Blog Católico, para os Católicos

BLOG CATÓLICO, PARA OS CATÓLICOS.

"Uma vez que, como todos os fiéis, são encarregados por Deus do apostolado em virtude do Batismo e da Confirmação, os leigos têm a OBRIGAÇÃO e o DIREITO, individualmente ou agrupados em associações, de trabalhar para que a mensagem divina da salvação seja conhecida e recebida por todos os homens e por toda a terra; esta obrigação é ainda mais presente se levarmos em conta que é somente através deles que os homens podem ouvir o Evangelho e conhecer a Cristo. Nas comunidades eclesiais, a ação deles é tão necessária que, sem ela, o apostolado dos pastores não pode, o mais das vezes, obter seu pleno efeito" (S.S. o Papa Pio XII, Discurso de 20 de fevereiro de 1946: citado por João Paulo II, CL 9; cfr. Catecismo da Igreja Católica, n. 900).

sexta-feira, 12 de maio de 2023

NECESSÁRIO VOS É NASCER DE NOVO. O QUE ISTO QUER DIZER?


JESUS INSTRUI A NICODEMOS1


1Ora, havia um homem da seita dos fariseus chamado Nicodemos, um dos principais entre os Judeus. 2Este foi ter com Jesus, de noite, e disse-Lhe: Mestre, sabemos que foste enviado por Deus para ensinar; porque ninguém pode fazer estes milagres que tu fazes, se Deus não estiver com ele. 3Jesus respondeu, e disse-lhe: Em verdade, em verdade te digo, que não pode ver o reino de Deus senão aquele que nascer de novo. 4Nicodemos disse-lhe: Como pode um homem nascer sendo velho? Porventura pode tornar a entrar no ventre de sua mãe e renascer? 5Respondeu-lhe Jesus: Em verdade, em verdade te digo, que quem não renascer por meio (do Batismo) da água e do Espírito Santo, não pode entrar no reino de Deus. 6O que nasceu da carne é carne, e o que nasceu do Espírito, é espírito. 7Não te maravilhas de eu te dizer: Importa-vos nascer de novo. 8O espírito sopra onde quer; e tu ouves a sua voz, mas não sabes donde Ele vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que nasceu do Espírito. 9Respondeu Nicodemos, e disse-Lhe: Como se pode isto fazer? 10Respondeu Jesus, e disse-lhe: Tu és mestre em Israel e não sabes estas coisas?

11Em verdade, em verdade te digo, que nós dizemos o que sabemos, e damos testemunho do que vimos, e vós (com tudo isso) não recebeis o nosso testemunho. 12Se vos tenho falado das coisas terrenas, e não (me) acreditais, como (me) acreditareis, se vos falar das celestes? 13E ninguém subiu ao Céu, senão Aquele que desceu do Céu, o Filho do homem, que está no Céu. 14E como Moisés levantou no deserto a serpente, assim também importa que seja levantado o Filho do homem, 15a fim de que, todo o que crê n’Ele, não pereça, mas tenha a vida eterna.

16Porque Deus amou de tal modo o mundo, que lhe deu seu Filho Unigênito, para que todo o que crê n’Ele não pereça, mas tenha a vida eterna. 17Porque Deus não enviou seu Filho ao mundo, para condenar (julgar) o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele. 18Quem n’Ele crê, não é condenado, mas quem não crê, já está condenado, porque não crê no nome do Filho Unigênito de Deus. 19E a condenação está nisto: a Luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a Luz, porque as suas obras eram más. 20Porque todo aquele que faz o mal, aborrece a luz, e não se chega para a luz, a fim de que, não sejam acusadas as suas obras; 21mas aquele que pratica a verdade, chega-se para a Luz, a fim de que, as suas obras sejam manifestas; porque são feitas segundo Deus”.



1ª Parte


RUMINANDO O TEXTO EVANGÉLICO

1 … havia um homem da seita dos fariseus chamado Nicodemos, era um dos 72 membros do Sinédrio ou Supremo Tribunal dos Judeus2. Diz a Tradição que, ele se converteu à fé cristã e, por isso, foi banido do Sinédrio e expulso de Jerusalém.3

2 Este foi ter com Jesus, de noite… Ninguém se deve envergonhar de ser cristão e professar a doutrina de Jesus Cristo; mas é preciso também animar aos neoconversos, que ainda têm, como Nicodemos, certa timidez4.

3 … Não pode ver o reino de Deus senão aquele que nascer de novo. Nosso Senhor alude expressamente ao Sacramento do Batismo, que nos comunica uma segunda vida, a vida sobrenatural, pela infusão da água no corpo e do Espírito Santo na alma5. É um começo novo de vida sobrenatural, que deve ser dado ao homem de cima6 (ao que é batizado). O Batismo é indispensável para alcançar o reino do Céu. Pela água do Batismo livramo-nos do poder do Demônio, como os Israelitas, passando pelas águas do Mar Vermelho, escaparam ao cativeiro do Faraó7. (vers. 1-15) Pero Jesucristo habla de un nascimiento espiritual, en el que el Espíritu Santo confiere una vida nueva; y le hace ver que se trata de un misterio sobrenatural, que hay que abrazar con la fe… Jesuscristo ha bajado del cielo para revelarnos cosas del Padre8. Subirá al cielo (ascensión), pero sigue estando allí. Esto nos obliga a concluir sobre la preexistencia del Verbo encarnado, o sea, que la primera idea hacia fuera de la Trinidad augusta fue la encarnación del Verbo.9 Esta expressão Em verdade, em verdade, era uma fórmula solene empregada pelos Judeus, para dar às suas afirmações toda a força que podiam ter, afora o juramento10. A palavra de Jesus dá a entender, que o fariseu, na visita noturna, quis informar-se a respeito do reino de Deus. “Ver”, isto é, experimentar o reino do Messias, ter parte nas suas graças, ninguém pode senão aquele que recebeu uma nova vida. O homem natural e submisso ao domínio do pecado e das paixões tem que ser transformado em nova criatura, em homem espiritual e sobrenatural11.12 Este nascimiento espiritual ha de tener su principio en el cielo, es decir, que deben ser del cielo los principios que informan esta nueva vida.13

4 pode tornar a entrar no ventre de sua mãe e renascer? A admiração de Nicodemos, doutor fariseu, nos revela quanto os judeus eram cegos e carnais, pois, só compreendiam a letra da Religião, sem alcançar-lhe o espírito14. Trata Jesus de regeneração espiritual, e Nicodemos cuida de renascimento segundo a carne15.16 Como os fariseus julgassem que só por serem eles filhos de Abraão, participariam do reino messiânico, não compreende Nicodemos o sentido figurado da palavra, e quer, com um dito gracioso, insinuar que a ideia lhe parece absurda17.

