O Limbo das Crianças: Reims Cathedrale Notre Dame
Introdução
O Reverendíssimo Pe. Fr. Raniero
Cantalamessa, OFM.Cap., Pregador da Casa Pontifícia, num comentário sobre a
Doutrina do Limbo das Crianças que, morrem sem receberem o Batismo, fez
ressurgir a antiga e sempre nova controvérsia sobre dito Ensinamento Católico.
O comentário do insigne Frade Capuchinho
foi veiculado na Internet pela Agência de Informações "Zenit", no
dia 26 de Janeiro de 2006.
O texto é o seguinte:
"Padre Cantalamessa comenta a
questão do Limbo e dos não-batizados.
Em uma reflexão enviada a Zenit.
ROMA, quinta-feira, 26 de janeiro de
2006 (ZENIT.org). −
Um comentário do padre Raniero Cantalamessa, OFM.Cap. − pregador da Casa
Pontifícia −
(cf. Zenit, 06 de janeiro de 2006) suscitou entre alguns leitores dúvidas sobre
a situação das crianças que morrem sem ser batizadas.
É um tema cujo estudo João Paulo II
encomendou à Comissão Teológica Internacional, (cf. Zenit, 2 de dezembro de
2005).
Em resposta às questões suscitadas, o
padre Cantalamessa oferece aos leitores de Zenit um comentário sobre a
doutrina do Limbo.
***
Alguns leitores manifestaram sua
perplexidade por minha afirmação
acerca de que as crianças sem batizar não vão ao Limbo, mas ao Céu; expressei essa ideia em meu recente comentário
ao Evangelho na festa do Batismo do Senhor, publicado em Zenit. Isso me dá a
oportunidade de esclarecer as razões de minha afirmação.
Jesus instituiu os sacramentos como
meios ordinários de salvação. São normalmente necessários e as pessoas que
podem recebê-los e o rejeitam são responsáveis perante Deus. Mas Deus não atou
a si mesmo a estes meios. Também Jesus disse da Eucaristia: 'Se não comerdes a
carne do Filho do homem não tereis vida em vós' (João 6, 53), mas isto não
significa que alguém que nunca tenha recebido a Eucaristia não esteja salvo.
O Batismo de desejo e a festa dos
Santos Inocentes são confirmações disso. Há quem pode opor que Jesus está
envolvido na morte dos Inocentes, dos que perderam a vida por causa Dele, o que
nem é sempre o caso dos bebês sem batizar. Certo, mas também do que se fez ao
mais novo de seus irmãos Jesus diz: 'A mim o fizeste' (Mt 25, 40).
A doutrina do Limbo nunca foi definida
como dogma pela Igreja; foi uma hipótese teológica em sua maior parte
dependente da doutrina de Santo Agostinho sobre o pecado original, e foi abandonada
na prática há muito tempo, e a teologia também se aparta atualmente dela.
Deveríamos tomar-nos seriamente a
verdade da vontade universal de Deus pela salvação ("Deus quer que todos
se salvem" [1 Tm 2, 4]), assim como a verdade de que 'Jesus morreu por todos'.
O seguinte texto do Catecismo da Igreja Católica parece abraçar exatamente a
mesma postura:
'Quanto às crianças mortas sem Batismo,
a Igreja só pode confiá-las à misericórdia divina, como faz no rito das
exéquias por elas. Com efeito, a grande misericórdia de Deus, que quer que todos
os homens se salvem (cf. 1 Tm 2, 4) e a ternura de Jesus com as crianças, que
lhe fez dizer: 'Deixai as crianças virem a mim, não as impeçais' (Mc 10, 14),
permitem-nos confiar em que haja um caminho de salvação para as crianças que
morrem sem Batismo. Por isso é mais importante ainda o chamado da Igreja a não
impedir que as crianças pequenas venham a Cristo pelo dom do santo Batismo' (CIC,
1261).
Não
creio que afirmar que os bebês
sem batizar estejam salvos alente o aborto. Às pessoas que desatendem a
doutrina da Igreja sobre o aborto apenas lhes preocupam outras doutrinas da
própria Igreja. Inclusive se houvesse razões para tal temor, o abuso de uma
doutrina nunca deveria impedir-nos de abraçá-la.
Devo
confessar que a mera ideia de
um Deus que prive eternamente uma criatura de Sua visão simplesmente porque
outra pessoa pecou, ou devido a um aborto fortuito, faz-me estremecer... e
estou seguro de que faria qualquer não-crente feliz por se manter afastado
da fé cristã. Se o inferno consiste essencialmente na privação de Deus, o Limbo
é inferno!
Fr. Raniero Cantalamessa" (www.zenit.org [26/01/2006]).
***
Dado que as palavras acima sejam uma
simples opinião pessoal do ilustríssimo Frade Capuchinho, permita-nos, as
Autoridades Eclesiásticas, não comentar, mas sim, expor a dita Doutrina
segundo o sentir da Igreja Católica. A Doutrina do Limbo das Crianças é Sentença
Comum entre os Padres e os Teólogos da Igreja, mas não dogma definido, assim
como, também, é Sentença Comum da Igreja que, o Martírio é uma espécie de
batismo para os gentios e catecúmenos (cfr. Cardeal Wiseman, “Prisca”, Cap. XV, p. 289,
Livreiro e Editor B. L. Garnier, Rio de Janeiro, 1879).
A minha única intenção neste ensaio, é
de proporcionar diretamente àquelas pessoas menos favorecidas com as fontes
seguras de informação, para que conhecendo esta santa Doutrina, possam amar,
louvar e agradecer a infinita Justiça, Sabedoria e Bondade de Deus, que chega
até nós pela Santa Madre Igreja Católica.
►Que em todas as coisas
seja Deus glorificado◄
Capítulo 1
A
Instituição
do
Batismo
"O Batismo é um
Sacramento de Regeneração
pela palavra na água"
(Catecismo Romano, Part. II, Cap. II, Ponto
III,
p. 194; 2ª ed., Ed. Vozes, 1962).
Época
da Instituição e da Lei geral do
Batismo
"No Batismo, é preciso distinguir
dois momentos determinados. O primeiro, quando Nosso Senhor o instituiu; o
segundo, quando impôs a obrigação de recebê-lo.
Quanto ao primeiro, vê-se que Nosso
Senhor instituiu este Sacramento, quando conferiu à água a virtude de
santificar, na ocasião que Ele mesmo se fez batizar por João. Dizem São Gregório e Santo Agostinho (Greg. Nazianz.
Orat. in nat. Salvat. circa finem: MG 36, 395-398; Aug. Sermo 29 de tempore: ML
38, 1064) que, naquele instante, a água adquiriu a força de regenerar para a
vida espiritual. Noutro lugar, escreve: 'Desde que Cristo desceu na água,
limpa a água todos os pecados' (Aug. Serm. 135: ML 39, 2012; Serm. 136: ML 39,
2013). E noutra parte: 'Nosso Senhor recebeu o Batismo, não porque precisasse
de purificação, mas para que ao contato com Seu Corpo puríssimo as águas se
purificassem, e adquirissem a virtude de purificar'.
["Então foi Jesus da Galileia ao Jordão ter com João, para ser batizado
por ele. Mas João opunha-se-lhe, dizendo: 'Sou eu que devo ser batizado por
ti, e Tu vens a mim?' E respondendo Jesus, disse-Lhe: 'Deixa por agora, pois
convém que cumpramos assim toda a justiça'. Ele então deixou-O
(aproximar-se). E, depois que Jesus foi batizado, saiu logo da água; e eis que
se lhe abriram os Céus, e viu o Espírito de Deus descer como pomba, e vir
sobre Ele. E eis (que se ouviu) uma voz do Céu, que dizia: 'Este é o Meu Filho
amado, no qual pus as Minhas complacências'" (S. Mat. 3, 13-17).]
Grande prova desta verdade é que então a
Santíssima Trindade, em cujo Nome se confere o Batismo, manifestou Sua
majestade. Ouviu-se a voz do Pai, estava ali a Pessoa do Filho, e o Espírito
Santo desceu em figura de pomba. Além disso, abriram-se os Céus, para onde
já nos é dado subir pela Graça do Batismo.
["Jesus Cristo não foi batizado senão para instituir este Sacramento"(S.
Máximo, Hom. 7 Epiph.). "E o Céu, cuja entrada nos estava fechada, não se
dividiu, mas abriu-se para nos significar que se franqueava a sua entrada por
este Sacramento" (S. Gregório Nazianzeno, Orat. in sancta lumina).]
Todavia, se alguém quiser indagar por que
Nosso Senhor conferiu à água uma força tão ampla e tão sobrenatural, isto não
fica ao alcance da inteligência humana.
No entanto, podemos ao menos compreender
que a água, no Batismo de Nosso Senhor, ao tocar Seu Corpo santíssimo e
puríssimo, foi consagrada para o uso salutar do Batismo. Mas, conforme a Fé
nos ensina, isto acontece de tal maneira, que este Sacramento, com ser instituído
antes da Paixão, só tirou sua virtude e eficácia da própria Paixão, que era
por assim dizer o fim e a consumação de todas as obras de Cristo (Hieron.
in comment. in Mt. 3; Aug. Serm. 36 de tempore).
Acerca do outro momento, em que a Lei
do Batismo foi promulgada, não há lugar para incertezas. Todos os escritores
eclesiásticos concordam em dizer que foi depois da Ressurreição de Nosso
Senhor, quando ordenou aos Apóstolos: 'Ide, ensinai todos os povos, batizai-os
em Nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo' (S. Mt. 28, 19; S. Mc. 16, 16). Desde então,
começou a vigorar a Lei do Batismo para todos os homens, que hão de alcançar
a eterna salvação.
Provam-no as palavras autorizadas do
Príncipe dos Apóstolos: 'Fez-nos renascer à esperança da vida, pela
Ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos' (1 Ped. 1, 3). Prova igual se
pode tirar daquela passagem, em que São Paulo falava da Igreja: 'Entregou-Se a
Si mesmo por Ela, para santificá-la, purificando-A no banho da água pela palavra' (Ef.
5, 25ss).
Ambos parecem transferir a promulgação
da Lei do Batismo para uma época posterior à Morte de Nosso Senhor. Por conseguinte, não
podemos duvidar, de modo algum, que as palavras do Salvador: 'Se alguém não
renascer da água e do Espírito... ' (S. Jo. 3, 5) − também se referem a esse mesmo tempo, que viria
depois de Sua Paixão" (Catecismo
Romano, Part. II, Cap. II, Ponto VIII, 1-2; pp. 199-200).
Capítulo 2
A Necessidade
do Batismo
para a Salvação
O Batismo
é necessário
para se conseguir
a vida eterna
(Dogma de Fé).
"Não pode ver o Reino
de Deus
senão
aquele que nascer de novo"
(S. Jo. 3, 3).
Necessidade de Preceito e de Meio
"Por vida eterna,
entendemos a visão clara e direta de Deus, de que gozam os Bem-aventurados no
Céu. Defendemos na tese que o Batismo é necessário para conseguir a vida eterna,
não só porque Cristo mandou que o recebêssemos − e isto constitui a chamada necessidade
de preceito −, mas
também porque o Batismo é um meio ou condição estabelecida por
Deus para a salvação, de maneira que se o homem não põe esse meio
não pode dar-se a salvação. Esta é a chamada necessidade de meio.
Diferença entre Necessidade de Preceito e de
Meio
Está preceituada a comunhão-viático antes
da morte. Quem por qualquer razão grave a não pode receber não peca e,
portanto, se se encontra em Graça de Deus, irá para o Céu, visto que receber a
comunhão-viático só é necessário por assim estar mandado. Está
igualmente mandado que nos ponhamos em Estado de Graça antes de morrer. Se uma
morte repentina sobrevier a alguém que se encontra em Estado de Pecado Mortal,
sem lhe dar tempo para nada, tal pessoa não poderá pôr-se em Estado de Graça. E
apesar de não lhe ter sido possível, não se salvará, visto que o Estado de
Graça é meio necessário para a salvação, e não um preceito
apenas, como no caso anterior.
Provas
tiradas da Tradição
1─ A
justificação é 'a passagem daquele
estado em que o homem nasce filho do primeiro Adão, para o Estado de Graça e
de adoção dos filhos de Deus..., passagem que, depois da promulgação do
Evangelho, não se pode fazer sem a ablução de regeneração ou o seu desejo, conforme
está escrito: Quem não renascer da água e do Espírito Santo, não pode entrar
no Reino de Deus (S. Jo. 3, 5)' (Concílio de Trento, sess. 6,
cân. 4; Dz. 796).
2─ 'Se alguém
disser que o Batismo é livre, isto é, não necessário para a salvação, seja
anátema' (Concílio de Trento, sess. 7, cân. 5, do Batismo; Dz. 861).
3─ 'A pena do
Pecado Original − isto
é, a pena dos que morrem só com o Pecado Original − é a privação da visão de Deus' (Carta de Inocêncio III a Imberto,
Arcebispo de Arles; Dz. 410).
Estes
três Documentos, tomados em conjunto, mostram que o Batismo é necessário por necessidade de meio. De outra sorte, as
crianças que morrem sem ele, visto serem incapazes de obedecer ou desobedecer,
não ficariam privadas da visão de Deus, concedida aos Bem-aventurados.
Prova
tirada da Escritura Sagrada
"Quem não renascer da água e do Espírito
Santo não pode entrar no Reino de Deus" (S. Jo. 3, 5); quer dizer, o Batismo é meio indispensável para se poder
entrar no Reino dos Céus.
