Blog Católico, para os Católicos

BLOG CATÓLICO, PARA OS CATÓLICOS.

"Uma vez que, como todos os fiéis, são encarregados por Deus do apostolado em virtude do Batismo e da Confirmação, os leigos têm a OBRIGAÇÃO e o DIREITO, individualmente ou agrupados em associações, de trabalhar para que a mensagem divina da salvação seja conhecida e recebida por todos os homens e por toda a terra; esta obrigação é ainda mais presente se levarmos em conta que é somente através deles que os homens podem ouvir o Evangelho e conhecer a Cristo. Nas comunidades eclesiais, a ação deles é tão necessária que, sem ela, o apostolado dos pastores não pode, o mais das vezes, obter seu pleno efeito" (S.S. o Papa Pio XII, Discurso de 20 de fevereiro de 1946: citado por João Paulo II, CL 9; cfr. Catecismo da Igreja Católica, n. 900).

sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

A SERPENTE EXALTADA NO DESERTO.


A Serpente de metal1 arvorada em um madeiro no deserto dava saúde aos feridos, que neste sinal empregavam a vista. Cristo exaltado na Cruz, remedeia e sara do pecado aos que n’Ele creem sem ficção, e meditam com diligência. Emprega, pois, ó minha alma, teus olhos neste sinal admirável, e cobrarás saúde. Quanto mais meditares em Cristo crucificado, maior sinal tens de tua salvação. Se te achas mordido da avareza, olha para o Crucificado, vê como está nu e pobre; se te achas mordido da serpente da ira, olha para o Crucificado, vê como está manso e paciente; se te achas mordido do rancor contra teus próximos, olha para o Crucificado, vê como Ele está benigno e amante; se te achas ferido d serpente dos falsos deleites do mundo e da carne, olha para o Crucificado, vê como está atormentado e aflito. Enfim, que esta mística Serpente é o sinal prodigioso que tem virtude para nos curar de todos os nossos males: In omnibus adversitatibus (diz Santo Agostinho) non inveni tam efficax remedium, quam vulnera Christi: in illis dormio securus, et dormio intrepidus.2 Em todas as adversidades não achei tão eficaz remédio, como as Chagas de Cristo: nelas durmo seguro, e descanso sem cuidado. E em outra parte deu a razão, dizendo: Vulnera Jesu Christi plena sunt misericordia, plena dulcedine, et charitate.3 As Chagas de Jesus Cristo, estão cheias de misericórdia, cheias de piedade, cheias de doçura e caridade. Oh, bendito e glorificado seja para sempre este Senhor; que onde abundou o nosso delito, superabundou a Sua graça.


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Fonte: Ven. Pe. Manoel Bernardez, Oratoriano, “Luz e Calor – Obra Espiritual para os que Tratam do Exercício de Virtudes e Caminho de Perfeição”, 2ª Parte, Opúsculo III, Meditação XXIII, III Ponto, pp. 379. Nova Edição, Lisboa, 1871.

1.  Núm. 21, 9; et Joan. 10, 14.

2.  In Manuali c. 22.

3.  Ibid. c. 21.


quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

NOVENA DA PURIFICAÇÃO DA SANTÍSSIMA E SEMPRE VIRGEM MARIA.

(Começa no dia 24 de Janeiro)


1. Ó Maria Santíssima, puríssimo espelho de todas as virtudes, Vós que, sendo a mais pura de todas as virgens, quisestes, apenas terminados os quarenta dias depois do vosso parto, apresentar-Vos, segundo a lei, no templo para ser purificada; fazei, Senhora, que a vossa imitação também nós conservemos nosso coração puro de toda a culpa, e mereçamos assim ser apresentados no templo da glória. Ave Maria…

2. Ó Virgem obedientíssima, que, apresentando-Vos no templo, quisestes oferecer o costumado sacrifício, segundo o uso de todas as outras mulheres: fazei, Senhora, que também nós, a vosso exemplo, saibamos oferecer a Deus, o sacrifício de nós mesmos, pela contínua prática das virtudes. Ave Maria…

3. Ó resignadíssima Virgem, que, prevendo a dolorosa Paixão de vosso Filho, sentistes vossa alma transpassada de dor, e conhecendo a aflição de vosso Esposo, São José, por vossas angústias, com santas palavras o consolastes: transpassai a nossa alma, com uma verdadeira dor de tantos pecados, pela qual possamos ter a consolação de participar da vossa glória no Paraíso. Ave Maria…


V. Revelou o Espírito Santo a Simeão.

R. Que não veria a morte, sem ter visto o Cristo do Senhor.


Oremos: Onipotente e eterno Deus, imploramos da vossa Majestade, que assim como o vosso Unigênito Filho foi apresentado no templo, depois de ter tomado a substância da nossa carne, do mesmo modo façais, que sejamos levados a vossa Presença com as almas puras de todo o pecado. Pelo mesmo Cristo Senhor Nosso. R. Amém.


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Fonte: Manual dos Congregados Marianos, 4ª Parte, Cap. “Orações e Novenas”, pp. 218-219. Edição Oficial organizada pela Confederação Nacional das Congregações Marianas do Brasil, Agregada à Prima Primária do Colégio Romano; Editora “Vozes”, Petrópolis/RJ, 1938.


domingo, 21 de janeiro de 2024

SANTA INÊS, VIRGEM E MÁRTIR. 2.


Santa Inês, admirada por todo o mundo, como diz São Jerônimo, e tão célebre em toda a Igreja, nasceu em Roma, pelos fins do 3º século, de pais nobre, ricos e virtuosos. As belas qualidades que desde logo se manifestaram na abençoada menina, contribuíram muito para que eles redobrassem de desvelos na sua educação. Inspiraram-lhe um grande amor pela fé católica e logo desde os mais tenros anos começou Inês a formar o mais alto conceito do estado feliz da virgindade.

As instruções de seus pais não serviam senão para secundar as impressões da graça. O Espírito Santo havia já formado naquele tenro coração uns sentimentos tão nobres e tão cristãos, que aos dez anos a santa menina parecia ter atingido uma perfeição consumada.

Amou a Deus, diz Santo Ambrósio, desde que nasceu. Os entretenimentos da sua infância consistiam em exercícios da mais terna devoção. Jovem na idade, não o foi nas inclinações e nos sentimentos. A sua rara formosura somente serviu para dar novos encantos à sua modéstia. Era extraordinária a piedade da santa menina, e a extrema ternura com que Inês quase desde o berço amava a Rainha das Virgens, inspirou-lhe tão grande estima, tão profundo amor à virgindade, que mal teve uso da razão fez voto de não admitir jamais outro esposo senão a Jesus Cristo.

Contava apenas treze anos, e já a sua peregrina beleza e raro mérito faziam grande ruído na corte. Viu-a um dia por acaso Procópio, filho de Sinfrônio, governador de Roma, e ficou tão enamorado dela que resolveu tomá-la por esposa. Sinfrônio, informado da qualidade e das notáveis prendas da donzela, aprovou vivamente o pensamento de seu filho, mas era necessário o consentimento de Inês.

O primeiro passo que deu Procópio, foi enviar-lhe um rico presente, declarando ao mesmo tempo, que desejava tomá-la por esposa. Inês não o aceitou, e devolveu-o ao moço, cuja paixão mais aumentou com esta recusa.

Serviu-se Procópio de quantos artifícios pode, para a conquistar: promessas, rogos, ameaças, tudo empregou, mas inutilmente. O último recurso de que se valeu, foi procurar meio de lhe falar ele mesmo, confiando em que a santa menina se renderia às suas ternuras. Porém, tudo quanto pode sugerir uma paixão cega, veemente e persuasiva, só lhe serviu para o desenganar da ineficácia dos seus esforços. Inês, animada de um espírito e de uma firmeza muito superior aos seus anos, disse-lhe:

Afasta-te de mim, emissário do príncipe das trevas. Não te canses em aspirar à mão de uma donzela, que já está prometida a um Esposo imortal, único Senhor de todo o universo, e que dispensa os seus maiores benefícios às virgens puras e castas”.



Uma firmeza tão majestosa e uma resposta tão desenganada quanto imprevista, encheu Procópio de desespero e raiva.

Excitada a sua paixão, deixou-se possuir de uma cruel melancolia, que o atormentava, e não menos a seu pai, de quem era amado em extremo. Sinfrônio resolveu então valer-se da sua autoridade para conseguir o beneplácito dos pais de Inês e o consentimento da filha. Chamou-a a sua casa e, tendo-a recebido com as atenções correspondentes à condição e merecimentos da virtuosa menina, disse-lhe:

Não ignorais, por certo, o fim para que vos mandei chamar. Meu filho deseja apaixonadamente ter-vos por esposa. A vossa nobreza e as informações que tenho das vossas excelentes qualidades, levam-me a aprovar a sua acertada escolha. Parece-me que não podereis aspirar a melhor partido, e não creio que sejais tão inimiga de vós mesmo, que não abraceis imediatamente esta proposta”.

Inês, a quem o Céu dotara de uma prudência e discrição superior aos seus poucos anos, respondeu com ar modesto, mas resoluto, que conhecia bem a grande honra e a muita mercê que se lhe fazia em pensar nela, porém, que já tinha escolhido Esposo muito mais nobre e rico do que Procópio. Que as riquezas de tal Esposo não eram deste mundo, mas que por isso mesmo, eram mais preciosas, e que a virgindade, que ela prezava mais do que todas as coroas do universo, era o único dote que o seu divino Esposo lhe pedia.