5 Quem não renascer… Este renascimento deve se realizar por dois modos: um externo e material, que é a água; outro interno e espiritual, que é o Espírito Santo. Jesus mostra, deste modo, a necessidade do Batismo18, cuja necessidade é afirmada19;20 é ser gerado por uma virtude divina, (portanto) é ser batizado21. Não pode Entrar no Reino de Deus, isto é, pertencer à Igreja que Jesus veio fundar, e gozar a felicidade eterna a que, a Igreja conduz, aqueles que renascem espiritualmente pelo Batismo da água e do Espírito Santo22. O Reino de Deus é a vida eterna no Céu, e a vida da graça na Igreja. É Deus reinando em nossas almas23. Enfim, Jesus proclama a necessidade do Batismo para a salvação24. Jesus repete a sua palavra, indicando o modo ou as causas produtoras do novo nascimento, a água e o Espírito Divino, os quais constituem o Sacramento do Batismo, única porta do reino de Deus25.26 Tal nascimiento tiene su principio espiritual en la fe; su causa ritual es el bautismo del agua y del Espíritu Santo, según lo que Juan había ya declarado.27

6 O que é nascido da carne… Estas palavras exprimem a razão do por que, é absolutamente necessário aquele segundo nascimento. Entrar no Céu, é um ato inteiramente sobrenatural, que o homem não pode realizar por sua carne, isto é, com as forças próprias da natureza humana; é necessário receber a ação sobrenatural do Espírito Santo, pelo renascimento no Batismo28. A vida natural nos comunica inclinações naturais ou carnais, ao passo que a vida sobrenatural nos comunica inclinações ou aspirações espirituais: a fé, a esperança e o amor de Deus29. Pelo Batismo, recebemos uma nova vida, uma vida toda espiritual. Como o corpo vive naturalmente pela alma, assim, a alma batizada vive sobrenaturalmente pela graça santificante30. Ainda: O versículo 6 quer mostrar, a necessidade do nascimento espiritual. Sendo o reino de Deus vida divina, também o princípio causador deve ser o Espírito Divino que, unido ao elemento simbólico da água, dá a nova vida31. La vida religiosa de Israel, inspirada en la interpretación material de la Ley y de las promesas mesiánicas, no pasaba de una vida material; pero la que Jesús proponía tenía principios más altos y divinos.32

8 O Espírito, o vento33. Assim como o vento sopra onde quer, isto é, sem encontrar obstáculos, e não se pode determinar com exatidão o lugar onde nasce, nem onde termina, embora se ouça a sua voz, assim o Espírito Santo se comunica a quem quer e como quer. E, embora mova as almas com as Suas ilustrações, todavia, não se pode naturalmente conhecer com certeza, se Ele está presente nelas pela Graça Santificante. Pode-se somente inferir com probabilidade esta presença, dos frutos que produz, os quais estão enumerados na Epístola de São Paulo aos Gálatas34.35 Jesus faz uma comparação: assim como o vento é um ser desconhecido na sua origem e no seu termo, assim é misteriosa a vida nova comunicada ao homem pelo Espírito Santo, no momento do Batismo.36 Como o vento se faz sentir pelos seus efeitos, assim o Espírito Santo opera sem cair debaixo dos nossos sentidos. Nessa conferência (diálogo), o Salvador insinua claramente a necessidade do Batismo para a salvação37. No entender de São João Crisóstomo, São Cirilo e da maioria dos Padres Gregos, é do sopro do vento que trata a primeira parte deste verso; ao Espírito Santo, dizem que se refere São Agostinho, Santo Ambrósio, São Bernardo. Explica São Tomás as duas acepções38. O Salvador quer dizer que, a nova vida é um Mistério que a inteligência natural não compreende; mas aquele que a recebeu, sente em si o sopro do Espírito Santo39.40

9 … Como se pode isto fazer?… a fim de que, todo o que crê n’Ele não pereça… (vers. 9-15) Devemos crer em coisas do Céu que ultrapassam a nossa compreensão. Para poder subir à glorificação, é preciso descer à humilhação. A serpente desde o Paraíso, é o símbolo do Demônio e do mal. O Crucificado tomou sobre Si o pecado do mundo e a antiga Serpente, foi julgada na Cruz. Pela fé em Jesus exaltado no patíbulo, temos a vitória sobre a morte e recebemos a vida eterna. A serpente de Núm. 21, 8s, é tipo do Crucificado41. Mais uma vez opõe o fariseu o seu cético “Como é possível?” Aferrado às suas ideias partidárias, não entende a nova doutrina do Salvador, de modo que, este não pode deixar de admirar-se da ignorância deste mestre de Israel42.

10 Tu és mestre em Israel… Estas palavras envolvem uma suave repreensão a Nicodemos, o qual, se conhecesse certos passos do Antigo Testamento, facilmente compreenderia o ensinamento de Jesus.43 Censura, justamente, o Salvador a ignorância de um Doutor da Lei, que devia conhecer as profecias44 referentes a esta passagem. Motivo había para maravillarse de que un doctor no entendiese el lenguaje de Jesús, y esto es una prueba más de cuán materializados estaban.45

11 Nós dizemos o que sabemos… Jesus emprega o plural para significar, que fala como Deus e em nome das Três Pessoas Divinas46; ou, associa a Seu testemunho os primeiros Apóstolos47. Jesus desiste de dar mais explicações; à vista das curtas ideias do interlocutor, não vale a pena falar mais. Mas, para confirmar a sua palavra, apela, com grande solenidade, para a absoluta certeza de Sua ciência, baseada na experiência própria48.

12 Coisas terrenas… Jesus refere-se às coisas que a Seu respeito se passam na terra, particularmente o Mistério da Regeneração que estava a revelar a Nicodemos49. Nas celestes, na Sua Divindade, no Mistério da Santíssima Trindade, nos desígnios de Deus relativos à Redenção, etc.50 Fala das operações divinas do Espírito Santo nas almas51. É celeste o Mistério da Redenção em seu princípio, terrestre em suas manifestações, ao passo que é exclusivamente celeste o Mistério da Santíssima Trindade e da eterna geração do Verbo52. Ele indica a razão por que deixa de instruir mais o fariseu. As “coisas terrenas”, designam as verdades da nova vida de que acaba de falar, as quais se realizam nesta vida mortal, e têm o seu exemplo nos acontecimentos naturais; “as celestiais”, são os Mistérios mais altos e mais escondidos53. La oposición de que habla Jesús, entre las cosas celestiales y las terrenas, debe entenderse, de una parte, del nascimiento espiritual, que de alguna manera es objeto de nuestro conocimiento experimental, y de outra, de su causa misma, que es el Espíritu Santo.54

13-21: Reflexões do evangelista. Os vv. seguintes ligam-se, imediatamente, com os antecedentes, de modo que parecem ser ainda palavras do Salvador. Considerando, porém, que, nos vv. 11ss., o Mestre desiste de persuadir ao fariseu, e que daí em diante se fala de Jesus somente na terceira pessoa, muitos teólogos opinam que, nos vv. 13-21, o próprio evangelista continue explicando, em seu nome, o Mistério do Salvador55.

