No século XVI, no auge das
guerras de religião, houve um caso de possessão diabólica e de
exorcismo que teve enorme repercussão em toda a França e mesmo em
toda a Cristandade. Todos, católicos e protestantes, consideraram
este caso como uma possessão absolutamente certa; o resultado,
porém, veio a ser grande confusão e desmoralização para os
protestantes e um triunfo para os católicos.
1º – Uma Aparição.
Uma senhora de Vervins,
recém-casada e cercada de afeição pelo marido, rezando no túmulo
da família, viu aparecer um fantasma, envolvido numa mortalha
branca. Volta para casa, toda trêmula, e lá se lhe depara a mesma
aparição. Deita-se e sente o fantasma pesar-lhe sobre o peito,
asfixiando-a, a ponto de não poder gritar. Ela foi confessar-se;
voltando, porém, a casa, encontra a mesma visão, não mais
envolvida na mortalha, mas com o rosto descoberto. “Não
te confessaste bem”, disse a
aparição; e acrescentou: “não tenhas medo, eu sou teu
avô”. Nicole, era este o nome
da pessoa, reconheceu perfeitamente seu avô, morto havia dois anos.
Desmaiou e pensou que ia morrer. O fantasma afinal lhe diz os motivos
de suas visitas: está no Purgatório e pede romarias, Missas,
orações e esmolas.
Nicole,
então, decide-se a falar e logo se celebram as
Missas, dão-se as esmolas e fazem-se as romarias pedidas. Mas,
enquanto se celebra a Missa, Nicole sente-se atormentada de um modo
extraordinário, e quando os seus voltam da igreja, encontram-na
escondida debaixo da cama de seu pai, enrijecida, sem sentidos, e com
as mãos como que soldadas uma à outra. Chamado o Padre, lhe diz:
“Espírito imundo, quem quer que sejas, eu te ordeno, em
Nome de Deus, solta as mãos”.
Soltou. Mas, desde então, a pobre mulher aparece, ora rija e dura
como uma pedra, ora agitada por uma espécie de fúria, batendo com a
cabeça contra as paredes, e como que querendo lançar-se ao fogo.
2º
– Primeiro Exorcismo.
Naturalmente,
já se conjecturava que se tratasse de alguma intervenção
diabólica, quando chegou a Vervins, para pregar o Advento, um santo
religioso da Abadia de Vally, Padre de la Motte. Este foi encarregado
de fazer o exorcismo.
Na
igreja, na presença do povo, diante da cruz e Santíssimo
Sacramento, o religioso procede às conjurações rituais. O Demônio
ruge e esbraveja. O Padre lança mão da Santa Hóstia. Nicole começa
a inchar de um modo horrível; o rosto torna-se espantoso; ela dá
gritos que se ouvem ao longe. Satanás, intimado a dizer quem é,
declara com espanto da assistência que é Belzebu em pessoa. Saiu no
mesmo instante do corpo da possessa, mas, apenas acabada a cerimônia,
tornou a entrar. O Padre pede socorro, isto é, implora em toda parte
orações para conseguir libertar a pobre mulher. “Ah,
tu te fortificas contra mim,
disse o Demônio, eu
também me fortifico, chamarei todos os diabos para me ajudarem”.
“E eu,
disse o religioso,
chamarei todos os Anjos para derrotar-te. Vai dizer a Lúcifer que,
com Deus, não tenho medo de ti, nem de todos os Demônios”.
3º
– Segundo Exorcismo.
A
luta ia tomando proporções gigantescas. O Bispo de Laon, Mons.
Bours, decide intervir pessoalmente. Chegou a Vervins com dois
Padres, grandes teólogos. No dia seguinte, celebrou a Santa Missa na
presença de uma grande multidão de pessoas. Nicole estava deitada
em uma cama atrás do altar, donde podia assistir ao Santo
Sacrifício. Depois da Missa, é trazida à presença do Bispo, este
procedeu ao exorcismo.
–
Qual
é o teu nome?
–
Belzebu.
–
Qual
o número de teus companheiros?
–
Somos
doze.
–
Eu
te ordeno, pelo poder de Deus, que saias desta criatura com teu
exército.
–
Sim,
sairei, mas por enquanto não.
O
Bispo, sem prestar atenção a estas palavras que compreenderá
somente mais tarde, adjura Satanás, queima o seu nome, apresenta-lhe
a cruz e a Hóstia Santa. O maldito foge, mas é para voltar pouco
depois, como fizera com o religioso, Padre de la Motte. A saída e a
volta de Satanás se deram várias vezes, de sorte que o Bispo voltou
para sua cidade episcopal, deixando o povo sob a impressão penosa de
insucesso.
4º
– Os Protestantes Confundidos.
Numerosos,
naquele tempo e naquela região, os Protestantes quiseram aproveitar
o ensejo para intervir. No entanto, não estavam nada satisfeitos com
Belzebu e isto por dois motivos: primeiro, porque os católicos
tiravam um argumento a favor da Presença Real de Jesus Cristo na
Hóstia Sagrada, já que por duas vezes o Demônio tinha fugido
diante dela; em segundo lugar, porque havia dois meses o Diabo não
cessava de chamar os Protestantes de “meus
amigos, meus filhos, meus criados que fazem minha vontade”.
Que
vitória para eles e que demonstração de não serem eles amigos do
Diabo, se conseguissem expulsar Satanás de onde os Padres e o
próprio Bispo não conseguiram alijá-lo. Vão, pois, atacar
o Diabo, não com exorcismos, mas com textos da Bíblia, textos até
em versos. O pastor Tournevèle se aproxima e começa a ler Salmos.
–
“Pensas
tu, lhe
diz Belzebu, que
um diabo pode expulsar
outro Diabo?
