PRIMEIRA PROCLAMAÇÃO
DA INOCÊNCIA DE JESUS1
(São Lucas 22, 66-71; 23, 1-7)
“66E, quando foi dia, juntaram-se os anciãos do povo, e os príncipes dos sacerdotes, e os escribas e levaram-no ao seu sinédrio, e disseram-lhe: Se tu és o Cristo, dize-nos. 67E ele respondeu-lhes: Se eu vo-lo disser, não me acreditareis; 68e também se vos fizer qualquer pergunta, não me respondereis, nem me dareis liberdade. 69Mas, depois disto, estará sentado o Filho do homem à direita do poder de Deus. 70Então, disseram todos: Logo, tu és o Filho de Deus? Ele respondeu: Vós o dizeis, Eu o Sou. 71Então eles disseram: Que mais testemunho nos é necessário? Nós mesmos o ouvimos da sua própria boca”.
“1E, levantando-se toda a multidão, levaram-no a Pilatos. 2E começaram a acusá-lo, dizendo: Encontramos este (homem) sublevando a nossa nação, e proibindo dar o tributo a César, e dizendo que é ele o Cristo Rei. 3E Pilatos interrogou-o, dizendo: Tu és o rei dos Judeus? E ele, respondendo, disse: Tu o dizes. 4Então, Pilatos disse aos príncipes dos sacerdotes e ao povo: NÃO ENCONTRO NESTE HOMEM CRIME ALGUM. 5Mas eles insistiam cada vez mais, dizendo: Ele subleva o povo (com a doutrina que vai) ensinando por toda a Judeia, desde a Galileia, onde começou, até aqui. 6E Pilatos, ouvindo falar da Galileia, perguntou se aquele homem era Galileu. 7E, quando soube que era da jurisdição de Herodes, remeteu-o a Herodes, o qual, naqueles dias, encontrava-se também em Jerusalém.
SEGUNDA PROCLAMAÇÃO
DA INOCÊNCIA DE JESUS
(São Lucas 23, 8-16)
8Herodes, tendo visto Jesus, teve grande alegria, porque havia muito tempo que tinha desejo de o ver, por ter ouvido falar dele muitas coisas, e esperava vê-lo fazer algum milagre. 9E fez-lhe muitas perguntas. Mas ele nada lhe respondia. 10E estavam presentes os príncipes dos sacerdotes e os escribas, acusando-o com grande insistência. 11E Herodes com os seus guardas desprezou-o, e fez escárnio dele, mandando-o vestir com uma vestidura branca, e tornou-o a enviar a Pilatos. 12E, naquele dia, ficaram amigos Herodes e Pilatos; porque antes eram inimigos um do outro.
13Pilatos, pois, tendo chamado os príncipes dos sacerdotes e os magistrados e o povo, 14disse-lhes: Vós apresentaste-me este homem como perturbador do povo; e eis que, interrogando-o eu diante de vós, NÃO ENCONTREI NELE CULPA ALGUMA DAQUELAS DE QUE O ACUSAIS. 15NEM HERODES TÃO POUCO; PORQUE VOS REMETI A ELE, E EIS QUE NADA LHE FOI ENCONTRADO QUE MEREÇA MORTE. 16POR ISSO, SOLTÁ-LO-EI, DEPOIS DE CASTIGADO.
TERCEIRA PROCLAMAÇÃO
DA INOCÊNCIA DE JESUS
(São Lucas 23, 17-23)
17Ora, Pilatos era obrigado a soltar-lhes pela festa (da Páscoa) um criminoso. 18Mas todo o povo exclamou a uma só voz dizendo: Faze morrer este, e solta-nos Barrabás; 19o qual tinha sido preso por causa de uma sedição levantada na cidade, e por causa de um homicídio. 20E Pilatos, que desejava livrar Jesus, falou-lhes de novo. 21Eles, porém, tornaram a gritar, dizendo: Crucifica-o, crucifica-o! 22E ele disse-lhes terceira vez: Mas, que mal fez ele? NÃO ENCONTRO NELE CAUSA ALGUMA DE MORTE; CASTIGÁ-LO-EI, POIS, E O SOLTAREI. 23Mas eles insistiam, pedindo a grandes vozes que fosse crucificado; e os seus clamores iam crescendo.
CONDENAÇÃO DE JESUS CRISTO,
MESMO SENDO PROCLAMADO
INOCENTE POR TRÊS VEZES.