13 E ninguém subiu ao Céu… Esse versículo contém uma prova bem segura da Divindade de Jesus.56 Senão... o Filho do homem, que está no Céu. Jesus Cristo veio do Céu à terra, e está ao mesmo tempo na terra e no Céu57. Os homens não querem aceitar o testemunho de Jesus sobre os segredos de Deus, v. 12, apesar de ser Ele o único Mestre capaz de nos instruir. Pois, ninguém jamais subiu ao Céu”, para de lá trazer a verdade divina; e portanto, ninguém senão o Filho do homem que veio do Céu e, depois de ressuscitado, já está de novo no Céu, no-la pode revelar: v. 14, 6; Mat. 11, 27; luc. 10, 2258.

14 Como Moisés… levantou a serpente. Assim como eram curados da enfermidade aqueles que olhassem para a serpente de bronze59, assim também, aquele que olha para Cristo crucificado é libertado da culpa60.61 Todos os homens serão salvos, se olharem com fé e com amor para Jesus elevado na Cruz62; basta olhar com fé, para o pecador ficar salvo das mordeduras da Serpente infernal, isto é, dos pecados63. Passa o Evangelista a indicar a substância dos desígnios divinos, o Mistério da Cruz, o qual, mais que tudo melindrando o orgulho judaico, nos planos de Deus se tornou, efetivamente, a fonte da nova vida; I Cor. 1, 22ss. Assim como no deserto a serpente foi levantada, para que os israelitas, olhando para ela com confiança, fossem salvos da morte corporal, v. Núm. 21, 8ss, do mesmo modo quis a Providência divina que o Filho do homem fosse exaltado na Cruz, e pela Cruz glorificado no Céu, v. Luc. 24, 26, a fim de dar a vida divina a todos os que têm fé no Salvador; v. I Cor. 1, 3064. Mirando a la serpiente de bronce levantada en el desierto sanaban los israelitas picados de las serpientes venenosas65; mirando con fe a Jesucristo levantado em la cruz se alcanza la salud eterna. Es un segundo aspecto del tema propuesto.66

16 Porque Deus amou de tal modo o mundo… Jesus afirma o grande amor de Deus pelo gênero humano, amor tão grande que Lhe deu o seu Filho Único, o dom que Lhe era mais caro.67 (vers. 16-21) Deus tem a iniciativa no amor, e a maior prova de amor é a doação do Filho, para termos a vida. Nem o pecado pode tirar ao Pai o carinho para com os filhos ingratos. Mas o homem, pode fechar-se ao amor pela incredulidade. É o juízo com que ele mesmo se julga. A razão desta decisão livre do homem contra si próprio, é o apego as más obras.68 Jesucristo sacrificado trae la salvación para todos los hombres, pero exige en ellos una fe confiada, que supone una entrega de la vida al cumplimiento de sus preceptos.69 Para que todo o que crê n’Ele não pereça… Crê em Jesus Cristo, é aceitar os Seus ensinos e praticar a Sua doutrina. Sem isto, não há salvação possível70. A Cruz que parece ao mundo um escândalo ou uma estultícia, v. I Cor. 1, 18, é de fato, o grandioso monumento do amor do Pai, o qual sacrificou nela o próprio Filho pela salvação do mundo; v. Rom. 3, 25; 5, 8; 8, 32; II Cor. 5, 19; I Jo. 4, 1071. Estos versículos son reflexiones del evangelista sobre lo dicho por Jesús acerca de la fe en su persona.72

17 Para condenar (julgar) o mundo… A palavra julgar (condenar), é empregada aqui no sentido de condenar. Na Sua primeira vinda, o Filho de Deus veio para salvar, na Sua segunda vinda, no fim do mundo, virá para julgar aos homens73. Deus enviou seu Filho com o intuito de salvar o mundo; de fato, porém, a Sua vinda se torna condenação de grande parte dos homens, que não querem aceitar a luz do Evangelho; v. Luc. 2, 3474. Juzgar aquí equivale a condenar, y se opone a salvar.75

18 Quem n’Ele crê… Quem crê com fé viva, isto é, animada pela caridade e boas obras. Mas quem não crê, já está julgado, isto é, condenado, porque a incredulidade é, por si mesma, uma sentença de condenação, por ser a fé essencial à salvação.76

19 Os homens (os Judeus77) amaram mais as trevas… É a triste resposta dos homens, especialmente dos judeus, ao amor de Deus. Pela palavra trevas, entende-se o mundo e as suas tendências pecaminosas. O motivo da incredulidade, eram as más obras dos judeus, pois a conduta moral exerce uma grande influência sobre a fé.78 Do que a Luz… A Luz, a que Jesus se refere aqui, é o Verbo divino feito homem, é Ele próprio79. He aquí explicado el misterio de la incredulidad de tantos hombres. Como sus obras son malas y su alma impura, temen que la luz descubra lo que son.80

20 Porque todo aquele que faz o mal, aborrece a luz… Do sentido metafórico, Nosso Senhor passa agora para o sentido literal, e refere-se à luz material, dando a entender que, tudo o que diz da luz material tem aplicação à Si próprio, que é a Luz eterna.81

21 Mas aquele que pratica a verdade, isto é, aquele que se conduz em harmonia com a Lei Moral82. Chega-se para a Luz… É provável que Jesus quis aludir aqui discretamente ao respeito humano de Nicodemos, que o impedia de procurar a Nosso Senhor em pleno dia83. São feitas segundo Deus, ou segundo a Sua vontade e a Sua inspiração84. (Vers. 20-21) No fim do mundo, todas as nossas obras, boas ou más, serão conhecidas. Então voltará Nosso Senhor ao mundo, e desta vez para julgá-lo.

Quantas almas se condenam, cada dia, por sua culpa, por não seguirem a Religião, que é a luz. Os inimigos da Igreja não amam esta luz, porque ela impõe deveres que lhes pesam. Mas os que praticam sinceramente a virtude, nada têm a temer nem de Deus nem da Religião. A incredulidade vem muito mais do coração, que da inteligência85.


Concluindo

Tornar-se criança” em relação a Deus, é a condição para entrar no Reino86; para isto, é preciso humilhar-se87, tornar-se pequeno; mais ainda: é preciso “nascer do alto”88, “nascer de Deus”89, para tornar-nos filhos de Deus90 “O Reino de Cristo já está misteriosamente presente na Igreja”, “germe e início deste Reino na terra”91A pessoa torna-se membro deste povo não pelo nascimento físico, mas pelo “nascimento do alto”, “da água e do Espírito”92, isto é, pela fé em Cristo e pelo Batismo93.


