento, quando foi necessário se sujeitar à vida comum das Noviças; submeteu todas as suas devoções particulares à Regra, e concebeu aversão a toda singularidade. Nenhuma noviça começou a vida religiosa com mais fervor; nenhuma fez em menos tempo mais progressos.

A sua devoção, a sua união íntima com Deus, a sua pontualidade e mortificação tornaram-na perfeita religiosa em menos de seis meses. Madalena, ainda noviça, era apresentada como um modelo de perfeição, que cada uma devia esforçar-se por imitar. Suspirava todos os dias pelo momento em que havia de consumar o seu sacrifício; mas foi necessário dilatá-lo, por causa de uma enfermidade que a pôs às portas da morte. A sua profissão teve, enfim, lugar a 17 de Maio, dia da Festa da Santíssima Trindade, com tal devoção e abrasada de um tão ardente amor para com Deus, que durante muitas horas esteve arrebatada em êxtase. Eram os prelúdios dessas graças extraordinárias e desses frequentes raptos, com que Deus a favoreceu. Durante os primeiros dois anos depois da Profissão, poucos dias se passaram que não estivesse durante quatro ou seis horas em êxtase; viam-na algumas vezes imóvel, os olhos elevados ao Céu ou pregados em um crucifixo, com o rosto todo abrasado no fogo do Divino Amor, tão tranquilo, tão risonho, que bem mostrava as delícias que lhe inundavam a alma. Ouvia-se-lhe dizer muitas vezes: “Ó amor! Ó amor! Será possível que sejais conhecido, ó meu Divino Amor, e que não sejais amado?” As lágrimas que abundantemente derramava durante os seus amorosos raptos diziam quanto sua alma estava abrasada desse fogo divino, que o Salvador veio trazer à terra. Algumas vezes durante estes transportes de amor corria toda a Casa e as alamedas do jardim, com o rosto todo abrasado, dizendo com a Esposa dos Cantares: “Eu procuro o meu Bem-amado, não vistes Aquele que minha alma estremece? Não terei descanso enquanto não encontrar Aquele que é o Amado de minha alma… Eu vivo, exclamava outras vezes, eu vivo, mas não sou eu que vivo, é Jesus Cristo que vive em mim”. Nunca se viram efeitos mais sensíveis do Divino Amor, do que os desta ditosa criatura. Houve necessidade muitas vezes de lhe introduzir as mãos na água gelada para temperar estes divinos ardores.

Parece que Nosso Senhor se comprazia em instruir Ele próprio essa alma pura em suas íntimas comunicações. Tendo voltado um dia a si de um longo êxtase, o Confessor e a Superiora ordenaram-lhe que lhe dissesse o que Deus lhe tinha feito conhecer durante esse rapto e as instruções que lhe tinha dado; obedeceu. “ O meu divino Mestre, disse, ordenou-me que conservasse com cuidado e uma vigilância extrema a pureza do coração e a simplicidade; deu-me uma tão alta ideia do preço e do mérito da virgindade, que eu não poderia exprimi-lo por palavras; ordenou-me que fizesse cada ação em particular, como se houvesse de ser a última da minha vida; que ignorasse tudo o que fazem os outros, e que me ocupasse somente dos meus deveres; que tivesse uma igualdade de humor inalterável e uma grande doçura para com toda a classe de pessoas, e que nunca dissesse uma palavra que soubesse a lisonja ou a vaidade; que desejasse apaixonadamente praticar a caridade e prestar serviços as minhas irmãs e que me olhasse como a serva de todas; que estimasse muito as mais ínfimas Regras; que estivesse persuadida de que todas são de importância e de que a mais eminente virtude depende da fidelidade que se tem em observá-las com pontualidade; que não falasse das graças que me faz e do que se passa em meu interior, senão com as pessoas que estão encarregadas da minha conduta; que não tivesse outra vontade senão a do meu Divino Mestre; e que nunca perdesse de vista a Paixão de Jesus Cristo; enfim, que tivesse uma fome insaciável da Divina Eucaristia; que dela me aproximasse com um novo gosto; e que em cada dia fizesse nas vinte e quatro horas trinta e três visitas ao Santíssimo Sacramento, a menos que a obediência não me o estorve”.

Foi dizer um dia à sua Superiora, que o Senhor queria que não se nutrisse senão de pão e água. Não aprovando a Superiora esta singularidade, ordenou-lhe que seguisse a vida comum; obedeceu sem réplica, mas foi-lhe impossível reter um só momento qualquer outra nutrição, e desde então não teve outra em todo o resto de seus dias. Obteve licença para andar com os pés descalços e, por muito rigoroso que fosse o inverno, nunca afrouxou nada desta mortificação. Por fraco e delicado que fosse o seu corpo, e abatido por enfermidades contínuas, deitou-se sempre sobre a terra dura sem nunca largar um áspero cilício e uma cadeia que trazia sobre a sua inocente carne.

Mas não foram estas mortificações o que teve de mais árduo a sofrer. Deus quis purificar a sua grande alma no fogo da tribulação e aumentar desta sorte o seu mérito. Entregue por espaço de cinco anos às mais violentas tentações e às mais rudes provas, viu-se como que sujeita a todo o furor dos Demônios; pareceu esquecer todos os favores de que Deus a tinha cumulado; debateu-se em securas extremas; um desgosto violento por todos os exercícios de piedade, uma insubordinação geral de todas as paixões, e algumas até muito humilhantes; desgosto involuntário da sua vocação; pensamentos terríveis, imaginações fatigantes, tentações de blasfêmia e de desesperação, muitas dores agudas por todo o corpo, espectros horríveis que não lhe deixavam descanso nem de dia nem de noite. A graça sustentava-a, mas não era sensível em um tão triste estado. Madalena em nada se desmentiu; todo o seu refúgio junto de Deus era a sua confiança na proteção da Santíssima Virgem. Viam-na algumas vezes nestes excessos de desespero e de desolação correr aos oratórios que havia no Convento, e derramando lágrimas abraçar estreitamente alguma estátua da Virgem. Mas o que assinala a magnanimidade desta alma, é que nestes trabalhos ouviam-na exclamar: “Quão doce me parece a morte, para pôr fim aos meus sofrimentos; não, meu Deus, não me façais ainda morrer; mas dai-me ainda mais que sofrer: Non mori, sed pati”.

Quanto maiores eram os seus sofrimentos, maior era a sua fidelidade nos exercícios de piedade. Tinha pedido os mais baixos e os mais vis empregos da casa, e todos desempenhava; velava noite e dia à cabeceira dos doentes, e prestava-lhes os ofícios mais humilhantes; o seu maior prazer era obedecer mesmo às irmãs conversas em seus ofícios. Honrava tanto todas as suas irmãs, que se prostrava muitas vezes para beijar a terra, por onde tinham passado. Não é possível levar mais longe a caridade, a mortificação e a humildade, do que o fazia esta santa.

A calma sucedeu à tempestade, e a serenidade a este tempo nebuloso; Jesus Cristo apareceu-lhe e as consolações interiores que acompanhavam a Sua presença sensível fizeram-lhe em breve esquecer tudo quanto tinha sofrido. Daqui por diante não houve mais do que transportes, do que excessos do Amor Divino: “Amar a Deus e aborrecermo-nos a nós mesmos”, eis, dizia ela, em que consiste a perfeição”. Por muito grande que fosse o desejo de sofrer grandes coisas por Deus, o Senhor ordenou-lhe evitar para o futuro toda e qualquer singularidade; fê-lo, mas deu tal relevo ao mérito das ações ordinárias, que crescia sempre em perfeição. Ouviam-na muitas vezes exclamar em suas orações e durante os seus êxtases: “Quem nos separará do amor de Jesus Cristo? Será a tribulação, a tentação ou as angústias? Eu olho tudo como lixo a fim de ganhar a Jesus cristo. O Senhor instrui-me com Seus conselhos, vigia por minha conservação, que temerei eu?” Um dia viram-na durante um desses raptos correr ao altar da Santíssima Virgem; e ali, com o rosto todo inflamado no fogo do Divino Amor que abrasava o seu coração, pronunciou esta oração: “Puríssima Virgem, Mãe de Deus, eu ofereço-me e consagro-me toda a Vós, para sempre e sem reserva; sereis doravante a minha querida Mãe; em Vós coloco junto de Deus toda a minha confiança, dignai-Vos olhar-me como a última de vossas filhas. Jesus e Maria, eis todo o meu tesouro e toda a minha consolação”.

Nunca houve religiosa que tivesse uma ideia mais levantada e mais justa da felicidade do estado religioso; beijava muitas vezes ao dia os muros do claustro e dizia que, se bem compreendessem a doçura, a felicidade e todas as vantagens deste estado, o século ficaria bem depressa deserto. O zelo da salvação das almas devorava-a; todos os dias orava e se penitenciava pela conversão dos pecadores; o tempo de carnaval era para ela a estação das lágrimas; eram dias de martírio.

Embora muito jovem ainda e sempre doente, foi encarregada dos principais ofícios da Casa; foi durante muito tempo diretora das religiosas, entradas ainda de pouco, e das Noviças, e, enfim, escolhida por toda a Comunidade para sua Superiora.

Não é possível admirar assaz a sua vigilância, exatidão, doçura e caridade em cumprir todas as obrigações destes diversos empregos; e mostrou bem que a regularidade e o fervor reinam sem demora em uma Casa Religiosa, quando aqueles que a governam instruem ainda melhor por seus exemplos, do que por suas palavras. Tudo caminha quando os superiores são santos.

Deus favoreceu a nossa santa com os maiores dons sobrenaturais: foi dotada com a prerrogativa dos milagres e da profecia; e no momento em que São Luís de Gonzaga, da Companhia de Jesus, expirou em Roma, Santa Madalena viu durante um êxtase o sublime grau de glória, a que fora elevado no Céu.

As suas dores e enfermidades aumentavam todos os dias, e não se pode compreender como um corpo tão fraco e tão delicado podia resistir a tantos males. A sua última enfermidade aumentou-lhes a violência, sofria dores excessivas por todo o corpo sem poder receber o menor alívio: “Eu espero, dizia, que, a exemplo do meu Divino Salvador, expirarei sobre a Cruz. Não tendes razão, dizia às irmãs que a vinham consolar, em querer que eu desça dela”. Só a Divina Eucaristia tinha poder de suspender por alguns momentos as suas vivas dores, as quais nunca puderam alterar a sua doçura, tranquilidade e paciência.

Enfim, esta vítima ditosa, consumida mais pelos ardores do fogo divino do que por seus sofrimentos, entregou o seu espírito ao seu Criador e foi gozar da alta recompensa que lhe estava preparada. Foi a 26 de Maio de 1607, tendo a idade de quarenta e um anos, 25 dos quais passados no Mosteiro.

