Regresso
à Pátria
(Roma,
1590-1591)
A
revelação da proximidade do seu fim produziu em Luís um grande
desejo de morrer em Roma, berço da sua vida religiosa, onde se
encontravam algumas pessoas a quem estava unido pelos laços da mais
pura amizade. “Se na terra tenho alguma pátria, essa é Roma, a
cidade que me viu nascer para Cristo”, diz ele por este tempo
numa carta.
“Creio
que facilmente compreenderá a consolação que sinto com a ordem de
regressar ao Colégio Romano; com efeito, vou ver novamente os Padres
e Irmãos, entre os quais desejo vivamente encontrar-me. Em breve,
pois, e confio na bondade de Deus que com mais proveito do que até
aqui, tomarei parte nas suas santas práticas e nas de tantos outros
conhecidos, a quem peço me recomende, como me recomendo ao colégio
em geral com todo o coração, ex toto corde, mente et animo.
15 de de abril de 1590”.
No
primeiro de Maio pôs-se a caminho a pequena caravana. Na viagem Luís
exercitava as suas costumadas virtudes com tanta perfeição que
todos o apontavam a dedo como um Santo. Por
causa da escassez de víveres que então reinava na Itália, viam-se
deixados ao abandono na região dos Apeninos centenas de corpos,
prostrados pela fome. Ao ver isto disse um dia o Pe. Mastrilli que
deviam agradecer à bondade de Deus não os ter deixado cair na mesma
miséria; ao que Luís respondeu, que
era maior felicidade, e graça muito mais apreciável não terem
nascido muçulmanos. Como
advertisse que os dois Padres lhe dispensavam muita consideração e
deferência, deixou a sua companhia para se ir juntar aos outros que
pareciam fazer menos caso dele. Em Sena, ajudou à Missa ao Pe.
Alagona e recebeu a sagrada Comunhão na casa e quarto de Santa
Catarina, a quem tinha muita devoção.
No
colégio desta cidade pediram-lhe para dirigir aos alunos algumas
palavras. Foi à igreja orar e recolher-se uns instantes e,
retirando-se em seguida ao quarto, apontou algumas ideias, inspiradas
naquelas palavras da Escritura: estote factores verbi et
non auditores tantum,
sobre as quais fez um discurso muito fervoroso. Depois da sua
partida, encontrou-se num volume de São Bernardo o seguinte esquema
desta prática, lançado à pressa, como se vê, ao papel. A folha
foi venerada como uma relíquia, distribuindo-se várias cópias; com
ser tão breve deixa bem entrever o gênero de exortação que
dirigiu a estes jovens da nobreza; por isso, não parece descabida
aqui para proveito de todos.
Discurso
“De
três modos fala Deus à alma: primeiramente
por inspiração
interior.
Deste primeiro modo com que Deus nos fala diz São Bernardo, que é
secreto, e que o devemos conservar não só pela lembrança, nam
sic sciencia in flat: sed sicut servatur panis. Verbum enim Dei panis
vivus est, et cibus mentis; quandiu panis in arca est, potest
a fure tolli, a mure corrodi, vetustate corrumpi; ita verbum Dei etc.
Trajiciatur igitur in viscera tua, transeat in affectiones et mores
tuos. É o que diz também S.
Tiago: Estote factores.
Lê-se no segundo livro de Moisés, que o maná qui non
servabator ad vescendum in die sabbati,
se corrompia: o mesmo
sucede com a Palavra divina: corrompe-se, quando não se conserva ad
vescendum.
Deus
fala-nos também na Sagrada Escritura pelos Profetas no Antigo
Testamento e por Jesus Cristo no Novo.
Assim o ensina S. Gregório e o confirma a Escritura: Saepe
olim loquens Deus patribus in prophetis, novissime autem in Filio
suo. S. Tiago diz também deste
modo com que Deus nos fala: Estote factores.
De fato, pouco aproveitam ao cristão os Sagrados Livros, se não
vive conforme aos seus Preceitos.
Pouco lhe aproveita ter os Mandamentos dados por Deus no Antigo
Testamento, se com eles não
ajusta a sua vida; para pouco serve conhecer as Bem-aventuranças
enunciadas por Cristo no alto da montanha, se… etc.; pouco vale
saber em que consiste a perfeição, se nos entregamos à
imperfeição… A estes a Sagrada Escritura serve apenas para lhes
meter nas mãos a Carta que contém a sentença de morte, como Urias
que levava a Joab a ordem em que Davi decretava a morte do mesmo
Urias.
Em
terceiro lugar, Deus fala-nos por meio dos seus benefícios.
São Bernardo perguntando… de que modo fala Deus à alma e a alma a
Deus, responde: Verbi língua favor dignationis ejus est,
animae vero devotionis affectus. Itaque locutio Verbi, infusio doni:
responsio animae cum gratiarum actione.