2ª Parte


MELÍFLUAS MEDITAÇÕES

SOBRE O TEMA



Jesus revela a Nicodemos,

a Regeneração da Alma

pelo Santo Batismo.94

Após a conturbada expulsão dos vendilhões do templo,95 ficou96 Jesus na cidade santa os oito dias das festas pascais, e operou diante do povo todo, milagres tão estupendos que muitos O reconheceram como o Messias prometido a Israel. Mas, Ele apreciava muito bem as paixões e preconceitos dos Judeus; e por isso, não confiava na duração dessas primeiras impressões.

Ainda assim, alguns chefes da Sinagoga, como enleados por aquele poderoso Taumaturgo, tinham ardentes desejos de se instruir sobre a sua Pessoa e Doutrina. Um deles, por nome Nicodemos, fariseu, doutor, membro do supremo Conselho, e personagem respeitadíssimo em Jerusalém, tanto pela sua posição como pelo seu saber, procurava ocasião de falar com o Homem de Deus; mas como não se atrevia, por temor dos colegas, a ir descoberto a casa d’Ele, visitou-O de noite. Tendo ouvido falar do Reino de Deus, que o Messias devia restabelecer, pediu ao novo Profeta que o instruísse sobre a natureza desse reino e das condições que se requeriam para nele entrar.

Mestre, disse Nicodemos, havei por bem de esclarecer-me, pois sabemos que vindes da parte de Deus; porque ninguém pode operar os prodígios que Vós operais sem que Deus lhe comunique o seu poder.

Em verdade, em verdade, vos digo, respondeu Jesus, que ninguém pode entrar no Reino de Deus, sem primeiro nascer uma segunda vez.

Nascer uma segunda vez! Diz o doutor sorrindo; então, há de um velho reentrar no seio materno para vir de novo à luz?

Em verdade, em verdade, volveu Cristo, ninguém pode entrar no Reino de Deus sem nascer da água e do Espírito Santo”.

E explicou àquele Judeu, que se tratava de um nascimento espiritual. Despojada da vida divina pelo Pecado Original, renasce a alma para a vida mediante a graça do Espírito Santo e a virtude da água do Batismo. “O homem, nascido de outro homem, não possui mais que a vida natural; mas a alma, penetrada do Espírito de Deus, possui uma vida espiritual e divina. Portanto, acrescentou Jesus, não te admires, de me ouvir dizer que é preciso nascer uma segunda vez”.

Assombrado por tão sublime revelação, bem quereria Nicodemos compreender, como influi o Espírito Santo sobre as almas.

Como o vento cicia onde bem lhe apraz, disse Jesus, e assinala a sua presença com os seus murmúrios surdos, sem que saibas donde vem nem para onde vai, assim transforma o Espírito Santo a uma alma, sem lhe poderes perceber a misteriosa influência.

Mas afinal, perguntou Nicodemos, é possível essa regeneração da alma pelo Espírito Santo?

Como! Replicou Jesus, tu és mestre em Israel e ignoras esta maravilha, tantas vezes anunciada pelos Profetas?97 Então não leste em Ezequiel98 este prenúncio formal: ‘Eu derramarei sobre vós uma água purificadora, que vos lavará de todas as manchas; dar-vos-ei um coração novo e verterei sobre vós o meu Espírito?’ – Em verdade, em verdade, te afirmo, acrescenta o Salvador, que o que vos dizemo-lo de de ciência certa e atestamos o que vimos com os nossos olhos. Se não prestais fé ao meu testemunho quando vos falo do Mistério das almas, como podereis crer-me, se vos revelar os Mistérios de Deus?”

Subjugado pela autoridade do Mestre, cessou Nicodemos de discutir, pronto a receber com docilidade os oráculos que lhe iam brotar do peito. Antes de mais nada, observou-lhe o Salvador, que só o Filho do Homem, descido do Céu, pode conhecer e comunicar aos homens os segredos de Deus, que lhe descobriu todo o plano da Redenção.

Quando os Israelita andavam errantes pelo deserto, disse Jesus, levantou Moisés ao ar uma serpente de bronze, para curar as mordeduras das serpentes; ora, assim convém que seja levantado o Filho do Homem entre o Céu e a terra, para sarar a ferida do pecado. Todos os que para Ele erguerem os olhos da fé, não perecerão, mas possuirão a vida eterna. A tal ponto amou Deus ao mundo, que lhe deu o seu Filho Unigênito, a fim de que, todos os que n’Ele crerem não pereçam, mas gozem da vida eterna. Não enviou Deus o seu Filho ao mundo para julgar o mundo, mas para o salvar. Quem acredita no Filho Unigênito de Deus, não tem que temer o juízo, mas quem Lhe recusa a fé, condena-se por si mesmo; porque, se rejeita a luz e lhe prefere as trevas, é por serem más as suas obras. O malfeitor aborrece a luz e foge ao brilho dos seus raios, porque a luz põe-lhe a descoberto as iniquidades. O homem de bem, ao contrário, ama a luz, porque a luz faz resplandecer as obras pelas quais não têm de que se envergonhar diante de Deus”.

Com um santo arroubamento estava Nicodemos escutando ao Profeta de Nazaré, que assim lhe revelava a verdade sobre a Sua divina Pessoa, sobre a Sua obra redentora e sobre a salvação do mundo. Sem compreender ainda todo o alcance destas celestiais comunicações, como que via já a sombra da Cruz desenhada ao longe, e ao Filho do homem que lhe falava, curando do alto dessa Cruz as vítimas da Serpente infernal. Desde aquele momento considerou a Jesus como o Mestre Supremo, e permaneceu-Lhe fiel.

Era do número dos que praticam o bem e não tem interesse em fugir da luz. Quando os homens das trevas conspirarem contra o Salvador, há de se lembrar Nicodemos da noite memorável que passou junto ao Filho do homem, e não temerá proclamar-se às claras Seu discípulo e defensor.


Nicodemos,

a Serpente e a Cruz.99

Não tendo sido bem recebido na casa de seu Pai, que era o templo, Jesus não força a saída. Este templo material estava condenado a desaparecer, enquanto Ele, o Templo onde Deus habita, levantar-se-ia de novo em glória. Limitou-se, por então, a provar que era o Messias, por meio do ensino e dos milagres. Durante estes poucos dias operou muitos mais milagres do que aqueles de que temos relação; o Evangelho afirma que muitos acreditaram n’Ele por causa dos seus milagres. Um dos membros do Sinédrio admitiu não somente que os milagres eram autênticos, mas também que Deus tinha de estar com um Homem que fazia tais sinais.

Um Fariseu, príncipe dos Judeus,

Veio ter com Jesus de noite”100.

Segundo todos os critérios mundanos, Nicodemos era um homem douto; versado nas Escrituras, muito religioso, tanto mais que pertencia a uma seita, a dos Fariseus, que insistia nas minudências dos ritos externos. Mas não era homem intemerato, ao menos no começo, porque escolheu, para falar com Nosso Senhor, uma hora em que o manto das trevas o ocultasse da vista dos homens.