(São Lucas 23, 24-25)
24Pilatos, pois, decretou que se executasse o que eles pediam. 25E soltou-lhes aquele que tinha sido preso por causa de homicídio e de sedição, como eles reclamavam; e abandonou Jesus ao arbítrio deles.
1ª Parte
RUMINANDO O TEXTO EVANGÉLICO
As Autoridades Judaicas Rejeitam o Messias,
o Filho do Deus Vivo.
(São Lucas 22, 66-71)
66. E, quando foi dia… Sendo a sessão noturna ilegal,2 por causa do tempo, de manhã cedo se reuniu outra vez o Sinédrio, no intuito de legalizar a condenação.3 Celebraron entonce nueva sesión para dar valor legal a lo actuado en la sesión de la noche. La actuación de los tribunales empezaba de madrugada4. Nesse agrupamento dos quatro tribunais, São Lucas quer evidenciar, que os judeus rejeitaram o seu Messias por obstinação e cegueira e que os romanos não reconheceram a legitimidade desta condenação. Pilatos até pleiteia a libertação de Jesus. Apesar de não se tratar de um problema central como para S. Mateus, São Lucas sempre tinha que explicar aos helenos, por que o judaísmo, até então altamente respeitado como religião espiritual e monoteísta, podia tão fanaticamente combater o Cristianismo. A resposta de Jesus5 caracteriza a atitude judaica6. O Conselho reúne-se de novo, para reparar a ilegalidade do interrogatório anterior, feito à noite, contra as prescrições da Lei, e Jesus foi de novo condenado à morte7.8
67. … Se eu vo-lo disser, não me acreditareis… Era inútil defender-se perante esses juízes, que só procuram pretextos para a condenação do Inocente. Entretanto, Jesus quer ainda desviar da senda do crime aqueles juízes que, porventura, mais se inclinavam à moderação: Depois destas humilhações, serei exaltado à direita de meu Pai.9
69. Mas, depois disto… “Disse o Senhor ao meu Senhor: Senta-te à minha direita, até que ponhas os teus inimigos por escabelo de teus pés” (Salmo 110 [109], 1).10
71. Que mais testemunho nos é necessário?… Não se lavra sentença de morte depois do interrogatório, porque já fora lavrada antes; este novo julgamento era só por forma11.
A Autoridade Romana Apregoa a Inocência de Jesus,
mas O Entrega aos Judeus.
(São Lucas 23, 1-25)
1. … levaram-no a Pilatos (pois, não lhes era permitido matar). Pôncio Pilatos12 era o quinto governador da Judeia, em nome do povo romano. Em atenção à susceptibilidade dos judeus, habitava, ordinariamente, em Cesareia; por ocasião das grandes festas, vinha a Jerusalém, onde ocupava a torre Antônia. Recorrendo à autoridade de Pilatos, reconheciam os judeus, tácita e inconscientemente, que era chegado o tempo da vinda do Messias. O cetro13 tinha caído das mãos de Judá14 e passara ao imperador romano15. Como governador, competia a revisão dos processos feitos pelos judeus, para confirmar ou não as sentenças dadas pelas autoridades da Judeia16. Porque os Romanos tinham limitado os poderes dos magistrados judeus17. Roma había reservado a su representante el derecho de imponer la pena capital. Sin su aprobación, el fallo del Sanedrín no tenía valor jurídico ninguno18.19 Querem que seja Pilatos, não um Juiz e árbitro, senão um executor da sua própria sentença20 (São Leão Magno).21 Note-se, como os sinedritas torceram o messianismo espiritual de Jesus, para a sua caricatura política. O Senhor havia declarado solenemente ser Ele o Messias. Ora, no pensar dos judeus, o Messias não podia ser senão rei político de Israel e erguer o trono de Davi. E tendo o Senhor tais pretensões, não podia deixar de se opôr ao império romano e negar o tributo ao imperador, arrastando o povo todo à revolta contra o governo estrangeiro. Toda essa construção tão arbitrária se baseava nas falsas ideias que os sinedritas tinham do Messias, e as quais atribuíam também ao Salvador. Visto que a pretensão de ser o rei dos Judeus era evidentemente o ponto essencial das acusações, Pilatos limitou-se a examinar esta parte, e não achando verificado o que se imputava ao Senhor, pronunciou a Inocência do acusado.22
