Nossa Senhora de La Salete
Dois artigos de Dom Paulo Sérgio
Machado, ordinário de São Carlos, São Paulo. Lá também, como em muitos
outros lugares do Brasil, não chegou a carta do Santo Padre dirigida aos bispos que acompanha o Motu Proprio Summorum Pontificum. Embora os cientistas ainda não tenham “inventado um aparelho para abrir cabeças”, muitas delas “de vento”, sua leitura lançaria algumas luzes sobre as trevas da ignorânciaque cobrem a mente um tanto “fora de linha” do senhor bispo.
O Retorno à Idade Média
Não consigo entender como, em pleno século XXI, existam pessoas que querem a volta da Missa em latim,
com o padre celebrando “de costas para o povo”, usando os pesados
paramentos “romanos”. Estamos celebrando, neste ano, os cinqüenta anos
da abertura do Concílio Vaticano II,
quando já sentimos a necessidade da realização de um Vaticano III e encontramos gente que quer retornar ao passado. E, o que é mais preocupante,
são pessoas que freqüentaram a universidade, que entraram na universidade, mas a universidade não entrou neles. Penso que é hora de os nossos cientistas
inventarem um aparelho para “abrir cabeças”.
O “desconfiômetro” já está ultrapassado, mesmo porque estas pessoas não
desconfiam que estão “fora de linha”, “fora de época”. Querem, a todo
custo, a volta ao passado. Vivem de milagres e aparições, de devoções e
pieguismo já, felizmente, ultrapassados.
Imaginemos um padre celebrando em latim numa capelinha rural. “Dominus vobiscum”. “Et cum spiritu tuo”. O nosso povo simples vai pensar que o padre está maluco ou, pelo menos, que o está xingando.
Lembro-me de meu tempo de criança, quando a missa era em latim. As
senhoras piedosas, não entendendo nada, rezavam o terço. Não tenho nada
contra o terço -aliás eu rezo o rosário todos os dias- mas terço é reza,
não é celebração.
Só falta defenderem a volta às famosas “mantilhas” que cobriam as cabeças das mulheres. E eu pergunto: por que não a dos homens? Seria até bonito ver os homens de “mantilhas rendadas”. Difícil seria encontrar quem as quisesse usar. A não ser alguns “cabeças de vento” que andam por aí querendo ensinar o pai posso ao vigário.
Mas, persiste a pergunta, o que está por detrás disso? Um saudosismo? Penso que não. É mais do que isso: é um desejo mórbido, um medo do novo. Uma aversão à mudança.
É o que poderíamos chamar de -para usar uma expressão francesa – um
“laissez faire, laissez passer”, um “deixa estar para ver como é que
fica”. É uma tentativa de manter o “status quo”, mesmo que esse “status
quo” beneficie a uma meia dúzia. E os outros é que se danem.
Para esses puritanos o inferno está cheio de gente; quando na verdade, cheio está o céu, porque Deus quer salvação de todos. E não apenas de uma minoria moralista que vê pecado em tudo e para quem o capeta é mais poderoso do que Deus.
“Rasgai os vossos corações e não as vossas vestes”, diz o profeta.
Gente que se preocupa em lavar os copos, as taças, e não as mentes e os
corações. É a velha posição dos fariseus – que ainda hoje são muitos -
que criticavam Jesus por curar no dia de sábado. Lembro-me da história
de uma pessoa que, ouvindo a notícia de que o João havia assassinado
Pedro na sexta feira santa, disse: “por que ele não deixou para matar no
sábado?“ Para esta pessoa o dia era o mais importante.
Termino citando dois pensamentos que
fazem pensar: “O passado é uma lição para se meditar, não para se
reproduzir” (Mário de Andrade — autor de Macunaíma); “Leve do altar do
passado o fogo, não as cinzas” (Jean Jures — líder socialista francês).
Nosso agradecimento ao leitor Dionisio Lisbôa pela indicação.