Ficou Sinfrônio confundido, mostrando não entender quem era Aquele Esposo de que Inês falava. Uma pessoa que estava presente, explicou: “Senhor, esta donzela é cristã e foi criada desde o berço nas extravagâncias da sua Seita; não duvideis, pois, que esse Esposo divino de que ela fala, é o Deus dos Cristãos”.

Então o governador, mudando de tom e de maneiras, replicou a Inês: “Compreendo agora o que é que te há transtornado a razão e alucinado o espírito. Deixa-te, minha filha, deixa-te dessas frívolas ideias de virgindade, deixa-te das superstições da tua Seita. Sejam os nossos deuses de hoje em diante o único objeto dos teus cultos; sejam as nossas máximas a regra de teu procedimento e do teu pensar. Lembra-te de que virá a ocupar uma posição brilhante na Capital do mundo, e farás ditosos todos os da tua casa. E agora escolhe: ou ser a primeira dama de Roma, ou expirar infamemente nos mais cruéis tormentos”.



Senhor, respondeu Inês, o meu partido está tomado, desde já vos declaro, que não admitirei jamais outro esposo, senão a Jesus Cristo, assim como nunca reconheci nem reconhecerei outro Deus a não ser o Soberano Criador do Céu e da terra. Não julgueis apavorar-me com a ameaça dos maiores suplícios, porque, se reconheço em mim alguma ambição, é a de juntar a coroa do martírio à da virgindade. Menina sou, e fraca, porém, confio na graça do meu Senhor Jesus Cristo, que me dará forças para morrer pelo Seu amor”.

Estas animosas palavras, desorientaram Sinfrônio, que quis fazer a última tentativa. Como a Santa mostrava tanto amor à virgindade, pareceu-lhe que nada a intimidaria tanto como ameaçá-la de ser posta com as mulheres públicas.

Escolhe uma dessas duas coisas: ou casar com Procópio, ou ser desonrada em um lugar infame, antes de expirares nos tormentos”.

Toda a minha confiança está posta no meu divino Esposo Jesus Cristo, respondeu a Santa. Ele é bastante poderoso para me livrar das tuas violências e tão cioso é da pureza das Suas esposas, que não permitirá que as despojem de um tesouro que dimana Dele e está sob a Sua guarda. Os vossos deuses inspiram-vos essas infâmias, porém, o Deus de pureza, a quem eu sirvo, saberá livrar-me dos vossos ímpios intentos”.

Sinfrônio, espumando de cólera e de furor, ordenou que imediatamente carregassem de cadeias aquela tenra donzela. Trouxeram logo grossas algemas e grilhões, que só o vê-los fazia estremecer; porém, Inês não mudou de cor, nem de linguagem em presença dos verdugos e dos instrumentos. Ficou tranquila no meio deste funesto aparato; e, oprimida com o peso das cadeias, estava mais livre para amar a Jesus.

Todos os circunstantes ficaram comovidos, os próprios pagãos não podiam conter as lágrimas, só Inês estava alegre sob o peso daqueles ferros.

Arrastaram-na até aos altares, a fim de que, incensasse aos ídolos; porém, esta violência somente serviu para Inês confessar mais publicamente, na presença de maior concurso de pessoas, a sua ardente fá em Jesus Cristo. Fizeram-lhe mover a mão, mas a Santa menina aproveitou esta breve liberdade de movimentos, para fazer o Sinal da cruz, levantando, por assim dizer, este troféu sagrado nos próprios altares do Demônio.

Sinfrônio, confundido assim com a serenidade e constância da Santa donzela, estava no auge da cólera. Crendo, e com razão, que o lugar infame das mulheres perdidas lhe causaria mais horror do que a própria morte, fê-la conduzir a um lupanar,1 mas um Anjo defendeu-a e uma luz celeste, desprendendo-se do alto, converteu aquele hediondo lugar em Oratório, que a ditosa menina santifica por meio das suas orações e dos seus votos.



Ninguém ousa aproximar-se dela, só Procópio, alucinado pela paixão, se atreveu a entrar com resolução de a acometer, mas no mesmo instante caiu morto aos pés da Santa. Um caso tão espantoso encheu a todos de consternação e assombro.

Pediram-lhe que ressuscitasse o jovem. Ergueu a Santa menina os olhos e as mãos para o Céu, e no mesmo instante se levantou o infeliz e agora ditoso mancebo; ditoso, porque, segundo testemunhos antigos, converteu-se e começou logo a publicar em alta voz, que todos os deuses dos gentios eram vãos e quiméricos, e que não havia outro verdadeiro Deus senão o que adoravam os Cristãos.

Tão evidente milagre interessou muito o governador, tornando-o favorável a Santa Inês; porém, os sacerdotes dos ídolos, atraídos pela notícia daquela maravilha, tanto instigaram o povo contra a Santa menina, apontando-a como feiticeira e sacrílega, que Sinfrônio, temendo uma sedição, se a pusesse em liberdade, e não se atrevendo a condená-la à morte, tomou o partido de se retirar, entregando a causa a um juiz, chamado Aspásio. Intimidado este com as ameaças do povo, que a acusava de feiticeira e maga, condenou Inês a ser queimada viva.

Preparou-se a fogueira, todos estavam impacientes por verem reduzida a cinzas aquela vítima ditosa e inocente, mas eis que o fogo, dividindo-se em duas partes, a deixa intacta, como aconteceu com os três mancebos hebreus na fornalha de Babilônia.

Por último, como os sacerdotes pagãos e o povo continuassem a atribuir aquelas maravilhas a artifícios, Aspásio ordenou que a decapitassem naquele mesmo lugar onde devia ser queimada. Então Inês, ardendo em santa impaciência de se ver unida para sempre no Céu com o divino Esposo, suplicou ao Senhor que houvesse por bem permitir que o seu sacrifício fosse consumado. E voltando-se logo para o verdugo, que se lhe aproximava tremendo e com respeitoso temor, animou-o a executar a ordem que tinha recebido.

Não temais, lhe diz ela, dar-me uma morte que vai ser para mim o princípio de uma vida eterna”.

Depois, levantando amorosamente os olhos ao Céu, proferiu estas palavras:

– “Recebei, Senhor, uma alma que muito Vos custou e a quem amais tanto”.

Finda esta súplica, o verdugo decepou-lhe a cabeça. Corria o ano 304.



Foi assim, diz São Jerônimo, que Santa Inês, sobrepujando a natural fraqueza da sua idade e do seu sexo, conseguiu alcançar uma dupla vitória contra o Inimigo de Jesus cristo, e, consagrando pelo martírio a honra da virgindade, mereceu receber no Céu uma dupla coroa. Todo o furor dos pagãos, não pode impedir, que o Santo Corpo de Inês fosse sepultado pelos Cristãos.

Os muitos milagres que se realizaram por sua intercessão, inflamaram a devoção dos fiéis, e Santa Inês foi desde logo venerada em todo o Orbe Cristão

A Igreja, não se contentando com uma festa em honra desta Santa, por duas vezes faz memória dela. No dia 21 celebra a sua gloriosa morte na terra, e no dia 28 soleniza o seu nascimento no Céu.

O concurso de povo ao seu sepulcro, foi em todo o tempo muito numeroso, não somente dos fiéis, mas também dos gentios, que se lhes misturavam para terem parte nos milagres operados por intercessão de Santa Inês.

Santa Inês foi escolhida para Protetora da Pia União das Filhas de Maria.

Construiu-se sobre o seu túmulo, na Via Nomentana, a magnífica Basílica que existe ainda, e o seu Nome foi inscrito no Canon da Missa com o de cinco outros Mártires, pelos fins do século V.

A Basílica de Santa Inês está anexo a um Mosteiro. As religiosas que o habitam, cuidam de um certo número de cordeiros, cuja lã serve para a confecção de pálios. Todos os anos no dia 21 de Janeiro, o Papa benze esses pálios, que são em seguida encerrados em uma pequena arca e depositados sobre os túmulos dos Santos Apóstolos. Envia-os depois aos Arcebispos, como insígnias próprias da sua dignidade, e também a alguns Bispos, por privilégio. O pálio consiste em uma banda de lã branca, que se coloca sobre a casula.


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Fonte: Pe. Croiset, S.J., “Ano Cristão”, Vol. I, pp. 245-249, 21 de Janeiro, Festa de Santa Inês; Tradução do Francês pelo Pe. Matos Soares, Porto, 1923.

1.  Prostíbulo.


segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

SANTA PRISCA: A CATEQUESE PARA O MARTÍRIO.