Deus deu depois de sua morte sinais da glória de que gozava no Céu, não só pelos milagres brilhantes que se fizeram em seu túmulo, e que ainda continuam, mas ainda pela incorruptibilidade deste Santo Corpo, que se tornou objeto da veneração pública, sobretudo depois que o Papa Urbano III a Beatificou no ano de 1626, e que o Papa Alexandre VII a pôs solenemente no Catálogo do Santos, no ano de 1669, com as cerimônias ordinárias.


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Fonte: Pe. Croiset, S.J., “Ano Cristão”, Vol. V, pp. 403-409, 29 de Maio; Tradução do Francês pelo Pe. Matos Soares, Porto, 1923.


domingo, 21 de maio de 2023

A ASCENSÃO DE JESUS CRISTO AO CÉU.


Tinha Jesus concluído a Sua missão na terra. Tendo descido do Céu para pregar o Reino de Deus, resgatar a humanidade decaída e fundar a nova Sociedade do filhos de Deus, não Lhe restava mais que transformar os continuadores da Sua obra noutros tantos Cristos, dotando-os com aquele Espírito divino que falava por Sua boca e operava por Suas mãos. Mas, como anunciara muitas vezes, não havia de enviar-lhes o Espírito Santo senão depois de voltar para junto do Seu Pai e após a Sua glorificação nos Céus.

Depois de um mês passado com os Seus Apóstolos em celestiais conversas, mandou-lhes Jesus que voltassem para Jerusalém e que O esperassem no Cenáculo, onde iria juntar-se-Lhes. Puseram-se a caminho, alegres, com as caravanas que se dirigiam já para a cidade santa para se preparar para a festa de Pentecostes. Ia com eles Maria, a Mãe de Jesus, rodeada de santas mulheres que não faltavam nunca em acompanhá-La e de um certo número de discípulos privilegiados. Bem receosos estavam ainda das cóleras e vexações dos fariseus deicidas, mas o Divino Ressuscitado estaria com eles e saberia defendê-los contra os seus inimigos. Se os convocava em Jerusalém, era sem dúvida para os fazerem testemunhas de algum novo triunfo; quem sabe? Diziam eles, irá, enfim, restaurar o reino de Israel? Apesar de todas as instruções do Seu Mestre sobre o Reino de Deus, permanecia-lhes arraigado no espírito o preconceito nacional acerca do reino temporal do Messias.

Aos quarenta dias depois da Ressurreição, estavam reunidos no Cenáculo, quando Jesus apareceu no meio deles e sentou-se familiarmente à mesa com a assembleia. Falou, como sempre, do Reino de Deus que os Apóstolos iam estabelecer na terra. Durante os três anos que passara com eles, tinha-lhes revelado o Seu Evangelho, confiado os Seus divinos Sacramentos e designado o Chefe soberano que devia dirigi-los; a eles pertencia agora pregar a todos a Ressurreição do Mestre, como prova da Sua Divindade e da Religião Santa que o Pai intimava por Seu Filho a todos os habitantes da terra.

A empresa seria rude; tanto mais que os poderes deste mundo não poupariam aos discípulos mais do que pouparam ao Mestre; mas Jesus não abandonaria os Seus enviados. Enviar-Lhes-ia o Espírito do Alto que os encheria de luz e penetraria com a Sua força. Mandou-lhes pois que não saíssem de Jerusalém, mas que ali esperassem Aquele Espírito que os revestiria com a divina armadura. Começaria nesse momento a missão deles – a pregação da penitência para remissão dos pecados –; e em Jerusalém onde iam receber o Batismo de Fogo é que deviam inaugurar o seu Ministério.

Animados com estas recomendações e promessas, imaginaram os apóstolos, que com a vinda do Espírito Santo ia começar o reino visível do Messias. “Senhor, perguntaram-Lhe, ides agora restaurar o reino de Israel?” Não respondeu Jesus a esta pergunta e deixou ao Espírito Santo o cuidado de espiritualizar aquelas almas terrenas; mas repetiu-Lhes o que já Lhes dissera sobre o Seu Reino definitivo. “Não vos pertence a vós conhecer os tempos e momentos que o Pai determinou em virtude do Seu poder soberano”. E, com respeito à missão deles, acrescentou: “Vai descer sobre as vossas almas o Espírito Santo; e então sereis minhas testemunhas em Jerusalém e depois em toda a Judeia e na Samaria e até aos confins da terra”.

Depois da refeição, levou-os o Senhor Jesus para fora da cidade, para os lados de Betânia. Cento e vinte pessoas acompanhavam o Divino triunfador. O cortejo seguiu pelo Vale de Josafá. Jesus avançava majestosamente no meio dos Seus. Os Apóstolos, os Discípulos e as santas mulheres em grupo com a Divina Mãe, seguiam-No com santa alegria e, contudo, com os olhos rasos de lágrimas, ao pensar que o Bom Mestre os ia deixar. Atravessou Jesus a torrente do Cedron, onde os seus inimigos Lhe haviam dado a beber água lodosa; depois deixando à esquerda o Horto de Getsêmani, teatro da Sua mortal agonia, subiu pelo Monte das Oliveiras. Tendo chegado ao cimo, lançou um derradeiro olhar àquela pátria terrestre onde tinha passado trinta e três anos, desde o Seu Nascimento no estábulo de Belém até à Sua morte sobre a Cruz do Gólgota. Tendo vindo ao meio dos Seus, os Seus não O tinham recebido; mas aproximava-se a hora em que a raça humana, vivificada pelo Seu Sangue, ia adorá-Lo como a Seu Pai e a Seu Deus. Para além do Mar Grande, o seu olhar abraçava aquele Ocidente, aonde os Seus Apóstolos levariam em breve o Seu Nome bendito, e arvorariam, até no alto do Capitólio romano, a Cruz do Calvário. E para aquelas longínquas plagas é que um frágil barco, conduzido pelos Anjos, levaria os Seus amigos de Betânia: Lázaro o ressuscitado, a fiel Marta e Maria a penitente. Ali é que milhões de corações, durante o decorrer dos séculos, baterão por Ele com um amor que excede todos os amores. E antes de deixar a terra, abençoou todos aqueles povos que deviam compor o Seu Reino.

Todos os olhos, n’Ele cravados, contemplavam a Sua Face radiante, a Sua fisionomia toda celestial e o Seu olhar cheio de bondade e ternura que passeava pelo auditório como para dirigir a cada um o derradeiro adeus. Depois levantou as mãos para dar a todos uma bênção suprema e enquanto os abençoava, prostrados a Seus pés, eis que de repente o Seu Corpo glorioso, posto em movimento por um ato do Seu divino poder, se elevou acima da terra e tomou majestosamente o voou para os Céus. Mudos de surpresa e admiração, os Apóstolos e Discípulos seguiram-no longo tempo com a vista, até que por fim uma nuvem O envolveu e subtraiu aos seus olhos. E como não cessassem de fixar o ponto onde o tinham visto desaparecer, apresentaram-se a eles dois Anjos vestidos de branco. “Homens da Galileia, disseram, porque permaneceis assim com os olhos pregados no Céu? Este Jesus que acaba de vos deixar para subir aos Céus, deles descerá um dia como O vistes subir”. Tendo descido do Céu sob a forma de escravo, para salvar os homens, segunda vez de lá descerá com a Majestade do Rei dos reis, para os julgar.

E Jesus continuava a subir para o trono do Seu Pai. Para logo se viu rodeado de inumeráveis legiões de almas que retidas no Limbo desde longos séculos, estavam esperando que o Novo Adão lhes abrisse as portas do Céu. À frente daqueles fiéis da Antiga Aliança marchavam os dois exilados do Éden que não tinham cessado de esperar a salvação pelo Redentor prometido à sua raça; os Patriarcas, Abraão, Isaac e Jacó; Moisés e os Profetas. A seguir, iam as gerações santas, de alma reta, e que de coração tinham esperado Aquele que devia de vir.

Davi com sua maravilhosa linguagem pintou a chegada do triunfador ao alto dos Céus. Assim como à porta do Éden vigiavam dois Arcanjos para impedir que nossos primeiros pais nele entrassem, assim também às portas do Paraíso estavam os Anjos de vigia para as abrir ao Novo Adão. De repente ouviram eles o canto triunfal do Exército dos Santos que rodeavam a Jesus: “Príncipes, diziam eles, abri as vossas portas; abri-vos, ó portas eternas, e entrará o Rei da glória. – Quem é esse rei da glória? Perguntaram os Anjos. – É o Senhor, responderam os Santos, é o Deus forte e poderoso, é o Deus invencível nas batalhas. Abri-vos, portas eternas, é Ele, é o Deus das virtudes”.

E as portas abriram-se e Jesus atravessou as fileiras dos Exércitos celestiais que, por sua vez, O aclamaram como a um Chefe desde longo tempo esperado. Pelo Cristo, com efeito, é que as suas adorações e louvores devem subir para o Eterno, mais dignas da Sua Majestade Santa; por Ele também é que se encherão as lacunas abertas em suas fileiras com a queda dos maus Anjos. Jesus entrou pois no Céu, tanto como Rei dos Anjos, quanto como Rei dos Homens.

Davi conta também como Cristo, seu filho segundo a carne, mas Senhor seu, pela geração eterna, foi recebido por Seu Pai celeste, quando se lhe apresentou diante do trono. “Javé disse ao meu Senhor: Senta-te à minha direita”.1 E o Pai lembrou-Lhe que Ele tinha direito a esta honra, primeiro por ser Seu Filho, igual em tudo a Ele mesmo: “Eu te gerei antes da aurora”;2 e depois como filho do homem, vencedor do mundo e do Inferno, Rei da Humanidade resgatada: “Senta-te à minha direita e os teus inimigos sejam o escabelo dos teus pés”.3

Em virtude da Sua Realeza, foi Cristo investido de um tríplice poder: primeiro, de estabelecer o Seu Reino sobre todos os povos, mau grado da oposição dos Seus inimigos: “Terás na mão o cetro do poder e estabelecerás o teu Império sobre Sião”; e depois sobre toda a terra: “Tu serás combatido pelo príncipe do mundo e pelos seus sequazes, mas Tu hás de dominar como Soberano sobre os teus inimigos”.