–
“Tu
és pior que eu, eu creio e tu não crês,
(naturalmente faz alusão à Presença Real) e
por isto, por não creres, eu te aprecio muito, a ti e a todos os
meus bons amigos protestantes”.
E Belzebu insinua ainda que Tournèvele é mais doente que Nicole, já
que ele tem o espírito maligno na inteligência, enquanto ela só o
tem no corpo; depois virando-se para o pastor Ribemont, zomba deles e
lhes põe nomes.
Tournevèle
replica:
–
“Peço
ao Senhor que assista a esta pobre criatura”.
E
o Diabo acrescentou:
–
“Peço
a Lúcifer que não te largues, mas te traga sempre bem preso. Ide,
ide, não farei nada em vosso favor, não me despejareis, porque sou
vosso senhor, e vós sois todos meus escravos”. Para
cúmulo de humilhação, os Protestantes, tem de ver o Padre de la
Motte acalmar com a Sagrada Comunhão a possessa, que também se pôs
a zombar dos Salmos em versos. A Comunhão, sim, acalmava; mas era
sempre uma calma provisória. Belzebu, apenas saído, voltava.
5º
– Nossa Senhora.
Lembraram-se
de recorrer a Nossa Senhora de Liesse. Poucos dias mais tarde, um
carro levava àquele Santuário Nicole, mais atormentada que nunca,
acompanhada da mãe, do marido e do Padre de la Motte. Sob o carro
ouvem-se terríveis denotações. A possessa torna-se tão pesada que
os cavalos não podem mais avançar. O Padre lhe dá a Comunhão; no
mesmo instante, os cavalos lançam-se com tal ímpeto, que parecem
voar e rapidamente chegam a Liesse.
No
dia seguinte, Missa, sermão, procissão e exorcismo. Vinte e seis
Demônios saem de Nicole com um barulho infernal. Era o socorro que
Satanás havia pedido. Todos os esforços do exorcista são
impotentes contra a resistência de Belzebu e três companheiros.
Disse Satanás: “Tu
podes ficar aqui e pelejar até meia-noite e durante cem anos, nenhum
de nós sairá. Os vinte e seis que saíram mandei-os para Genebra
(o centro do protestantismo ou calvinismo).
6º
– Terceiro Exorcismo.
Decidem
recorrer de novo ao Bispo e por isto tomam o caminho de Laon.
Passando pelo Santuário de Pierrepont, célebre pelas suas
relíquias, Nicole vê-se livre de um dos quatro Demônios que ainda
a possuíam. O Bispo a exorciza na Catedral. O Diabo zomba, injuria,
e à vista da Hóstia Santa, enfurece-se. Ouvem-se, então, como
saindo dos tubos de um órgão, o
grunhido de um porco (Astaroth), e o latido de um cachorro (Cerberes)
e o mugido de um touro (Belzebu), e todos três, porco, cachorro e
touro agitam-se no corpo de Nicole que seis homens mal podem segurar.
Depois da Comunhão, ficou calma; mas, ainda uma vez calma
transitória, já que o Demônio se obstina em voltar, após cada
expulsão. Todavia, o prodígio produziu uma grande e salutar
impressão. Parecia claramente que só o Deus dos católicos tinha
poder sobre Satanás. Em toda a região só se falava nisto. Deram-se
muitas conversões; os confessionários eram tomados de assalto. Os
protestantes agitavam-se como Demônios. Procuraram fazer acreditar
que tudo era embuste, que Nicole era adestrada pelos Padres e que era
deles que aprendia as insânias que proferia nos exorcismos. Parece
mesmo que procuraram envenená-la; o Diabo o disse em um dos
exorcismos, como revelou também que os mesmos acabavam de cometer
uma horrível profanação da Hóstia Consagrada. “Oh,
acrescentou
o Demônio, se
Jesus Cristo ainda andasse neste mundo, eu, com os meus protestantes,
lhe faríamos maior mal que os judeus”.
7º
– A Libertação.
O
Bispo não desanimou; multiplicou os jejuns, as orações e convidou
as autoridades
religiosas e civis da cidade para uma suprema e solene conjuração.
Tanto a assistência como a cerimônia foram imponentes. Com os
católicos, havia muitos protestantes. Belzebu rugia mais forte que
nunca. Nicole não tinha mais figura humana: a
boca excessivamente aberta, a língua pendente, a
face inchada. Os protestantes tinham conservado o
chapéu na cabeça. “Abaixo
os chapéus”!
Gritaram os católicos. Foi grande a briga. Feita a calma, o Bispo
apresentou a Belzebu o Santíssimo Sacramento. Diante de Deus
Todo-poderoso, enfim, Satanás assinala sua retirada definitiva por
uma coluna de fumaça, dois raios e dois trovões.
A
pobre mulher ficou para sempre liberta da horrível possessão de
Satanás. Voltou para Vervins, onde viveu como boa e fervorosa
católica. Só faltava transmitir à posteridade a relação destes
fatos extraordinários. Foi obra de Jean Boulaire, Padre e professor
de letras hebraicas. Publicou em dois volumes, em 1575 e em 1578, o
resultado de suas pesquisas: “Tesouro da Vitória do Corpo de Deus
sobre Belzebu”, e, “Manual da Admirável Vitória do Corpo de
Deus sobre o espírito maligno”. Dá os depoimentos das
testemunhas. Seu trabalho foi aprovado pelos Papas Pio V e Gregório
XIII (Segundo o L'Ami du Clergè, 1909, pág. 167).
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Fonte:
Pe.
Guilherme Vaessen, C.M., “Satanás – Sua Natureza, Existência e
Atuação”, Cap. XV, pp. 107-113; Edições Paulinas, Caxias do Sul
– RS, 1958.
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