Dificuldade: O texto
citado na prova da Escritura oferece duas dificuldades: 1ª − Reino de Deus, poderia significar
a Igreja; 2ª − Mesmo
que signifique o Céu, não se diz que o Batismo seja absolutamente necessário.
Bastaria a necessidade de preceito, para essas palavras terem sentido.
Resposta: Assim é, atendendo só à letra do texto; mas a
Igreja, a quem compete interpretar a Escritura, ensina-nos, como vimos na
prova da Tradição, que o Batismo é de necessidade de meio, fundando-se
precisamente nesse texto, como o faz o Concílio de Trento.
O Concílio de Florença exprime-se desse
modo: 'O primeiro lugar entre os Sacramentos
tem-no o Santo Batismo, que é a porta da vida espiritual, pois, por ele somos
constituídos membros de Cristo e [ficamos sendo] do Corpo da Igreja. Tendo, pelo primeiro homem entrado a morte em todos,
se não renascermos da água e do Espírito [Santo], não podemos, como diz a Verdade, entrar no Reino dos Céus' (Concílio
de Florença, Decreto para os Armênios; Dz. 696).
Adversários: Os pelagianos
e os modernistas. Entre os protestantes, os calvinistas,
para os quais o Batismo é de preceito, mas não meio
indispensável para a salvação" (R. Pe. J. Bujanda, SJ, "Manual de
Teologia Dogmática", Part. II, Tratado 9º, Sacramentos, Cap. II, Art. 4º,
pp. 428-431, 1ª Edição Portuguesa, Livraria Apostolado da Imprensa, Porto,
1944).
Outros
Testemunhos
"Instituído no meio deste Divino
aparato, começou logo a ser administrado por Jesus Cristo (S. Jo. 3, 22), e
pelos Apóstolos, em seu Nome (S. Jo. 4, 2), ainda que Santo Evódio Antioqueno
(Nicef., Hist., lib. 2, c. 3), Sucessor dos Apóstolos, nos diz: que Jesus
Cristo só batizou a São Pedro, este a Santo André, Santiago e São João, e estes
aos outros Apóstolos. Antes da morte do Redentor só batizavam aos judeus que o
desejavam receber; porém, depois da Sua Gloriosa Ressurreição, batizavam a toda
a classe de gente, porque lhes disse o Senhor: 'Ide, pois, ensinai a todas as
gentes, batizando em Nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo' (S. Mat. 28,
19). Aqui começou a obrigação de receber
o Batismo; aumentou-se depois com a publicação que fizeram os Apóstolos da
Nova Lei no dia de Pentecostes, e, finalmente, completou-se quando foi
publicado o Evangelho por todo o mundo (Salm. 18, 5). Desde então o
Batismo é absolutamente necessário, e sem ele não há entrada na Igreja nem na
Glória. Daqui podem inferir os pais de família o grande cuidado que devem pôr
em que seus filhos sejam batizados com a maior brevidade, porque, achando-se
as crianças tão expostas à morte pela sua grande delicadeza, será muito fácil
que por um descuido morram sem o Batismo, e neste caso, como poderiam sofrer a
pena de terem pelo seu descuido privado do Reino dos Céus o filho das suas
entranhas? Também as mães, no tempo
da sua gravidez, devem fazer muito por conservarem a vida dos filhos que
trazem em seu seio, procurando fugir dos excessos e levar uma vida tão
circunspeta, qual convém às que encerram nas suas entranhas umas criaturas resgatadas
com o Sangue de Jesus Cristo, e destinadas a fazerem-se filhos de Deus pelo
Sagrado Batismo. Devem, além disso, pedir muito a Deus, durante a sua gravidez,
que conserve a débil vida temporal destas criaturas até receberem este
Sacramento de vida eterna" (D. Santiago José Garcia Mazo, "Explicações
do Catecismo de Astete", Part. IV, Cap. XXVI, pp. 258-259, 6ª Edição,
Livraria Chandron, Porto, 1905).
"É tão necessário este Sacramento
para a salvação, que as próprias crianças não podem entrar no Céu, se não
forem batizadas. Pelo que, os pais estão gravemente obrigados a fazer batizar
quanto antes os seus filhinhos, para não expô-los a perderem a Bem-aventurança
eterna" (R. Pe. Geraldo
Vasconcellos, "Lições Edificantes", Cap. VI, Sacramentos, p. 199,
1951).
"Procedem muito mal aqueles que
fazem demorar muito o Batismo, porque retardam à criança a maior fortuna e
expõem-na ao perigo de morrer privada do Batismo" (Teólogo Giuseppe Perardi, "Novo Manual do
Catequista − Explicação
Literal do Catecismo da Doutrina Cristã, publicado por ordem do Papa São Pio
X", Part. III, Secç. I, Cap. I, Batismo, p. 462, 5ª Edição, União Gráfica,
Lisboa, 1958).
“A quem depois do Batismo caiu em pecado
mortal, a Confissão é necessária para se salvar como o Batismo para os não
batizados. Ensina-o expressamente o Concílio Tridentino: 'Para quem caiu
depois do Batismo, este Sacramento da Penitência é tão necessário à salvação
como o próprio Batismo para quem ainda não foi regenerado pela Graça' (Sess.
XIV,c. 2 – Denz. U. 895).
Quantos hoje, embora julgando, e com
razão (cfr. C.I.C., c. 700) mal
gravíssimo diferir o Batismo de uma criança, (e não o fariam nunca com o
próprio filho), caídos em pecado, vivem meses e anos tranquilamente na desgraça
de Deus, sem ao menos pensar em confessar-se! Contudo, a criança, morrendo
antes do Batismo, iria para o Limbo, enquanto que o pecador adulto que morre
sem se confessar (ao menos “in voto”), cai no Inferno!” (Rev. Pe.
Mário Corti, S.J., “Viver em Graça”, 2ª Parte – A Graça, Cap. V – A Graça
Santificante, pp. 148-149, 2ª Edição, Ed. Paulinas, 1961).
Um crime
bárbaro renovado espiritualmente
"Entre os antigos Espartanos, mandava
a lei de Licurgo que a criança que nascesse enfezada ou aleijada fosse
precipitada do Taigete. Julgamos isto uma crueldade abominável, porque à nossa
razão repugna que se mate uma criança só porque é desgraçada. Pois bem, um
crime muito mais grave cometem aqueles pais cristãos que, deixando morrer os
seus filhos sem Batismo, os impedem de alcançar a vida eterna, preparada
unicamente para aqueles que forem batizados" (Teólogo Giuseppe Perardi,
ob. cit.).
O Batismo
dos Adultos e das Crianças
"Se para os fiéis é muito útil o
conhecimento das verdades que até agora temos ensinado, urge mais ainda
explicar-lhes que Deus impôs a todos os homens uma Lei, obrigando-os a
receberem o Batismo. Por conseguinte, os que não renascerem para Deus mediante
a Graça do Batismo, são gerados pelos pais, fiéis ou infiéis, para a eterna
miséria e condenação.
Devem, pois, os Pastores explicar mais
vezes aquela passagem do Evangelista: 'Se alguém não renascer da água e do
Espírito, não pode entrar no Reino de Deus' (S. Jo. 3, 5).
Esta Lei não se aplica aos adultos
exclusivamente, mas também às crianças desde a mais tenra idade. A Igreja assim
o interpretou, por Tradição Apostólica, conforme nô-lo garantem a Doutrina e a
Autoridade comum dos Santos Padres.
Além
disso, é de crer que Cristo Nosso Senhor não quisesse negar o Sacramento e a
Graça do Batismo às crianças, das quais dizia: 'Deixai vir a Mim os pequeninos,
e não os embaraceis, porque deles é o Reino dos Céus' (S. Mat. 19, 14). Ele
que as apertava aos braços lhes impunha as mãos, e as abençoava (S. Marc.
10, 16).
Ainda
mais, São Paulo, pelo que lemos, havia batizado uma família inteira (1 Cor. 1, 16). Nesse
caso, é evidente que tenha batizado também as crianças da família.
Figura do Batismo, a circuncisão encerra
igualmente uma calorosa recomendação deste costume. Como todos sabem, era de
praxe circuncidar os meninos (Gên. 17, 12; 21, 4; Lev. 12, 3; S. Luc. 1, 59; 2,
21), ao oitavo dia de seu nascimento.
Ora, se para eles sortia efeito a
circuncisão, praticada com a mão para despojar a carne do corpo,
não há dúvida que às crianças também aproveita o Batismo, essa circuncisão
de Cristo, a qual não é praticada por mão humana (Col. 2, 11).
Afinal, como diz o Apóstolo, se pelo
delito de um só, e por causa de um só, veio a reinar a morte, muito mais
reinarão na vida, graças a um só, que é Jesus Cristo, todos quantos receberem
abundantemente a Graça e o Dom da Justificação (Rom. 5, 17). Logo,
se por culpa de Adão as crianças contraem o Pecado Original, tanto mais podem
elas receber por Cristo Nosso Senhor a Graça e a Justiça, a fim de reinarem
para a vida. Isto, porém, seria absolutamente impossível sem o Batismo (Dz. 101-102, 788-792, 861-870)...
Não padece dúvida que as crianças, ao
serem batizadas, recebem de fato o Mistério da Fé, não porque creiam por ato
pessoal de sua inteligência, mas porque são assistidas pela Fé dos próprios
pais, se forem cristãos; em todo o caso, pela Fé de toda a agremiação dos
Santos, se assim quisermos afirmar
com Santo Agostinho (Aug. Enchir. c. 42: ML 40, 253).
Na verdade, podemos dizer com razão que
as crianças são levadas ao Batismo por todos aqueles que desejam vê-las
batizadas, e que por sua caridade ajudam a serem admitidas na comunhão do
Espírito Santo (De fato, este deve
ser o voto de todos os verdadeiros membros da Igreja Católica).
Sendo assim, é preciso exortar seriamente os fiéis a levarem seus filhinhos à
igreja, logo que possam fazê-lo sem perigo, para ali receberem o Batismo solene
(Rituale Romanum, 2, 1, 39; CIC, cân. 770; CPB, decr. 168, 1).
Para as crianças, o único meio de
salvação é a administração do Batismo
(Os infantes não são ainda capazes do "votum Sacramenti". Podem receber
o Batismo de sangue, se forem mortos por ódio à Fé). Compreende-se, pois, quão grave é a culpa de quem as deixa sem a Graça
do Sacramento, por mais tempo do que seja estritamente necessário. O motivo principal é que, nesse período
precário, a vida da criança fica exposta a uma infinidade de perigos (Aug.,
De orig. animae, 3, 9; de peccat. merit., 1, 2; epist. 28)" (Catecismo
Romano, Part. II, Cap. II, Ponto XI, 1; pp. 204-206).
Capítulo 3
Falando
propriamente
do
Limbo das Crianças
O Limbo das Crianças
"é sentença comum entre os Teólogos"
(D. Odilão Moura, O.S.B.).
1ª Parte
Revelação própria e impropriamente dita
"Revelar, é descobrir o que se
encontra velado ou encoberto. Deus, por meio do mundo visível, descobre-nos a
Sua existência e atributos, que é, por exemplo, inteligente, poderoso e sábio.
Faz-nos, portanto, uma revelação, não diretamente, mas por meio das criaturas,
ou o que se chama uma revelação impropriamente dita. Denomina-se revelação
propriamente dita aquela em que o mesmo Deus, em Pessoa, ou por meio
de um Seu legado especialmente escolhido para tal fim, comunica alguma verdade
aos homens. Por isso, é uma revelação propriamente dita a que nos fez Jesus
Cristo, visto ser Legado de Deus... O mesmo se diga dos Ensinamentos dos
Apóstolos visto pregarem por Seu mandato, o que lhes tinha ensinado Cristo, ou
o que Deus, pela ação do Espírito Santo, lhes inspirava" (R. Pe. J.
Bujanda, S.J., ob. cit., Part. I, Tratado III, Cap. Único, Art. 1º, 1ª Nota
Complementar, p. 122).
Revelação explícita e Revelação implícita
► a) Revelação explícita: "Diz-se
que há revelação expressa, formal ou explícita quando as verdades se encontram
expressamente enunciadas nas palavras da Escritura ou nas fórmulas da
Tradição, por exemplo, que Jesus Cristo foi crucificado.
► b) Diz-se que a revelação
é implícita, quando as verdades não se apresentam tão claras e
patentes na Escritura ou na Tradição, mas é como se se apresentassem, pois se
reduzem a simples e mera explicação das palavras da Escritura ou da Tradição;
para as concluirmos, não necessitamos de recorrer a um raciocínio propriamente
dito.
Exemplos: Pertence às verdades reveladas
que Jesus Cristo é homem; logo, também pertence que é animal racional, pois
estes constituem os elementos essenciais de todo o homem. É verdade de Fé que
Jesus Cristo é homem perfeito; logo, também o será que possui entendimento
humano, já que todo o homem o tem. Constitui uma verdade de Fé que Jesus Cristo
é filho verdadeiro de Maria; logo, também a constituirá que Maria é Mãe de
Jesus Cristo, ainda que o não ensinasse a Tradição expressamente.
Inversamente, é verdade de Fé que Jesus
não é verdadeiro filho de São José, no sentido em que o afirmamos de Maria;
logo, também será que a São José não se pode atribuir a paternidade de Jesus,
no sentido estrito em que a Maria se atribui a maternidade.