Em virtude da Sua Realeza, foi Cristo logo investido no Pontificado Eterno: “Tu és Sacerdote para sempre segundo a Ordem de Melquisedec”.4 O Pai celeste rejeitou os sacrifícios e as vítimas da Lei figurativa. Não há mais que um sacrificador e que uma Vítima que Lhe agradam: o Sacrificador é o Rei Jesus, e a Vítima é também Ele próprio. No Céu e na terra, fica Ele sendo o Cordeiro imolado pela salvação do mundo, e sempre vivo para Se oferecer a Seu Pai e interceder por aqueles a quem remiu.

Enfim, o Pai conferiu ao Filho a Suprema Judicatura. “No dia da Sua cólera, esmagarás reis e povos. Julgará as nações, reduzirá a pó os Seus adversários e encherá o mundo de ruínas. Pois bebeu da torrente no dia das Suas humilhações e dores, justo é que levante a cabeça e confunda os Seus inimigos”.5 Sendo Filho de Deus, fez-Se homem e escravo e tornou-Se semelhante ao bichinho da terra que se pisa com os pés; e por isso, é que “Deus o exaltou e Lhe deu um Nome Superior a todo o nome, para que ao Nome de Jesus todos dobrem o joelho no Céu, na terra e nos Infernos”.6

E este mesmo Jesus, que está sentado à direita do Altíssimo, é Aquele a quem os Apóstolos devem glorificar na terra; e o Seu Reino é que eles vão estabelecer no mundo todo. Os Judeus, os Romanos e os apóstatas far-Lhe-ão uma guerra sem tréguas; mas quem poderá vencê-los, se com eles está Jesus? “Conspiram contra o Senhor e contra o Seu Cristo, exclama Davi; Deus porém ri-Se das suas vãs conspirações. Eu dei-Te em herança as nações todas da terra, disse Ele a Seu Filho; Eu estenderei o Teu império até aos confins do mundo; e aos Teus inimigos parti-los-ei como quem quebra um vaso de barro. Compreendei, ó reis; e vós, ó povos da terra, aprendei!”7

E desde a Ascensão até ao Juízo Final, a história dos séculos não será mais que a representação dramática desta profecia. A Igreja, o Reino de Jesus, não cessará de se dilatar e enviar eleitos para o Céu, ao passo que os anticristos irão uns após outros juntar-se com o seu despótico amo no profundo dos Infernos.


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Fonte: Rev. Pe. Berthe, CSS.R., “Jesus Cristo – Sua Vida, Sua Paixão, Seu Triunfo”, Livro 8º, Cap. IV, pp. 427-432. Tradução do Francês. Estabelecimentos Benzinger & Co. S.A., Einsiedeln/Suíça, 1925.

1.  Salm. 109, 1.

2.  Salm. 109, 3.

3.  Salm. 109, 1.

4.  Salm. 109, 4.

5.  Salm. 109, 5-7.

6.  Filip. 2, 9-11.

7.  Salm. 2, 1-12.


domingo, 14 de maio de 2023

MARIA, A MULHER BENDITA E LOUVADA, POR TODAS AS GERAÇÕES.


É O PRÓPRIO DEUS QUEM ANUNCIA,

PELOS SEUS LEGADOS.


1º Legado: O Arcanjo São Gabriel, como embaixador de Deus.



In mense autem sexto, missus est angelus Gabriel a Deo in civitatem Galilaeae, cui nomen Nazareth, ad virginem desponsatam viro cui nomen erat Joseph, de domo David, et nomen virginis Maria. Et ingressus angelus ad eam, dixit: Ave gratia plena; Dominus tecum; benedicta tu in mulieribus…”1.2

E, (estando Isabel) no sexto mês, foi enviado por Deus o Anjo Gabriel a uma cidade da Galileia, chamada Nazaré, a uma virgem desposada com um varão, que se chamava José, da casa de Davi, e o nome da Virgem era Maria. E, entrando o Anjo onde Ela estava, disse-lhe: Deus te salve, cheia de graça, o Senhor é contigo; bendita és tu entre as mulheres…”.3


2º Legado: Santa Isabel, cheia do Espírito Santo.



Exsurgens autem Maria in diebus illis abiit in montana cum festinatione, in civitatem Juda; et intravit in domum Zachariae, et salutavit Elisabeth. Et factum est, ut audivit salutationem Mariae Elisabeth, exsultavit infans in utero ejus, et repleta est Spiritu Sancto Elisabeth; et exclamavit você magna, et dixit: Benedicta tu inter mulieres, et benedictus fructus ventris tui…”4.5

E naqueles dias, levantando-se Maria, foi com pressa às montanhas, a uma cidade de Judá. E entrou em casa de Zacarias, e saudou Isabel. E aconteceu que, apenas Isabel ouviu a saudação de Maria, o menino saltou no seu ventre, e Isabel ficou cheia do Espírito Santo; e exclamou em alta voz, e disse: Bendita és tu entre as mulheres, e bendito é o fruto do teu ventre…”.6


RUMINANDO O TEXTO EVANGÉLICO



Bendita és Tu entre as mulheres, quer dizer, que Ela merece ser abençoada e louvada mais do que todas as mulheres. Veja-se a semelhante saudação a Judite, heroína judaica que libertou o seu povo da tirania dos inimigos7.8 O Arcanjo Gabriel (ver. 28) e Santa Isabel (v. 42), reverenciando Maria com idênticas palavras, indicam a veneração que os Anjos e os Homens Lhe tributam9.10

E a Virgem Bendita, entre todas singular, confirmou esta verdade de fé quando cantou: “Eis que, de hoje em diante, todas as gerações me chamarão Bem-aventurada…”11. Todas as gerações Angélicas e Humanas. Estas palavras encerram uma profecia de honra insigne que, em todos os tempos, devia a Igreja render à Santíssima Virgem12. E esta profecia se cumpre todos os dias, há 21 séculos, em todo o universo católico13.



Benedícta es tu,

VIRGO MARÍA,

a Dómino, Deo excélso,

prae ómnibus muliéribus

super terram.

Tu glória Jerúsalem,

tu laetítia Israël,

tu honorificéntia

pópuli nostri”14.


Bendita és,

VIRGEM MARIA,

pelo Senhor, Deus Excelso,

sobre todas as mulheres da terra.

Tu és a glória de Jerusalém,

a alegria de Israel,

Tu és o orgulho do nosso povo.


E a Igreja põe na boca da Santíssima e Sempre Virgem Maria, estas palavras de sublime Sabedoria:



Agora, pois, filhos, ouvi-me: Felizes os que guardam os meus caminhos! Ouvi as minhas instruções e sede sábios. Não as rejeiteis. Feliz o homem que me escuta, que permanece de vigia à minha porta e lhe espia os seus umbrais! O que Me encontrar terá a vida e alcançará do Senhor a salvação.15 Aquele, porém, que pecar contra Mim, fará mal à sua alma. Todos os que Me odeiam, amam a morte”.16


CONCLUINDO



Nossa Senhora de Fátima, que trazia em sua mão esquerda o Imaculado Coração com uma coroa de espinhos e em chamas, disse à vidente: "É chegado o momento em que Deus pede para o Santo Padre fazer, em união com todos os Bispos do mundo, a Consagração da Rússia ao Meu Imaculado Coração, prometendo salvá-la por esse meio. São tantas as almas que a Justiça de Deus condena por pecados, contra Mim cometidos, que venho pedir reparação: sacrifica-te por essa intenção e ora".17


Alegrai-Vos, ó Virgem Maria!

Alegrai-Vos mil vezes!

Ave Carmelo!

Ave Maria!


___________________________

1.  Luc. 1, 26-28.

2.  Biblia Sacra – Juxta Vulgatam Clementinam, Evangelium Secundum Lucam, Cap. I, 26-28, p. 60. Typis Societatis S. Joannis Evang.; Desclée et Socii Edit. Pont. Romae-Tornaci-Parisiis. 1927.

3.  “Bíblia Sagrada”, traduzida da Vulgata e anotada pelo Pe. Matos Soares; Evangelho de São Lucas 1, 26-28, p. 1243. 13ª Edição; Edições Paulinas, São Paulo/SP. 1961.

4.  Luc. 1, 39-45.

5.  Biblia Sacra – Juxta Vulgatam Clementinam, ob. cit., Cap. I, 39-45, p. 60.

6.  “Bíblia Sagrada”, Pe. Matos Soares, ob. cit., p. 1244.

7.  Judit. 13, 23.

8.  “Novo Testamento”, por Mons. Dr. José Basílio Pereira, Evangelho de São Lucas, 1, 28, p. 182. Editores – Os Religiosos Franciscanos; Tipografia de São Francisco, Bahia. 1912.

9.  São Beda, o Venerável, Doutor da Igreja.

10.  Mons. Vicente Zioni, Santo Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, com comentários do Pe. Eusébio Tintori, O.F.M., Evangelho de São Lucas, Cap. I, 42, p. 206. Edições Paulinas, São Paulo/SP. 1949.

11.  “Bíblia Sagrada”, Pe. Matos Soares, ob. cit., p. 1244.

12.  Cônego Duarte Leopoldo, Concordância dos Santos Evangelhos ou Os Quatro Evangelhos Reunidos em um Só, 1ª Parte, Cap. VI, p. 12. 4ª Edição; Secretariado Geral da Obra das Vocações – Cúria Metropolitana; Linográfica, São Paulo/SP. 1951.

13.  D. Antônio de Macedo Costa, Bispo do Pará, Resumo da História Bíblica, Edição em Vulgar, História do Novo Testamento, 1ª Parte, Cap. I, Ponto 3, p. 139. Livraria Chardron, Porto. 1875.

14.  Missal Quotidiano e Vesperal, por Dom Gaspar Lefebvre, beneditino da Abadia de S. André, Gradual da Missa da Imaculada Conceição da SS. Virgem. pp. 1205-1206; Desclée de Brouwer & CIE, Bruges (Bélgica), 1952. Cfr. Judite, 13, 23; 15, 10.

15.  Missal Quotidiano e Vesperal, por Dom Gaspar Lefebvre, ob. cit., p. 1205.

16.  “Bíblia Sagrada”, Pe. Matos Soares, ob. cit., Livros dos Provérbios, Cap. 8, 22-36, p. 698.

17.  DOC. Documentos de Fátima – Rev. Pe. Dr. Antônio Maria Martins, S.J., “Memórias e Cartas da Irmã Lúcia”, pp. 463/465; L.E., Porto. 1973.


sexta-feira, 12 de maio de 2023

NECESSÁRIO VOS É NASCER DE NOVO. O QUE ISTO QUER DIZER?