O Apóstolo diz também deste modo de falar: estote
auditores et factores. Não se
contentando com nos recomendar que o ouçamos, pede-nos que o
ponhamos em execução, porque devemos não só reconhecer os
benefícios de Deus – e isto é, ouvir a sua palavra – mas também
fazê-los voltar ao mesmo Deus, que isto significa facere
verbum ejus. Todas as fontes
brotam do mar e para ele voltam. Omnium virtutum et
scientiarum mare est Dominus Jesus Christus. Ab hoc continentia
carnis, cordis industria, voluntatis rectitudo emanat: non solum
ista, sed si quis callet ingenio, nitet eloquio, si quis moribus
placet, ab eu fonte est. A ele
pois devem voltar todos os dons: porque assim como as águas
estagnadas que não correm para o mar, se convertem em charcos e se
corrompem, assim os dons de Deus, a saúde, a força, o talento, a
eloquência: os estudantes em particular, hão de oferecer a Deus os
seus talentos, como S. Agostinho aconselha ao jovem Licínio.
Ouvistes já os três modos com que Deus fala à alma e a maneira
como havemos de fazer o que Ele nos diz: agora é conveniente
considerarmos porque motivo o devemos fazer e com que fervor.
A
razão desta obrigação parece-me que se baseia nisto: Deus
falou! Se bastou que Deus dissesse faça-se o mundo, para que o mundo
fosse criado, para nos convertermos, para corrermos para Ele conforme
a sua vontade, não há de bastar uma ordem sua?
Dizei-me: se o vosso grão-duque, a quem estais esperando, à sua
chegada mandasse chamar o
homem mais pobre desta cidade, e lhe prometesse adotá-lo como filho
e fazê-lo participante do governo, que por direito só compete ao
verdadeiro filho; se além disso, lhe declarasse que enquanto vivesse
se havia de interessar por ele como se realmente o fosse, e que
depois da morte lhe deixaria em herança todos os seus estados, com a
condição única de viver e se portar como filho de um duque,
abandonando por conseguinte a
sua pobre choupana para ir habitar no palácio do príncipe,
despindo-se dos pobres andrajos para se vestir de vestidos mais
ricos, deixando a companhia e costumes do povo para frequentar a
amizade dos grandes e do filho do grão-duque, – quem de entre vós,
dizei-me, alegre com semelhante oferecimento o não aceitaria
imediatamente?
Ora,
o Senhor
a quem é devida toda a
honra, quer-nos receber a todos no reino do Céu como a filhos;
promete velar por nós na terra com uma providência toda paternal,
lembrando-se de nós mais do que a mãe se recorda do filho,
como diz por Isaías: Numquid potest etc?;
e depois desta vida
quer-nos dar a herança eterna,
como nota S. Agostinho a propósito destas palavras, cum
dederit suis somnum etc! Em
troca, apenas pede que abandonemos a pobre casa de nossos pais, na
realidade ou em espírito, segundo a nossa vocação, que habitemos
no palácio do Rei do Céu, onde o Senhor é Deus e os Anjos seus
servidores; que nos despojemos dos miseráveis farrapos do amor
próprio para nos vestirmos com os vestidos de gala do amor; que
abandonemos os
costumes da gente ordinária e baixa, isto é, que renunciemos às
imperfeições e pecados, para adotarmos os hábitos de filhos de
Deus, a mansidão, a piedade, a justiça, o temor de Deus, e todas as
outras virtudes. Quem de
nós se contentaria com receber tal convite e com ouvir semelhante
proposta sem a aceitar? Parece-me
que só seria capaz de o fazer, quem não entendesse a Palavra de
Deus ou não compreendesse tudo o que ela promete.
Aristóteles
no décimo livro da ética demonstra com muitas razões que os
prazeres do espírito são incomparavelmente superiores aos da carne:
e perguntando depois porque é que, apesar da sua superioridade, os
não buscamos, diz, que é porque os não conhecemos.
Traz para exemplo o filho de um rei que, não tendo ainda o uso da
razão prefere o leite da ama, ou o brinquedo que lhe dá um criado,
à herança paterna; mas deixai-o chegar à idade madura e vereis o
seu desprezo por estas bagatelas e a sua preferência pela herança.
O mesmo sucede conosco;
não conhecemos os bens que Deus tem preparado aos que O amam e por
isso preferimos as consolações da terra, os parentes, o pai, a mãe,
etc., ao patrimônio do Céu. Mas, se Deus nos conceder a graça de
alcançarmos a plenitude da idade do espírito, então, saberemos
apreciar tudo pelo seu justo valor e compreenderemos que todas as
grandezas da terra são nada, em comparação dos bens que Deus nos
promete: Super
altitudines terrae sustollam te”.
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