A estas verdades, que não se encontram
enunciadas explicitamente, nos documentos da revelação − mas se reduzem a simples explicação das suas palavras − chamamos
implicitamente reveladas" (R. Pe. J. Bujanda, S.J., ob. cit., 5ª Nota
Complementar, p. 124).
Conclusões Teológicas
"Há, finalmente, verdades que não estão nem
explícita nem implicitamente reveladas; deduzem-se, porém, com toda a
segurança da Doutrina revelada, por meio do raciocínio.
Exemplos: Da seguinte verdade revelada − Jesus Cristo é Deus − deduzimos
necessariamente pelo raciocínio que Jesus Cristo é impecável, pois seria
absurdo que Deus pudesse pecar. Da seguinte verdade revelada − a Graça
Santificante não se perde pelo pecado venial − deduzimos que também não a
diminui; efetivamente, se a diminuísse, a acumulação de pecados veniais
poderia chegar a destruí-la completamente e, portanto, dar-se-ia um caso em que
o pecado venial faria perder a Graça. Estas e semelhantes deduções,
consequências ou corolários das verdades reveladas, chamam-se conclusões
teológicas" (R. Pe. J. Bujanda, S.J., ob. cit., 6ª Nota
Complementar, p. 125).
Os Padres
da Igreja em conjunto não podem ensinar
erro algum
"Se o ensinassem, isso mostraria
que toda a Igreja, nesse tempo, se tinha enganado. De fato, se os mais insignes mestres encarregados de
propor a Doutrina de Cristo todos se enganaram, os menos doutos ou mais
ignorantes não podiam conservar-se na verdade. O povo cristão segue a Doutrina,
que lhe propõem os seus mestres.
A Igreja designa com este título certos
homens que nos primeiros séculos se distinguiram pela ortodoxia da doutrina e
santidade. O último Padre Oriental é
São João Damasceno, morto em 749; no Ocidente, Santo Isidoro de Sevilha, morto
em 636. Outros personagens, ilustres em doutrina e santidade, que floresceram
mais tarde, como Santo Anselmo e São Bernardo, não são propriamente Padres da
Igreja, ainda que por vezes certos autores lhes deem esse epíteto. O termo Padre,
neste caso, parece ter sido usado com o fim de indicar que a Igreja, na sua
infância, esteve confiada ao seu cuidado como as crianças ao dos pais" (R.
Pe. J. Bujanda, S.J., "Manual de Teologia Dogmática", 1ª Parte,
Tratado Segundo, Cap. III, § 1º, n. 86, 2ª, p. 89, 1ª edição portuguesa,
Livraria Apostolado da Imprensa, Porto, 1944).
Se os
Teólogos Católicos são unânimes em propor
durante
vários séculos uma doutrina,
esta será
verdadeira
"São os Teólogos, com efeito, quem
por ofício estudam a Mensagem de Cristo; se eles, que são os técnicos, estão de
acordo em propor a verdade de certa doutrina, e como tal a ensinam, a Igreja
não pode deixar de os seguir. Logo, não poderão enganar-se; em caso contrário, ficaria desmentida a promessa de
Cristo, de permanecer eternamente com os Apóstolos e seus Sucessores, e de
lhes sugerir toda a verdade" (R. Pe. J. Bujanda, S.J., ob. cit., n. 87, p.
90).
Se determinada
doutrina se professa em toda a Cristandade,
embora
não saibamos qual o pensamento dos Bispos,
dos Padres
ou dos Teólogos,
podemos
estar certos de que é verdadeira
"Se fosse falsa, em virtude da
assistência de Jesus Cristo aos Apóstolos e aos seus Sucessores, os Bispos, não
teria sido possível a sua difusão por toda a Igreja.
A infalibilidade foi outorgada aos
Bispos, não para que desfrutem dela, mas para que não se enganem ao propô-la à
Igreja, e a defendam de qualquer erro“ (R.
Pe. J. Bujanda, S.J., ob. cit., n. 88, p. 90).
Notas
Complementares
1ª► Um ou alguns
Bispos − o mesmo se diga dos Santos Padres e Teólogos − podem errar e de fato
têm-se enganado. Cada um de per si não é infalível; nunca tal infalibilidade
se lhes prometeu, e a história ensina, por outro lado, que realmente a não
possuem.
2ª► Cada um dos Apóstolos, era infalível. Deus
tinha-lhes concedido esse privilégio pessoal, como era, não apenas
conveniente, mas necessário na primitiva Igreja, já que, andando dispersos
pelo mundo, não poderiam reunir-se com facilidade e sem detrimento para a
difusão do Evangelho. Eis porque São Paulo ousou escrever aos Gálatas: "Ainda
que eu, ou um Anjo do Céu, vos anuncie doutrina diferente da que vos tenho
pregado, seja anátema" (Gál. 1, 8).
3ª► Para que determinada doutrina seja verdadeira e
como tal deva aceitar-se, não se exige que a ensinem os Bispos, Padres, ou
Teólogos todos, numericamente. Basta como nos assuntos humanos desta
índole, uma maioria tal, que moralmente, isto é, na estimação prudente dos
homens, equivalha à totalidade. (R. Pe. Bujanda, S.J., ob. cit., nn. 89-91, pp.
90-91).
Como saber
se uma doutrina é Católica ou não?
► "Com efeito, perguntando eu
com toda a atenção e diligência a muitíssimos varões, eminentes em santidade
e doutrina, que Norma poderia achar, segura, tão geral quanto possível, e
ordinária, para distinguir da falsidade da malícia herética a Verdade da Fé
Católica, eis a resposta constante de todos eles: que todo aquele que
queira descobrir as fraudes dos hereges mais recentes, evitar seus laços, e
permanecer desta maneira são e íntegro em uma Fé sã e incontaminada, há de
fortificar sua Fé, com o auxílio Divino, por esta dupla muralha: primeiro, com
a Autoridade da Lei Divina, e em segundo lugar com a Tradição da Igreja
Católica.
Ao chegar a este ponto, talvez alguém
pergunte: sendo perfeito, como é, o Cânon das Escrituras, e por si só
suficientíssimo para todos os casos, que necessidade há de acrescentar a
Autoridade da interpretação eclesiástica?
E a razão é que, devido à profundidade
da Sagrada Escritura, nem todos a entendem em um mesmo sentido, senão que as
mesmas sentenças cada qual as interpreta a seu modo, de maneira que quase se
poderia dizer que há tantas opiniões quantos intérpretes. De um modo a expõe
Novaciano, de outro Sabélio, de outro Donato, e à sua maneira Ario, Eunômio,
Macedônio, como também, por sua conta, Fócio, Apolinário, Prisciliano; de
outra forma, Joviniano, Pelágio, Celéstio; e a seu modo, finalmente, Nestório.
Pelo que, é necessário de toda
necessidade que, às voltas com tais encruzilhadas do erro, seja o sentido
Católico e Eclesiástico que indique a linha diretriz na interpretação da Doutrina
Profética e Apostólica.
Do mesmo modo na Igreja Católica cumpre
buscar a todo custo que todos nos atenhamos ao que em toda parte, sempre e por
todos foi crido [In ipsa item
catholica Ecclesia magnopere curandum est, ut id teneamus, quod ubique, quod
semper, quod ab omnibus creditum est]; porque isto é que é própria e
verdadeiramente Católico, como o declara a força e a índole mesma do
vocábulo, que abarca em geral todas as coisas.
E isto o alcançaremos se seguirmos a
Universalidade, a Antiguidade, o Consenso. Isto posto, seguiremos a
Universalidade se professarmos como única Fé a que professa em toda a
redondeza da terra a Igreja inteira; a Antiguidade, se não nos afastarmos um
ápice do sentir manifesto de nossos Santos Padres e antepassados; o Consenso,
enfim, se na mesma Antiguidade nos acolhermos às sentenças e resoluções de
todos ou quase todos os Sacerdotes [Bispos] e mestres.
O que fará, de acordo com isto, um cristão
católico, se vir que uma pequena parcela da Igreja se desgarra da Comunhão
Universal da Fé? Que há de fazer senão preferir a saúde do Corpo inteiro à
gangrena de um membro corrompido?
E que fará se o contágio da novidade se
esforçar por devastar não já uma parcela, mas toda a Igreja Universal? Neste
caso, todo o seu empenho será o de apegar-se à Antiguidade, a qual não pode já
ser vítima de enganos de novidade alguma.
E se na Antiguidade mesma se descobrir o
erro de duas ou três pessoas, ou até de alguma cidade ou talvez província? Então
o católico se esforçará a todo custo para opor à temeridade ou ignorância de
uns poucos os Decretos, se os houver de algum Concílio Universal, celebrado
por todos na Antiguidade.
E se, finalmente, surgisse uma questão, sem que o nosso cristão católico
tenha algum destes auxílios a seu alcance? Então procurará um modo de
investigar e consultar, comparando-as entre si, as sentenças dos Maiores,
daqueles somente que, mesmo vivendo em lugares e tempos diversos, por haver
perseverado na Fé e Comunhão de uma mesma Igreja Católica foram tidos por
mestres acreditados [magistri probabiles]; e o que eles, não um ou dois
somente, mas todos a uma em consenso unânime, abertamente, repetidamente, persistentemente,
houvessem sustentado, escrito, ensinado, tenha ele entendido que isto é também
o que há de crer sem dúvida alguma" (São Vicente de Lérins,
"Commonitorium adversus haereticos" − a.D. 434; cfr. Sigfrido Huber,
"Los Santos Padres / Sinopsis desde los tiempos apostólicos hasta el siglo
sexto", Ediciones Desclée, De Brouwer, Buenos Aires, Tomo III, pp.
335-338, 1946).
2ª Parte
O Limbo das Crianças
(Estritamente Conhecido)
TESE: “Os que morrem unicamente com o Pecado
Original são privados para sempre da visão beatífica, mas não sofrem nenhuma
outra pena”.
Explicação: Por visão
beatífica entendemos a visão clara e imediata de Deus, da qual gozam os
bem-aventurados no Céu...
Adversários: Os jansenistas
e alguns Teólogos católicos diziam que, os que morrem só com o
Pecado Original, além de serem privados da vista de Deus, sofriam também alguma
outra pena positiva.
1º Carecem da Visão Beatífica
(Qualificação: De Fé)
Provas tiradas da Tradição:
'Se alguém disser que as criancinhas... nada
contraem do Pecado Original que seja necessário purificar com a ablução da regeneração,
para conseguir a vida eterna..., seja anátema' (Concílio de Trento, Sess. 5, Decreto sobre o Pecado Original; Dz. 791).
Logo, para conseguir a vida eterna é
necessário estar livre do Pecado Original.
'A pena do Pecado Original é a privação da Visão de
Deus' (Carta de Inocêncio III a Imberto, Arcebispo de
Arles; Dz. 410).
Prova tirada da Escritura:
"Se alguém não renascer da água e do Espírito
Santo, não pode entrar no Reino de Deus" (S. Jo. 3, 5).
Suposta a explicação deste texto feita (anteriormente), concluímos que os que morrem com o Pecado Original, não renasceram da água e do
Espírito Santo, pois o Batismo
perdoa todos os pecados.
2º Não sofrem nenhuma outra Pena
(Qualificação: Doutrina Comum)
Provas tiradas da Tradição:
'A pena do Pecado Original é a carência da Visão de
Deus; a pena do Pecado Atual é o tormento de um Inferno eterno' (Inocêncio III; Dz. 410). As
crianças, portanto, não têm que
sofrer outra pena além da privação da Visão Beatífica, do contrário, estariam
em condição igual à dos condenados.
Pio VI condenou a opinião dos que pretendiam que
existia a pena de fogo para os que morrem só com o Pecado Original (cfr. Dz. 1526, de onde está tomada essa afirmação quanto ao sentido).
Por conseguinte, é verdadeira a doutrina
da tese.
Provas tiradas pelo Raciocínio:
► Não há motivo algum para afirmar que os que não cometeram nenhuma
culpa pessoal sejam castigados com outra pena além da privação de um prêmio a
que estavam destinados por pura benevolência de Deus.
► Tal castigo seria contra a bondade Divina.
Consequências:
1ª─ Os que morrem só com
o Pecado Original terão, na outra vida, uma existência feliz, como a teria
neste mundo a pessoa a quem tudo corresse conforme aos seus desejos.
O fim natural do homem é gozar, depois desta vida, da felicidade devida
à sua natureza, se o não impede com as suas culpas, e os que morreram só com o
Pecado Original nada fizeram para o impedir.
A carência da Visão de Deus atormenta os condenados, porque foram
privados dela por causa dos seus pecados pessoais; mas não torna infelizes as
crianças, por tal privação ser apenas devida ao pecado que receberam de Adão.
2ª─ Podemos, pois,
definir o limbo das crianças: o
lugar para onde vão os que morrem só com o Pecado Original.
Nota Complementar:
► O Limbo dos Justos ─ Significação das palavras do
Credo 'desceu aos infernos': Chama-se limbo
dos justos, ou seio de Abraão, o lugar onde estavam as almas
dos justos antes da morte de Cristo. Estes nada tinham que expiar, mas só
podiam entrar no Céu depois da morte redentora de Jesus Cristo. A entrada do
Céu só ficou aberta com a morte de Cristo, como explicam os Teólogos, fundados
em vários textos de São Paulo (Heb. 9, 8; etc.).