3. … Tu és o rei dos Judeus? Jesus afirma que não é rei, no sentido político da palavra. O seu reino, embora se estenda a todo o mundo, não vem do mundo; a realeza de Jesus é toda espiritual, sem armas ao seu serviço; de sorte que César não tem nada a temer dele23. Não é um acusado que se defende diante de um juiz, mas um rei que fala ao representante do imperador, e o trata de igual para igual. Pilatos quer Lhe oferecer ocasião de se defender, mas Jesus não se desculpa diante de um juiz que não tem direito de examinar a Sua conduta, e contenta-Se com afirmar a Sua Divindade24. Tu que dizes que o teu reino não é deste mundo, concordas no entanto, que tens um reino. Logo tu és Rei. Sim, Jesus é Rei: Rei Universal e Onipotente, Rei dos corações, a cujo cetro se curvam reverentes todas as vontades retas e encaminhadas para o bem25. A reflexão de Pilatos [Porventura, sou eu Judeu?26], mostra que entendia a realeza de Jesus no sentido religioso dos Judeus, isto é, como atributo do Messias esperado27. Jesus não diz que Seu reino não está na terra [O meu reino não é deste mundo28], mas sim que não vem do mundo, que não Lhe foi conferido pelos homens; o reino de Cristo pertence ao tempo e à eternidade, abrange a terra, o Céu e até os Infernos, tem por fim promover os interesses e a felicidade temporal, como espiritual, dos particulares e das nações29. Nestas palavras [eu para isso nasci… a fim de dar testemunho da verdade], o Divino Mestre exprime de um modo claro e nítido o caráter e o fundamento do Seu reinado. Se a vontade humana é feita para obedecer à inteligência, e esta para conhecer a verdade sobre a origem, fim e deveres do homem, segue-se lógica e necessariamente que, iluminando e dominando as inteligência, o Cristo se assenhoreia das vontades e dos corações, na mesma proporção em que os homens ouvem a Sua voz30. [Disse-Lhe Pilatos: “O que é a verdade?”31] Pilatos pertencia, provavelmente, à seita dos céticos, doutrina filosófica dominante em Roma nesse tempo, e que consistia em não admitir nenhuma verdade certa32. Pilatos insinua que é desconhecida no mundo a verdade; além do mais, tão pouco se lhe dá, que nem espera a resposta (São Tomás de Aquino).33 Diante dos sacerdotes, Jesus declara-Se Filho de Deus; perante o representante de César proclama-Se Rei, mas Rei do Céu (São João Crisóstomo).34
7. E, quando soube que era da jurisdição de Herodes… Herodes Antipas, tetrarca da Galileia, filho de Herodes o grande, o assassino de São João Batista. Uma das humilhações de Jesus foi o ter de apresentar-Se diante deste incestuoso35. Como Pilatos não quisesse condenar o inocente, nem tão pouco ousasse resistir abertamente ao ódio dos acusadores, estimava muito ter achado um meio para se livrar dos apuros e afastar de si a responsabilidade: mandou Jesus para Herodes.36
9. E fez-lhe muitas perguntas… Jesus se cala para não satisfazer a vã curiosidade de um perverso e dar-nos, ao mesmo tempo, grande exemplo de paciência. O Seu silêncio era um milagre de virtude, mas como podia compreendê-lo um devasso daquele caráter?37 A justiça era a menor das preocupações daquele tetrarca dissoluto e cruel; queria apenas se divertir à custa de Jesus e, por isso, o Salvador não era obrigado a satisfazer-lhe o capricho38.
11. E Herodes com os seus guardas desprezou-o… Os pretendentes a um emprego público costumavam apresentar-se, no fórum, vestidos de branco. Daí lhes veio o nome de candidatos, do latim candiduz, que quer dizer branco. Despedindo a Jesus vestido de branco, Herodes queria significar que aquele homem era apenas um louco, um maníaco pretendente à realeza, que só merecia desprezo39. Era a veste dos doidos; era também a veste de gala dos reis e imperadores40. Com a túnica branca, no Oriente então prerrogativa dos reis, quis Herodes escarnecer da dignidade régia, que Jesus, a Si atribuía.41
12. E, naquele dia, ficaram amigos Herodes e Pilatos… A habilidade e rara diplomacia de Pilatos aproveita a injusta e pérfida acusação de um inocente, para ganhar um amigo político!… Oh, de que não são capazes estes senhores?42
16. POR ISSO, SOLTÁ-LO-EI, DEPOIS DE CASTIGADO. Querendo dar satisfação aos Judeus, Pilatos só conseguiu irritá-los ainda mais – “Herodes não achou que ele tivesse cometido algum delito digno de morte. É quando muito, um maníaco, um imprudente que pretende ser rei. Por isso, mandarei castigá-lo, isto é, flagelá-lo, e, depois, dar-lhe-ei a liberdade”. Que lógica singular! Se Jesus é inocente, por que castigá-Lo? Se é culpado, por que não O condenais?43 Se era culpado, porque soltá-Lo? Se era inocente, porque castigá-Lo? Mas Pilatos, homem fraco e pusilânime, era incapaz de tomar uma atitude resoluta e firme44.