JESUS INSTRUI A NICODEMOS1


1Ora, havia um homem da seita dos fariseus chamado Nicodemos, um dos principais entre os Judeus. 2Este foi ter com Jesus, de noite, e disse-Lhe: Mestre, sabemos que foste enviado por Deus para ensinar; porque ninguém pode fazer estes milagres que tu fazes, se Deus não estiver com ele. 3Jesus respondeu, e disse-lhe: Em verdade, em verdade te digo, que não pode ver o reino de Deus senão aquele que nascer de novo. 4Nicodemos disse-lhe: Como pode um homem nascer sendo velho? Porventura pode tornar a entrar no ventre de sua mãe e renascer? 5Respondeu-lhe Jesus: Em verdade, em verdade te digo, que quem não renascer por meio (do Batismo) da água e do Espírito Santo, não pode entrar no reino de Deus. 6O que nasceu da carne é carne, e o que nasceu do Espírito, é espírito. 7Não te maravilhas de eu te dizer: Importa-vos nascer de novo. 8O espírito sopra onde quer; e tu ouves a sua voz, mas não sabes donde Ele vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que nasceu do Espírito. 9Respondeu Nicodemos, e disse-Lhe: Como se pode isto fazer? 10Respondeu Jesus, e disse-lhe: Tu és mestre em Israel e não sabes estas coisas?

11Em verdade, em verdade te digo, que nós dizemos o que sabemos, e damos testemunho do que vimos, e vós (com tudo isso) não recebeis o nosso testemunho. 12Se vos tenho falado das coisas terrenas, e não (me) acreditais, como (me) acreditareis, se vos falar das celestes? 13E ninguém subiu ao Céu, senão Aquele que desceu do Céu, o Filho do homem, que está no Céu. 14E como Moisés levantou no deserto a serpente, assim também importa que seja levantado o Filho do homem, 15a fim de que, todo o que crê n’Ele, não pereça, mas tenha a vida eterna.

16Porque Deus amou de tal modo o mundo, que lhe deu seu Filho Unigênito, para que todo o que crê n’Ele não pereça, mas tenha a vida eterna. 17Porque Deus não enviou seu Filho ao mundo, para condenar (julgar) o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele. 18Quem n’Ele crê, não é condenado, mas quem não crê, já está condenado, porque não crê no nome do Filho Unigênito de Deus. 19E a condenação está nisto: a Luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a Luz, porque as suas obras eram más. 20Porque todo aquele que faz o mal, aborrece a luz, e não se chega para a luz, a fim de que, não sejam acusadas as suas obras; 21mas aquele que pratica a verdade, chega-se para a Luz, a fim de que, as suas obras sejam manifestas; porque são feitas segundo Deus”.



1ª Parte


RUMINANDO O TEXTO EVANGÉLICO

1 … havia um homem da seita dos fariseus chamado Nicodemos, era um dos 72 membros do Sinédrio ou Supremo Tribunal dos Judeus2. Diz a Tradição que, ele se converteu à fé cristã e, por isso, foi banido do Sinédrio e expulso de Jerusalém.3

2 Este foi ter com Jesus, de noite… Ninguém se deve envergonhar de ser cristão e professar a doutrina de Jesus Cristo; mas é preciso também animar aos neoconversos, que ainda têm, como Nicodemos, certa timidez4.

3 … Não pode ver o reino de Deus senão aquele que nascer de novo. Nosso Senhor alude expressamente ao Sacramento do Batismo, que nos comunica uma segunda vida, a vida sobrenatural, pela infusão da água no corpo e do Espírito Santo na alma5. É um começo novo de vida sobrenatural, que deve ser dado ao homem de cima6 (ao que é batizado). O Batismo é indispensável para alcançar o reino do Céu. Pela água do Batismo livramo-nos do poder do Demônio, como os Israelitas, passando pelas águas do Mar Vermelho, escaparam ao cativeiro do Faraó7. (vers. 1-15) Pero Jesucristo habla de un nascimiento espiritual, en el que el Espíritu Santo confiere una vida nueva; y le hace ver que se trata de un misterio sobrenatural, que hay que abrazar con la fe… Jesuscristo ha bajado del cielo para revelarnos cosas del Padre8. Subirá al cielo (ascensión), pero sigue estando allí. Esto nos obliga a concluir sobre la preexistencia del Verbo encarnado, o sea, que la primera idea hacia fuera de la Trinidad augusta fue la encarnación del Verbo.9 Esta expressão Em verdade, em verdade, era uma fórmula solene empregada pelos Judeus, para dar às suas afirmações toda a força que podiam ter, afora o juramento10. A palavra de Jesus dá a entender, que o fariseu, na visita noturna, quis informar-se a respeito do reino de Deus. “Ver”, isto é, experimentar o reino do Messias, ter parte nas suas graças, ninguém pode senão aquele que recebeu uma nova vida. O homem natural e submisso ao domínio do pecado e das paixões tem que ser transformado em nova criatura, em homem espiritual e sobrenatural11.12 Este nascimiento espiritual ha de tener su principio en el cielo, es decir, que deben ser del cielo los principios que informan esta nueva vida.13

4 pode tornar a entrar no ventre de sua mãe e renascer? A admiração de Nicodemos, doutor fariseu, nos revela quanto os judeus eram cegos e carnais, pois, só compreendiam a letra da Religião, sem alcançar-lhe o espírito14. Trata Jesus de regeneração espiritual, e Nicodemos cuida de renascimento segundo a carne15.16 Como os fariseus julgassem que só por serem eles filhos de Abraão, participariam do reino messiânico, não compreende Nicodemos o sentido figurado da palavra, e quer, com um dito gracioso, insinuar que a ideia lhe parece absurda17.

5 Quem não renascer… Este renascimento deve se realizar por dois modos: um externo e material, que é a água; outro interno e espiritual, que é o Espírito Santo. Jesus mostra, deste modo, a necessidade do Batismo18, cuja necessidade é afirmada19;20 é ser gerado por uma virtude divina, (portanto) é ser batizado21. Não pode Entrar no Reino de Deus, isto é, pertencer à Igreja que Jesus veio fundar, e gozar a felicidade eterna a que, a Igreja conduz, aqueles que renascem espiritualmente pelo Batismo da água e do Espírito Santo22. O Reino de Deus é a vida eterna no Céu, e a vida da graça na Igreja. É Deus reinando em nossas almas23. Enfim, Jesus proclama a necessidade do Batismo para a salvação24. Jesus repete a sua palavra, indicando o modo ou as causas produtoras do novo nascimento, a água e o Espírito Divino, os quais constituem o Sacramento do Batismo, única porta do reino de Deus25.26 Tal nascimiento tiene su principio espiritual en la fe; su causa ritual es el bautismo del agua y del Espíritu Santo, según lo que Juan había ya declarado.27

6 O que é nascido da carne… Estas palavras exprimem a razão do por que, é absolutamente necessário aquele segundo nascimento. Entrar no Céu, é um ato inteiramente sobrenatural, que o homem não pode realizar por sua carne, isto é, com as forças próprias da natureza humana; é necessário receber a ação sobrenatural do Espírito Santo, pelo renascimento no Batismo28. A vida natural nos comunica inclinações naturais ou carnais, ao passo que a vida sobrenatural nos comunica inclinações ou aspirações espirituais: a fé, a esperança e o amor de Deus29. Pelo Batismo, recebemos uma nova vida, uma vida toda espiritual. Como o corpo vive naturalmente pela alma, assim, a alma batizada vive sobrenaturalmente pela graça santificante30. Ainda: O versículo 6 quer mostrar, a necessidade do nascimento espiritual. Sendo o reino de Deus vida divina, também o princípio causador deve ser o Espírito Divino que, unido ao elemento simbólico da água, dá a nova vida31. La vida religiosa de Israel, inspirada en la interpretación material de la Ley y de las promesas mesiánicas, no pasaba de una vida material; pero la que Jesús proponía tenía principios más altos y divinos.32

8 O Espírito, o vento33. Assim como o vento sopra onde quer, isto é, sem encontrar obstáculos, e não se pode determinar com exatidão o lugar onde nasce, nem onde termina, embora se ouça a sua voz, assim o Espírito Santo se comunica a quem quer e como quer. E, embora mova as almas com as Suas ilustrações, todavia, não se pode naturalmente conhecer com certeza, se Ele está presente nelas pela Graça Santificante. Pode-se somente inferir com probabilidade esta presença, dos frutos que produz, os quais estão enumerados na Epístola de São Paulo aos Gálatas34.35 Jesus faz uma comparação: assim como o vento é um ser desconhecido na sua origem e no seu termo, assim é misteriosa a vida nova comunicada ao homem pelo Espírito Santo, no momento do Batismo.36 Como o vento se faz sentir pelos seus efeitos, assim o Espírito Santo opera sem cair debaixo dos nossos sentidos. Nessa conferência (diálogo), o Salvador insinua claramente a necessidade do Batismo para a salvação37. No entender de São João Crisóstomo, São Cirilo e da maioria dos Padres Gregos, é do sopro do vento que trata a primeira parte deste verso; ao Espírito Santo, dizem que se refere São Agostinho, Santo Ambrósio, São Bernardo. Explica São Tomás as duas acepções38. O Salvador quer dizer que, a nova vida é um Mistério que a inteligência natural não compreende; mas aquele que a recebeu, sente em si o sopro do Espírito Santo39.40

9 … Como se pode isto fazer?… a fim de que, todo o que crê n’Ele não pereça… (vers. 9-15) Devemos crer em coisas do Céu que ultrapassam a nossa compreensão. Para poder subir à glorificação, é preciso descer à humilhação. A serpente desde o Paraíso, é o símbolo do Demônio e do mal. O Crucificado tomou sobre Si o pecado do mundo e a antiga Serpente, foi julgada na Cruz. Pela fé em Jesus exaltado no patíbulo, temos a vitória sobre a morte e recebemos a vida eterna. A serpente de Núm. 21, 8s, é tipo do Crucificado41. Mais uma vez opõe o fariseu o seu cético “Como é possível?” Aferrado às suas ideias partidárias, não entende a nova doutrina do Salvador, de modo que, este não pode deixar de admirar-se da ignorância deste mestre de Israel42.

10 Tu és mestre em Israel… Estas palavras envolvem uma suave repreensão a Nicodemos, o qual, se conhecesse certos passos do Antigo Testamento, facilmente compreenderia o ensinamento de Jesus.43 Censura, justamente, o Salvador a ignorância de um Doutor da Lei, que devia conhecer as profecias44 referentes a esta passagem. Motivo había para maravillarse de que un doctor no entendiese el lenguaje de Jesús, y esto es una prueba más de cuán materializados estaban.45

11 Nós dizemos o que sabemos… Jesus emprega o plural para significar, que fala como Deus e em nome das Três Pessoas Divinas46; ou, associa a Seu testemunho os primeiros Apóstolos47. Jesus desiste de dar mais explicações; à vista das curtas ideias do interlocutor, não vale a pena falar mais. Mas, para confirmar a sua palavra, apela, com grande solenidade, para a absoluta certeza de Sua ciência, baseada na experiência própria48.