 


A Pia Instrução1


Pedro tinha prometido às duas donzelas narrar-lhes o heroísmo de uma jovem Grega, cumpriu a promessa. Em primeiro lugar referiu circunstanciadamente a viagem que tinha feito, e os sucessos ocorridos durante o ano que ele esteve ausente de Roma. Pedro disse que em Jerusalém soube pelos Apóstolos, que o Evangelho era atualmente pregado em todo o mundo, e que se faziam grandes conversões, não somente de povos, mas de monarcas, de reis, de nações inteiras. Onde dantes reinava a idolatria, eleva-se agora a Cruz; o Augusto nome do Salvador do mundo, felizmente ressoa de um polo a outro, de um mar a outro mar. Toda esta multidão convertida ao Cristianismo já fala de Roma,2 e espontânea e facilmente se submete a Roma, a reconhece como Metrópole e Capital.3

O império romano que, se orgulhava de submeter tantos povos com a força da espada, e os tinha unido a seu trono com grilhões de ferro, os oprimia com pesado jugo, agora pode descansar. O império não se estendeu para longe, não passou além das Índias, não atravessou o oceano, não pensou que houvesse uma quarta parte do mundo, muito mais vasta do que a Europa toda, com a Ásia também. Tomé guiado pelo Espírito Santo, refletiu e descobriu aquelas remotas praias até agora desconhecidas.*

*Por São Gregório Nazianzeno sabemos que São Tomé foi pregar às mais remotas Índias;4 também o afirma Orígenes;5 da Etiópia o escreve São João Crisóstomo;6 aos Medos, Persas, Brachmanes, e outras nações vizinhas, o diz Theodoreto, Clemente;7 à ilha da Taprobana, Nicéforo o assegura.8 Que São Tomé evangelizasse a América, nos afirmam os Missionários daquela quarta parte do mundo, os quais descobriram em muitos lugares, antiquíssimos monumentos cristãos. Nós mesmos interrogamos um amigo nosso, Missionário aí, o qual confirmou o fato, dizendo-nos que havia descoberto na Bolívia e República Argentina pedaços de cruzes, de sepulcros com o nome deste Apóstolo. Mas além destes testemunhos, temos mais seguro argumento. Era a profecia que os Apóstolos deviam fazer ouvir sua voz em todo o mundo;9 sabemos por São Paulo, que esta profecia foi realizada em seu tempo.10 Como seria isto verdade se na América não tivessem pregado? Dir-se-á, como pode lá ir este Apóstolo? Respondemos de dois modos. Primeiro, por modo natural, podendo haver naquela época algumas passagens para lá. Descobriu-se que antes de Colombo e de Américo, lá foi Ivan IV, duque da Rússia. Em segundo lugar, por modo milagroso, não faltando a Deus a vontade nem o poder de cumprir suas promessas, feitas nas profecias.

Roma, vossa amada Roma, por meio da Religião Cristã, se tornará na realidade a rainha, a Metrópole do mundo inteiro.11

Não sei descrever-vos, amadas filhas,** a alegria que senti tornando a ver minha saudosa pátria, minha cara Jerusalém, antes que seja arrasada***: os lugares

**Para que ninguém se surpreenda ou escandalize deste carinho que emprega o Apóstolo, declaramos tê-lo transcrito do Evangelho, das Cartas Apostólicas, também dos Padres dos primeiros séculos. Naquela época de simplicidade e candura não havia a malignidade da nossa. Filhinho, filhinha, não se pode traduzir fielmente senão assim.12

***Conforme a profecia de Cristo, Jerusalém devia em breve ser arrasada, e a Palestina abandonada. Os Apóstolos não sabiam o tempo exato de sua realização, por isso, ordenavam aos fiéis que se afastassem para não serem envoltos nas ruínas, e que vendessem todos os seus bens. Afirma São Jerônimo, que nenhum Cristão foi vítima daquela grande catástrofe.

cheios de tão belas recordações, assinalados com os vestígios de meu Amado Mestre! Em vão buscarei explicar, não podereis compreender a enchente de alegria, os festejos que fizeram meus companheiros tornando-me a ver, e também meus filhos espirituais. Deixando Jerusalém, fui a Antioquia, minha primeira Sede, e foi imenso o jubilo que tive achando-a tão florescente; alegre acolhimento tive de meus caros filhos e de meu Sucessor Evódio.13 Atravessei a Grécia toda, vi as apostólicas maravilhas de meu companheiro e amigo Paulo, dele soube que havia tido revelação de vir a Roma, e que sentia ardente desejo de a realizar. Foi neste ocasião que vi e falei com aquela admirável donzela, que foi a Protomártir da Grécia, e que será a primeira glória do sexo feminino no Cristianismo. Em poucas palavras vos referirei sua felicidade, para excitar em vós a emulação de imitá-la.

Tecla é o seu nome; era filha única de nobres pais; nasceu em Icônio, cidade que ela fará célebre acima de todas as da Grécia. Bela quanto é possível sê-lo, abrigava no peito um coração que era ardente incêndio de amor. Chegando à idade de casar-se desposou-se com Tamiri, jovem mui nobre como ela, e muito autorizado entre seus concidadãos.14 Ainda não se havia realizado o consórcio, Tecla era ainda virgem, quando a fama lhe noticiou os grandes feitos de Paulo. Sentiu despertar em seu coração ardente desejo de ver e ouvir este homem extraordinário; não tinha sossego nem de dia nem de noite. Enfim, realizou seu desejo; viu, ouviu-o pregar acerca do merecimento da Virgindade; e consagrou logo ao Orador espiritual afeto. Todos os dias ouvia suas prédicas, e buscava estar perto dele para o ver e admirar, e beber com imensa avidez cada uma de suas palavras. Um dia não o achou, ficou pensativa e aflita. Tanto pesquisou e indagou que chegou a saber em que cidade da Grécia estava Paulo. Volta a sua casa, vende secretamente suas joias e enfeites, e os presentes nupciais. No meio da noite sai de casa sem ser vista, sozinha, guiada pelo amor, chega ao lugar em que está Paulo, e considera-se feliz. Vai ele para outra cidade, Tecla o segue. Mas até então não lhe havia falado, só era cristã pelo desejo.

A mãe e o esposo estavam entregues à desesperação. Em toda a parte a buscavam, mas em vão. Finalmente, o Demônio os ajuda e conseguem descobri-la e achá-la. Repreensões, lisonjas, súplicas, ameaças, tudo em vão, quer ficar perto do Apóstolo, não se ocupa da mãe nem do esposo. Este converte a ternura em furor, e acusa Tecla perante os magistrados de se ter deixado seduzir por um mágico, de o ter abandonado, e reclama sua esposa.

O magistrado a faz prender e levar aos tribunais, lhe intima a ordem de voltar com o esposo, ou ser devorada pelas feras.

Coitada! Exclama as donzelas, que cruel e bárbaro tormento!

Porém, Tecla não perdeu o ânimo; em presença dos magistrados e juízes, protestou que ninguém a havia seduzido, mas que tendo ouvido falar de Cristo, de sua Religião, do mérito da Virgindade, se havia apaixonado por esta, e espontaneamente recusava o esposo, e estava disposta a perder antes a vida do que a Virgindade.

Ó bendita donzela, replicou Prisca, ah! Se me fosse possível imitá-la.

Beatíssimo Pai, disse Priscila, se esta perseguição chegar aqui, vereis que as Romanas não cedem a palma às Gregas! Aqueles bárbaros não se comoveram?

Pelo contrário, se enfureceram cada vez mais. Tecla começou a zombar de seus numes. Por isso, ordenaram que fosse logo levada ao anfiteatro. Chegando lá foi despida pelos verdugos e envolta em uma rede, arremessaram contra ela feroz leão.

Ouvindo isto, as duas Meninas se abraçaram apavoradas, como se vissem o feroz leão, encolheram-se todas, e de novo exclamaram. – Pobre moça! E ela não morreu de terror?

Tecla estava fortalecida pela divina graça, e desejava ser devorada depressa, não podendo suportar o tormento mais duro para ela, da situação em que estava, exposta às impuras vistas dos pagãos****.

****Os Santos Padres, especialmente Santo Agostinho e São João Crisóstomo, asseguram que este foi o mais horrível tormento das Virgens cristãs. Ele considera o pudor feminino e natural, e muito mais a modéstia e candura destas Virgens, e não acha por isso dificuldade em classificá-lo o maior dos tormentos que padeceram.

Porém, não era esta a vontade de Deus. A fera esquecida de sua ferocidade e fome, se deitou a seus pés, e os lambeu; e parece que tendo entendimento para exemplificar aqueles impudicos, não ousou levantar os olhos para o seu corpo.15 Então, as mulheres que assistiam a este espetáculo, soltaram altos gritos e fizeram grande tumulto, de modo que o magistrado que já tinha mandado vir outra fera, fugiu assustado. Tecla vendo-se solta, se lançou num tanque para ocultar sua desnudez, mas as mulheres, depois que se levou o leão, desceram à arena, a tiraram da água e a vestiram, e levaram em triunfo para a cidade.

Vede, filhinhas, o poder de Deus e o amor que tem às Virgens? Considerai a grandeza da Virgindade que amansa as feras, e se faz respeitar delas?”16

Prisca ficou como que absorta, em êxtase, com os olhos fitos no Céu; porém, Priscila pergunta ao Apóstolo se Deus fazia o mesmo acerca dos outros Cristãos e em outros martírios. Ele respondeu – Não, minha filha, Deus é assaz poderoso para assim dizer, mas se o fizesse com todos os Cristãos, e sempre acerca de todos os tormentos, como poderíamos obter a gloriosa palma, a coroa de Mártires? Deus opera estes prodígios quando Sua glória os requer, para mostrar aos pagãos Seu poder, e para convertê-los, mas às vezes faz milagres ainda mais maravilhosos, como sejam, quando tenras Virgens, delicados meninos permanecem vivos no meio de diversos e prolongados tormentos, dos quais um só bastaria para tirar-lhes imediatamente a vida. Deus deixa às vezes os Mártires sentirem a destruição de seus membros, para que alcancem maior prêmio, outras vezes os faz insensíveis a dor, para que conheçam seu amor e proteção. Quando os Mártires chegam a merecer o grau de glória que Deus lhes destina no Paraíso, os faz morrer com pouco ou nenhum padecimento*****.