Nicodemos é o “personagem noturno” do Evangelho, pois sempre que o encontramos é na escuridão. Da primeira visita, diz-se expressamente que foi feita de noite. Como membro do Sanedrim, foi ele que falou, mais tarde, de noite, em defesa de Nosso Senhor, dizendo que nenhum homem devia ser julgado sem ser ouvido. Na Sexta-feira Santa, pelo escuro, depois da Crucifixão, veio José de Arimateia:

E com ele Nicodemos

Que já antes tinha visitado a Jesus, de noite,

Trazendo uma mistura de quase cem libras

De mirra e aloés.101

A despeito dos obstáculos sociais que podiam desanimá-lo a mostrar interesse por Nosso Divino Senhor, foi contudo visitá-Lo quando o soube em Jerusalém, para a festa da Páscoa. Vinha reverenciar a Cristo, mas aprendeu imediatamente que não bastava essa espécie de reverência. Nicodemos disse-Lhe:

Mestre, sabemos que vieste de Deus

Para nos ensinar; pois ninguém podia fazer os milagres

Que tu fazes, se Deus não estivesse com ele”.102

Apesar de ter visto os milagres, Nicodemos não estava, contudo, disposto a confessar a Divindade d’Aquele que os fazia. Mostrava-se ainda um pouco hesitante, pois velava a sua personalidade sob o oficioso “nós”. É este o estratagema empregado algumas vezes pelos intelectuais, para escaparem à responsabilidade pessoal; querem dar a entender que, no caso de se impor uma reforma, essa diz respeito mais à sociedade em geral do que aos seus corações. Durante aquela conversação noturna, Nosso Senhor estranhou a Nicodemos que, sendo “mestre”, ainda ignorasse as Escrituras; e nisso se mostrou Ele também Mestre. Na longa discussão que se estendeu até ao romper da alva, Jesus explicou que, sem deixar de ser Mestre, era alguma coisa mais que isso: era primeira e principalmente Redentor. Afirmou que para se alcançar a união com Ele era essencial, não a verdade humana na mente, mas o renascimento da alma adquirido por meio da Sua morte. Nicodemos tinha começado por chamar-Lhe mestre; Nosso Senhor encerrava aquele encontro proclamando-Se Salvador.

A Cruz refletiu-se em cada episódio da Vida de Cristo, mas nunca tão intensamente, para quem conhecia o Antigo Testamento, como nesta noite. Este Fariseu julgava-O apenas Mestre ou Rabi, mas no fim descobriu que havia salvação no que eles tinham sempre considerado maldição, isto é, a Crucifixão.

Nosso Senhor exortou-o então a abandonar a ordem da pura natureza.

Em verdade te digo:

Ninguém pode ver o Reino de Deus

Se não nascer de novo”103.

A ideia predominante no começo da discussão entre Nicodemos e Nosso Senhor, era que a vida espiritual, se diferenciava da vida física e intelectual. Essa diferença, explicava Jesus, era maior do que a que existe entre um cristal e uma célula viva. A vida espiritual não é um impulso que vem de baixo; é um dom que vem de cima. O homem não se torna, na realidade, menos egoísta e mais compreensivo enquanto não se fizer seguidor de Cristo. É necessário um novo nascimento gerado do alto. O primeiro nascimento de cada qual, no mundo, vem da carne. Mas Jesus afirmou, que é preciso um segundo nascimento, do alto, para a vida espiritual. E é tão indispensável, que sem ele o homem “não pode”, entrar no Reino do Céu; Cristo não se limitou a dizer “não entrará”, porque a impossibilidade é real. Assim como ninguém pode ter uma vida física sem nascer para ela, assim não pode ter uma vida Divina sem nascer de Deus. O primeiro nascimento faz-nos filhos de nossos pais; o segundo faz-nos filhos de Deus. Não é questão de desenvolvimento próprio, mas de regeneração; não de aperfeiçoar o nosso estado presente, mas de transformar completamente a nossa situação.

Subjugado pela sublimidade da ideia que lhe era sugerida, Nicodemos pediu uma explicação mais clara. Podia compreender que um homem fosse aquilo que é, mas não podia compreender que um homem se tornasse aquilo que não é. Compreendia que o homem velho fosse retocado de novo, mas não que se criasse inteiramente um novo homem. Daí a pergunta:

Como é possível que um homem nasça

Depois de velho?

Acaso pode entrar outra vez no ventre de sua mãe,

para tornar a nascer?”104

Nicodemos não nega a doutrina do novo nascimento; era um homem que aceitava as coisas literalmente. A sua dúvida versava sobre a exatidão do termo “nascido”.

Nosso Senhor respondeu à dificuldade:

Em verdade te digo: Ninguém pode entrar no Reino do Céu

Se não nascer de novo da água e do Espírito Santo.

O que nasce da carne é carne;

E o que nasce do Espírito é Espírito.

Não te admires, pois, por eu te dizer:

É preciso que nasçais de novo”.105

A ilustração de Nicodemos era inadequada; aplicava-se apenas ao domínio da carne. É certo que não podia entrar segunda vez no ventre materno para tornar a nascer. Mas o que é impossível à carne, é possível ao espírito. Vinha procurar instrução e doutrina e, em vez disso, ofereciam-lhe regeneração e renascimento. O Reino do Céu era apresentado como uma nova criação. Quando um homem sai do ventre de sua mãe, é apenas uma criatura de Deus, como uma mesa é criação, em grau inferior, do carpinteiro. Ninguém, na ordem natural, pode chamar a Deus “Pai”; para alguém o poder fazer, tem de tornar-se em alguma coisa que não é. Tem de participar, por meio de um dom Divino, na natureza de Deus, como participa, presentemente, da natureza de seus pais. O homem faz aquilo que é dissemelhante dele; mas gera aquilo que é semelhante a ele. O artista pinta um quadro, o qual é dissemelhante do artista em natureza; a mãe gera um filho e o filho é semelhante a ela em natureza. Nosso Senhor ensina aqui que, além e acima da ordem da produção e criação, existe a ordem da geração, regeneração e renascimento, por meio da qual Deus se torna nosso Pai.

Naturalmente, Nicodemos ficou surpreendido na sua compreensão religiosa puramente intelectual, porque Nosso Senhor disse-lhe: “Não te admires”. Perguntava a si mesmo como se podia efetuar esta regeneração. Nosso Senhor explicou-lhe que a razão por que não compreendia este segundo nascimento, era por ignorar a ação do Espírito Santo. Assim como a sua morte reconciliaria a humanidade com o Pai, continuou o Senhor pouco depois, assim a humanidade seria regenerada pela intervenção do Espírito Santo. O novo nascimento, a que o Senhor se referia, escapa aos sentidos e só é conhecido pelos seus efeitos na alma.