12 Coisas terrenas… Jesus refere-se às coisas que a Seu respeito se passam na terra, particularmente o Mistério da Regeneração que estava a revelar a Nicodemos49. Nas celestes, na Sua Divindade, no Mistério da Santíssima Trindade, nos desígnios de Deus relativos à Redenção, etc.50 Fala das operações divinas do Espírito Santo nas almas51. É celeste o Mistério da Redenção em seu princípio, terrestre em suas manifestações, ao passo que é exclusivamente celeste o Mistério da Santíssima Trindade e da eterna geração do Verbo52. Ele indica a razão por que deixa de instruir mais o fariseu. As “coisas terrenas”, designam as verdades da nova vida de que acaba de falar, as quais se realizam nesta vida mortal, e têm o seu exemplo nos acontecimentos naturais; “as celestiais”, são os Mistérios mais altos e mais escondidos53. La oposición de que habla Jesús, entre las cosas celestiales y las terrenas, debe entenderse, de una parte, del nascimiento espiritual, que de alguna manera es objeto de nuestro conocimiento experimental, y de outra, de su causa misma, que es el Espíritu Santo.54

13-21: Reflexões do evangelista. Os vv. seguintes ligam-se, imediatamente, com os antecedentes, de modo que parecem ser ainda palavras do Salvador. Considerando, porém, que, nos vv. 11ss., o Mestre desiste de persuadir ao fariseu, e que daí em diante se fala de Jesus somente na terceira pessoa, muitos teólogos opinam que, nos vv. 13-21, o próprio evangelista continue explicando, em seu nome, o Mistério do Salvador55.

13 E ninguém subiu ao Céu… Esse versículo contém uma prova bem segura da Divindade de Jesus.56 Senão... o Filho do homem, que está no Céu. Jesus Cristo veio do Céu à terra, e está ao mesmo tempo na terra e no Céu57. Os homens não querem aceitar o testemunho de Jesus sobre os segredos de Deus, v. 12, apesar de ser Ele o único Mestre capaz de nos instruir. Pois, ninguém jamais subiu ao Céu”, para de lá trazer a verdade divina; e portanto, ninguém senão o Filho do homem que veio do Céu e, depois de ressuscitado, já está de novo no Céu, no-la pode revelar: v. 14, 6; Mat. 11, 27; luc. 10, 2258.

14 Como Moisés… levantou a serpente. Assim como eram curados da enfermidade aqueles que olhassem para a serpente de bronze59, assim também, aquele que olha para Cristo crucificado é libertado da culpa60.61 Todos os homens serão salvos, se olharem com fé e com amor para Jesus elevado na Cruz62; basta olhar com fé, para o pecador ficar salvo das mordeduras da Serpente infernal, isto é, dos pecados63. Passa o Evangelista a indicar a substância dos desígnios divinos, o Mistério da Cruz, o qual, mais que tudo melindrando o orgulho judaico, nos planos de Deus se tornou, efetivamente, a fonte da nova vida; I Cor. 1, 22ss. Assim como no deserto a serpente foi levantada, para que os israelitas, olhando para ela com confiança, fossem salvos da morte corporal, v. Núm. 21, 8ss, do mesmo modo quis a Providência divina que o Filho do homem fosse exaltado na Cruz, e pela Cruz glorificado no Céu, v. Luc. 24, 26, a fim de dar a vida divina a todos os que têm fé no Salvador; v. I Cor. 1, 3064. Mirando a la serpiente de bronce levantada en el desierto sanaban los israelitas picados de las serpientes venenosas65; mirando con fe a Jesucristo levantado em la cruz se alcanza la salud eterna. Es un segundo aspecto del tema propuesto.66

16 Porque Deus amou de tal modo o mundo… Jesus afirma o grande amor de Deus pelo gênero humano, amor tão grande que Lhe deu o seu Filho Único, o dom que Lhe era mais caro.67 (vers. 16-21) Deus tem a iniciativa no amor, e a maior prova de amor é a doação do Filho, para termos a vida. Nem o pecado pode tirar ao Pai o carinho para com os filhos ingratos. Mas o homem, pode fechar-se ao amor pela incredulidade. É o juízo com que ele mesmo se julga. A razão desta decisão livre do homem contra si próprio, é o apego as más obras.68 Jesucristo sacrificado trae la salvación para todos los hombres, pero exige en ellos una fe confiada, que supone una entrega de la vida al cumplimiento de sus preceptos.69 Para que todo o que crê n’Ele não pereça… Crê em Jesus Cristo, é aceitar os Seus ensinos e praticar a Sua doutrina. Sem isto, não há salvação possível70. A Cruz que parece ao mundo um escândalo ou uma estultícia, v. I Cor. 1, 18, é de fato, o grandioso monumento do amor do Pai, o qual sacrificou nela o próprio Filho pela salvação do mundo; v. Rom. 3, 25; 5, 8; 8, 32; II Cor. 5, 19; I Jo. 4, 1071. Estos versículos son reflexiones del evangelista sobre lo dicho por Jesús acerca de la fe en su persona.72

17 Para condenar (julgar) o mundo… A palavra julgar (condenar), é empregada aqui no sentido de condenar. Na Sua primeira vinda, o Filho de Deus veio para salvar, na Sua segunda vinda, no fim do mundo, virá para julgar aos homens73. Deus enviou seu Filho com o intuito de salvar o mundo; de fato, porém, a Sua vinda se torna condenação de grande parte dos homens, que não querem aceitar a luz do Evangelho; v. Luc. 2, 3474. Juzgar aquí equivale a condenar, y se opone a salvar.75

18 Quem n’Ele crê… Quem crê com fé viva, isto é, animada pela caridade e boas obras. Mas quem não crê, já está julgado, isto é, condenado, porque a incredulidade é, por si mesma, uma sentença de condenação, por ser a fé essencial à salvação.76

19 Os homens (os Judeus77) amaram mais as trevas… É a triste resposta dos homens, especialmente dos judeus, ao amor de Deus. Pela palavra trevas, entende-se o mundo e as suas tendências pecaminosas. O motivo da incredulidade, eram as más obras dos judeus, pois a conduta moral exerce uma grande influência sobre a fé.78 Do que a Luz… A Luz, a que Jesus se refere aqui, é o Verbo divino feito homem, é Ele próprio79. He aquí explicado el misterio de la incredulidad de tantos hombres. Como sus obras son malas y su alma impura, temen que la luz descubra lo que son.80

20 Porque todo aquele que faz o mal, aborrece a luz… Do sentido metafórico, Nosso Senhor passa agora para o sentido literal, e refere-se à luz material, dando a entender que, tudo o que diz da luz material tem aplicação à Si próprio, que é a Luz eterna.81

21 Mas aquele que pratica a verdade, isto é, aquele que se conduz em harmonia com a Lei Moral82. Chega-se para a Luz… É provável que Jesus quis aludir aqui discretamente ao respeito humano de Nicodemos, que o impedia de procurar a Nosso Senhor em pleno dia83. São feitas segundo Deus, ou segundo a Sua vontade e a Sua inspiração84. (Vers. 20-21) No fim do mundo, todas as nossas obras, boas ou más, serão conhecidas. Então voltará Nosso Senhor ao mundo, e desta vez para julgá-lo.

Quantas almas se condenam, cada dia, por sua culpa, por não seguirem a Religião, que é a luz. Os inimigos da Igreja não amam esta luz, porque ela impõe deveres que lhes pesam. Mas os que praticam sinceramente a virtude, nada têm a temer nem de Deus nem da Religião. A incredulidade vem muito mais do coração, que da inteligência85.


Concluindo

Tornar-se criança” em relação a Deus, é a condição para entrar no Reino86; para isto, é preciso humilhar-se87, tornar-se pequeno; mais ainda: é preciso “nascer do alto”88, “nascer de Deus”89, para tornar-nos filhos de Deus90 “O Reino de Cristo já está misteriosamente presente na Igreja”, “germe e início deste Reino na terra”91A pessoa torna-se membro deste povo não pelo nascimento físico, mas pelo “nascimento do alto”, “da água e do Espírito”92, isto é, pela fé em Cristo e pelo Batismo93.


2ª Parte


MELÍFLUAS MEDITAÇÕES

SOBRE O TEMA



Jesus revela a Nicodemos,

a Regeneração da Alma

pelo Santo Batismo.94

Após a conturbada expulsão dos vendilhões do templo,95 ficou96 Jesus na cidade santa os oito dias das festas pascais, e operou diante do povo todo, milagres tão estupendos que muitos O reconheceram como o Messias prometido a Israel. Mas, Ele apreciava muito bem as paixões e preconceitos dos Judeus; e por isso, não confiava na duração dessas primeiras impressões.

Ainda assim, alguns chefes da Sinagoga, como enleados por aquele poderoso Taumaturgo, tinham ardentes desejos de se instruir sobre a sua Pessoa e Doutrina. Um deles, por nome Nicodemos, fariseu, doutor, membro do supremo Conselho, e personagem respeitadíssimo em Jerusalém, tanto pela sua posição como pelo seu saber, procurava ocasião de falar com o Homem de Deus; mas como não se atrevia, por temor dos colegas, a ir descoberto a casa d’Ele, visitou-O de noite. Tendo ouvido falar do Reino de Deus, que o Messias devia restabelecer, pediu ao novo Profeta que o instruísse sobre a natureza desse reino e das condições que se requeriam para nele entrar.

Mestre, disse Nicodemos, havei por bem de esclarecer-me, pois sabemos que vindes da parte de Deus; porque ninguém pode operar os prodígios que Vós operais sem que Deus lhe comunique o seu poder.

Em verdade, em verdade, vos digo, respondeu Jesus, que ninguém pode entrar no Reino de Deus, sem primeiro nascer uma segunda vez.

Nascer uma segunda vez! Diz o doutor sorrindo; então, há de um velho reentrar no seio materno para vir de novo à luz?

Em verdade, em verdade, volveu Cristo, ninguém pode entrar no Reino de Deus sem nascer da água e do Espírito Santo”.

E explicou àquele Judeu, que se tratava de um nascimento espiritual. Despojada da vida divina pelo Pecado Original, renasce a alma para a vida mediante a graça do Espírito Santo e a virtude da água do Batismo. “O homem, nascido de outro homem, não possui mais que a vida natural; mas a alma, penetrada do Espírito de Deus, possui uma vida espiritual e divina. Portanto, acrescentou Jesus, não te admires, de me ouvir dizer que é preciso nascer uma segunda vez”.