*****Sem dor de tormentos morreram Petronilha, Rufina, etc. S. Regina, S. Cristina entre outras, depois de suportarem inauditos tormentos, pereceram nos mais leves e brandos.

Tecla a todos excedeu, e teve a coroa de Protomártir das Virgens da Grécia, sem padecer martírio”.

Enquanto Prisca continuava em sua abstração, Priscila perguntou, Tecla foi ainda exposta a outros tormentos?

Certamente, mas então já era Cristã. Paulo foi cruelmente flagelado por sugestão do esposo de Tecla, e estava no cárcere coberto de chagas. Ela o soube, e de noite, tendo vendido sua última joia, ofereceu seu valor ao carcereiro para que a deixasse falar com o preso.17 Este miserável consentiu, e ela entrou no horrível subterrâneo, pendurou na parede a lanterna que tinha trazido, prostrou-se aos pés de Paulo, apertando-os e beijando-os, referiu-lhe seu desejo e toda a história de sua vida, pediu-lhe, suplicou-lhe que sem demora a batizasse, depois lhe permitisse segui-lo para onde fosse, prestando-se com gosto aos mais humildes serviços de serva. O Apóstolo admirou tanto heroísmo em uma menina ainda pagã; doutrinou-a, batizou-a, e lhe deu o lugar de sua filha Primogênita.

Ela havia trazido panos, ligaduras, unguentos e bálsamos preciosos, com os quais se curou o Apóstolo de suas chagas, por isso em breve sarou, e pode continuar sua pregação.18

Todavia, o esposo de Tecla não estava satisfeito; seguiu-a, até outra cidade a que ela tinha ido em seguimento do Apóstolo; de novo a acusou perante os magistrados, estes a encontraram inabalável em seu propósito, e a condenaram a ser esquartejada de modo horrendo e espantoso. Para este fim, a levaram ao anfiteatro, e deitada em terra, lhe ligaram com grossas cordas as mãos, os braços, pés e joelhos, então apertaram e ataram bem as quatro pontas da corda aos chifres de quatro touros indômitos, e começaram a irritá-los, a pôr fogo debaixo deles e a espantá-los, para que correndo em diversas direções, despedaçassem a Mártir, e a partissem em quatro partes. Pode-se imaginar que dor faria sentir dilacerarem-se pouco a pouco os nervos, os membros e até as entranhas. Os que eram amarrados a quatro árvores, padeciam um só golpe. Porém, Deus acudiu a Sua dileta serva, que apenas padeceu o vexame da desnudez; quando foi amarrada se desataram os nós das cordas, e ela ficou solta com espanto daquela gente, que ainda não estava acostumada a semelhantes prodígios.19

Foi de novo acusada; e outro martírio se lhe apronta. Foi lançada nua em uma cova cheia dos mais venenosos répteis e medonhas serpentes. Qual foi o resultado desta bárbara tentativa? Os répteis, embora maltratados com a queda de Tecla, não lhe fizeram mal, rodearam-lhe o corpo, carinhosamente se enroscaram em seus pés, braços, peitos, na testa a modo de coroa, de colar, bracelete, lhe lambiam docemente as mãos, o rosto, os lábios, parece que a acariciavam e beijavam”.20

Que terror, que espanto! Exclamou Priscila. Mas não bastava esta vista para lhe gelar o sangue e tirar-lhe a vida? Pode-se imaginar crueldade maior do que esta? Seu ímpio esposo ainda não cedeu?

Não se deve dizer esposo, porque Tecla ainda não lhe pertencia, e não procurava senão o seu interesse, mais nos deve surpreender a barbaridade da mãe.

Também a mãe a perseguia?

Era a mais feroz, foi ela que tendo ido em sua procura com o pai, a achou em outra cidade, e a fez prender e condenar a ser queimada viva. Tecla já estava nua e amarrada a um pau; já se acendiam, em redor dela, ramos secos cobertos de betume, aspergidos de piche, de óleo e de resina; as chamas elevando-se a investiam; queimavam as cordas que a prendiam; nesta ocasião impetuoso vento separa, dilata, muda a direção do fogo, que se apodera e abrasa os carrascos e pagãos obstinados, que em torno dela zombavam do seu tormento.21 Mortos eles, pequena chuva extinguiu o incêndio, e Tecla solta e livre voltou para a companhia de seu Pai espiritual.22

Que prodigiosos milagres! Também, que fidelidade, que heroísmo tinha esta Virgem! Pai santo, dissestes que havíamos de ver o Apóstolo Paulo em Roma, se esta heroína o acompanhar, ardentemente vos pedimos que a façais vir a nossa casa; para nos comunicar parte da sua coragem.

Oh sim! Disse então Prisca, acabado o êxtase, que fortuna seria para mim vê-la!

Priscila, tu a verás, mas não em Roma, Paulo não a quer trazer aqui.23 Só no Céu a verás, Prisca. Dize-me, por que não deste atenção a esta interessante história? Por que motivo estás tão absorta, o que imaginavas, menina, com teus olhinhos fitos no Céu?

O semblante de Prisca adquiriu púrpura cor, e inclinando a cabeça sobre o peito: – Pai santo, respondeu com submissão, vós sabeis o que eu imaginava, mas peço-vos segredo.

Pedro fingiu não o saber: – O que queres que saiba, minha filhinha? Dize-me o que viste?

Vou dizê-lo, replicou Prisca, mas peço-vos que afasteis minha irmã. Estais contente?

Sim, filhinha, estou contente.

Quando a irmã saiu, Prisca disse: – Pai santo, parecia-me ver o Céu aberto, e nele dois tronos resplandecentes, e sobre estes duas brilhantes coroas, e riquíssimas vestes, brancas e vermelhas cor de fogo, e entre a coroa uma palma e um lírio. Enquanto eu contemplava tais maravilhas, ouvi um Anjo que disse: este trono, designando um, está preparado para Tecla,Protomártir da Igreja grega… e o outro…

Prisca cobriu o rosto com as mãozinhas, encostando-se ao ombro direito de Pedro, calou-se por modéstia e vexame; porém, Pedro sorrindo replicou:

E o outro, dize-me confidencialmente, para quem será?

Será… para a Protomártir de Roma!… Enquanto dizia isto, com uma de suas mãozinhas cobria o rosto com a estola do Pontífice, e beijava a Cruz que tinha bordada de ouro.

Quem será a Protomártir? Será Priscila?

Não.

Será Pudenciana, Praxedes?

Não, santo Pai, não.

Então, quem é?

Espero que seja vossa Prisca!24



O Pontífice com um modo doce e majestoso disse:

Filhinha, a visão que o Céu piedoso te revela agora, de tua futura glória esteja sempre presente a teu espírito, e estampada em tua alma. Esta visão regule teu procedimento no meio dos cuidados, angústias, tormentos que tens que padecer nesta misera vida. Sabe que no Oriente, o Protomártir Estêvão, moço delicado, amarrado e levado para morrer, enquanto as multidões furiosas descarregavam sobre seu corpo multidão de pedras, enquanto se lhe despedaçavam os membros, no meio de tantos tormentos que padecia, viu o Céu aberto; e nele Jesus glorioso e triunfante, que o esperava com a coroa na mão, que o animava a permanecer constante no Martírio; encarando a glória que o esperava, e as delícias que o aguardavam. Com semelhante vista seu rosto resplandeceu como sol, cintilaram-lhe os olhos pela alegria que inundava seu coração; deixou de sentir a dor das lesões do corpo, exclamou sereno e alegre – Vejo os Céus abertos, e o Filho do homem colocado à direita de Deus.25 Não teve mais voz senão para pedir o perdão dos algozes, à semelhança do Redentor. O mesmo te há de acontecer, lembrando-te desta cara visão. Minha filhinha, quais serão os tormentos, que não se suavizem, sabendo que alcançam inefável e eterna alegria? Como se pode achar um espinho duro e pungente, quando se considera que vai transformar-se em belíssima rosa? Lembra-te do heroísmo de Tecla, da Protomártir da Grécia, procura imitá-la na fé, no pudor, constância, intrepidez e mais virtudes que a tornaram a admiração da Grécia e mais do Oriente, e gloriosa também para as futuras gerações. Não temas, minha filha, as garras brutais dos algozes, as ameaças dos tiranos, nem os horríveis tormentos que te esperam. Deus estará contigo e te há de socorrer com Sua divina graça, e te fará superar os mais cruéis martírios. Se meu querido companheiro Paulo teve em Tecla sua Primogênita e Protomártir, uma e outra terei em ti; serás ainda mais gloriosa, porque ela só teve o desejo e provação do Martírio, sem lhe sentir os tormentos; porém tu, os sofrerás mais longos, fortes e repetidos que os dela, evidenciarás com o sangue a tua Fé, Virgindade e Heroísmo”.