As Palavras do Credo − desceu aos infernos, referem-se ao
limbo dos justos, aonde Cristo foi anunciar a Sua morte e ressurreição (1 S.
Ped. 3, 18ss), e conceder-lhes a Visão Beatífica, que então começou para
eles" (R. Pe. J. Bujanda, S.J., ob. cit., Part. II, Tratado X, Cap. Único,
Art. 5º, pp. 561-564).
Desceu aos infernos
"... A quarta e última razão (porque Cristo desceu com a Alma aos
infernos), foi para libertar os Santos que estavam nos infernos. Assim como
Cristo quis submeter-se à morte para libertar os vivos, da morte, quis também
descer aos infernos, para libertar os que aí se encontravam. Lê-se: 'Vós
também (Senhor), pelo Sangue do Vosso Testamento, tirastes os
Seus que estavam presos na fossa, onde não havia água' (Zac. 9, 11). − 'Ó
morte, serei a tua morte, ó Inferno, serei para ti como uma mordida' (Os.
13, 14).
Bem que Cristo tivesse totalmente destruído a
morte, não destruiu completamente o inferno, mas como que o mordeu, por que
não libertou todos os que nele estavam, mas somente os que não tinham Pecado
Mortal, nem o Pecado Original. Deste, foram libertados, enquanto pessoas
individuas, pela circuncisão, e, antes da instituição da circuncisão, as
crianças privadas do uso da razão, pela Fé dos pais fiéis; os adultos, pelos
sacrifícios e pela Fé no Cristo que esperavam.
Estavam no inferno devido ao Pecado Original
causado por Adão, do qual não poderiam ser libertados, enquanto pecado que era
da natureza humana, senão por Cristo.
Deixou então os que aí desceram com Pecado Mortal e
as crianças incircuncisas. Por isso, disse ao descer ao inferno: 'Serei
para ti como uma mordida' (Os. 13, 14)" (São Tomás de Aquino,
"Exposição sobre o Credo", Art. 5º, pp. 50-57, 4ª Edição, Ed. Loyola,
1997).
Notas Complementares
"Sobre a morte das crianças não batizadas e o seu destino eterno,
ver o excelente livro de Charles Journet − La volonté divine salvifique:
sur les petits enfants − (Desclée de Brower Friburgo, 1958).
É sentença comum entre os Teólogos que as almas das
crianças, mortas sem o Batismo antes do uso da razão, são privadas da Visão de
Deus, mas não sofrem, nem por estarem privadas dessa visão, nem as penas dos
sentidos.
São Tomás sempre negou que as crianças mortas em estado de Pecado
Original sofressem qualquer pena, bem que tivesse primeiro afirmado que
elas conhecessem a privação da Visão (Sent. 2, 33, 2a 2) e, mais tarde,
o tivesse negado (De malo, 5, 3): estarem privadas de tal
bem (da Visão Beatífica) as almas das crianças não sabem, e por
essa razão não sofrem, mas o que possuem pela natureza, possuem sem dor. São
Roberto Belarmino admite um certo sofrimento nessas crianças (cfr. Cardeal
Pedro Gasparri, Catechismus Catholicus, q. 359, pp. 197,
479)" (D. Odilão Moura, O.S.B., Tradução e Notas à obra "Exposição
sobre o Credo" de São Tomás de Aquino).
3ª Parte
O Limbo das Crianças
(Afirmado e Negado)
§ 1. A Noção Pressuposta:
"Por crianças entendem-se, neste estudo, os
indivíduos humanos que não tenham atingido a idade do discernimento. São
irresponsáveis, incapazes de deliberar ou optar a respeito do seu destino
eterno.
Essas crianças, uma vez recebido o Batismo, possuem a vida de filhos de
Deus, embora ela não se atue em atos correspondentes, por faltar ao sujeito o
necessário desenvolvimento físico. Caso venham a morrer antes do uso da
razão, passam imediatamente para a Bem-aventurança celeste, onde gozam da
Visão de Deus face a face.
Que se dá, porém, com os pequeninos que morrem sem Batismo?
É diante desta questão que começam as dúvidas dos estudiosos. Eis
como responde a maioria dos Teólogos medievais e contemporâneos:
1) não podem participar
da Bem-aventurança sobrenatural, celeste, pois não possuem em si o principal
pressuposto para isto, ou seja, a Graça, a filiação divina.
'Todo órgão visual é adaptado à claridade do seu respectivo objeto. É
esta adaptação que lhe possibilita ver o que lhe é co-natural, e lhe veda
absolutamente fixar objetos dotados de mais luminosidade; diante destes, tal
olho é cego. Ora, algo de análogo se dá na Visão celeste de Deus: ela requer um
olho espiritual adaptado, sobrenaturalmente elevado; sem o que, é impossível'.
2) todavia, pouco
condizente com a Justiça Divina seria afirmar que Deus condena essas almas ao
Inferno; com efeito, não cometeram pecado pessoal grave que lhes mereça a sorte
dos réprobos. Dentre outras declarações da Igreja a este respeito, basta citar
as palavras do Papa Inocêncio III (+ 1216):
'A pena devida ao Pecado Original é a privação da
Visão Beatífica; a que se deve ao Pecado Atual é o tormento da Geena perpétua' (Dz. 410).
3) as ditas criancinhas,
pelo fato de não serem batizadas, trazem em si a mancha do Pecado Original.
Ora, este consiste na carência dos Dons Sobrenaturais e Preternaturais (os
quais, conjuntamente, constituem a chamada justiça original), que Deus
conferiu a Adão e que este devia transmitir aos seus descendentes. O Pecado
Original, porém, não atinge diretamente a natureza humana; esta, ainda que
despojada do sobrenatural e do preternatural, conserva íntegras suas
potencialidades naturais.
4) donde se segue deva
haver um estado póstumo em que as almas das criancinhas não batizadas possam
viver conforme suas faculdades naturais, gozando da bem-aventurança que compete
à natureza humana enquanto tal.
Pois bem, é a esse estado que se dá, a partir do século 13, o nome de limbo,
limbo das crianças (do latim limbus: orla de uma veste,
zona), pois que a alguns teólogos medievais parecia estar situado à margem do
Inferno dos Réprobos.
'Na terminologia teológica fala-se também do Limbo dos Pais,
lugar ou estado em que os justos do Antigo Testamento aguardavam o Redentor
para poder entrar na Bem-aventurança celeste; é claro que esse estado não
implicava tormentos. Deixou de existir depois que Cristo abriu a todos os
justos o ingresso no Reino de Deus. É ao Limbo dos Pais que se refere o Símbolo
da Fé quando ensina que Jesus Cristo, no tríduo de Sua morte, 'desceu aos
infernos'; o Senhor foi anunciar às almas justas que O esperavam, a
boa notícia da Redenção.
Inferno (região inferior), limbo
(orla, zona limítrofe) são denominações baseadas nos conceitos (na geografia...)
que os antigos tinham do mundo invisível.
Julgavam que acima da terra está o lugar dos Bem-aventurados, ou o Céu.
Abaixo de nós, ou seja, no centro da Terra, acha-se o lugar dos que não
participam da Visão Beatífica: é o inferno (lugar inferior) entendido
no sentido largo. Nesta região muitos distinguiam três compartimentos: o mais
profundo é o dos réprobos (inferno estritamente dito); contíguo a
este colocavam o limbo (orla) das crianças, as
quais não possuem esperança de passar à Visão Beatífica; por fim, acima da zona
das crianças, admitiam o limbo (orla) dos Pais, os
quais tinham esperança fundada de entrar nos Céus (cfr. S. Tomaz, In IV Sent.
dist. 45, q. 1, a. 2 ad 2).
Toda esta geografia do mundo póstumo é bastante secundária e conjetural.
§ 2. A Existência do Limbo
► Como chegaram os Teólogos a conceber e justificar a noção acima
exposta?
1) Na Sagrada Escritura não se encontra referência ao
limbo das crianças.
O Senhor fala, em S. Luc. 16, 22, do seio de Abraão, que
é, conforme a terminologia judaica, o lugar onde as almas justas do Antigo
Testamento esperavam a vinda do Redentor (limbo dos Pais). Tal lugar, porém,
não tem que ver com o limbo das crianças.
A respeito dos pequeninos mortos sem Batismo, o texto mais elucidativo é
o de Jo. 3, 5: 'Se alguém não renascer da água e do Espírito Santo, não poderá
entrar no Reino de Deus', diz o Senhor.
Assim excluídas do Céu ou da Visão Beatífica, as criancinhas estarão por
Jesus condenadas ao Inferno? Santo Agostinho, em controvérsia com os
pelagianos, julgava poder deduzir isto dos textos referentes ao Juízo Final
(cf. Mt. 24, 36; 25, 46); nestes Jesus só fala de prêmio e castigo eternos, sem
menção de meio termo.
'O Senhor virá e fará dois grupos, um à direita e o outro à esquerda...
Não há lugar intermediário onde possas colocar esses pequeninos. Por isto quem
não estiver à direita, sem dúvida estará à esquerda' (Serm. 14, 3).
'Por conseguinte, quem não entrar no Reino, certamente será entregue ao
fogo eterno' (De pecc. merit. 1, 28).
O Santo Doutor, porém, concedia ser a pena das crianças a mais branda
de todas no além-túmulo: 'mitissima sane omnium poena erit eorum' (De pecc.
merit. 1, 1).
É, porém, evidente que tais passagens visam unicamente os adultos, ou
aqueles cujas obras podem ser julgadas; fica fora da perspectiva do Evangelho a
sorte das criancinhas irresponsáveis.
2) A Tradição Cristã, baseando-se principalmente no
conceito da Justiça perfeitíssima de Deus, chegou aos poucos a formular a noção
do limbo.
Alguns Padres gregos e Santo Agostinho (antes da controvérsia pelagiana,
ou seja, até 411) a esboçaram de certo modo. Todavia, uma atitude pessimista na
maneira de considerar a natureza humana (pessimismo estimulado pela heresia
pelagiana, demasiado otimista) dificultava aos antigos teólogos admitir um
estado intermediário entre a Glória e a Condenação; para não poucos, a natureza
humana, afetada pelo Pecado Original, só podia merecer o castigo do Inferno.
Em consequência, a noção do limbo só podia ser clara e definitivamente
elaborada quando se tivesse um conceito exato do Pecado Original e de seus
efeitos. Ora, foi no século 11 que Santo Anselmo precisou em que consiste a culpa
transmitida por Adão: não é algo de positivo, mas está na privação da
justiça paradisíaca, privação que constitui o homem avesso ao ideal que Deus
lhe traçou, disforme dentro do plano de Deus. Deste princípio os teólogos
posteriores não tardaram a deduzir que o Pecado Original só pode ter
consequências privativas para as crianças que com ele morram: fará que estas
sejam excluídas da Visão Beatífica (elemento correspondente à ausência da
Graça Sobrenatural nesses pequeninos), sem, porém, sofrer alguma pena
positiva (pena positiva que seria correspondente à conversão a um bem
indevido e que consequentemente só pode ser aplicada a um adulto responsável). Assim
como há uma diferença entre a natureza do Pecado Original e a do Pecado Atual,
deve igualmente haver diferença entre as consequências de um e outro.
É nestes termos que se funda a tese da existência
do limbo das crianças.
Pio VI deu-lhe inegável confirmação em 1794, condenando os jansenistas
de Pistóia, que viam na Doutrina do Limbo das Crianças uma revivescência do
Pelagianismo. O Papa defende tanto a existência do Limbo como a do Pecado
Original na seguinte declaração:
'É falsa, temerária e injuriosa às Escolas
Católicas a doutrina que rejeita, como se fosse fábula pelagiana, o lugar
inferior (pelos fiéis geralmente chamado Limbo das Crianças), onde as almas
dos que morrem apenas com o Pecado Original são punidas pela pena do
detrimento sem algum tormento do fogo; a rejeição provém de que tal doutrina
admite que, negada a pena do fogo, se deve afirmar um lugar e estado
intermediário, isento de culpa e pena, entre o Reino de Deus e a condenação
eterna, como imaginavam os pelagianos' (Da Constituição
"Auctorem fidei"; Dz. 1526).
Abstração feita das alusões à doutrina dos pelagianos, não resta
dúvida de que Pio VI, neste texto, intenciona confirmar a Doutrina medieval do
Limbo, taxando-a de comum entre os fiéis católicos e nas Escolas Teológicas
do seu tempo.
Nos nossos dias, a existência do limbo continua a
ser ensinada por grande número de estudiosos abalizados, como Journet (L'Eglise du Verbe Incarné II. Paris, pp. 766-779, 1951), Diekamp
(Theologiae Dogmaticae Manuale IV. Tornaci, p. 495, 1934), Bellamy
(Baptême [sort des enfants morts sans], DTC II 1. pp. 364-378,
1923), Amann (Limbes, ibd. IX 1. pp. 760-772, 1926), Le Blanc
(Children's Limbo, Theory or Doctrine? em "The American Ecclesiastical
Review" 117, pp. 161-183, 1947). Todavia, outros
teólogos, também de valor, mostram-se propensos a negar o Limbo, enquanto a
Autoridade Eclesiástica não se pronunciar ulteriormente sobre a questão...
Em que se baseiam os
que negam a Existência do Limbo
► Quais os principais
motivos por que hesitam e quais as novas soluções que propõem a respeito da
sorte das crianças mortas sem Batismo?