17. Ora, Pilatos era obrigado a soltar-lhes... um criminoso… Pilatos procura esse caminho a fim de subtraí-Lo aos inimigos, diz São João Crisóstomo45. Este costume é um símbolo da libertação do Povo de Deus, do cativeiro do Egito, explica São Beda, o Venerável46. Costume este, aliás, respeitado pelo poder romano, era uma recordação da saída do Egito47. Esquecendo a inconstância popular, julgava Pilatos que o povo, deixado aos seus bons instintos, pediria a liberdade de Jesus48. O sonho da mulher de Pilatos, Cláudia Prócula, [Nada haja entre ti e esse justo…49] fora-lhe enviado por Deus, dizem Orígenes, São João Crisóstomo, Santo Agostinho, etc.,: aquela mulher converteu-se, mas Pilatos, caído no desagrado do imperador, foi relegado na Gália, onde suicidou-se50. Como Pilatos não conseguisse libertar o inocente por sua autoridade judicial, nem lograsse descarregar a responsabilidade sobre Herodes, quer agora servir-se do seu privilégio de soltar, pela festa, um dos presos. Mas, para dar ao ódio dos acusadores pelo menos alguma satisfação, propõe açoitar a Vítima, que ele mesmo já declarou inocente. Entretanto, falhou também este estratagema pela astúcia dos sinedritas.51
21. Eles, porém, tornaram a gritar… Estava com efeito, profetizado que Jesus seria entre aos gentios para ser crucificado, gênero de morte que não era usado entre os judeus. Invocando, pois, a autoridade de Pilatos, confirmaram eles a Divindade do Messias52.
25. E soltou-lhes aquele… e abandonou Jesus ao arbítrio deles. De todos os juízes, Pilatos foi o mais favorável a Jesus. Desde o começo, reconheceu a Sua inocência, e, se O condenou, foi de medo, para evitar um motim popular, por uma dessas razões (?) a que chamam de Estado!… É um desses oportunistas sem consciência que veem o bem e fazem o mal, e a história nos diz que eles são numerosos. Admira-se deste silêncio sublime e eloquente, que ainda mais caracteriza a inocência, mas… o governador é político, tem de atender a interesses de outra ordem!...53
“Eles me retribuem com o mal,
o bem que lhes faço”.54
2ª Parte
NA COLMEIA DA MEDITAÇÃO
1ª MEDITAÇÃO55
Era preciso que o Filho de Deus morresse, não como um criminoso supliciado pela justiça da sua nação, mas como um inocente que dá a vida por criminosos. E para que esta verdade se imponha a todos e em todos os séculos, vai Deus forçar a autoridade competente, a suprema autoridade, a dar-Lhe solenemente e em pleno tribunal um certificado de Inocência, ao mesmo tempo que essa mesma autoridade pronunciará contra Ele uma sentença de morte. Parece isto impossível; mas a Deus nada é impossível.
A suprema autoridade em Jerusalém já não pertencia ao Sinédrio, mas ao governador romano. Desde há vinte e três anos, a Judeia, reduzida a província do grande império, perdera até a sombra de soberania de que desfrutava ainda sob o domínio de Herodes. O governador, que administrava o país em nome do imperador, reservava-se o direito da espada, isto é, todas as sentenças capitais. O supremo Conselho da nação podia excomungar, prender e açoitar, não porém tirar a vida – direito exclusivo do soberano. E aqueles doutores de Israel liam, sem abrir os olhos, a profecia de Jacó: “Não há de sair o cetro de Judá, antes de vir Aquele que há de ser enviado”.56 O cetro passou das mãos de Judá para as mãos do imperador; veio pois o Messias; mas, em vez de O reconhecer, vão mendigar contra Ele uma sentença de morte àquele que se apoderou do cetro de Judá.