Prisca estava em um êxtase de suave amor, seus olhos se fixavam ora no Céu, ora em seu Pai espiritual, se semblante refulgia com a graça do Paraíso. Ouvindo profetizar os martírios e a morte que a esperavam, em vez de empalidecer e tremer com horror, se engolfava em alegria, desejava, parecia apressar com seus votos aquele dia e hora feliz em que poderia competir e exceder sua companheira, e tornar-se digna esposa de Cristo. – Serei eu digna de semelhante honra, exclamava, serei digna? Por que motivo esta ventura não será de preferência concedida a minha irmã Priscila, ou a alguma de vossas filhas Pudenciana e Praxedes?

Deus reserva para ti esta felicidade, como te revelou e a mim também, e não deves esquecer a visão de tua boa mãe. Tão exímia honra, esta mercê que Deus te concede sirva-te de estímulo para te mostrares agradecida. Pensa, filha, o que significa esta escolha, o que vale esta honra. Serás a Protomártir, por isso, não acharás nenhum exemplo que imitar em Roma, só acharás Tecla na Grécia. Tu serás a Protomártir, isto é, o exemplar, a Arquimandrita, o estandarte de infinitos Mártires que depois de ti há de haver em Roma e toda a Itália, enquanto o mundo durar. Seja na preparação, na confissão, seja no triunfo,26 todas olharão para ti, e buscarão imitar-te. Considera que virtude deves ter, de que fortaleza, magnanimidade e heroísmo precisas?

Pai santo! Estareis junto de mim nesta dura provação, vossa presença me fortalecerá nestes terríveis combates? Ensinar-me-eis o que devo dizer e fazer? Se estiver desamparada e só, como poderei reger-me e governar-me?

Minha filha, não te dê isto cuidado. Eu não estarei junto de ti, mas Deus estará contigo, o Espírito Santo, Jesus, o teu bom Anjo custódio.

Por que não estareis também vós?

Porque Deus não quer; e quem terá a ousadia de dizer-lhe: porque fazeis isto? Porém, o que então não poderei fazer, o faço agora enquanto estou junto de ti. Tecla durante as provações, não esteve privada da vista e exortações de seu Pai espiritual! Somente no último martírio o viu espiritualmente,27 e esta vista bastou para confortá-la. Se Deus quiser, eu também te acompanharei.

Vós dissestes, meu Mestre e meu Pai, que antes de tudo se requer a preparação. Em que consiste esta?



A preparação para o Martírio, consiste em acender vivamente no coração o amor divino, radicar-se bem na fé, na assídua meditação da glória que os Mártires alcançam no Paraíso, e talvez também na terra, e das angústias e tormentos que os pagãos sofrerão no Inferno, especialmente os apóstatas, por toda a eternidade! Ainda mais, consiste a preparação, no desapego e desprezo de todas as coisas do mundo, riquezas, honras, pompas, prazeres, e até da própria vida, servindo de estímulo a consideração da vaidade, brevidade e inconstância das coisas terrenas. É útil prelúdio, habituar-se o futuro Mártir à vida austera e penitente, a beber por assim dizer gota a gota, o amargo cálice do Martírio, experimentando-o em si próprio.

A alma que ama a Deus com verdadeiro e puro amor, não se enfastia, não recusa, não repugna padecer por Ele, ainda que sejam os mais cruéis tormentos, pelo contrário, deseja e suspira por estes, deseja que sejam os mais atrozes, para melhor provar seu amor. O amor não encontra dificuldades que lhe pareçam insuperáveis, nas coisas difíceis não acha obstáculos à sua empresa, não lhe dão cuidado os perigos, fadigas, suores, contratempos; não sente os tormentos, lesões, feridas e a morte. Basta que possa agradar ao objeto amado; está satisfeita, acha-se Bem-aventurada. Está disposta a atirar-se nas chamas, submergir-se na água, ser esfolada, feita em pedaços, perecer em um turbilhão de dores, e ainda assim se achará feliz. Não foi o amor que trouxe do seio do Pai, e do Céu o Verbo Eterno, que O fez revestir-se de nossa carne, aceitar a responsabilidade de nossas culpas, sofrer pobreza, angústias, desterro, finalmente a flagelação, coroação de espinhos e a morte? Ele próprio o confessou: “Não existe maior prova de amor do que morrer por quem se ama, e eu assim tenho feito”.28 Inspirou ao Discípulo amado o seguinte: “Deus amou tanto o mundo, que por ele entregou à morte seu Filho”.29 Se os fiéis, se tu, querida Prisca, amares teu Deus do fundo do coração, estarás pronta a padecer por Ele os mais cruéis tormentos, a derramar todo o teu sangue, a perder a vida. Mas quem não tem este amor em grau heroico, não pode suportar o Martírio. Porém, o amor não basta, ou antes, sem viva fé, é impossível haver verdadeiro amor. Deus se conhece pela fé, e quem não tem conhecimento não pode ter amor, pois este procede da grandeza, amabilidade do objeto e dos dotes e predicados que nele se descobrem, e que o fazem digno de amor. Quem ama, deve crer, e crer perfeitamente tudo que Deus revelou de Si, e não pode então deixar de estar pronto a selar a fé com o próprio sangue. Minha cara Prisca, quem pode decidir-se a padecer e perder a vida por uma coisa desconhecida, incerta, duvidosa? No tempo mais próximo à perseguição, deve repetir-se frequentemente o Símbolo da Fé, e renovar a Deus o protesto de querer viver e morrer nesta crença, e de estar decidido a perder tudo, até a vida, antes do que abandoná-la.

É muito salutar também a frequente meditação da glória dos Mártires no Paraíso, e das penas eternas dos apóstatas no Inferno. Se uma mesquinha grinalda, um arco triunfal, uma ovação, passageiro triunfo, um pálio, é incentivo para que milhares de homens se exponham aos riscos da guerra, às lutas dos atletas, à fadiga das corridas, aos perigos dos torneios, e talvez às feridas e morte, sem esperança então de alcançar aquele desejado prêmio;30 o que não deveremos fazer e padecer nós, para ganhar a excelsa coroa, palma vitoriosa, esplêndido trono, infinita doçura que Deus nos concede por toda a eternidade? Nossa alma é naturalmente inclinada à felicidade, ainda que Deus se limitasse a prometer tão grande prêmio e honra aos Mártires, bastaria para decidi-los e atraí-los.31 Porém, não só nos apresenta gloriosa recompensa se nos sujeitarmos ao Martírio, mas nos coloca na alternativa, de a alcançarmos, ou de sofrermos os mais cruéis tormentos durante a eternidade. Não há meio termo para quem está no lugar da perseguição. Não seria loucura a recusa de suportar aqueles tormentos, que duram o espaço de um relâmpago, embora durem dias, são rápidos, para ir padecer intensas e eternas angústias?32 A razão e a fé nos decidem a trilhar a vereda que guia ao Céu. Prisca, se te dessem a escolha de sofrer a furada de um espinho, ou ser feita em pedaços, não preferirias a punção? Se pela preferência te prometessem inefáveis gozos, a mais esplêndida glória, não a aceitarias como dadiva?

Certamente, qual seria o estulto que procedesse de outro modo?

Aqueles porém, que estão aferrados aos miseráveis bens desta vida, deixam de ser susceptíveis destes nobres sentimentos e do heroísmo que o Martírio requer. Por esta causa dizia Cristo: “Quem ama a sua alma a perde, quem a perde por amor de mim, a salva. Quem ama pai, mãe, esposa, irmãos, casa. Fortuna, e também a vida, mais do que a mim, não pode ser meu discípulo”.33 Não é possível, minha filha, para só falar das tuas iguais, que uma donzela afeita ao luxo, aos prazeres, efeminada pela moleza, apaixonada pelas modas, possa trocar os aprazíveis e vãos ornatos que usa no peito e mãos, pelos pesados grilhões de ferro; em vez de coturnos ter troncos nos pés, em lugar de macios colchões de penas, deitar-se na terra nua; trocar os odoríferos perfumes pelo bafo fétido do cárcere; em vez de vestes delicadas, estar envolta em penoso cilício; sujeitar-se a cruéis flagelações, ao despedaçamento de seu corpo, ao repuxamento dos nervos, quebrantamento dos ossos, e tão variados e horrendos martírios que o Inferno há de inventar para desafogo de sua raiva, especialmente contra as Virgens sagradas? Estas que descrevo serão todas miseráveis apóstatas.34


Santa Prisca sendo batizada por São Pedro

Mas é possível que as Virgens receberam a graça do Batismo, que solenemente renunciaram ao Demônio, ao mundo e suas pompas vãs, voltem atrás, sejam perjuras, se revistam das frívolas pompas a que haviam renunciado? É crível que uma alma que teve a ventura de conhecer e amar a Nosso Senhor Jesus Cristo, dar-Lhe palavra de esposa, depois O queira renegar, para evitar sofrimentos nesta vida, que não podem deixar de ser muito breves?