É comum enumerar-se três meios de obter a salvação: o Batismo de água
(Sacramento), o de sangue (Martírio) e, na falta de um e outro,
o Batismo de desejo, o qual pode consistir num simples ato
interno do indivíduo. Ora, o desejo é de todo impossível a uma criança ainda
destituída do uso da razão; também o Sacramento e o Martírio estão
frequentemente fora do seu alcance. Donde se segue logicamente, que milhões de
criancinhas deixam de atingir a Bem-aventurança Sobrenatural sem culpa
própria, unicamente por circunstâncias independentes de sua vontade, até mesmo
− diga-se − por culpa ou negligência dos pais ou tutores (Afirma-se,
geralmente, que uma terça parte das criancinhas morre antes da idade da razão.
Destas, quantas recebem o Batismo ou o Martírio?). Esta verificação leva a
perguntar: será tal doutrina compatível com as duas seguintes Verdades
Dogmáticas?
1) 'Deus quer que se salvem todos os homens' (1 Tim. 2, 4). Poder-se-á ainda afirmar esta universal vontade
salvífica, se não se admitir que Deus abra um pouco mais a via de salvação
para as criancinhas, concedendo-lhes, além do Batismo de água e do de sangue,
um terceiro meio de purificação (correspondente ao Batismo de desejo dos adultos)?
A incompatibilidade parece flagrante a Henrique Klee (1800-1840),
teólogo alemão benemérito, mas em alguns pontos inovador, e aos seus
discípulos (Klee, Katholische Dogmatik. Bonn 1835. III 158; diversos artigos
em "The Homiletic and Pastoral Review", ano de 1940). Por conseguinte,
Klee e sua escola propugnam que, na hora da morte, Deus concede às criancinhas
que não possam ser batizadas, uma iluminação repentina, a qual as habilita a
desejar o Sacramento do Batismo; ultrapassando as Leis da Natureza, o Senhor
faz que possam praticar um ato plenamente consciente e livre de desejo do
Batismo... Esta intervenção de Deus dar-se-ia em todos os casos apontados, de
modo que em absoluto não teria razão de existir o Limbo; tais pequeninos iriam
conscientemente ou para o Céu ou para o Inferno.
2) A lei da solidariedade reina entre as criaturas desde os primórdios da História; em
particular, os homens são solidários com dois Cabeças ou Chefes: o primeiro e o
segundo Adão, Jesus Cristo. É o que se deduz de Rom. 5, 12-21: por nossa união
com o primeiro Adão, prevaricador, fomos todos constituídos pecadores e réus
de morte; e por nossa comunhão com Cristo fomos dotados de nova santidade e
vida. Note-se, porém, que 'onde abundou o delito, aí superabundou a Graça' (v. 20); o primeiro Adão e
nossa solidariedade com ele não eram senão tipo do segundo Adão e da nossa
comunhão com Ele (Rom. 5, 18). O que quer dizer que a solidariedade com Cristo
é muito mais benéfica para todos os homens do que maléfica foi a solidariedade
com Adão.
Ora, este princípio deve influir também na
maneira de se apreciar a sorte eterna das criancinhas que morram sem Batismo.
Se as julgarmos relegadas para o Limbo, não deveremos confessar que a sua
solidariedade com o primeiro Adão foi muito mais íntima do que a sua comunhão
com Cristo?
É o que considera E. Boudes (Réflexions
sur la solidarité des hommes avec le Christ. À l'occasion des limbes des
enfants, em "Nouvelle Revue Théologique" 71, pp. 589-605, 1949), para
propor, finalmente, a seguinte opinião: a solidariedade de tais almas com
Cristo implica que o poder intercessor da Igreja, Corpo Místico, em que Cristo
continua a Obra da Redenção, valha a essas criancinhas a purificação e a
entrada no Céu. De fato, a Igreja, na sua liturgia, principalmente na
celebração da S. Eucaristia apresenta a Deus preces pela salvação de todos os
homens, pela redenção do mundo inteiro (cfr. as orações do Ofertório da Missa,
as do Ofício dos Pré-santificados na Sexta-Feira Santa). Ora, uma tal universalidade
de intenções não pode deixar de beneficiar também os pequeninos que faleçam
sem Batismo. Por conseguinte, conclui Boudes, é plausível admitir que a
intercessão jamais interrompida da Igreja supra, em favor dessas criancinhas,
os efeitos do Batismo, merecendo-lhes a Visão Beatífica. Esta teoria, ainda
observa o autor, não implica que a Redenção seja automaticamente aplicada às
ditas almas, pois ela requer a intercessão da Igreja, a qual, consciente e
livremente, estende os frutos da Cruz aos indivíduos. − Também esta teoria leva a
cancelar a existência do Limbo das Crianças.
Da nossa solidariedade com Cristo, H.
Schell, por sua vez, deduzia que o sofrimento e a morte das criancinhas não
batizadas são, em virtude da paixão voluntária de Jesus, um 'quase-sacramento'
de reconciliação, um certo Batismo de penitência, que supre o Batismo de água
(Katholische Dogmatik III. Paderborn, pp. 479s, 1893).
Ora, sendo este quase-sacramento a sorte
comum dos mortais, segue-se que todas as crianças, mesmo impossibilitadas de
receber o Batismo, são purificadas e admitidas à Visão Beatífica.
Ainda a seguinte sentença se poderia
notar:
O Cardeal Caetano (+ 1534), famoso teólogo
da polêmica anti-protestante, não queria negar propriamente a existência do
Limbo, mas diminuía consideravelmente o número de seus habitantes, propondo
uma tese que ainda hoje encontra fautores:
'Em caso de necessidade, para assegurar
a salvação das crianças, parece [note-se
a expressão cautelosa, não categórica] suficiente o Batismo expresso pelo
desejo dos progenitores apenas, principalmente se a este desejo se acrescenta
algum sinal exterior' (In Sum. Theol. III 63, 2).
E a principal razão
que levava Caetano a tal parecer, é a seguinte:
No Antigo Testamento os pequeninos
recebiam a remissão do Pecado Original primariamente mediante a Fé de seus
pais, que ofereciam os filhinhos a Deus. Para a prole masculina era, sim,
necessário que, oito dias depois de nascida, se lhe administrasse o rito da
circuncisão; mas, na opinião mais provável, mesmo os meninos que morressem
antes do oitavo dia, salvavam-se mediante a Fé de seus pais. Ora, não se pode
admitir que, após a vinda do Redentor, os meios de salvação se tenham tornado
mais exíguos, menos acessíveis aos homens. A Fé continua a desempenhar um
papel primordial na recepção dos Sacramentos de Cristo, meios de salvação do
Novo Testamento. No caso do Batismo das crianças é mesmo a Fé da Igreja e
(quando esta existe) a dos pais cristãos (não, porém, a Fé do sujeito batizado)
que possibilita o efeito do Sacramento (cfr. S. Tomaz, Suma Teol. III 68, 3 ad
1; 69, 6 ad 3). Pergunta-se então: será que a Fé Cristã na Revelação consumada,
messiânica, tem menos valor salvífico do que a Fé nos tipos e nas figuras do
Antigo Testamento?
Parece conveniente que a Misericórdia
Divina, em nossos tempos, lhe atribua ao menos a mesma eficácia que
antigamente. Ora, se sob a Lei mosaica a Fé dos pais de uma criancinha podia
salvar por si só, na impossibilidade de se administrar o rito exterior da
circuncisão, será que a hoje não pode salvar a uma criancinha a Fé de pais
cristãos que a ofereçam a Deus, impossibilitados de lhe proporcionar o
Sacramento? O Batismo de desejo concebido pelos pais não poderia suprir o
desejo inconcebível por parte da criancinha?
Dado o precedente da Antiga Aliança, a
resposta positiva não parece improvável a Caetano. No século 18 também houve
quem a sustentasse: assim, o cônego regular Eusébio Amort (+ 1776) e o Pe.
Inácio Luís Bianchi, clérigo regular.
'De remedio aeternae salutis pro
parvulis in utero clausis sine baptismate morientibus. Venetiis 1768. Conforme Bianchi, a criança que morra sem Batismo no
seio materno, é salva caso a genitora queira protestar, em nome do filhinho,
que este aceita a morte como prova de seu desejo de receber o Batismo'.
Em nossos dias o Pe. Héris, O.P., a propõe
de novo à consideração dos teólogos...
'Ch.-V. Héris, Le salut des enfants
morts sans baptême, em "La
Maison-Dieu" 10, pp. 86-105, (1947). Enquanto Caetano restringe a
teoria ao caso das crianças que morrem no seio materno, Héris a estende a
todos os casos de impossibilidade do Sacramento'.
A consequência prática que ela importa
para pais e mães cristãs poderão ser aceita: na impossibilidade de prover ao
Sacramento do Batismo para seus filhinhos moribundos, lembrem-se de
oferecê-los a Deus com Fé e com o desejo de vê-los participar da vida das Três
Pessoas Divinas. Quem sabe se esse Batismo de desejo, concebido pelos pais,
não aproveitará aos pequeninos?
Várias outras teorias têm sido propostas,
alargando cada vez mais as possibilidades de salvação das crianças; os autores
são prudentes nas suas expressões e professam docilidade a uma eventual
declaração da Igreja. Esta não se pronunciou contra a tendência às vistas
largas no assunto, nem mesmo contra alguma das soluções novas; é o que faz que,
hoje em dia, quem queira negar a existência do Limbo das Crianças, não possa
ser incriminado de erro na Fé; vai, porém, de encontro a uma sentença que
tem fundamentos notáveis no Magistério e na Tradição da Igreja.
Em particular, a teoria da iluminação
repentina (Klee e discípulos)
exige milagres contínuos da parte de Deus, exigência que é pouco condizente com
a sã mentalidade teológica, pois derroga ao conceito de Sabedoria Divina;
esta, tendo estabelecido as Leis da Natureza, não as viola senão
excepcionalmente. Quanto ao primeiro da solidariedade universal e íntima
com Cristo (para o qual apela Boudes), ele se salva perfeitamente na afirmação
de que também as criancinhas do Limbo ressuscitarão e serão configuradas a
Cristo, que é a Cabeça do Gênero Humano pelo fato mesmo da Encarnação.
Interessa-nos agora estudar a sorte das
almas que se supõem no Limbo.
§ 3. Em que consiste o Limbo
A questão se poderia também formular:
experimentam as almas no Limbo alguma dor, em consequência da qual devam ser
ditas infelizes para todo o sempre?
São Roberto Belarmino (+ 1621), seguindo a
escola agostiniana, assim como os primeiros teólogos escolásticos (séc. 12),
julgava dever responder afirmativamente: uma verdadeira tristeza por estarem
excluídas da Visão Beatífica acompanha as almas no Limbo.
'Dizemos que os pequeninos falecidos
sem Batismo experimentam uma dor de alma por perceberem que estão privados da
Bem-aventurança, separados do consórcio de seus irmãos e pais piedosos,
relegados para o cárcere inferior, devendo viver perpetuamente nas trevas.
O lugar (das ditas crianças) é o cárcere inferior, lugar
horrível e tenebroso, onde certamente não podem ser felizes os que aí habitam' (De
amissione gratiae 1. VI cc. 6 et 2).
O Santo Doutor julgava herética a opinião
contrária: 'De Fé Católica se deve crer que os pequeninos mortos sem
Batismo estão condenados e carecerão para sempre não só da Bem-aventurança celeste,
mas também da natural' (Ibd. c. 2).
O Santo Cardeal, porém, admitia que a
tristeza no Limbo é um tanto suavizada, pois:
a) as almas aí não têm consciência de haver perdido o Céu por culpa
própria; por conseguinte, não experimentam remorso;
b) nunca tendo fruído da felicidade celeste, não lhes dói muito a
exclusão da mesma, de mais a mais que só possuem aptidão remota para a Visão
Sobrenatural de Deus;
c) percebendo a horrorosa sorte dos réprobos, antes se congratulam por ter
escapado, mediante morte prematura, a tão tremenda desgraça.
A sentença de Belarmino ainda encontrou
adeptos entre os agostinianos posteriores (séc. 17/18), talvez influenciados
pelo rigorismo jansenista: Éstio, Berti, Noris, Petávio, Natalis Alexander e
Bossuet. Este se esforçou mesmo para que o Papa Inocêncio XII (+ 1700)
condenasse a obra do Cardeal Sfrondati 'Nodus praedestinationis dissolutus'
Romae 1687, a qual propugnava a isenção de penas no Limbo; nada, porém, conseguiu.
Os teólogos agostinianos, por causa desta sua tese, foram mesmo apelidados 'tortores
infantium', carrascos das crianças.
O Cardeal Noris chegava a precisar nos
seguintes termos os sofrimentos do Limbo:
'Muito suave e branda será a pena;
originar-se-á do fogo que aquecerá com certo incômodo as crianças, mas não as
queimará...: pois, que esses pequeninos não são réus senão de uma culpa hereditária,
serão atormentados por um calor graduado para causar mal-estar e sofrimento' (Vindiciae augustinianae. Veronae 1729 I 981).
Ao que o Pe. Perrone observa:
'Não sei que termômetro usou para
determinar com tal precisão esses graus de calor e intensidade' (Praelectiones theologicae. Parisiis 1824, ed. Migne
I 873).
Entre os pseudos-reformadores
protestantes, em particular entre os calvinistas, a sentença agostiniana foi
não somente propugnada, mas formulada em termos ainda mais severos. O mesmo
se deu entre os hereges jansenistas.