Pôncio Pilatos governava a Judeia desde há cinco anos; mas esse pouco tempo bastara para se tornar detestado a todos os habitantes. Orgulhoso e avaro, ufano, até à insolência, com o seu título de cidadão Romano, desprezava os Judeus, e a sua religião e instituições e mostrava-lho em todas as ocorrência. A suas exigências e violências de tal modo o tinham tornado odioso, que os príncipes do povo multiplicavam as diligências junto do imperador para alcançar que o depusesse. Bem o sabia Pilatos e daí o ser ainda mais sincero o ódio que votava aos Judeus; contudo, o temor de uma revolução obrigava-o a contemporizar.
Ainda que residisse em Cesareia, à beira-mar, ia Pilatos cada ano a Jerusalém, por ocasião das festas pascais. E lá habitava no magnífico palácio da torre Antônia, fortaleza inexpugnável que os Romanos tinham levantado junto do Templo para dominar a cidade e defender-se contra qualquer tentativa de insurreição. Diante pois de Pôncio Pilatos, orgulhoso representante da Roma imperial, é que o processo, começado pelo Sinédrio, devia terminar-se. Por conseguinte, foi Jesus transferido do palácio de Caifás para o do governador, à distância de cerca de 300 passos. Exausto de fadiga, após aquela horrorosa noite, arrastado pelos guardas que tiravam das cordas e escoltado pelos príncipes dos sacerdotes, pelos soldados e por uma populaça fora de si, que lhe ia vociferando à volta, desceu Jesus das alturas de Sião para a cidade baixa; e depois, desandando a planície que ladeia a parte ocidental do templo, chegou ao palácio do governador.
Eram como sete horas. A multidão estacionava no pátio de entrada para não se manchar, ultrapassando o limiar de uma casa pagã; o que os impediria de assistir ao banquete pascal. Rogaram pois os chefes ao governador, que houvesse por bem aparecer no terraço exterior do palácio, para lhes atender a demanda.
Pilatos conhecia perfeitamente a disposição d Judeus a respeito de Jesus, pois desde há três anos, que a Judeia inteira, a Galileia e até as nações estrangeiras se ocupavam do Profeta de Nazaré. A própria esposa de Pilatos, Prócula, iniciada na doutrina de Jesus, considerava-O como um enviado de Deus. Prometeu-se pois Pilatos o arrancar Aquele inocente às odientas vinganças daqueles fariseus hipócritas, que ele detestava com toda a alma. Dirigindo-se, portanto, aos chefes do Sinédrio que tinha em frente de si e apontando para Jesus, fez-lhes esta pergunta: “Que acusações trazeis vós contra este homem?”
Esta pergunta, tão natural na boca de um juiz, indispôs os Judeus. Esperavam que Pilatos lhes entregaria Jesus sem mais inquéritos, pois responderam-lhe brutalmente: “Se este não fosse um malfeitor, não o teríamos entregado a ti”. Vê-se claro, que aos seus olhos, rever um julgamento do Sinédrio e não ratificar, sem mais exame, uma sentença por ele proferida, era fazer-lhe uma injúria. A tal arrogância replicou Pilatos com uma ironia, que os deve ter ferido no mais íntimo.
“Se é assim, exclamou, levai lá o vosso preso e julgai-o conforme as vossas leis.
– Bem sabeis, replicaram eles encolerizados, que não temos direito de condenar à morte. Ora, aqui, trata-se de um criminoso que merece a pena capital.
– Bem, respondeu o governador, mas eu outra vez vos pergunto, que acusação formulais contra este homem?”