Pedro ouvindo as últimas palavras que saíram dos inocentes lábios de sua filha, recordou-se da sua negação e chorou amargamente.35

A menina que ignorava a causa deste repentino pranto, o interrogou: Pai santo! Por que chorais? Espera-me um dia semelhante desgraça? Ah! Se pensais que vossa filha um só instante abandone seu Esposo, seu Deus, aterrada pelos tormentos, vós que sosi tão amado por Jesus, rogai-Lhe, suplicai-Lhe, meu Pai, que me envie já a morte. Vossas lágrimas me fazem tremer! Eu apóstata! Eu renegada, oh! Não, nunca, jamais! Então se desfez em lágrimas, via-se-lhe o coração palpitar com veemência, pelo movimento exterior das vestes, e pelos entrecortados suspiros e soluços que dolorosamente exalava.

Não, cara filha, disse Pedro tomando-lhe a mãozinha entre as dele, e acariciando-a, não choro por ti; nunca serás renegada nem apóstata, mas sim valorosa Mártir, o Céu m’o assegura; amarás sempre com supremo amor o teu Jesus, e conservarás ilesa sua fé, serás espelho, exemplo para todas as donzelas cristãs da observância da Lei divina, guarda da virgindade, desprezo dos mesquinhos bens do mundo. Não é verdade que procederás deste modo?

Sim, meu Pai, farei tudo que vós quereis, tudo que Deus exige de mim; tudo que me ensinastes, contanto que não seja apóstata, não renegue meu Deus. Isto não! Antes sofrer mil mortes! – Tornou a chorar e a suspirar.

Sossega, minha filhinha, vence o temor. Se todas aprendessem contigo a preparar-se e dispor-se para o grande combate, não teriam as esposas de Cristo que chorar tantas apóstatas e renegadas que depois de ti haverá, quando forem chamadas para a Confissão.

Quando me chamarem, o que deverei fazer? O que é a Confissão?

Quando chegar o dia de tuas núpcias,36 e vires chegarem soldados para prender-te, amarrar-te e arrastar-te aos tribunais, lhes pedirás algum tempo para dispor-te. Alcançada a permissão, se não houver Sacerdote em casa, tu mesma comungarás o Corpo de Cristo; depois vestirás os nobres trajes de noiva; te prostrarás pedindo o auxílio de Deus, oferecendo-Lhe o sacrifício de teu sangue e de tua vida! Então, serena e calma te apresentarás aos soldados, estendendo as mãos às algemas, recordando-te que o mesmo fez teu Esposo por amor de ti. Pelo caminho, mostrarás semblante modesto mas tranquilo, em teus lábios apareça doce sorriso, não pensando ir à morte, mas sim, para as suspiradas núpcias, para o triunfo. Chegando perante o juiz ou imperador, quando te perguntarem teu nome, condição, e a profissão de tua fé, a tudo responderás: – Sou Cristã.37



Se me fizerem interrogações sobre a fé, como hei de responder?

Não pense nisto; o Espírito Santo te há de ditar respostas que sirvam para confundir até os mais sábios. Ouvirás lisonjeiras promessas de nobres consórcios, de riquezas, prazeres; desprezando isto, passarão às ameaças de arrancar-te à força a flor da virgindade, de fazer-te padecer variados e cruéis tormentos, hão de mostrar-te, para te aterrar, horríveis instrumentos de tortura, flagelos, tendo nós de chumbo, escorpiões, tochas, navalhas, eleos, catastas, roda, clavas, caldeiras de água fervendo e de chumbo derretido, fogueiras. Não esmoreças com este espetáculo, recorda-te das palmas, coroas, delícias do Paraíso que compensam estes breves tormentos, e naqueles que não têm fim, que te causaria a apostasia. Lembra-te que o Senhor te há de revestir de Sua divina graça, que não te deixará sofrer dores, ou te infundirá fortaleza para sofrê-las.

Sim, meu Pai, agora que ouço vossas exortações, eu vos afirmo que nada temerei, mas eu me exporei à provação, pois acho o maior gosto em mostrar-me vossa digna filha, e digna esposa de meu caro Jesus.

Assim farás, Deus m’o assegura, e por isso, depois de breves tormentos, vencedora do mundo, do Inferno, dos tiranos,38 alcançarás o triunfo mais esplêndido e glorioso que se pode imaginar.

É de grande valia o Martírio, pois Deus lhe reserva tão eminente ?

Que me perguntas, filha? Que poderei dizer que dê a mais leve ideia da recompensa que merece? Em primeiro lugar, asseguro-te que o Martírio é a prova mais solene de amor que uma criatura possa dar a Deus, segundo Jesus Cristo mesmo disse.39 Porque é o mais alto heroísmo a que uma criatura possa elevar-se, especialmente uma jovem virgem. Também, por duas razões convincentes é o maior serviço que se possa tributar a Deus em relação a Fé. Porque esta prova evidencia sua veracidade;40 e em segundo lugar, é a melhor maneira e a mais segura de propagar a Fé. O Apostolado é nobre ofício; semelhante a este, e ainda maior pelo resultado é o Martírio; o qual dá eficácia Apostolado,41 o sangue que sai das feridas dos Mártires serve mais do que a palavra proferida pelos lábios dos Apóstolos, para converter os povos. Este sangue é semente fecunda, que não cai em vão na terra,42 por isso, os Mártires alcançam também a palma e coroa dos Apóstolos. Quantas donzelas e meninas atraídas pelo teu heroísmo, hão de se consagrar a Cristo? Estas te hão de cortejar no Paraíso, e tu serás para assim dizer, sua Rainha; ao mesmo tempo que serás a Protomártir de Roma e da Itália, também será Rainha de todas as outras, que depois serão outras Rainhas.

Que maravilhas me narrais, meu Pai e meu Mestre, quem poderá ouvindo-as não se apaixonar pelo Martírio? E em vez de fugir-lhe e ter-lhe horror, não o procurar e provocar?

Isto não se pode fazer, minha filhinha, a não ser por especial revelação divina43 ou em punição da apostasia.44 Cristo ordenou que nos escondêssemos, que fugíssemos quanto fosse possível no tempo da perseguição;45 e só quando as diligências de escapar não tivessem êxito, então o confessássemos claramente sem temor, sob a ameaça de sermos renegados por Cristo diante de seu Pai Celeste,46 mas se tanto te enamorou do Martírio, o que disse a seu respeito, o que será quando ouvires o que me resta a dizer?

Deves saber que o Martírio é um Batismo, para os gentios e catecúmenos, que sem o da água produz na alma os mesmos efeitos,47 e é também novo Batismo para os crentes. Quem pode percorrer este lodaçal, passar entre as chamas da vida presente sem manchar-se, ou pelo menos, ofuscar a pureza da veste original da inocência, que foi alvejada na Pia Batismal? Quem tem vista tão perspicaz para discernir as pequenas manchas, quase imperceptíveis e só manifestas à divina sapiência? Sabemos que no Céu nem com estas se entra, só resta o lugar de purificar-se, e embelezar-se entre dores e suspiros. Porém, o Martírio faz as vezes do Purgatório, assim como do Batismo, e a alma que sai pelas feridas do corpo, lavada e purificada no próprio sangue, pelo fogo de imensa e perfeita caridade, que a excitou a dar a vida pelo seu Senhor, bela e resplandecente, voa sem detença para o Céu a unir-se a seu Deus.48 Isto é dom sobrenatural que Deus concede às almas mais prediletas: é dom que faz a alma a quem se concede, semelhante a Cristo, e Sua irmã. As sagradas cinzas e os ossos dos Mártires operam prodígios, e serão venerados na terra enquanto houver Igreja, como preciosas relíquias, e serão conservadas com grande desvelo e amor em urnas de cristais e de fino mármore, em relicários de prata e ouro cravejados de pedrarias, e serão colocadas nos altares,49 e penderão do pescoço dos fiéis. Enquanto durar o mundo será celebrada a memória de seu Martírio co festa, pompas, iluminações.50 Hão de compor-se e cantar-se em seu louvor hinos e cânticos; os oradores, músicos, e poetas hão de rivalizar com os pintores e escultores para exaltar e transmitir aos vindouros sua glória. Em seu nome se elevarão altares, templos e Basílicas, e os fiéis hão de se esmerar para alcançarem seu patrocínio.51 Se é tão excelsa sua glória na terra, considera, filhinha, a que lhes estará reservada no Céu! Não há língua que saiba expressar, nem espírito que possa imaginar semelhante glória, basta dizer que é a mais elevada e sublime que Deus justo e magnífico em premiar Seus servos, amigos e esposas, lhes concede no Paraíso.52

Prisca nadava em mar de delícias ouvindo esta santa instrução. Sua alma suspirava por aquelas palmas e coroas triunfantes que teria sem muita demora no Paraíso, e não se aterrava com as torturas que devia suportar para as merecer. Seu coração abrasado no amor divino, suspirava pelo momento de retribuir a seu Amado, sangue por Sangue, morte por Morte, amor por Amor, e de se lhe assemelhar. Prisca ansiosa desejava dar-Lhe este penhor evidente de extremoso amor, constante e fiel. Quando verei este dia, exclamava, quando chegará a hora feliz!