Hoje em dia, na Teologia Católica,
prevalece a tese de S. Tomás, que, de resto, é mais conforme ao conceito de
Pecado Original: o Limbo de modo nenhum importa em pena positiva, mas é mera
privação da Visão Beatífica. Deve-se mesmo dizer: a alma no Limbo é feliz por
possuir o fim último ou a bem-aventurança de que é capaz a Natureza Humana:
vê a Deus, não face a face, mas analogamente, ou seja, à semelhança de si
mesma.
A este propósito convém notar: qualquer
espírito separado do corpo tem por objeto imediato do seu conhecimento a sua
própria essência, e, através desta, à semelhança desta, é que conhece outros
seres. É este o caso das almas no Limbo; limitadas às potencialidades de sua
natureza, elas se aplicam à contemplação de Deus, o objeto mais nobre da
inteligência, mas só O podem considerar como que diminuído, reduzido à analogia
de um espírito criado (de uma alma
humana).
Tal visão de Deus, muito mais perfeita
do que a que se possa obter na Terra pela razão natural, é, sem dúvida, manancial
de alegria e bem-aventurança profundas.
Veja-se o seguinte texto de S. Tomás:
'Essas crianças nunca foram
proporcionadas à vida eterna; esta não lhes era devida nem em virtude dos
princípios da natureza, nem em razão de algum ato pessoal que as
proporcionasse a tão grande bem. Por isso, não experimentarão aflição por
estarem privadas da Visão Divina (Sobrenatural);
ao contrário, regozijar-se-ão por tudo que de bens naturais receberão da
Bondade Divina' (In II Sent. dist. 33, q. 2, a. 2 ad 2; cfr. De malo q. 5, a. 3).
Por isto, a alma no Limbo deve ser simplesmente
dita bem-aventurada.
Alguns teólogos quiseram atribuir às almas do Limbo um sopor espiritual,
como que a eternização da inconsciência do berço; somente assim é que as julgavam
poder eximir de aflição.
S. Tomás responde que essas almas, não tendo pecado pessoalmente, nada
perderam dos bens naturais. Ora, é natural à alma separada do corpo possuir um
conhecimento mais penetrante e perspicaz do que quando unida ao corpo (cfr. De
malo q. 5, a. 3).
Esta bem-aventurança, porém, não deixa de apresentar objetivamente um
caráter de pena, pois o que, conforme o plano de Deus estaria destinado às
crianças do Limbo, não é a felicidade natural, mas a Visão Beatífica. Não
entrar na Bem-aventurança Sobrenatural, mas ficar circunscrito às
possibilidades da mera natureza, significa, para o homem que Deus colocou na
História deste mundo, não mera negação; é autêntica privação ou carência, e
toda privação, em si, objetivamente falando, implica dor.
Os teólogos distinguem mera negação e privação, ou carência.
Mera negação é a ausência
de um bem não devido ao indivíduo, como a ausência de asas no homem; a mera
negação não é um mal nem, por conseguinte, motivo de dor.
Privação é a ausência
de um bem devido ao indivíduo, como seria a ausência de olhos no homem; a privação
é, sim, um mal e motivo de dor. Ora, a Visão Beatífica, desde que Deus, liberal
e gratuitamente Se dignou elevar o homem à Ordem Sobrenatural, tornou-se como
que o termo a que deve chegar
cada indivíduo humano. Não entrar, pois, na Visão Beatífica tornou-se assim
um mal e, objetivamente falando, motivo de dor.
Cfr. S. Tomaz, De malo,
q. 5, a. 1 ad 15:
'Um homem, no estado de natureza pura, não possuiria, depois da morte,
a Visão de Deus; mas isto não lhe seria uma sanção. Com efeito, uma coisa é não
ter um direito; isto significa apenas uma ausência, não uma pena; e
outra coisa é estar privado de um direito, o que significa uma
pena'.
O estado do Limbo, portanto, considerado em si ou objetivamente, significa
uma pena. Deus, porém, se digna fazer que as almas não o percebam subjetivamente
como pena ou motivo de aflição. E isto, por um postulado da própria
Justiça Divina: não seria conveniente que um indivíduo, pessoalmente inocente,
experimentasse o castigo devido a uma culpa da sua natureza ou do Gênero Humano
outrora incluído no primeiro pai.
Deste princípio se segue que as almas no Limbo podem de certo modo
(possibilidade que não sabemos se, de fato, se atua) conhecer a existência de
um estado superior ao seu, donde lhes vêm talvez mensagens; em absoluto,
porém, não sentem a privação desse estado. Uma vontade reta e ordenada só
deseja o que lhe é possível ou o que está na linha de sua natureza; ora, como a
Visão Beatífica é sobrenatural, excedendo o alcance das forças humanas, não é
objeto de desejo por parte das almas do Limbo, as quais, por conseguinte, não
se sentem frustradas por não a possuir; ao contrário, têm consciência de gozar
de tudo que a sua natureza possa desejar (cfr. S. Tomaz, In II Sent. dist. 33,
q. 2, a. 2 ad 2). Nem concebem inveja das almas Bem-aventuradas do Céu; antes
se alegram pela felicidade de que estas desfrutam.
São estas premissas que nos induzem a evitar a expressão 'condenação
ao Limbo', embora já tenha sido usada em Documentos antigos e de
autoridade. O Limbo não implica condenação, mas, sim, detrimento ou dano,
análogo ao que alguém experimenta quando, por fatores involuntários, lhe vê
escapar uma herança valiosa, herança, porém, à qual não tem nenhum direito.
Positivamente, completando o quadro de bem-aventuranças do Limbo, Léssio
(+ 1623) julga que as almas aí possuem um conhecimento insigne das realidades
materiais e espirituais; assim iluminadas, amam, louvam e agradecem ao Criador
por toda a eternidade:
'Na renovação (final) dar-se-á aos pequeninos um conhecimento muito mais perfeito do que o que possuímos nesta
vida. E isto para que aquela inumerável multidão de crianças não seja ociosa
dentro dos seus limites, nem pareça estar em vão no mundo, mas, conhecendo a
si e às outras criaturas, reconheçam claramente Aquele que as criou e criou o
mundo inteiro; conhecendo, O amarão, O louvarão e por toda a eternidade Lhe
darão graças pelos benefícios recebidos' (De perfectionibus divinis 1. XII
c. XXII n. 144s. Parisiis 1881. 444).
O mencionado Cardeal Sfrondati chega a sustentar que a inocência
pessoal, jamais perdida pelas criancinhas do Limbo, constitui, da parte de
Deus, um benefício maior do que a Graça Sobrenatural em certos casos, pois esta
não raro é dada depois do pecado pessoal:
'Esse benefício da inocência pessoal e da isenção
do pecado é tão grande que as criancinhas prefeririam ser privadas da Glória
Celeste a cometer um só pecado; e todo cristão deve pensar assim. Por
conseguinte, não há motivo de nos queixarmos ou afligirmos a respeito desses
pequeninos, mas convém antes louvar e agradecer a Deus a propósito dos mesmos' (Nodus praedestinationis dissolutus. Romae 1687, 120).
Alguns teólogos ainda propuseram opiniões pessoais sobre a felicidade do
Limbo:
O Cônego Didiot, por exemplo, está 'disposto a crer que são
possíveis, e mesmo freqüentes, relações entre o Céu dos Justos e o Limbo das
Crianças; que o vínculo do sangue conservará sua força na eternidade e que a
família cristã reconstituída na Bem-aventurança não será privada da alegria de
encontrar de novo e amar os seus pequeninos associados de outrora' (Morts
sans baptême. Lille 1896, 67s.).
Jarett, O.P., prefere admitir visitas das crianças a seus pais na Bem-aventurança
celeste antes que a ida dos pais ao Limbo dos pequeninos (House of God 167).
Esses produtos da imaginação comprometeriam o que há de sério e belo na
doutrina do Limbo, caso se lhe desse grande atenção.
No dia da Ressurreição Universal, as almas do Limbo serão de novo unidas
aos seus corpos, os quais passarão a participar da sorte daquelas. As crianças
ressuscitadas serão mesmo configuradas a Cristo, não enquanto o Senhor Jesus é
o Princípio da Graça e da Glória sobrenaturais (no Limbo estes dois bens não
existem), mas na medida em que Cristo se tornou, pela Encarnação, a Cabeça do
Gênero Humano, o Homem-Modelo.
Pode-se aplicar às crianças do Limbo o ensinamento seguinte de S. Tomaz:
'Os homens bons e os maus estão todos configurados
a Cristo aqui na Terra pela constituição de Sua natureza, senão pela Graça; por
conseguinte, todos Lhe serão configurados mais tarde quanto à reconstituição da
vida natural; além disto, os homens bons também Lhe serão configurados pela
semelhança da Glória' (In IV Sent. dist. 43, q. 1, a. 1, quaest. 2
ad 3).
Pergunta-se se as criancinhas do Limbo, ressuscitadas, participarão do
Juízo Final. A esta questão quatro respostas têm sido dadas:
a) as crianças do Limbo
comparecerão ao Juízo Universal, onde serão advertidas da existência do Céu, o
que nelas gerará a tristeza característica de seu estado. É esta a sentença de
São Roberto Belarmino e sua escola, hoje em dia pouco aceita;
b) as crianças
comparecerão ao Juízo Universal e tomarão, sim, consciência de que existem o
Céu e o Inferno. Todavia, a sua absoluta conformidade com os misteriosos
desígnios da Providência impedirá que se entristeçam por não gozarem da Visão
Beatífica. Reconhecerão em sua própria sorte a obra da Justiça, da Sabedoria e
da Bondade de Deus. Alegrar-se-ão mesmo simplesmente por ter escapado à
condenação eterna mediante a morte prematura;
c) as crianças não
comparecerão ao Juízo Universal, já que o objeto deste são as obras moralmente
boas ou más (cfr. S. Mt. 25), coisa de que são incapazes os pequeninos. Não
participando do último Juízo, não tomarão conhecimento de que os Justos possuem
a Bem-aventurança Sobrenatural e, em conseqüência, nenhuma dor experimentarão
por seu próprio destino;
d) os discípulos de S.
Tomás respondem sobriamente: dado que as almas do Limbo compareçam ao Juízo
Final (mera possibilidade), certamente Deus não lhes revelará a existência da
Visão Beatífica; por harmoniosa disposição da Providência, nunca saberão que
existe o Céu (cfr. S. Tomaz, De malo q. 5, a. 2; Suarez, De peccatis et vitiis
disp. IX sect. VI).
Quanto à duração do Limbo, não há dúvida de que não
conhecerá termo, já que, conforme um princípio geral e firme da teologia, a
morte assinala a cada indivíduo o seu estado definitivo. Admitir que as almas
do Limbo possam passar para a Bem-aventurança celeste é contradizer a esta
verdade assim como à tese, constante na Tradição Cristã, de que é preciso ao
menos o Batismo de desejo para entrar no Céu.
Minges, em 1922, no seu 'Compendium Theologiae Dogmaticae specialis',
afirmava ser possível que as almas do Limbo cheguem à Visão Beatífica, caso
homens justos na Terra por elas ofereçam os Méritos e o Sangue precioso de
Cristo.
'Forsitan possibile sit eos (pueros) salvari si homines iusti viatores
pro eis merita et pretiosum sanguinem Christi Deo offerunt' (T. II 141-4).
A única razão
apresentada pelo autor em favor de sua tese é a necessidade de abrir as portas
do Céu tão largamente quanto o Dogma Católico o permite... No caso, porém,
parece que o alargamento é vedado pelos princípios dogmáticos acima citados.
§ 4. Conclusão
De quanto acaba de ser dito, bem se depreende que a
Doutrina do Limbo nada tem que deva suscitar hesitação ou repulsa num sadio
espírito teológico.
Depois de tudo, porém, ainda se poderia perguntar: por que criou Deus
criancinhas que Ele sabia morreriam prematuramente sem poder atingir a Visão
Beatífica?
A resposta a esta questão, como a de outras
semelhantes, pressupõe o conhecimento cabal do plano de Deus, cuja sabedoria
transcende a capacidade humana; é preciso, pois, renunciar à explicação deste
pormenor. Basta-nos ter consciência de que a criação das criancinhas do Limbo
não implica, em absoluto, injustiça da parte de Deus: com efeito, o Céu
representa um estado de felicidade que ultrapassa as exigências da natureza
humana. Por conseguinte, não devendo a Bem-aventurança celeste a ninguém, Deus
é livre de conferi-la a quem Ele queira e como Ele queira; não é, pois, injusto
por não outorgar a todos o que Ele não deve a ninguém. Os indivíduos que, por
falta do pré-requisito normal, o Batismo, não entram no Céu, não são por isto excluídos de uma autêntica felicidade, correspondente
às aspirações da sua natureza, felicidade que, sem dúvida, constitui motivo de
profunda gratidão para os que dela gozam. O que está na linha da sua natureza,
essas almas o possuem, dando-se por plenamente satisfeitas com tais bens. A
felicidade que toca às crianças no Limbo é muito preferível à não-existência.
Graças por isto sejam dadas a Deus!”.
Fonte: D. Estêvão T. Bettencourt, O.S.B., "A Vida que começa com a Morte", Part. I, Cap. VII, pp. 117-129, Livraria AGIR Editora, Rio de Janeiro, 1955).
Capítulo 4
Brevíssimo
Catecismo
sobre o
Limbo das
Crianças
Do lugar destinado aos que
não são julgados:
O Limbo das Crianças
1) Há homens que, ao morrerem, não são julgados?