Assombrado por tão sublime revelação, bem quereria Nicodemos compreender, como influi o Espírito Santo sobre as almas.

Como o vento cicia onde bem lhe apraz, disse Jesus, e assinala a sua presença com os seus murmúrios surdos, sem que saibas donde vem nem para onde vai, assim transforma o Espírito Santo a uma alma, sem lhe poderes perceber a misteriosa influência.

Mas afinal, perguntou Nicodemos, é possível essa regeneração da alma pelo Espírito Santo?

Como! Replicou Jesus, tu és mestre em Israel e ignoras esta maravilha, tantas vezes anunciada pelos Profetas?97 Então não leste em Ezequiel98 este prenúncio formal: ‘Eu derramarei sobre vós uma água purificadora, que vos lavará de todas as manchas; dar-vos-ei um coração novo e verterei sobre vós o meu Espírito?’ – Em verdade, em verdade, te afirmo, acrescenta o Salvador, que o que vos dizemo-lo de de ciência certa e atestamos o que vimos com os nossos olhos. Se não prestais fé ao meu testemunho quando vos falo do Mistério das almas, como podereis crer-me, se vos revelar os Mistérios de Deus?”

Subjugado pela autoridade do Mestre, cessou Nicodemos de discutir, pronto a receber com docilidade os oráculos que lhe iam brotar do peito. Antes de mais nada, observou-lhe o Salvador, que só o Filho do Homem, descido do Céu, pode conhecer e comunicar aos homens os segredos de Deus, que lhe descobriu todo o plano da Redenção.

Quando os Israelita andavam errantes pelo deserto, disse Jesus, levantou Moisés ao ar uma serpente de bronze, para curar as mordeduras das serpentes; ora, assim convém que seja levantado o Filho do Homem entre o Céu e a terra, para sarar a ferida do pecado. Todos os que para Ele erguerem os olhos da fé, não perecerão, mas possuirão a vida eterna. A tal ponto amou Deus ao mundo, que lhe deu o seu Filho Unigênito, a fim de que, todos os que n’Ele crerem não pereçam, mas gozem da vida eterna. Não enviou Deus o seu Filho ao mundo para julgar o mundo, mas para o salvar. Quem acredita no Filho Unigênito de Deus, não tem que temer o juízo, mas quem Lhe recusa a fé, condena-se por si mesmo; porque, se rejeita a luz e lhe prefere as trevas, é por serem más as suas obras. O malfeitor aborrece a luz e foge ao brilho dos seus raios, porque a luz põe-lhe a descoberto as iniquidades. O homem de bem, ao contrário, ama a luz, porque a luz faz resplandecer as obras pelas quais não têm de que se envergonhar diante de Deus”.

Com um santo arroubamento estava Nicodemos escutando ao Profeta de Nazaré, que assim lhe revelava a verdade sobre a Sua divina Pessoa, sobre a Sua obra redentora e sobre a salvação do mundo. Sem compreender ainda todo o alcance destas celestiais comunicações, como que via já a sombra da Cruz desenhada ao longe, e ao Filho do homem que lhe falava, curando do alto dessa Cruz as vítimas da Serpente infernal. Desde aquele momento considerou a Jesus como o Mestre Supremo, e permaneceu-Lhe fiel.

Era do número dos que praticam o bem e não tem interesse em fugir da luz. Quando os homens das trevas conspirarem contra o Salvador, há de se lembrar Nicodemos da noite memorável que passou junto ao Filho do homem, e não temerá proclamar-se às claras Seu discípulo e defensor.


Nicodemos,

a Serpente e a Cruz.99

Não tendo sido bem recebido na casa de seu Pai, que era o templo, Jesus não força a saída. Este templo material estava condenado a desaparecer, enquanto Ele, o Templo onde Deus habita, levantar-se-ia de novo em glória. Limitou-se, por então, a provar que era o Messias, por meio do ensino e dos milagres. Durante estes poucos dias operou muitos mais milagres do que aqueles de que temos relação; o Evangelho afirma que muitos acreditaram n’Ele por causa dos seus milagres. Um dos membros do Sinédrio admitiu não somente que os milagres eram autênticos, mas também que Deus tinha de estar com um Homem que fazia tais sinais.

Um Fariseu, príncipe dos Judeus,

Veio ter com Jesus de noite”100.

Segundo todos os critérios mundanos, Nicodemos era um homem douto; versado nas Escrituras, muito religioso, tanto mais que pertencia a uma seita, a dos Fariseus, que insistia nas minudências dos ritos externos. Mas não era homem intemerato, ao menos no começo, porque escolheu, para falar com Nosso Senhor, uma hora em que o manto das trevas o ocultasse da vista dos homens.

Nicodemos é o “personagem noturno” do Evangelho, pois sempre que o encontramos é na escuridão. Da primeira visita, diz-se expressamente que foi feita de noite. Como membro do Sanedrim, foi ele que falou, mais tarde, de noite, em defesa de Nosso Senhor, dizendo que nenhum homem devia ser julgado sem ser ouvido. Na Sexta-feira Santa, pelo escuro, depois da Crucifixão, veio José de Arimateia:

E com ele Nicodemos

Que já antes tinha visitado a Jesus, de noite,

Trazendo uma mistura de quase cem libras

De mirra e aloés.101

A despeito dos obstáculos sociais que podiam desanimá-lo a mostrar interesse por Nosso Divino Senhor, foi contudo visitá-Lo quando o soube em Jerusalém, para a festa da Páscoa. Vinha reverenciar a Cristo, mas aprendeu imediatamente que não bastava essa espécie de reverência. Nicodemos disse-Lhe:

Mestre, sabemos que vieste de Deus

Para nos ensinar; pois ninguém podia fazer os milagres

Que tu fazes, se Deus não estivesse com ele”.102

Apesar de ter visto os milagres, Nicodemos não estava, contudo, disposto a confessar a Divindade d’Aquele que os fazia. Mostrava-se ainda um pouco hesitante, pois velava a sua personalidade sob o oficioso “nós”. É este o estratagema empregado algumas vezes pelos intelectuais, para escaparem à responsabilidade pessoal; querem dar a entender que, no caso de se impor uma reforma, essa diz respeito mais à sociedade em geral do que aos seus corações. Durante aquela conversação noturna, Nosso Senhor estranhou a Nicodemos que, sendo “mestre”, ainda ignorasse as Escrituras; e nisso se mostrou Ele também Mestre. Na longa discussão que se estendeu até ao romper da alva, Jesus explicou que, sem deixar de ser Mestre, era alguma coisa mais que isso: era primeira e principalmente Redentor. Afirmou que para se alcançar a união com Ele era essencial, não a verdade humana na mente, mas o renascimento da alma adquirido por meio da Sua morte. Nicodemos tinha começado por chamar-Lhe mestre; Nosso Senhor encerrava aquele encontro proclamando-Se Salvador.

A Cruz refletiu-se em cada episódio da Vida de Cristo, mas nunca tão intensamente, para quem conhecia o Antigo Testamento, como nesta noite. Este Fariseu julgava-O apenas Mestre ou Rabi, mas no fim descobriu que havia salvação no que eles tinham sempre considerado maldição, isto é, a Crucifixão.

Nosso Senhor exortou-o então a abandonar a ordem da pura natureza.

Em verdade te digo:

Ninguém pode ver o Reino de Deus

Se não nascer de novo”103.

A ideia predominante no começo da discussão entre Nicodemos e Nosso Senhor, era que a vida espiritual, se diferenciava da vida física e intelectual. Essa diferença, explicava Jesus, era maior do que a que existe entre um cristal e uma célula viva. A vida espiritual não é um impulso que vem de baixo; é um dom que vem de cima. O homem não se torna, na realidade, menos egoísta e mais compreensivo enquanto não se fizer seguidor de Cristo. É necessário um novo nascimento gerado do alto. O primeiro nascimento de cada qual, no mundo, vem da carne. Mas Jesus afirmou, que é preciso um segundo nascimento, do alto, para a vida espiritual. E é tão indispensável, que sem ele o homem “não pode”, entrar no Reino do Céu; Cristo não se limitou a dizer “não entrará”, porque a impossibilidade é real. Assim como ninguém pode ter uma vida física sem nascer para ela, assim não pode ter uma vida Divina sem nascer de Deus. O primeiro nascimento faz-nos filhos de nossos pais; o segundo faz-nos filhos de Deus. Não é questão de desenvolvimento próprio, mas de regeneração; não de aperfeiçoar o nosso estado presente, mas de transformar completamente a nossa situação.

Subjugado pela sublimidade da ideia que lhe era sugerida, Nicodemos pediu uma explicação mais clara. Podia compreender que um homem fosse aquilo que é, mas não podia compreender que um homem se tornasse aquilo que não é. Compreendia que o homem velho fosse retocado de novo, mas não que se criasse inteiramente um novo homem. Daí a pergunta:

Como é possível que um homem nasça

Depois de velho?

Acaso pode entrar outra vez no ventre de sua mãe,

para tornar a nascer?”104

Nicodemos não nega a doutrina do novo nascimento; era um homem que aceitava as coisas literalmente. A sua dúvida versava sobre a exatidão do termo “nascido”.

Nosso Senhor respondeu à dificuldade:

Em verdade te digo: Ninguém pode entrar no Reino do Céu

Se não nascer de novo da água e do Espírito Santo.

O que nasce da carne é carne;

E o que nasce do Espírito é Espírito.

Não te admires, pois, por eu te dizer:

É preciso que nasçais de novo”.105

A ilustração de Nicodemos era inadequada; aplicava-se apenas ao domínio da carne. É certo que não podia entrar segunda vez no ventre materno para tornar a nascer. Mas o que é impossível à carne, é possível ao espírito. Vinha procurar instrução e doutrina e, em vez disso, ofereciam-lhe regeneração e renascimento. O Reino do Céu era apresentado como uma nova criação. Quando um homem sai do ventre de sua mãe, é apenas uma criatura de Deus, como uma mesa é criação, em grau inferior, do carpinteiro. Ninguém, na ordem natural, pode chamar a Deus “Pai”; para alguém o poder fazer, tem de tornar-se em alguma coisa que não é. Tem de participar, por meio de um dom Divino, na natureza de Deus, como participa, presentemente, da natureza de seus pais. O homem faz aquilo que é dissemelhante dele; mas gera aquilo que é semelhante a ele. O artista pinta um quadro, o qual é dissemelhante do artista em natureza; a mãe gera um filho e o filho é semelhante a ela em natureza. Nosso Senhor ensina aqui que, além e acima da ordem da produção e criação, existe a ordem da geração, regeneração e renascimento, por meio da qual Deus se torna nosso Pai.