Vai, pois, esclarecer este Mistério com uma comparação: “Tu não podes compreender o soprar do vento, mas obedeces às suas leis e assim aproveitas a sua força; o mesmo sucede com o Espírito. Obedece à lei do vento e ele encherá as tuas velas e te impulsionará para a frente. Obedece à lei do Espírito e conhecerás o novo nascimento. Não adies o estabelecimento de relações com esta lei pelo simples fato de te reconheceres incapaz de sondar intelectualmente o seu Mistério”.


O vento sopra por onde quer;

Tu ouves a sua voz, mas não sabes

Por onde vem ou por onde vai.

Assim é todo aquele que nasce do Espírito”.106

O Espírito de Deus é livre e atua sempre livremente. Os seus movimentos não podem ser previstos por cálculos humanos. Ninguém pode determinar a vinda da graça ou o modo como atua numa alma; nem se virá como resultado do aborrecimento do pecado ou da aspiração a um mais alto grau de bondade. A voz do Espírito está dentro da alma; a paz que traz, a luz que espalha e a força que dá estão lá indubitavelmente. A regeneração do homem não é discernível pela vista humana.

Apesar de Nicodemos ser um hábil sofista e erudito, sentiu-se, contudo, perplexo ante a sublimidade da doutrina exposta por Aquele a quem chamava Mestre. Como Fariseu, não lhe interessava a santidade pessoal, mas a glória de um reino terreno. Agora pergunta:

Como pode se fazer isso?”107

Nicodemos percebeu que a vida Divina no homem não era propriamente uma questão de ser, mas envolvia também o problema de tornar-se, com o auxílio de uma força que não existe no homem, mas somente em Deus.

Nosso Senhor explica que a Sua doutrina era de tal ordem que nunca poderia sequer vir ao pensamento de alguém. Havia, pois, uma certa desculpa na ignorância dos Fariseus. Afinal, nunca homem algum tinha subido ao Céu para aprender os segredos celestes e voltar depois à terra a torná-los conhecidos. O único que os podia conhecer era Aquele que desceu do Céu, Aquele que, sendo Deus, se fez homem e conversava agora com Nicodemos. Pela primeira vez, Nosso Senhor refere-se a Si mesmo como o Filho do Homem, deixando perceber, ao mesmo tempo, que era algo mais que isso; era simultaneamente o Filho Divino Unigênito do Pai Celeste. Estava, na realidade, a afirmar a Sua natureza Divina e humana.

Ninguém subiu ao Céu,

Senão Aquele que desceu do Céu.

O Filho do homem que está no Céu”.108

Não foi esta a única vez que Nosso Senhor falou da Sua nova ascensão ao Céu e da Sua descida do Céu. A um dos Apóstolos disse:

Em verdade vos digo: Vereis o Céu aberto,

E os Anjos subindo e descendo

Sobre o Filho do Homem”.109

Porque eu desci do Céu,

Não para fazer a minha vontade,

Mas a vontade d’Aquele que me enviou”.110

Aquele que vem do alto

Está acima de todos;

O que está na terra, é da terra e fala da terra.

O que vem do Céu,

Está acima de todos”.111

E diziam: Porventura não é este Jesus,

Filho de José, cujo pai e mãe

Nós bem conhecemos? Como logo diz ele:

Eu desci do Céu?”112

Pois que será, se virdes o Filho do Homem

Subir ao lugar onde antes esteve?”113

Nosso Senhor nunca falava da Sua Glória Celeste, ou Glória de Ressuscitado, sem introduzir a ignomínia da Cruz. Às vezes referia-se primeiro à glória, como sucedeu com Nicodemos, mas a Crucifixão aprecia como condição dela. Jesus Cristo vivia duas vidas: uma vida celeste, como Filho de Deus, e uma vida terrestre, como Filho do Homem. Continuando a ser Uno com seu Pai no Céu, entregou-se pelos homens na terra. Afirmou a Nicodemos que a condição da qual dependia a salvação do homem seria a Sua Paixão e Morte. E para esclarecer esta ideia, citou a mais famosa prefiguração da Cruz no Antigo Testamento:

E assim como Moisés levantou a serpente no deserto,

Assim importa que seja levantado o Filho do Homem,

Para que todos os que creem n’Ele não pereçam,

Mas tenham a vida eterna”.114

Narra o Livro dos Números, que quando o povo murmurou revoltado contra Deus, foi castigado com uma praga de furiosas serpentes, de modo que, muitos perderam a vida. Tendo-se arrependido, mandou Deus a Moisés, que fizesse uma serpente de bronze e a levantasse como sinal; e todos os mordidos das serpentes que olhassem para aquele sinal, seriam curados. Nosso Senhor declarava, agora, que também Ele havia de ser levantado como a serpente bronze; e assim como esta tinha a aparência de uma serpente, mas não tinha veneno, assim também, quando Ele fosse suspenso nos braços da Cruz, teria a aparência de pecador, e contudo, não teria pecados. E assim como todos os que olharam para a serpente de bronze ficaram curados da mordedura das serpentes, assim também, todos os que olhassem para Ele, com amor e fé, seriam curados da mordedura da Serpente do Mal.

Não bastava que o Filho de Deus descesse do Céu e aparecesse como Filho do Homem, pois nesse caso teria sido um grande mestre e um grande exemplo, mas não Redentor. O mais importante para Ele, era cumprir a missão que O trouxe ao mundo, que era a de remir o homem, enquanto estava revestido de carne humana. Os mestres mudam os homens por meio das suas vidas; Cristo mudaria os homens por meio da Sua morte. O veneno do ódio, da sensualidade e da inveja, que está nos corações dos homens, não podia ser curado simplesmente por meio de sábias exortações e reformas sociais. O salário do pecado é a morte e, por isso, só com a morte o pecado seria expiado. Como nos antigos sacrifícios, em que o fogo queimava simbolicamente o pecado juntamente com a vítima à qual eram imputados, assim na Cruz, o pecado do mundo seria destruído nos sofrimentos de Cristo, porque Ele estaria direito como Sacerdote e prostrado como Vítima.

As duas maiores bandeiras jamais desfraldadas foram, a serpente levantada e o Salvador levantado. E, contudo, havia uma infinita diferença entre as duas. O Teatro de uma foi o deserto e a audiência dalguns milhares de Israelitas; o teatro da outra foi o universo e a audiência da humanidade inteira. De uma veio a cura do corpo, destruída de novo pela morte; da outra dimanou a cura da alma até a vida eterna. E, contudo, uma era a prefiguração da outra.

Mas não obstante ter vindo para morrer, Cristo insistiu em que O fazia voluntariamente e não por ser impotente, para se defender dos inimigos. O amor seria a única causa da Sua morte, como disse a Nicodemos:

De tal modo amou Deus o mundo,

Que entregou o seu Filho Unigênito,

Para que todos os que creem n’Ele

Não pereçam, mas tenham vida eterna”.115

Nessa noite, ao ser visitado por um homem já avançado em idade, o Divino Mestre, que tinha maravilhado o mundo com Seus milagres, contou a história da Sua vida, de uma vida que não tinha começado em Belém, mas que existia desde toda a eternidade em Deus. O Filho de Deus fez-Se Filho do Homem, porque o Pai O enviou com a missão de remir o homem pelo amor.