R= Sim, senhor; todos os que, por qualquer motivo, não tiveram uso da razão (LXIX, 6).
2) Correm todos a mesma sorte?
R= Não, senhor; porém, também não se lhes dá
destino diverso, no ato do Juízo, em atenção aos seus méritos ou deméritos.
3) Logo, a que se atende?
R= A que uns hajam recebido o Batismo e outros não.
4) Para onde vão os que o recebem?
R= Para o Céu diretamente.
5) E os que o não recebem?
R= Para um lugar especial conhecido com o nome de Limbo.
6) É o Limbo lugar distinto do Purgatório e do
Inferno?
R= Sim, senhor; porque ali não se padece a pena do sentido, pelos
pecados pessoais (Ibid.).
7) Padece-se ali a Pena de Dano?
R= Sim, senhor; porque os seus habitantes compreendem que estarão eternamente
privados da felicidade proveniente da Visão Beatífica, se bem que neles não
reveste o caráter de suprema tortura, como nos condenados ao Inferno (Apêndice, 1, 2).
8) Por que esta diferença na dureza da Pena de
Dano?
R= Porque os condenados do Limbo compreendem que, se estão privados da
Visão Beatífica, não é em castigo de qualquer pecado pessoal, mas por serem filhos
de Adão pecador, isto é, pelo pecado de natureza que pessoalmente contraíram
pelo simples fato de terem nascido (Ibid.).
9) Logo, conhecem os Mistérios da Redenção?
R= Certamente que sim, ainda que o conhecimento que deles tem é superficial
e puramente externo, se assim nos podemos exprimir (Ibid.).
10) Podemos dizer que possuem a luz da Fé?
R= Se por luz da Fé entendemos a claridade interior sobrenatural que
aperfeiçoa a inteligência e de algum modo lhe permite penetrar no mais íntimo
dos mistérios, e sentir no seu conhecimento gosto e complacência sobrenaturais
e desejo eficaz de possuir o que se crê, não, senhor; posto que conheçam as
verdades da Fé especulativamente, à maneira dos que estão convencidos da
verdade da Revelação, porém, incapacitados para crê-la sobrenaturalmente e
aprofundar-se no seu conhecimento, por faltar-lhes o impulso da Graça.
11) Logo, podemos dizer que vêem os Mistérios da
Fé à claridade de uma luz mortiça e fria que não tem cores nem comunica vigor?
R= Sim, porque, nem é luz a cujos resplendores se destaquem as negras cores
da ingratidão, nem que ocasione acessos de raiva impotente como a raiva dos
condenados, nem calor de adesão, de esperança e de caridade como a dos justos
na terra, nem a luz ardente e embriagadora da felicidade que ilumina os Santos
no Céu; é uma luz sem radiações sobrenaturais, sem esperança, que não causa
remorso nem pesar, e que se limita a dar-lhes conhecimento da existência de um
bem que não lhes pertence, de uma felicidade que jamais possuirão, notícia que
não lhes causa tristeza, pranto, nem ranger de dentes; pelo contrário, experimentam
intensa alegria, ao pensar nos dotes e qualidades naturais recebidas de Deus e
nas da mesma ordem com que as dotará o dia da Ressurreição (Ibid., ad 5).
12) Não fala a Igreja de outro Limbo situado
junto ao das crianças que morrem sem Batismo?
R= Sim, senhor; o Limbo em que aguardavam a vinda do Redentor os justos
completamente isentos de estorvos pessoais para entrar no Céu.
13) Está agora desabitado?
R= Recordando que Jesus Cristo baixou a esse Limbo no instante de Ressuscitar,
levando consigo as almas dos que ali estavam detidos, é evidente que não tem
nem pode ter o primitivo destino; pode ser, sem embargo disso, que hoje sirva
de morada aos inocentes, formando um só com o Limbo das Crianças.
Fonte: R. Pe. Tomás Pègue, O.P., "Suma Teológica de S. Tomás em forma de
Catecismo, para uso de todos os fiéis", Part. III, Cap. XLVIII, pp. 255-257).
Capítulo 5
Místico diálogo da Alma,
com Deus,
que morre só com o
Pecado
Original.
“Diálogo do homem que
é concebido no ventre materno e por infortúnio não nasce à luz do dia e, sem
receber o Sacramento do Batismo, vai sua alma para o Limbo, casa de sua
eternidade”(Fr. Antônio do Sacramento).
Místico Diálogo da Criatura
com o Criador
“Que aos 40 dias, pouco mais ou menos,
sendo varão, ou aos 80, sendo fêmea, é criada a alma imediatamente por Deus e
infundida no corpo organizado no ventre materno, e ficam os dois, corpo e alma,
uma criatura humana vivente. No mesmo instante, ao nosso modo de explicar, fala
a alma com Deus, que a criou do nada, à Sua semelhança, e lhe rende as graças
por tão grande benefício, submergida no profundo conhecimento do seu nada e no
claro conhecimento do imenso mar do Ser Divino.
► Alma: Senhor
de infinita grandeza, (diz a alma falando com Deus), que a tudo o que tem ser
criastes do nada, para glória Vossa: rendo-Vos as graças pelo incomparável
benefício de me criardes do nada, e de me fazerdes à Vossa semelhança. Donde
mereci, meu infinito bem, gozar de tão grande benefício? Neste instante próximo
passado era nada, se é que o nada tem ser: e agora sou um espírito perfeito,
mui semelhante aos espíritos angélicos na sua criação. Já sei, pelo
conhecimento que me dais, que sou criada para Vos gozar por toda a eternidade,
e para Vos honrar, por serdes digno de toda a honra e glória. Mas ai de mim,
Senhor, que visto ser preciso unir-me com este corpo, organizado por virtude da
natureza no ventre materno, com especial concurso da Vossa providência, receio
muito, que me seja contrário nos progressos da vida, e que venha, por causa de
seus apetites, a perder-Vos por toda a eternidade! É possível, meu Deus, que,
sendo criada em vosso agrado, tão pouco tempo hei de lograr este bem! Que no
instante, que me unir a este corpo, imundo pelas imperfeições da natureza
corrupta e horroroso pelas máculas da culpa, hei de ficar asquerosa aos Vossos
Divinos olhos! Que sem remédio hei de contrair o reato da culpa de Adão e Eva,
só com me unir a este corpo, que deles traz sua origem! Que hei de ficar
exposta a tantos trabalhos da vida humana, em perigo de vos perder por toda a
eternidade! Com tudo, Senhor, rendo-me de boa vontade às Vossas divinas
determinações; pois conheço que são inescrutáveis Vossos juízos (Apoc. 16, 7).
Levado da Sua infinita bondade, fala
Deus à alma e a consola, para que entre a informar o corpo, por ser isto muito
do Seu divino agrado.
► Deus: Filha
Minha, a quem do nada criei à Minha semelhança, e a quem tenho um amor
infinito. Bem vejo que és mais escolhida que o sol, mais formosa que a lua e
mais resplandecente que a estrela d’Alva (Cânt. 6, 9); e que, com a união que
estás para fazer com este corpo, imundo pelo pecado, hás de ficar asquerosa
como lepra, e horrorosa como a noite escura; porém, atendendo à Lei que pus a
Adão e Eva, como eles transgrediram o Meu Preceito, não há remédio senão que
informes esse corpo amaldiçoado, e que fiques contraindo a culpa de Adão.
Executa com submisso rendimento esta Minha determinação, que te darei meios,
como dei aos primeiros pais, para que chegues a lograr a Minha Bem-aventurada
vista, com mais realce da Minha graça. Dou-te a vontade livre, para que,
chegando tu e o corpo, teu companheiro, à luz do dia e à luz da razão, escolhas
o que melhor te estiver a gosto, ou salvação ou condenação eterna. Para te segurares no melhor partido: na
Minha Igreja tens uma Lei e um Batismo, os quais, juntos com boas obras, são
porta franca para a Minha glória (S. Jo. 3, 5). Entra já, e não temas.
Novamente falando a alma com Deus, lhe
expressa seus temores, para entrar à união do corpo.
► Alma: Muito
me agradará, Senhor e Deus meu, o dar cumprimento à Vossa divina Vontade, que
devo antepor a todo o meu desejo; porém, oh, quanto temo que a entrada neste
corpo hediondo seja para minha perdição eterna! Este corpo sempre será
contrário ao espírito; e só por milagre da Vossa Divina Onipotência se
sujeitará às leis da razão. De certo teremos uma guerra contínua toda à vida
(Jó 7, 1), ainda que espere na Vossa infinita bondade o subjugarei, quanto for
possível, para que siga as leis da razão, e não as do apetite, em termos que se
siga a Vossa glória, e eu chegue a lograr a Vossa vista. Mas ai, que não sei se este corpo, que me mandais informar, para que
tenha espírito de vida, é gerado de pais gentios, ou de maometanos, ou de
hebreus, ou de hereges, ou de cismáticos, que não Vos conheçam ou não Vos amem!
E, neste lance, dificultosa será a minha salvação; porque, pela criação, que
nos hajam de dar, ficarei instruída em erros, sem o Vosso santo temor, sem
conhecimento de Vosso Santo Nome e sem Batismo e quando não seja condenada a
penas eternas, por não ter cometido pecados atuais em matéria grave, ficarei
sem gozar para sempre da Vossa vista! Ó Senhor, a quem adoro submergida na
profundeza do meu nada: que é isto, a que me expõe Vossa ciência infinita?
Responde Deus à alma e lhe diz: que não
esquadrinhe os inescrutáveis segredos da Sua Providência!
► Deus: Não
te compete, Minha filha, saber os segredos da Minha Providência. Sou Senhor
Onipotente; e na Minha poderosa mão está o fazer vasos de escolha ou de
injúria: sem fazer injustiça aos vasos, não obstante serem todos fabricados do
mesmo barro (Rom. 9, 21). Determino-te que informes este corpo, e com tua união
fique em estado de vivente; e assim como
receias que seja oriundo de pais que, pelos seus maus costumes, te desviem da
Minha Lei e da Minha Graça, e que sejam causa motiva da tua condenação eterna:
também podes informar um corpo oriundo de pais virtuosos, que te dirijam pelos
caminhos da santidade, e gozes para sempre da Minha gloriosa vista. O certo é
que, ou os pais deste corpo que informas sejam bons ou maus, se morreres sem
Batismo, será a tua sorte a de ires ser habitante do lugar do Limbo, nas
profundezas da terra, até o dia Juízo; e se chegares a sair à luz do dia e à
luz da razão, na tua vontade fica escolher boa ou má sorte, ou de salvação ou
de condenação: pois não hei de faltar em te assistir com todos os meios para te
salvar. Ainda que em Minhas mãos poderosas estejam todas as boas sortes, na
vontade, que te deixo livre, está o poderes escolher da Minha mão uma sorte
boa. Entra já a informar este corpo, e não inquiras mais os segredos da
Minha Providência; porque estes não estão subordinados à vontade das criaturas
e só saem à luz, quando são executados pelas Minhas determinações soberanas.
Fala a alma ao corpo, antes de o
informar; expressando o grande horror que lhe tem.
► Alma: Irmão
corpo, a quem vejo, como sepultado, no apertado túmulo do ventre materno, cheio
de fealdades, tendo mais demonstrações de monstro, do que de homem: a quem tua
mãe, pouco tempo há, concebeu em pecados, elevada em seus apetites: Dou-te
parte, que és, e não outro, aquele a quem, por determinação da Divina Vontade,
venho informar com espírito de vida. Comigo hás de viver unido, e inseparável,
em todo o tempo que formos peregrinos no mundo. Por esta união ficarei (oh
desgraça maior) contraindo o Pecado
Original, que tu e teus ascendentes contraíram em Adão (Rom. 5, 12).
Uniformemente seremos participantes dos trabalhos e dos gostos da vida: e
depois da morte, a que ficamos sujeitos, seremos participantes, a seu tempo, ou
da salvação ou da condenação, por séculos sem fim. Hás de entender, irmão
corpo, que sou um espírito nobilíssimo, criado imediatamente por Deus, e que tu
és vil, oriundo da terra, vaso de barro e frágil. Se, pelo benefício de te dar
alentos de vida e te associar a mim com estreita união, me fores fiel
companheiro, conseguiremos uma boa sorte, que é, na vida mortal, amar a Deus e
depois na vida, que esperamos, o goza-Lo para sempre. No meu domínio e na tua
obediência, estará a nossa dita.
Responde o corpo à alma, agradecendo-lhe
o benefício de o fazer vivente e de admiti-lo à sua companhia.
► Corpo: Nobilíssimo
espírito, imediatamente criado por Deus, com evidentes demonstrações de Sua
imagem: Seja em boa hora a tua vinda a informar-me com espíritos de vivente.
Faço-te saber que sou tão miserável, que, tendo minha origem da terra, e neste
cárcere materno, onde me vês, tenho aparências de monstro. Tão hediondo estou,
que, se desta sorte, que me queres informar, fosse visto do mundo, a todos
causaria espanto. Porém, rogo-te, alma, que me infundas os espíritos de
vivente; que espero no Senhor, que te criou, de te ser fiel em tudo.
Advirto-te, que não te fies nas minhas promessas; porque, como sou barro (Gên.