Naturalmente, Nicodemos ficou surpreendido na sua compreensão religiosa puramente intelectual, porque Nosso Senhor disse-lhe: “Não te admires”. Perguntava a si mesmo como se podia efetuar esta regeneração. Nosso Senhor explicou-lhe que a razão por que não compreendia este segundo nascimento, era por ignorar a ação do Espírito Santo. Assim como a sua morte reconciliaria a humanidade com o Pai, continuou o Senhor pouco depois, assim a humanidade seria regenerada pela intervenção do Espírito Santo. O novo nascimento, a que o Senhor se referia, escapa aos sentidos e só é conhecido pelos seus efeitos na alma.

Vai, pois, esclarecer este Mistério com uma comparação: “Tu não podes compreender o soprar do vento, mas obedeces às suas leis e assim aproveitas a sua força; o mesmo sucede com o Espírito. Obedece à lei do vento e ele encherá as tuas velas e te impulsionará para a frente. Obedece à lei do Espírito e conhecerás o novo nascimento. Não adies o estabelecimento de relações com esta lei pelo simples fato de te reconheceres incapaz de sondar intelectualmente o seu Mistério”.


O vento sopra por onde quer;

Tu ouves a sua voz, mas não sabes

Por onde vem ou por onde vai.

Assim é todo aquele que nasce do Espírito”.106

O Espírito de Deus é livre e atua sempre livremente. Os seus movimentos não podem ser previstos por cálculos humanos. Ninguém pode determinar a vinda da graça ou o modo como atua numa alma; nem se virá como resultado do aborrecimento do pecado ou da aspiração a um mais alto grau de bondade. A voz do Espírito está dentro da alma; a paz que traz, a luz que espalha e a força que dá estão lá indubitavelmente. A regeneração do homem não é discernível pela vista humana.

Apesar de Nicodemos ser um hábil sofista e erudito, sentiu-se, contudo, perplexo ante a sublimidade da doutrina exposta por Aquele a quem chamava Mestre. Como Fariseu, não lhe interessava a santidade pessoal, mas a glória de um reino terreno. Agora pergunta:

Como pode se fazer isso?”107

Nicodemos percebeu que a vida Divina no homem não era propriamente uma questão de ser, mas envolvia também o problema de tornar-se, com o auxílio de uma força que não existe no homem, mas somente em Deus.

Nosso Senhor explica que a Sua doutrina era de tal ordem que nunca poderia sequer vir ao pensamento de alguém. Havia, pois, uma certa desculpa na ignorância dos Fariseus. Afinal, nunca homem algum tinha subido ao Céu para aprender os segredos celestes e voltar depois à terra a torná-los conhecidos. O único que os podia conhecer era Aquele que desceu do Céu, Aquele que, sendo Deus, se fez homem e conversava agora com Nicodemos. Pela primeira vez, Nosso Senhor refere-se a Si mesmo como o Filho do Homem, deixando perceber, ao mesmo tempo, que era algo mais que isso; era simultaneamente o Filho Divino Unigênito do Pai Celeste. Estava, na realidade, a afirmar a Sua natureza Divina e humana.

Ninguém subiu ao Céu,

Senão Aquele que desceu do Céu.

O Filho do homem que está no Céu”.108

Não foi esta a única vez que Nosso Senhor falou da Sua nova ascensão ao Céu e da Sua descida do Céu. A um dos Apóstolos disse:

Em verdade vos digo: Vereis o Céu aberto,

E os Anjos subindo e descendo

Sobre o Filho do Homem”.109

Porque eu desci do Céu,

Não para fazer a minha vontade,

Mas a vontade d’Aquele que me enviou”.110

Aquele que vem do alto

Está acima de todos;

O que está na terra, é da terra e fala da terra.

O que vem do Céu,

Está acima de todos”.111

E diziam: Porventura não é este Jesus,

Filho de José, cujo pai e mãe

Nós bem conhecemos? Como logo diz ele:

Eu desci do Céu?”112

Pois que será, se virdes o Filho do Homem

Subir ao lugar onde antes esteve?”113

Nosso Senhor nunca falava da Sua Glória Celeste, ou Glória de Ressuscitado, sem introduzir a ignomínia da Cruz. Às vezes referia-se primeiro à glória, como sucedeu com Nicodemos, mas a Crucifixão aprecia como condição dela. Jesus Cristo vivia duas vidas: uma vida celeste, como Filho de Deus, e uma vida terrestre, como Filho do Homem. Continuando a ser Uno com seu Pai no Céu, entregou-se pelos homens na terra. Afirmou a Nicodemos que a condição da qual dependia a salvação do homem seria a Sua Paixão e Morte. E para esclarecer esta ideia, citou a mais famosa prefiguração da Cruz no Antigo Testamento:

E assim como Moisés levantou a serpente no deserto,

Assim importa que seja levantado o Filho do Homem,

Para que todos os que creem n’Ele não pereçam,

Mas tenham a vida eterna”.114

Narra o Livro dos Números, que quando o povo murmurou revoltado contra Deus, foi castigado com uma praga de furiosas serpentes, de modo que, muitos perderam a vida. Tendo-se arrependido, mandou Deus a Moisés, que fizesse uma serpente de bronze e a levantasse como sinal; e todos os mordidos das serpentes que olhassem para aquele sinal, seriam curados. Nosso Senhor declarava, agora, que também Ele havia de ser levantado como a serpente bronze; e assim como esta tinha a aparência de uma serpente, mas não tinha veneno, assim também, quando Ele fosse suspenso nos braços da Cruz, teria a aparência de pecador, e contudo, não teria pecados. E assim como todos os que olharam para a serpente de bronze ficaram curados da mordedura das serpentes, assim também, todos os que olhassem para Ele, com amor e fé, seriam curados da mordedura da Serpente do Mal.

Não bastava que o Filho de Deus descesse do Céu e aparecesse como Filho do Homem, pois nesse caso teria sido um grande mestre e um grande exemplo, mas não Redentor. O mais importante para Ele, era cumprir a missão que O trouxe ao mundo, que era a de remir o homem, enquanto estava revestido de carne humana. Os mestres mudam os homens por meio das suas vidas; Cristo mudaria os homens por meio da Sua morte. O veneno do ódio, da sensualidade e da inveja, que está nos corações dos homens, não podia ser curado simplesmente por meio de sábias exortações e reformas sociais. O salário do pecado é a morte e, por isso, só com a morte o pecado seria expiado. Como nos antigos sacrifícios, em que o fogo queimava simbolicamente o pecado juntamente com a vítima à qual eram imputados, assim na Cruz, o pecado do mundo seria destruído nos sofrimentos de Cristo, porque Ele estaria direito como Sacerdote e prostrado como Vítima.

As duas maiores bandeiras jamais desfraldadas foram, a serpente levantada e o Salvador levantado. E, contudo, havia uma infinita diferença entre as duas. O Teatro de uma foi o deserto e a audiência dalguns milhares de Israelitas; o teatro da outra foi o universo e a audiência da humanidade inteira. De uma veio a cura do corpo, destruída de novo pela morte; da outra dimanou a cura da alma até a vida eterna. E, contudo, uma era a prefiguração da outra.

Mas não obstante ter vindo para morrer, Cristo insistiu em que O fazia voluntariamente e não por ser impotente, para se defender dos inimigos. O amor seria a única causa da Sua morte, como disse a Nicodemos:

De tal modo amou Deus o mundo,

Que entregou o seu Filho Unigênito,

Para que todos os que creem n’Ele

Não pereçam, mas tenham vida eterna”.115

Nessa noite, ao ser visitado por um homem já avançado em idade, o Divino Mestre, que tinha maravilhado o mundo com Seus milagres, contou a história da Sua vida, de uma vida que não tinha começado em Belém, mas que existia desde toda a eternidade em Deus. O Filho de Deus fez-Se Filho do Homem, porque o Pai O enviou com a missão de remir o homem pelo amor.

Se há coisa que todo o bom mestre deseja, é uma vida longa, que lhe permita tornar conhecida a sua doutrina e adquirir sabedoria e experiência. A morte é sempre uma tragédia para um grande mestre. No dia em que Sócrates tomou a sicuta, a sua mensagem terminou de uma vez para sempre. A morte foi a pedra onde Buda tropeçou com todas as suas teorias sobre a oitava via. O último suspiro de Lao-tze anunciou o descer do pano sobre a sua doutrina relativa ao Tao ou ao “nada fazer”, em oposição à agressiva autodeterminação. Segundo Sócrates, o pecado era fruto da ignorância e, por isso, o conhecimento tornaria o mundo bom e perfeito. Para os mestres do Oriente, o homem tinha sido apanhado pela grande roda do destino. Daí, a recomendação de Buda, de que os homens devem ser instruídos sobre o modo de esmagar os seus desejos e alcançar, por esse meio, a paz. Ao morrer, com oitenta anos, Buda não apontou para si, mas para a lei que tinha dado. A morte cortou a Confúcio as suas dissertações morais sobre o modo de aperfeiçoar um Estado, por meio de suaves relações recíprocas entre príncipe e súdito, pai e filho, irmãos, marido e mulher, amigo e amiga.

Nosso Senhor, na Sua conversa com Nicodemos, proclamou-Se a Si mesmo a Luz do Mundo. Mas a mais espantosa das Suas afirmações, foi que ninguém compreenderia a Sua doutrina enquanto Ele fosse vivo e que eram essenciais a Sua Morte e Ressurreição, para a compreensão dela. Nunca mestre algum do mundo ensinou que tinha de sofrer morte violenta, para tornar clara a sua doutrina. Aqui estava um Mestre que punha num lugar tão secundário os Seus ensinamentos que podia afirmar que, o único meio para atrair os homens a Si seria, não a Sua doutrina, não as Suas palavras, mas a Sua Crucifixão.

Quando exaltardes o Filho do Homem,

Então conhecereis que sou Eu”.116

Não disse que compreenderiam a Sua doutrina; seria antes a Sua Personalidade que eles apreenderiam. Só então, depois de O condenarem à morte, conheceriam que tinha falado Verdade. A morte, pois, em vez de ser a última de uma série de fracassos, converter-se-ia num glorioso êxito, no clímax da Sua missão na terra.

Daí, a grande diferença entre as estátuas e pinturas de Buda e Cristo. O primeiro está sempre sentado, olhos fechados, mãos cruzadas sobre o ventre gordo. Cristo nunca se vê sentado; ou levantado ou entronizado. A Sua Pessoa e a Sua morte, são o coração e a alma das Suas lições. A Cruz, com tudo o que ela encerra, torna-se uma vez mais, central na Sua vida.