Se há coisa que todo o bom mestre deseja, é uma vida longa, que lhe permita tornar conhecida a sua doutrina e adquirir sabedoria e experiência. A morte é sempre uma tragédia para um grande mestre. No dia em que Sócrates tomou a sicuta, a sua mensagem terminou de uma vez para sempre. A morte foi a pedra onde Buda tropeçou com todas as suas teorias sobre a oitava via. O último suspiro de Lao-tze anunciou o descer do pano sobre a sua doutrina relativa ao Tao ou ao “nada fazer”, em oposição à agressiva autodeterminação. Segundo Sócrates, o pecado era fruto da ignorância e, por isso, o conhecimento tornaria o mundo bom e perfeito. Para os mestres do Oriente, o homem tinha sido apanhado pela grande roda do destino. Daí, a recomendação de Buda, de que os homens devem ser instruídos sobre o modo de esmagar os seus desejos e alcançar, por esse meio, a paz. Ao morrer, com oitenta anos, Buda não apontou para si, mas para a lei que tinha dado. A morte cortou a Confúcio as suas dissertações morais sobre o modo de aperfeiçoar um Estado, por meio de suaves relações recíprocas entre príncipe e súdito, pai e filho, irmãos, marido e mulher, amigo e amiga.

Nosso Senhor, na Sua conversa com Nicodemos, proclamou-Se a Si mesmo a Luz do Mundo. Mas a mais espantosa das Suas afirmações, foi que ninguém compreenderia a Sua doutrina enquanto Ele fosse vivo e que eram essenciais a Sua Morte e Ressurreição, para a compreensão dela. Nunca mestre algum do mundo ensinou que tinha de sofrer morte violenta, para tornar clara a sua doutrina. Aqui estava um Mestre que punha num lugar tão secundário os Seus ensinamentos que podia afirmar que, o único meio para atrair os homens a Si seria, não a Sua doutrina, não as Suas palavras, mas a Sua Crucifixão.

Quando exaltardes o Filho do Homem,

Então conhecereis que sou Eu”.116

Não disse que compreenderiam a Sua doutrina; seria antes a Sua Personalidade que eles apreenderiam. Só então, depois de O condenarem à morte, conheceriam que tinha falado Verdade. A morte, pois, em vez de ser a última de uma série de fracassos, converter-se-ia num glorioso êxito, no clímax da Sua missão na terra.

Daí, a grande diferença entre as estátuas e pinturas de Buda e Cristo. O primeiro está sempre sentado, olhos fechados, mãos cruzadas sobre o ventre gordo. Cristo nunca se vê sentado; ou levantado ou entronizado. A Sua Pessoa e a Sua morte, são o coração e a alma das Suas lições. A Cruz, com tudo o que ela encerra, torna-se uma vez mais, central na Sua vida.


______________________________

1.  “Bíblia Sagrada”, traduzida da Vulgata e anotada pelo Pe. Matos Soares; Evangelho de São João 3, 1-21, p. 1286. 13ª Edição; Edições Paulinas, São Paulo/SP. 1961.

2.  Synopse Evangélica ou Texto Harmonizado dos Quatro Evangelhos, por um Padre da Congregação da Missão, 29º Capítulo, p. 53. Estabelecimentos Brepols, A.G. Editores Pontifícios, Turnhout/Bélgica. 1913.

3.  Mons. Vicente Zioni, Santo Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, com comentários do Pe. Eusébio Tintori, O.F.M., Evangelho de São João, Cap. III, 1, p. 339. Edições Paulinas, São Paulo/SP. 1949.

4.  Cônego Duarte Leopoldo, Concordância dos Santos Evangelhos ou Os Quatro Evangelhos Reunidos em um Só, 3ª Parte, Cap. II, p. 46. 4ª Edição; Secretariado Geral da Obra das Vocações – Cúria Metropolitana; Linográfica, São Paulo/SP. 1951.

5.  Synopse…, ob. cit., p. 53.

6.  Pe. Dr. Frei Mateus Hoepers, O.F.M., Novo Testamento, tradução do texto grego, Evangelho de São João 3, 3, p. 251. Editora Vozes Ltda, Petrópolis/RJ. 1956.

7.  D. Antônio de Macedo Costa, Bispo do Pará, Resumo da História Bíblica, Edição em Vulgar, História do Novo Testamento, 1ª Parte, Cap. III, Ponto 17, p. 157. Livraria Chardron, Porto. 1875.

8.  Jo. 1, 18.

9.  Rvdo. Dr. D. Evaristo Martín Nieto, CRISTO en los Cuatro Evangelios, cap. 40, p. 60. Ediciones Paulinas, Avila. 1963.

10.  Synopse…, ob. cit., p. 53.

11.  Cfr. Rom. 3, 23; Gál. 6, 15; II Cor. 5, 17; Ef. 2, 10; 4, 23ss.

12.  “Novo Testamento”, por Mons. Dr. José Basílio Pereira, Evangelho de São João, 3, 3, p. 286. Editores – Os Religiosos Franciscanos; Tipografia de São Francisco, Bahia. 1912.

13.  “Nuevo Testamento”, versión directa del texto original griego, por Eloíno Nácar Fuster y Alberto Colunga Cueto, O.P., Evangelio de San Juan, Cap. 3, 1-21, pp. 298-300. BAC – Biblioteca de Autores Cristianos, Madrid. 1960.

14.  Cônego Duarte Leopoldo, ob. cit., p. 47.

15.  Santo Agostinho.

16.  Os Santos Evangelhos de Nosso Senhor Jesus Cristo, por um Padre da Missão, com notas da edição francesa dos PP. da Assumção, Evangelho Segundo São João, Cap. III, vers. 4, p. 9. Colégio da Imaculada Conceição (Botafogo), Rio de Janeiro/RJ. 1905.

17.  Mons. Dr. José Basílio Pereira, ob. cit., pp. 286-287.

18.  Pe. Matos Soares, ob. cit., p. 1286.

19.  Cfr. Conc. Tridentino, Sessão III, Bat. Cânon 2; Mat. XXVIII, 19.

20.  Mons. Vicente Zioni, ob. cit., p. 340.

21.  Pe. J. Lourenço, O.P., O Santo Evangelho de Jesus Cristo, Cap. 21 - Jesus instrui Nicodemos, p. 50. 3ª Edição; Edição da “União Gráfica”, Lisboa. 1939.