5, 19), sou quebradiço, e como sou pó, qualquer vento me leva, e tudo depois
acaba em ruína. Bem conheço a diferença que há entre mim e ti: que eu sou corpo
caduco, e tu és espírito perfeito; eu sou criado, e tu és senhora; eu sou vil,
e tu és nobilíssima; imortal, à tua parte compete o mando, e à minha, a
obediência. Se me tratares com rigor, serei fiel servo; e se me lisonjeares com
amor, ser-te-ei ingrato. Usa alma, do teu direito, se queres ter em mim
domínio: eu estou pronto para te obedecer; porém, não faltes em me subjugar.
Havendo entre nós esta economia, haverá em nós vida, graça e glória.
Informa a alma ao corpo, e ficam um
composto vivente, companheiros inseparáveis por toda a vida.
► Alma: Sem
demora, irmão corpo, te dou alentos de vida; porque assim o determina o Autor
da Natureza e da Graça. Recebe em boa paz este íntimo abraço que te dou. É tão
íntimo e apertado este abraço, que durará em perfeita união por toda a vida
caduca, e depois do Juízo Final durará, com nova reunião, por toda a
eternidade. Oh, praza à Majestade Divina, que esta nossa união seja para glória
eterna, e não para eterna pena! Irmão corpo: Enquanto estivermos encerrados
neste cárcere materno, me sujeito a todos os teus movimentos; porque me acho em
estado de não poder usar de minhas potências. Estou adormecida, mais com
aparências de morta, do que com realidades de viva: porém, se sairmos à luz do
mundo, usarei a seu tempo do meu direito. Espero que me reconheças por senhora,
e a ti por servo, para que, em tudo, trabalhemos com acerto, e Deus seja em nós
glorificado.
Alma e corpo agradecem a Deus o estado
de viventes, em que se acham no ventre materno: lamentando-se da sua prisão e
do perigo, em que existem, de não saírem à luz do dia, pelo nascimento, e à luz
da Graça, pelo Batismo.
► Alma e Corpo: Altíssimo
Deus, Criador de tudo e Salvador nosso: Infinitas graças Vos sejam dadas pelo
incomparável benefício de nos tirardes do nada para o ser, e de nos dardes
alentos de vida. Aqui estamos em perfeita união neste cárcere materno, rendidos
às determinações de Vossa Santíssima Vontade; e intimamente desejamos que se
cumpra em tudo que for de glória Vossa. Pedimo-Vos, porém, se não encontra
Vossas Divinas determinações, que nos livreis de perigos de vida nesta escura prisão;
pois são sem número os que nos acometem: e será grande desgraça nossa não
chegar pelo nascimento à luz do dia, para conseguirmos pelo Batismo a luz da
Graça e ficarmos em via de merecer a Vossa glória. Senhor valha-nos a Vossa
poderosa mão, para que saiamos deste miserável mar às praias do mundo, e que
não aconteça que, por descuido de nossa mãe, ou por algum infortúnio, passemos
deste escuro cárcere para as regiões da eternidade, sem esperança de lograr o
bem de Vossa Bem-aventurada vista.
Consola Deus aos dois companheiros, alma
e corpo, animando-os, para que estejam conformes com Sua Santíssima Vontade em
todo o infortúnio, que lhes possa acometer no ventre materno.
► Deus: Criaturas
Minhas, a quem fiz à Minha semelhança, e a quem dei o ser e a vida, por altos
fins da Minha Providência: Chegam a Meus ouvidos vossas vozes, e ferem Meu
Coração vossas misérias. Tende paciência nos trabalhos e confortai-vos nos
infortúnios. Ide continuando os movimentos de viventes nesses apertos do útero
e nessas escuridades do ventre, para que a seu tempo chegueis a sair à região
dos peregrinos. A natureza, de quem Sou Autor, também concorrerá com o que lhe
toca à sua parte; causados pela negligência dos pais e pela malícia das
criaturas. Com minha mão poderosa poderia desviar tudo; porém, como deixo obrar
as causas segundas, por não revogar as Minhas determinações primeiras, daí se
segue ficarem algumas vezes frustradas muitas coisas, que determinava em bem de
Minhas almas. Dou-Vos a Minha Santa Bênção, e continuai com o movimento de
viventes neste lugar em que vos achais.
Por descuido da mãe, ou por indisposição
da natureza, ou por industriosa malícia de alguma criatura, morre no útero o
feto animado; e em tal infortúnio se aparta a alma do corpo, caminhando um e
outro para o seu lugar determinado, e lamentando sua infelicidade.
► Alma: Irmão
corpo (lamenta a alma), com quem, poucas horas, ou poucos dias, ou poucos meses
há, me uni tão estreitamente: É possível que, entre tantas almas e corpos que,
ao depois de criados, tiveram a felicidade de sair à luz do dia, de receberem a
luz da Graça, de terem a luz do da razão, de possuírem a luz da Fé e de gozarem
a luz da glória, só nós não havíamos de ter esta alegria! Deste escuro cárcere do ventre materno, onde estamos com prisões tão
apertadas, havemos de ir, tu para um monturo, a converter-te em terra, e eu
para o Limbo, para estar na companhia de outras almas, pouco afortunadas, a
esperar em obscuridade a vinda do Senhor a Juízo Final, para sermos outra vez
reunidos, sem esperanças de ver a Divindade do Altíssimo por toda a eternidade!
Vai, irmão corpo, seguindo o teu caminho para este monturo: converte-te em
terra (Gên. 3, 19), e nela descansa
até o Juízo Último; que então virei informar-te outra vez, para sermos inseparáveis
companheiros no lugar, à que Deus nos mandar ter nossa habitação por toda a
eternidade.
Despede-se também o corpo da alma,
lamentando sua desgraça em não chegar à luz do dia e em perder o direito da
glória.
► Corpo: Alma
minha e muito amada senhora: Oh, quanto glorioso estava, por me teres dado
alentos de vida, e por possuir a esperança de merecer no mundo com boas obras a
Bem-aventurança eterna! E agora quão triste me afasto da tua sociedade! Vou ser
lançado na terra, como se fosse terra; e a mesma mãe, que me concebeu, é a
primeira que aborrece minha presença. Serei lançado em um monturo com nojo, e
quando falarem em mim será com espanto. Serei desprezado, como se não chegasse
ao ser da vida, e minha lembrança ficará sepultada na mesma terra, onde me
derem o jazigo. Vou esperar nesse monturo a Ressurreição dos Mortos; e então
virás com virtude superior informar esta pouca terra, que de mim se conservará,
e ressurgirei melhorado; porque por virtude Divina crescerei a estatura
perfeita, sem estas imperfeições, que agora tenho. Esse será o dia, em que nos
ajuntaremos com união tão inseparável, que jamais nos dividiremos por séculos
sem fim. É verdade que seremos sempre acompanhados da pena de não podermos ver
a Deus na glória, ainda que, com todos os mais filhos de Adão, teremos a
alegria de ver no dia do Juízo ao Redentor do Mundo, Jesus Cristo Nosso Rei (S.
Mat. 24, 30), não quanto ao Ser Divino, senão quanto ao ser Humano. Depois de
assistirmos ao Juízo Universal e de vermos a Cristo, triunfante de Seus
inimigos, subir com Glória e Majestade para a Bem-aventurança, com todos os
Anjos e Justos na Sua Companhia; e depois de vermos submergidos nas entranhas
da terra aos condenados e ficarem nos Infernos penando por toda a eternidade
(S. Mat. 25, 41): ficaremos no nosso competente lugar para sempre, com todos os
mais corpos e almas, a quem coube esta nossa sorte. Vai com Deus, alma, para
esse cárcere do Limbo, louvar aos altos juízos do Senhor; que eu cá te espero
para a ressurreição geral, e serás para sempre minha inseparável companheira.
Parte a alma para o Limbo, lugar no
centro da terra, e mutuamente se saúda com as almas, que estão naquele lugar,
consolando-se com a sua sorte.
► Alma: Almas,
que estais encerradas neste estreito lugar do centro da terra: Aqui sou chegada
à vossa companhia, para vos fazer perpétua sociedade na vossa pena. A vossa
sorte em tudo foi como a minha: disposições foram do Altíssimo, cujos segredos
são incompreensíveis ao entendimento criado. Consolemo-nos umas com as outras, e
rendamos contínuos louvores ao Senhor, que assim foi servido. Esta consideração
nos alentará neste lugar; porque suposto não seja bastante para nos aliviar a
saudade, procedida da certeza de não podermos ver a Face de Deus, sempre nos
consolará na nossa pena; e porque estamos livres da mágoa, que tem os que
ofenderam ao nosso Criador com alguma culpa atual. Não nos seja pesada esta
prisão, até a Segunda Vinda do Senhor, a julgar ao mundo; pois os Santos Padres
antigos também experimentaram aqui semelhante prisão, até a Primeira Vinda do
mesmo Senhor a remir com Sua Morte aos homens do cativeiro do pecado. Algum dia
há de ter fim esta nossa prisão, e dizem que será para o dia do Juízo Final,
quando cada um de nós for informar, por virtude Divina, o corpo, seu antigo
companheiro, para viver com ele de sociedade para sempre. Iremos naquele
tremendo dia com os mais filhos de Adão a juízo, unidas aos nossos corpos (S.
Mat. 25, 32): e então teremos a consolação de ver ao nosso Criador, a Maria
Santíssima, Sua Mãe e nossa Irmã, aos Anjos, aos Bem-aventurados, e aos nossos
pais, parentes e irmãos, dos quais pode ser que uns subam em triunfo com o
Redentor para a Glória, e outros desçam em confusão com Lúcifer para o Inferno.
Então, segundo se afirma, ficaremos povoando o mundo reformado e vivendo em
contentamento e alegria, como haviam de viver os nossos primeiros Pais no
Paraíso, se não decaíssem da Graça Original. Também, segundo a mais pia
opinião, veremos daquele lugar onde habitarmos, a Humanidade de Cristo Senhor
Nosso na Bem-aventurança, a presença de Maria Santíssima e a dos
Bem-aventurados. Porém (ó saudade sem limite), não veremos a Divindade e Glória
de Deus; porque não tivemos a fortuna de entrar na Igreja Militante pela porta
do Batismo e pela luz da Fé, que são as portas, por onde o Senhor franqueia a
entrada para a Bem-aventurança. Consolemo-nos, caríssimas irmãs, pois assim o
dispôs o Altíssimo; e como esta é a nossa fortuna, determinada pela Sua Divina
Vontade, devemos conformar-nos com ela e fazer ao mesmo Senhor contínuas
canções de louvor e glória.
Correspondem as almas do Limbo à alma,
sua nova companheira, com semelhantes consolações.
► Almas do Limbo: Nossa irmã caríssima: Bem-vinda sejais para a nossa sociedade.
Agradecemos muito a consolação, que nos dais nas vossas palavras, fundadas em
tanta razão e em tão bons princípios. Muitas de nós aqui estão encarceradas há
muitas centenas de anos, e sempre temos estado conformes com a Vontade Divina.
Serve-nos de grande consolação considerarmos que isto foram disposições do
Altíssimo para glória Sua. De certo entendemos que o Senhor nos fez uma
incomparável mercê em nos criar do nada à Sua semelhança e que, suposto não
esperemos gozar da Sua Divindade, sempre temos a confiança, que havemos de
gozar para sempre da Sua Bênção e do Seu Amor. Depois que informarmos os nossos
corpos na Ressurreição Geral, teremos os dotes naturais em grau perfeito, e
gozaremos neste lugar, que Deus nos permitir, que dizem será o mundo reformado,
todas as delícias castas e divertimentos honestos. Serão tais estes regozijos,
que nunca haverá no mundo semelhantes, enquanto for habitado dos mortais; e
segundo já nos insinuastes, teremos, conforme a opinião de alguns autores,
grandes consolações com a vista da Santíssima Humanidade de Cristo, de Maria
Santíssima, dos Anjos e dos Bem-aventurados. Os astros e planetas, que sempre
seguiram seu curso, nos darão benignas influências, e os elementos nos serão em
extremos saudáveis. Veremos desta nossa habitação estes horrendos calabouços, principalmente
o lugar e os tormentos dos condenados, sem termos da sua desgraça alguma pena,
porque eles assim o mereceram pelas suas culpas. Com muitas danças honestas e
canções devotas, louvaremos ao Senhor em alegria e, desta sorte, aliviaremos a
saudade de não ver a Sua Divina Face. Passarão as continuadas rodas dos séculos
e voltarão a principiar, sem nunca terem fim; e em disposição perfeita, com
notável agilidade, e com grande contentamento, viveremos enquanto Deus for
Deus. Esta é a sorte, que nos espera depois de sairmos deste cárcere
subterrâneo, e dela gozaremos, nós que somos milhões de almas que aqui estamos:
sendo a causa desta nossa sorte, em umas, o não chegarem a ver a luz do dia;
porque expiraram no ventre de suas mães; em outras, porque nasceram ao mundo e
morreram sem Batismo; e, em outras, porque sendo filhas de gentios, maometanos,
hebreus e de hereges, acabaram a vida sem Batismo e sem cometerem culpa
mortal”.
Fonte: Fr. Antônio do Sacramento, da Sagrada Religião dos Observantes da Província de Portugal, “Ventura do Homem Predestinado e Desgraça do Homem Precito”, Diálogo I, pp. 15-29, 1ª Edição Brasileira, Ed. Vozes, 1938.
3 comentários:
Gosto muito do tema e agradeço a compilação de informações aqui colocada. 10/10/2024.
Existe parte 2?
PARTE 2: https://cumpetroetsubpetrosemper.blogspot.com/2012/04/o-limbo-das-criancas-2-parte-conclusao.html
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