* * *
Espiritismo: teoria ou religião?
Nós encontramos, na história, vários codificadores de teorias. E teoria, segundo o Aurélio,
é o conjunto de princípios fundamentais de uma arte ou ciência. Marx
codificou as teses socialistas; Adam Smith, as capitalistas; Charles
Darwin, as evolucionistas; Allan Kardec, as espiritistas. Cada um no seu
campo específico.
Allan Kardec, por exemplo, preocupado com
a vida após a morte, defendia a tese da reencarnação, fundado num
princípio de “nova chance”, talvez preocupado com a condenação eterna.
Foram muitos os seus seguidores e, principalmente no Brasil, o
espiritismo assumiu características de religião. E o vasto tempo de apologética da Igreja católica contribuiu para isso. Daí os espíritas terem sido estigmatizados pelos católicos como hereges.
No meu ponto de vista, três coisas devem
ser consideradas. Primeiro, que toda religião tem doutrina e culto. O
espiritismo tem doutrina e não tem culto. Daí ser uma teoria e não uma religião. Basta
ver que os espíritas estão mais ligados à Igreja Católica. Dificilmente
se encontra um espírita evangélico, isto é, protestante. Eles
fazem questão de batizar os filhos na Igreja Católica, casar na Igreja
Católica e chegam até encomendar missa de sétimo dia, na igreja
Católica, para os familiares falecidos.
Em segundo lugar, o que leva uma pessoa a
ser espírita? São várias as razões: uns, por tradição: os pais são
espíritas, os avós foram espíritas. Outros porque procuram respostas
imediatas para questões insolúveis: a morte, por exemplo. Quando uma
“alma” envia mensagens, ela, de certa forma, alivia o sofrimento dos que
ficaram. Se um filho perdeu a mãe, indo ao centro espírita, julga que
se “comunica” com ela, isso serve de alívio para ele.
E, em terceiro lugar, onde o espiritismo se desenvolveu? Nos países subdesenvolvidos.
Não se fala de espiritismo, por exemplo, na Europa. Lembro-me que, uma
vez, numa visita ad limina – visita que os bispos fazem ao Papa – um
bispo brasileiro tentava falar do crescimento do espiritismo no Brasil. E o Papa não conseguia entender o que era o espiritismo de que o bispo falava. É, de certa forma, o “animismo” que caracteriza o “africanismo” e seus cultos.
A única coisa que, no espiritismo, contraria a Igreja Católica é a teoria da reencarnação. Isso porque ‘bate de frente’ com a fé na ressurreição. Eu chamaria isso de “atalho”, E o que é um “atalho”? O dicionário vem em nosso socorro: “caminho que encurta a distância entre dois pontos”.
No mundo moderno temos muitos atalhos: o quebra-molas, por exemplo. É
mais fácil colocar um obstáculo na estrada do que educar para o
trânsito; o preservativo: é mais fácil recomendar o seu uso do que
promover uma educação para a castidade. Assim, a reencarnação: é mais
fácil “dar uma chance” à alma penada do que exigir dela, em vida, uma
conversão.
Outro aspecto relevante no espiritismo é a caridade. Os espíritas são caridosos, isto é, promovem a caridade como forma de purificação. Basta ver o exemplo de Chico Xavier.
Inúmeras foram as obras de caridade por ele sustentadas. Apesar de seu
“status” de médium famoso, procurado por tanta gente, viveu e morreu
pobre. Talvez tenha sido esta a “isca” para atrais tantos admiradores.
Com certeza, foi isso que fez dele o “papa” do espiritismo.
Espiritismo: teoria ou religião? Para
mim, perguntar se um espírita pode ser católico é o mesmo que perguntar
se um evolucionista ou capitalista também pode. Ou, para ser mais
radical, um corintiano pode ser católico? Ou, então, um católico pode
ser corintiano? Não só pode, como deve.
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