Enquanto seu Pai e Mestre a acautelava para os próximos e funestos acontecimentos, e a predispunha para o Martírio, não esquecia a Igreja universal; com a extrema atividade de seu espírito, e com o zelo de seu ardente coração, tudo providenciava. Já Marcos havia composto o Evangelho que o mesmo Pontífice lhe havia ditado, e que encerrava os fatos vistos e ouvidos por ele mesmo.53 Ele escreveu uma Carta Apostólica e Pontifícia, e a espalhou por toda a Igreja, embora especialmente a dirigisse aos emigrados por causa da perseguição da Sinagoga.54 Foi esta a primeira Encíclica, a primeira Bula, que os Pontífices dirigiram aos fiéis, e o modelo e tipo de todas que se escreveram depois no correr de XIX (XXI) séculos. Nosso plano não comporta sua transcrição textual, apesar da certeza que temos de sua oportunidade, e do fruto que desta se poderia colher, pois, é pouco conhecida, principalmente dos leigos, que muito conviria que a conhecessem e meditassem. Daremos desta Epístola um resumo.

Pedro começa declarando-se Apóstolo de Cristo, designa em geral aqueles a quem dirige sua Epístola, que eram os desterrados Cristãos moradores no Ponto, Na Capadócia, Ásia e Bitínia, e nela lhes dá feliz esperança de paz e graça divina. Continua louvando sua fé, esperança e amor a Cristo, pelo qual padeceram grandes tribulações, que todavia eram inferiores ao mérito e prêmio que teriam no Céu. Estabelece a autoridade dos Profetas, que são inspirados pelo Espírito Santo, e exorta aqueles a quem escreve a serem santos e perfeitos. Quer que se despojem de toda a malícia, fraude, dissimulação, inveja, detração, e que semelhantes a meninos inocentes, porém, racionais, sem ficção alguma, desejem o leite da celestial doutrina, para que possam crescer para a salvação, experimentando quão suave é Deus. Honra-os, dizendo-lhes: Sois o povo escolhido, o Sacerdócio real, gente santa, povo conquistado, destinado a fazer resplandecer a virtude de Deus, que das trevas em que estáveis, vos transferiu para a Sua luz. Eu vos exorto, caríssimos filhos, prossegue o Pontífice, que sois emigrados e peregrinos, a abster-vos das concupiscências da carne, que prejudicam vossas almas, a proceder bem entre os gentios, que vos rodeiam; os quais apesar de vos caluniarem como malfeitores, se convençam que fazeis boas obras, e darão glória a Deus no dia de Sua visita.

Sede submissos a toda a criatura humana para agradar a Deus, seja ao rei como superior aos outros, seja a seus delegados, por este enviados para justiçar os malfeitores e para segurança dos bons; pois é vontade de Deus que vosso proceder reto faça emudecer a ignorância dos homens, independentes sim, mas não cobrindo com o véu da liberdade a malícia, mostrando-vos servos de Deus. Tributai a todos honra; amai a fraternidade, temei a Deus, respeitai o rei. Servos, sede sujeitos com toda a reverência a vossos senhores, não só aos bons e modestos, mas também aos díscolos.55 Convém que consideremos como uma graça sofrer injustamente por causa de Deus e por Seu amor. Com efeito, que glória tereis padecendo justamente por vossos delitos? Mas quando fazendo o bem sofreis; é isto dom de Deus. Deveis acreditar que sois chamados para este fim pois o próprio Cristo sofreu, deixando-vos o exemplo, para que sigais Suas pisadas…

Semelhantemente vós, esposas, sede submissas a vossos maridos, se algum deles for infiel, sem necessidade de pregador se converta por causa do religioso proceder de sua esposa, considerando com reverência seus hábitos de castidade. As esposas não empreguem seu cuidado no toucado, nos enfeites, no afã pelos vestidos, mas sim na modéstia de um espírito manso e incorruptível, adornado perante Deus. Em outro tempo assim se adornavam espiritualmente as mulheres santas, esperando em Deus e perseverando submissas a seus maridos. Vós, maridos, por igual motivo convivei com vossas esposas com simplicidade, honrando-as e compadecendo-vos de sua fraqueza, como companheiros da vida eterna; para que não estorveis o êxito de vossas orações. A todos exorto que se regulem pela fé, reciprocamente se amem, compadecendo-vos das mágoas uns dos outros; sede misericordiosos, modestos, humildes; não pagando mal com mal, maldições com maldições, mas pelo contrário com bênçãos, pois sois chamados para fruir, como herança, a bênção celeste. Quem vos pode tocar se fordes bons? Se assim mesmo sofrerdes por causa da justiça, sois Bem-aventurados; mas não temais vossos perseguidores.

Repito, que todos sejam prudentes, vigilantes na oração, que mutuamente se amem, sejam hospitaleiros, não tenham disputas, não se desviem de sua vocação e graça que receberam de Deus; que não se impacientem quando forem perseguidos, nem por esta causa desfaleçam, mas antes se considerem felizes e Bem-aventurados; evitem, porém, merecer o castigo dos homicidas, ladrões, maldizentes, intrigantes, mas sofrer porque são Cristãos não lhes cause vergonha. Passa a exortar os Bispos e Sacerdotes, recomendando-lhes que apascentem o rebanho de Deus, não com violência, mas com boa vontade, não com intento de auferir torpe lucro, mas por amor; não pela força e desejo de domínio, mas com o exemplo, assim se mostrará o príncipe dos pastores ser merecedor de imarcescível coroa. Admoesta os mancebos que sejam submissos a seus superiores; e a todos que sejam humildes, sóbrios, vigilantes, e conclui: Saúda-vos a Igreja que está reunida em Babilônia, e meu filho Marcos; a vós todos saúda com o santo ósculo da paz. A graça esteja convosco que estais unidos a Cristo Jesus.56

Escrita a Epístola mandou-a por um Cursor pontifício, Silvano (Ib.); e com verdadeira e paterna caridade cuidou, como Pai desvelado de Prisca e Priscila, em cuja casa havia sido agasalhado com tanto amor, e tinha colhido tão satisfatória primícias da fé. Enquanto se ocupava deste paterno cuidado, terrível tempestade se desencadeou contra ele, e sobre toda a Igreja Romana, especialmente contra a cara Prisca.

A notícia da morte de Messalina assustou o bairro dos Hebreus, especialmente a Simão e Lucusta. Eles muito confiavam em Messalina, e já lhe deviam insignes favores. Júlia e Vinícius, seus adversários tinham sido mortos, esta com ferro, aquele com veneno. O terrível Sêneca gemia no exílio, e Messalina se havia precavido para que, suas mais humildes súplicas de regresso fossem repelidas.57 Cláudio não tendo já quem o excitasse contra os mágicos, não se lembrava de seu decreto; também a descoberta que Messalina lhe disse que estes tinham feito de seu atual perigo, por cujo motivo obteve seu consentimento para o consórcio com Silio, tinha-lhe apagado do coração todo o medo dos mágicos, e até havia concebido por eles grande estima e amor. Simão e suas companheiras nada tinham que recear tendo a proteção de mulher tão prepotente, que dominava a seu talante o coração do imperador, e dispunha do império. Se houvesse alguém que ousasse opor-se-lhes, contristá-los, ai dele! A um aceno dos mágicos, a uma rogativa que fizessem a Messalina, seria morto ou despedaçado. Porém, morta ela, quem os salvaria e defenderia? Já não havia para eles esperança alguma.

A esta tão grande desventura se reuniam os boatos que corriam em Roma.

Sabes, cara filha, disse um dia Simão a Lucusta, enquanto a sua Helena magoada chorava ao lado dele, encostando a cabeça ao seu ombro, sabes quem fez matar Messalina. Se é verdade o que se diz, foi Simão Pedro, meu inimigo e antagonista: que a fez matar por intermédio do liberto Narciso, o qual foi atraído e seduzido por Júlia.

É verdade! Replicou Lucusta extremamente pálida, com o coração palpitando de modo que parecia, querer sair-lhe do peito. Já me haviam noticiado que este liberto subia frequentemente ao Aventino, entrava secretamente em casa de Prisca, onde se diz, e eu fui avisada pelos numes infernais,58 que habita Pedro, que há tempos estava ausente, e eu me lisonjeava que não voltasse mais; porém, chegou a tempo de realizar sua vingança da morte de Vinícius.

Eu sempre dizia a Messalina: livrai-vos daqueles libertos, que me são muito suspeitos; destruí o ninho do Aventino; despedaçai as serpentes que naquele antro se aninham; não vos limiteis à morte dos Pais; matai também as filhas; aniquilai as malvadas Priscila e Prisca, que seduzem nossos sectários, perseguem nossos numes, desfazem nossos encantamentos. Eu lhe dizia que ela no fim seria vítima de suas intrigas; não quis acreditar-me. Messalina me repetia que não tinha medo de ninguém, porque em suas mãos estava o coração de Augusto, que ninguém teria a ousadia de atacar sua vida nem de opor-se à sua vontade. Messalina vivia em fatal segurança, e não havia meio de dissuadi-la. Acresce que, depois da morte do liberto Polião, julgava ter aterrado os libertos. Com efeito, depois deste dia todos emudeceram; o que ela atribuía ao medo e desfalecimento de ânimo, e era apenas silêncio e segredo da conjuração, símbolo do ódio, inspiração da vingança. Tarde demais compreendeu seu erro e foi barbaramente assassinada; o conluio desta catástrofe foi urdido pelos libertos, especialmente por Narciso.

Ah! Pedro! Ah! Galileu! Tu queres ser sempre meu implacável adversário!

Por que motivo vós também, meu pai e mestre, seguistes a superstição do Nazareno?