______________________________

1.  “Bíblia Sagrada”, traduzida da Vulgata e anotada pelo Pe. Matos Soares; Evangelho de São João 3, 1-21, p. 1286. 13ª Edição; Edições Paulinas, São Paulo/SP. 1961.

2.  Synopse Evangélica ou Texto Harmonizado dos Quatro Evangelhos, por um Padre da Congregação da Missão, 29º Capítulo, p. 53. Estabelecimentos Brepols, A.G. Editores Pontifícios, Turnhout/Bélgica. 1913.

3.  Mons. Vicente Zioni, Santo Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, com comentários do Pe. Eusébio Tintori, O.F.M., Evangelho de São João, Cap. III, 1, p. 339. Edições Paulinas, São Paulo/SP. 1949.

4.  Cônego Duarte Leopoldo, Concordância dos Santos Evangelhos ou Os Quatro Evangelhos Reunidos em um Só, 3ª Parte, Cap. II, p. 46. 4ª Edição; Secretariado Geral da Obra das Vocações – Cúria Metropolitana; Linográfica, São Paulo/SP. 1951.

5.  Synopse…, ob. cit., p. 53.

6.  Pe. Dr. Frei Mateus Hoepers, O.F.M., Novo Testamento, tradução do texto grego, Evangelho de São João 3, 3, p. 251. Editora Vozes Ltda, Petrópolis/RJ. 1956.

7.  D. Antônio de Macedo Costa, Bispo do Pará, Resumo da História Bíblica, Edição em Vulgar, História do Novo Testamento, 1ª Parte, Cap. III, Ponto 17, p. 157. Livraria Chardron, Porto. 1875.

8.  Jo. 1, 18.

9.  Rvdo. Dr. D. Evaristo Martín Nieto, CRISTO en los Cuatro Evangelios, cap. 40, p. 60. Ediciones Paulinas, Avila. 1963.

10.  Synopse…, ob. cit., p. 53.

11.  Cfr. Rom. 3, 23; Gál. 6, 15; II Cor. 5, 17; Ef. 2, 10; 4, 23ss.

12.  “Novo Testamento”, por Mons. Dr. José Basílio Pereira, Evangelho de São João, 3, 3, p. 286. Editores – Os Religiosos Franciscanos; Tipografia de São Francisco, Bahia. 1912.

13.  “Nuevo Testamento”, versión directa del texto original griego, por Eloíno Nácar Fuster y Alberto Colunga Cueto, O.P., Evangelio de San Juan, Cap. 3, 1-21, pp. 298-300. BAC – Biblioteca de Autores Cristianos, Madrid. 1960.

14.  Cônego Duarte Leopoldo, ob. cit., p. 47.

15.  Santo Agostinho.

16.  Os Santos Evangelhos de Nosso Senhor Jesus Cristo, por um Padre da Missão, com notas da edição francesa dos PP. da Assumção, Evangelho Segundo São João, Cap. III, vers. 4, p. 9. Colégio da Imaculada Conceição (Botafogo), Rio de Janeiro/RJ. 1905.

17.  Mons. Dr. José Basílio Pereira, ob. cit., pp. 286-287.

18.  Pe. Matos Soares, ob. cit., p. 1286.

19.  Cfr. Conc. Tridentino, Sessão III, Bat. Cânon 2; Mat. XXVIII, 19.

20.  Mons. Vicente Zioni, ob. cit., p. 340.

21.  Pe. J. Lourenço, O.P., O Santo Evangelho de Jesus Cristo, Cap. 21 - Jesus instrui Nicodemos, p. 50. 3ª Edição; Edição da “União Gráfica”, Lisboa. 1939.

22.  Pe. J. Lourenço, O.P., ob. cit., p. 50.

23.  Cônego Duarte Leopoldo, ob. cit., p. 47.

24.  Conc. Ind. Cfr. Os Santos Evangelhos de Nosso Senhor Jesus Cristo, ob. cit., p. 9.

25.  Cfr. Tit. 3, 5.

26.  Mons. Dr. José Basílio Pereira, ob. cit., pp. 287.

27.  Eloíno Nácar Fuster y Alberto Colunga Cueto, O.P., ob. cit., p. 299.

28.  Pe. J. Lourenço, O.P., ob. cit., pp. 50-51.

29.  Synopse…, ob. cit., p. 54.

30.  Cônego Duarte Leopoldo, ob. cit., p. 47.

31.  Mons. Dr. José Basílio Pereira, ob. cit., pp. 287.

32.  Eloíno Nácar Fuster y Alberto Colunga Cueto, O.P., ob. cit., p. 299.

33.  Em grego pneuma, em aramaico ruach, significa vento e espírito. O primeiro simboliza aqui o segundo: 1º) na sua liberdade de ação; 2º) nos efeitos sensíveis, apesar de ser invisível, e, 3º) no Mistério do princípio e fim.

34.  Gál. 5, 22.

35.  Pe. Matos Soares, ob. cit., p. 1286.

36.  Pe. J. Lourenço, O.P., ob. cit., p. 51.

37.  Cônego Duarte Leopoldo, ob. cit., p. 47.

38.  Os Santos Evangelhos de Nosso Senhor Jesus Cristo, ob. cit., p. 9.

39.  Cfr. Rom. 8, 14ss; II Cor. 1, 21ss.

40.  Mons. Dr. José Basílio Pereira, ob. cit., pp. 287.

41.  Pe. Dr. Frei Mateus Hoepers, O.F.M., ob. cit., p. 252.

42.  Mons. Dr. José Basílio Pereira, ob. cit., pp. 287.

43.  Pe. J. Lourenço, O.P., ob. cit., p. 51.

44.  Joel 3, 1-5; Núm. 11, 24-30; Is. 32, 15-20; Ez. 36, 25-32; At. 2, 1-21.

45.  Eloíno Nácar Fuster y Alberto Colunga Cueto, O.P., ob. cit., p. 299.

46.  Synopse…, ob. cit., p. 54.

47.  Os Santos Evangelhos de Nosso Senhor Jesus Cristo, ob. cit., p. 9.

48.  Mons. Dr. José Basílio Pereira, ob. cit., pp. 287.

49.  Pe. J. Lourenço, O.P., ob. cit., pp. 51-52.

50.  Pe. J. Lourenço, O.P., ob. cit., p. 52.

51.  Synopse…, ob. cit., p. 54.

52.  São João Crisóstomo.

53.  Mons. Dr. José Basílio Pereira, ob. cit., pp. 287.

54.  Eloíno Nácar Fuster y Alberto Colunga Cueto, O.P., ob. cit., p. 299.

55.  Mons. Dr. José Basílio Pereira, ob. cit., pp. 287-288.

56.  Pe. J. Lourenço, O.P., ob. cit., p. 52.

57.  Cônego Duarte Leopoldo, ob. cit., p. 47.

58.  Mons. Dr. José Basílio Pereira, ob. cit., pp. 288.

59.  Núm. XI, 9.

60.  Santo Agostinho.

61.  Mons. Vicente Zioni, ob. cit., p. 340.

62.  Pe. J. Lourenço, O.P., ob. cit., p. 52.

63.  Synopse…, ob. cit., p. 54.

64.  Mons. Dr. José Basílio Pereira, ob. cit., pp. 288.

65.  Num. 21, 8 s.

66.  Eloíno Nácar Fuster y Alberto Colunga Cueto, O.P., ob. cit., p. 299.

67.  Pe. J. Lourenço, O.P., ob. cit., pp. 52-53.

68.  Pe. Dr. Frei Mateus Hoepers, O.F.M., ob. cit., p. 252.

69.  Rvdo. Dr. D. Evaristo Martín Nieto, ob. cit., cap. 41, p. 60.

70.  Cônego Duarte Leopoldo, ob. cit., p. 48.

71.  Mons. Dr. José Basílio Pereira, ob. cit., pp. 288.

72.  Eloíno Nácar Fuster y Alberto Colunga Cueto, O.P., ob. cit., p. 300.

73.  Synopse…, ob. cit., p. 55.

74.  Mons. Dr. José Basílio Pereira, ob. cit., pp. 288.

75.  Eloíno Nácar Fuster y Alberto Colunga Cueto, O.P., ob. cit., p. 300.

76.  Pe. J. Lourenço, O.P., ob. cit., p. 53.

77.  Synopse…, ob. cit., p. 55.

78.  Pe. J. Lourenço, O.P., ob. cit., p. 53.

79.  Synopse…, ob. cit., p. 55.

80.  Eloíno Nácar Fuster y Alberto Colunga Cueto, O.P., ob. cit., p. 300.

81.  Synopse…, ob. cit., p. 55.

82.  Pe. J. Lourenço, O.P., ob. cit., p. 53.

83.  Synopse…, ob. cit., p. 55.

84.  Pe. J. Lourenço, O.P., ob. cit., p. 53.

85.  Cônego Duarte Leopoldo, ob. cit., p. 48.

86.  Mat. 18, 3-4.

87.  Mat. 23, 12.

88.  Jo. 3, 7. CIC 526.

89.  Jo. 1, 13. CIC. 526.

90.  Jo. 1, 12. CIC 526.

91.  LG 3, 5. CIC 669.

92.  Jo. 3, 3-5.

93.  CIC 782.

94.  Rev. Pe. Berthe, CSS.R., “Jesus Cristo – Sua Vida, Sua Paixão, Seu Triunfo”, Livro 3º, Cap. I, pp. 91-94. Tradução do Francês. Estabelecimentos Benzinger & Co. S.A., Einsiedeln/Suíça, 1925.

95.  Jo. 2, 14-22.

96.  Jo. 2, 23-25; 3, 1-21.

97.  Joel 3, 1-5; Núm. 11, 24-30; Is. 32, 15-20; At. 2, 1-21.

98.  Ez. 36, 25-32.

99.  Fulton J. Sheen, Bispo Auxiliar de Nova Iorque, “Vida de Cristo”, Cap. 7º, pp. 115-124. Tradução de M. Gonçalves da Costa; Editora Educação Nacional de Adolfo Machado, Porto. 1959.

100.  Jo. 3, 1-2.

101.  Jo. 19, 39.

102.  Jo. 3, 2.

103.  Jo. 3, 3.

104.  Jo. 3, 4.

105.  Jo. 3, 5-7.

106.  Jo. 3, 8.

107.  Jo. 3, 9.

108.  Jo. 3, 13.

109.  Jo. 1, 51.

110.  Jo. 6, 38.

111.  Jo. 3, 31.

112.  Jo. 6, 42.

113.  Jo. 6, 63.

114.  Jo. 3, 14-15.

115.  Jo. 3, 16.

116.  Jo. 8, 28.


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