22.  Pe. J. Lourenço, O.P., ob. cit., p. 50.

23.  Cônego Duarte Leopoldo, ob. cit., p. 47.

24.  Conc. Ind. Cfr. Os Santos Evangelhos de Nosso Senhor Jesus Cristo, ob. cit., p. 9.

25.  Cfr. Tit. 3, 5.

26.  Mons. Dr. José Basílio Pereira, ob. cit., pp. 287.

27.  Eloíno Nácar Fuster y Alberto Colunga Cueto, O.P., ob. cit., p. 299.

28.  Pe. J. Lourenço, O.P., ob. cit., pp. 50-51.

29.  Synopse…, ob. cit., p. 54.

30.  Cônego Duarte Leopoldo, ob. cit., p. 47.

31.  Mons. Dr. José Basílio Pereira, ob. cit., pp. 287.

32.  Eloíno Nácar Fuster y Alberto Colunga Cueto, O.P., ob. cit., p. 299.

33.  Em grego pneuma, em aramaico ruach, significa vento e espírito. O primeiro simboliza aqui o segundo: 1º) na sua liberdade de ação; 2º) nos efeitos sensíveis, apesar de ser invisível, e, 3º) no Mistério do princípio e fim.

34.  Gál. 5, 22.

35.  Pe. Matos Soares, ob. cit., p. 1286.

36.  Pe. J. Lourenço, O.P., ob. cit., p. 51.

37.  Cônego Duarte Leopoldo, ob. cit., p. 47.

38.  Os Santos Evangelhos de Nosso Senhor Jesus Cristo, ob. cit., p. 9.

39.  Cfr. Rom. 8, 14ss; II Cor. 1, 21ss.

40.  Mons. Dr. José Basílio Pereira, ob. cit., pp. 287.

41.  Pe. Dr. Frei Mateus Hoepers, O.F.M., ob. cit., p. 252.

42.  Mons. Dr. José Basílio Pereira, ob. cit., pp. 287.

43.  Pe. J. Lourenço, O.P., ob. cit., p. 51.

44.  Joel 3, 1-5; Núm. 11, 24-30; Is. 32, 15-20; Ez. 36, 25-32; At. 2, 1-21.

45.  Eloíno Nácar Fuster y Alberto Colunga Cueto, O.P., ob. cit., p. 299.

46.  Synopse…, ob. cit., p. 54.

47.  Os Santos Evangelhos de Nosso Senhor Jesus Cristo, ob. cit., p. 9.

48.  Mons. Dr. José Basílio Pereira, ob. cit., pp. 287.

49.  Pe. J. Lourenço, O.P., ob. cit., pp. 51-52.

50.  Pe. J. Lourenço, O.P., ob. cit., p. 52.

51.  Synopse…, ob. cit., p. 54.

52.  São João Crisóstomo.

53.  Mons. Dr. José Basílio Pereira, ob. cit., pp. 287.

54.  Eloíno Nácar Fuster y Alberto Colunga Cueto, O.P., ob. cit., p. 299.

55.  Mons. Dr. José Basílio Pereira, ob. cit., pp. 287-288.

56.  Pe. J. Lourenço, O.P., ob. cit., p. 52.

57.  Cônego Duarte Leopoldo, ob. cit., p. 47.

58.  Mons. Dr. José Basílio Pereira, ob. cit., pp. 288.

59.  Núm. XI, 9.

60.  Santo Agostinho.

61.  Mons. Vicente Zioni, ob. cit., p. 340.

62.  Pe. J. Lourenço, O.P., ob. cit., p. 52.

63.  Synopse…, ob. cit., p. 54.

64.  Mons. Dr. José Basílio Pereira, ob. cit., pp. 288.

65.  Num. 21, 8 s.

66.  Eloíno Nácar Fuster y Alberto Colunga Cueto, O.P., ob. cit., p. 299.

67.  Pe. J. Lourenço, O.P., ob. cit., pp. 52-53.

68.  Pe. Dr. Frei Mateus Hoepers, O.F.M., ob. cit., p. 252.

69.  Rvdo. Dr. D. Evaristo Martín Nieto, ob. cit., cap. 41, p. 60.

70.  Cônego Duarte Leopoldo, ob. cit., p. 48.

71.  Mons. Dr. José Basílio Pereira, ob. cit., pp. 288.

72.  Eloíno Nácar Fuster y Alberto Colunga Cueto, O.P., ob. cit., p. 300.

73.  Synopse…, ob. cit., p. 55.

74.  Mons. Dr. José Basílio Pereira, ob. cit., pp. 288.

75.  Eloíno Nácar Fuster y Alberto Colunga Cueto, O.P., ob. cit., p. 300.

76.  Pe. J. Lourenço, O.P., ob. cit., p. 53.

77.  Synopse…, ob. cit., p. 55.

78.  Pe. J. Lourenço, O.P., ob. cit., p. 53.

79.  Synopse…, ob. cit., p. 55.

80.  Eloíno Nácar Fuster y Alberto Colunga Cueto, O.P., ob. cit., p. 300.

81.  Synopse…, ob. cit., p. 55.

82.  Pe. J. Lourenço, O.P., ob. cit., p. 53.

83.  Synopse…, ob. cit., p. 55.

84.  Pe. J. Lourenço, O.P., ob. cit., p. 53.

85.  Cônego Duarte Leopoldo, ob. cit., p. 48.

86.  Mat. 18, 3-4.

87.  Mat. 23, 12.

88.  Jo. 3, 7. CIC 526.

89.  Jo. 1, 13. CIC. 526.

90.  Jo. 1, 12. CIC 526.

91.  LG 3, 5. CIC 669.

92.  Jo. 3, 3-5.

93.  CIC 782.

94.  Rev. Pe. Berthe, CSS.R., “Jesus Cristo – Sua Vida, Sua Paixão, Seu Triunfo”, Livro 3º, Cap. I, pp. 91-94. Tradução do Francês. Estabelecimentos Benzinger & Co. S.A., Einsiedeln/Suíça, 1925.

95.  Jo. 2, 14-22.

96.  Jo. 2, 23-25; 3, 1-21.

97.  Joel 3, 1-5; Núm. 11, 24-30; Is. 32, 15-20; At. 2, 1-21.

98.  Ez. 36, 25-32.

99.  Fulton J. Sheen, Bispo Auxiliar de Nova Iorque, “Vida de Cristo”, Cap. 7º, pp. 115-124. Tradução de M. Gonçalves da Costa; Editora Educação Nacional de Adolfo Machado, Porto. 1959.

100.  Jo. 3, 1-2.

101.  Jo. 19, 39.

102.  Jo. 3, 2.

103.  Jo. 3, 3.

104.  Jo. 3, 4.

105.  Jo. 3, 5-7.

106.  Jo. 3, 8.

107.  Jo. 3, 9.

108.  Jo. 3, 13.

109.  Jo. 1, 51.

110.  Jo. 6, 38.

111.  Jo. 3, 31.

112.  Jo. 6, 42.

113.  Jo. 6, 63.

114.  Jo. 3, 14-15.

115.  Jo. 3, 16.

116.  Jo. 8, 28.


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