Que queres, filha! Eu estava em Samaria quando lá chegou o mágico Felipe, que me acolheu como Pai, me batizou, mas não recebi o que chamam o Espírito Santo.59 Procurei Pedro para recebê-lo; o qual me repeliu com soberbo desdém.60 Então, um Gênio61 me falou e prometeu a faculdade de fazer milagres, enviou-me a Roma para opor-me a Pedro seu inimigo. Agora vejo, que o meu trabalho está perdido.

Certamente o está, se não tratais de defender-vos. Ouvi dizer que Narciso se empenha com Cláudio para que despose Agripina, irmã de Júlia. Esta chamará do desterro seu mestre Sêneca, procurará vingar-se de nós por causa da irmã; ambos hão de induzir Cláudio a executar o decreto da nossa expulsão. Ah! A morte de Messalina foi nossa desgraça!

Helena até então não tinha dito palavra, e só havia chorado. – Será possível que não haja algum recurso? Por que não consultamos nossos Numes infernais? Se permanecermos na inércia não escaparemos.

Dizes bem, minha cara; sabes que há tempos a esta parte estão mudos, todavia, experimentemos.

A prova se fez. O mágico e as duas mágicas fizeram fulminações, sacrílegos sacrifícios, formaram círculos, balbuciaram nefandas palavras. Tremeu e abalou-se todo o edifício, obscureceu-se a luz, negras chamas em redemoinho apareceram em redor deles; surgiram horríveis espectros, e muitos Demônios; infernal uivo retiniu a seus ouvidos. Desvanecido o encantamento, Simão alegre confortou as mulheres. – Tende ânimo, lhes disse, esperai, Jabaloth, Sabaloth, Ariachel me falaram. Pedro e seus sectários serão em breve desterrados de Roma, e nós ficaremos senhores dela.

Oxalá que praza aos Numes realizar-se este fausto anúncio! Responderam as mágicas enxugando os olhos.


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1.  Cardeal Wiseman, “Prisca – Narração Histórica do Reinado de Cláudio: Primeiro Século da Era Cristã”, Cap. XV – Pia Instrução, pp. 267-297. Traduzido do Italiano, B.L. Garnier, Livreiro Editor, Rio de Janeiro, 1879.

2.  Rom. 1, 8.

3.  Card. Barônio, An. XLV.

4.  Hom. 17, Arian.

5.  No Gen. I-3.

6.  Hom. 12 sobre os Apóstolos.

7.  De Ver. Evang., liv. IX – Recogn., liv. VIII.

8.  Liv. II, cap. XC.

9.  Psalm. 18, v. 5.

10.  Rom. cap. X, v. 18.

11.  S. Leão Magno, Sermão do Nat. Dos Ap. S. Pedro e S. Paulo.

12.  Vide S. Marcos, cap. X, v. 24. – S. João Evang., cap. XIII, v. 23. – S. Paulo aos Gál., cap. IV, v. 19. – S. João 1ª Carta, cap. II, v. 1, 12 18, 28. – Cap. III, v. 7, 18. – Cap. IV, v. 4. – Cap. V, v. 20.

13.  Card. Barônio An. XLV.

14.  Card. Barônio An. XLVII.

15.  Nec procaci oculo virginem, nec ungue violarent aspero. S. Ambr. – De Virg., liv. II.

16.  S. Greg. Naz. Exortatio ad virgines.

17.  S. Ambr. Liv. cit.

18.  Para evitar equívocos, observa-se àqueles que tem pouca lição de história, que há duas cópias diversas dos Actos de S. Tecla, uma apócrifa, outra autêntica. É inútil dizer que nos servimos da última. (Vide Bib. dos Padres, vol. I. Barônio, An. XLVII.

19.  S. Zeno, Sermão do Temor.

20.  O Mesmo, e o Doutor Máximo.

21.  Costumavam os pagãos, enquanto se martirizavam as Virgens, dar gritos, escarnecer delas, injuriá-las. Como refere entre outros, S. Cipriano no livro do Martírio e na Carta aos Tib.

22.  Act. De S. Tecla. – Barônio, An. XLVII. – S. Greg. Naz.

23.  S. Jerônimo refere que, S. Paulo vindo à Itália, a fez ficar na Grécia, com grande dor dela (Ep. A Oceanum). Os Atos de S. Tecla, referem circunstanciadamente esta dura separação.

24.  São Pedro se recordava que seu Divino Mestre tratava com meigo amor os meninos e os acariciava com paterno afeto. Lembrava-se da repreensão que o Senhor lhe havia dado, por os ter repelido, e a ameaça que fez a todos que ofendessem os pequeninos (S. Mat. 19, 13-15). Por isso, não deve surpreender que o Apóstolo mostre espiritual afeto a esta sua cara filhinha.

25.  Act. dos Ap., 7, 54-59.

26.  Estas denominações, ou parte delas acerca do Martírio, achamos em S. Cipriano. Preparação, chamava-se a vida anterior; Confissão, a profissão que os Mártires faziam perante os tribunais da fé de Cristo; Batalha ou Questão, o martírio, e diversos martírios; Triunfo, a morte entre as torturas. Àqueles a quem faltasse algum destes quesitos, não se dava o nome e a glória de Mártir. (Vide o Padre cit. Em muitas cartas, e Do Martírio)

27.  Act. do Mart. de S. Tecla; e Barônio, An. XLVII.

28.  Jo. 15, 16.

29.  Jo. 3, 16.

30.  Estas reflexões são tiradas de S. Cipriano, Orígenes, S. João Crisóstomo, em suas Exortações aos Mártires.

31.  S. Cipri. Obra cit. e Cartas.

32.  O mesmo e Orígenes.

33.  Mat. 10, 37-39; Marc. 8, 34-38; Luc. 9, 23-26.

34.  S. Cipri. E Tert. Em muitos lugares.

35.  Não se repute isto exageração romântica. S. Pedro sempre chorou amargamente, todas as vezes que se lembrava de sua negativa (Vide Metaphraste e Súrio na sua vida). Pensa-se que deste pranto provem o uso do Manipulo, que antigamente era um paninho preso ao braço esquerdo do Sacerdote, semelhante àquele que usava o Apóstolo S. Pedro para enxugar suas lágrimas.

36.  Assim chamavam os Cristãos, o dia do Martírio. Vide S. Cipriano.

37.  Esta era a forma usual de responder aos Juízes, quando estes interrogavam os Cristãos sobre seu nome, apelido e condição. (Vide Ruinari, Súrio, etc.) Esta resposta bastava para a Confissão: feita esta, a Igreja os reconhecia como Mártires, ainda que depois não fossem sujeitos aos martírios e à morte. Para discerni-los dos que consumavam o Martírio, se denominavam no processo, Iniciados, Confessores. (Vide as Cartas de S. Cipriano)

38.  Os Santos Padres chamavam Vitoriosos aos Mártires, e os comparavam aos guerreiros, aos triunfadores. Vide S. Cipriano, Louvor do Martírio, as Cartas aos Mártires e Confessores, e S. João Crisóstomo, nos panegíricos acima citados acerca dos Mártires. Também Orígenes e Tertuliano; por isso, a Igreja lhes dá este nome.

39.  S. Jo. 15, 16.

40.  S. Agost., e S. Jerôn.

41.  A Santa Igreja diz no Ofício dos Apóstolos, que fundaram a Igreja com seu sangue.

42.  Sanguis Martyrum est sêmen Christianorum. Tertuliano, S. Cipriano. Fato provado pela história.

43.  A Igreja para obviar às desordens que resultavam de alguns fiéis serem demasiadamente zelosos e apaixonados pelo Martírio, proibiu-lhes que se apresentassem, sem revelação especial. Isto provaremos na obra Sobre os Deveres da Igreja e dos Fiéis na Atual Perseguição, com os Decretos dos Concílios.

44.  S. Cipriano ordenou aos apóstatas, se queriam perdão, que se oferecessem ao Martírio. (Ob. Cit)

45.  Mat. 10, 23.

46.  Mat. 10, 32.

47.  Sentença Comum dos Padres e dos Teólogos, mas não Dogma da Igreja.

48.  S. Cipr. ob. cit.

49.  Os Altares antigos eram feitos à semelhança de sepulturas; dentro encerravam um corpo, ou uma relíquia de um Mártir. (S. Cipriano e S. João Crisóstomo) Pelo andar do tempo foram construídos de pedra e de mármore, mas prescreveu-se, como ainda hoje se usa, que dentro houvesse a Pedra d’ara, sobre a qual se celebra o Santo Sacrifício, e se colocam as relíquias; para que, diz S. Cipriano, se não pudesse celebrar o grande Mistério do maior Martírio, senão sobre as cinzas dos Mártires!

50.  S. João Crisóstomo.

51.  O mesmo em Hom.

52.  O mesmo em mais lugares, e S. Ambrósio.

53.  S. Cip., S. Amb., Orig., etc.

54.  Barônio, An. XLV.

55.  Grosseiros, mal-educados, sem polidez, agressivos, brigões, desordeiros, etc.

56.  Primeira Epístola de São Pedro.

57.  Rollin, Liv. VIII, § 1.

58.  Demônios.

59.  Act. 8, 9-13.

60.  Rollin, Liv. VIII, § 1.

61.  Demônio.


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