Tornava-se manifesto que Pilatos não ratificaria pura e simplesmente a sentença do supremo Conselho, mas que pretendia examinar a causa antes de se pronunciar. Foi pois necessário lavrar Ata de uma acusação qualquer. Ora, muito bem sabiam os príncipes dos sacerdotes, que a uma acusação de blasfêmia sorriria Pilatos, pagão e filósofo cético, que não falava da religião judaica senão para crivar de zombarias insolentes. A fim de sobressaltar o governador, transformaram Jesus em agitador político. “Perguntais que crime praticou? Clamaram eles. Nós o pegamos a tramar uma revolução contra o imperador. Proíbe ao povo pagar o tributo a César e pretende ser o Messias, o rei que deve libertar a nação judaica do jugo do estrangeiro”. O próprio Satanás não teria podido imaginar mentira mais imoral. Jesus pregava ao povo um reino puramente espiritual; recusava a coroa que Lhe ofereciam; e, três dias antes de Se entregar aos Judeus, ensinava no templo a obrigação para os vassalos de pagar o tributo a César. Desde há três anos vinham os fariseus recusando reconhecê-Lo por Messias, apesar dos sinais autênticos da Sua divina missão, unicamente porque não viam Nele o Messias dos seus sonhos, o conspirador político, o rei conquistador que devia libertá-los da tirania de Roma. Imputavam, pois, a Jesus o crime de rebelião que Ele não quisera cometer e que eles próprios suspiravam ardentemente por cometer. Era o cúmulo da perfídia; e que bem conhecia Jesus aos Judeus, quando lhes dizia: “Vós sois filhos do Demônio, daquele que foi homicida desde o princípio!”57
Não tomou Pilatos a sério as imorais calúnias do Sinédrio. Sabia, melhor que ninguém, qual era a Seita que organizava as revoluções e se insurgia contra o pagamento do tributo. Contudo, quis examinar o que havia no âmago de todas aquelas acusações e qual o motivo porque se encarniçavam os Judeus em apresentar-lhe aquele homem, tão modesto, tão manso, tão paciente e ao mesmo tempo tão digno, como um facínora grandemente perigoso. Deixando pois os Judeus que vociferassem à vontade, retirou-se ele à sala do pretório e mandou às guardas que lhe levassem o acusado. Subiu Jesus a grande escadaria de mármore58 que conduzia para a dita sala e em breve se viu a sós com o governador. Sem se importar das acusações inverossímeis e ridículas com que os Judeus O carregavam, perguntou-lhe Pilatos o que significavam os títulos de Rei e Messias que, segundo diziam os Judeus, Ele se atribuía. “És tu verdadeiramente rei? Disse-lhe o presidente.
– Perguntais-me isso por vós mesmo, respondeu-lhe Jesus, para saber quem eu sou, ou simplesmente porque os meus acusadores vo-lo sugeriram?
– Sou eu, porventura, algum Judeu? Replicou Pilatos com desdém. Tenho eu alguma coisa que ver com as vossas querelas religiosas? Os pontífices e o povo trouxeram-te ao meu tribunal como usurpador da realeza, e eu só te pergunto, por que motivo tomas tu o título de rei?
– O meu reino não é deste mundo, prosseguiu Jesus. Se fosse deste mundo, os meus vassalos combateriam por mim e me defenderiam dos Judeus. O estado em que me encontro bastantemente vos diz, que o meu reino não é deste mundo”.
Não compreendeu Pilatos bem de que reino queria Jesus falar, mas sabia já o suficiente para se convencer, de que o império nada tinha a recear do seu interlocutor. Que podia contra César e as suas legiões o rei misterioso de outro mundo? Aquele homem pareceu a Pilatos um sonhador inofensivo, que tomava as quimeras como realidades. E disse-lhe, como para lisonjear-lhe o devaneio: “Com que, então, tu és rei?
– Sim, respondeu Jesus com majestade, dizeis bem. Eu nasci para reinar e vim ao mundo para fazer reinar comigo a Verdade. Todo o homem que vive da verdade, ouve a minha voz e torna-se meu vassalo.
– A verdade! Disse Pilatos sorrindo, que é isso, de verdade?”
O Romano tinha ouvido falar de opiniões filosóficas e religiosas mais ou menos acreditadas e de interesses de que, segundo diziam, se devia ter mais cuidado do que de opiniões; mas a verdade, quem a conhecia? Haveria mesmo por aí alguma verdade? Evidentemente, ficaria Pilatos pensando, que tinha diante de si um sonhador e um simples, que professava, sem dúvida, doutrinas opostas às dos fariseus; mas a ele, Pilatos, que se lhe dava das controvérsias judaicas? Voltou, pois, à fala com os príncipes dos sacerdotes e disse-lhes, mostrando a Jesus: “Não encontro nada de repreensível neste homem, e por conseguinte, não o posso condenar”.
Mal proferiu estas palavras, explodiu na assembleia um tumulto pavoroso. Os príncipes dos sacerdotes e os anciãos do povo acumulavam contra Jesus as mais monstruosas acusações, às quais Ele não respondia senão com o silêncio. Pilatos devia ter procedido contra aqueles vis caluniadores, mas viu-os em tal grau de exaltação que lhes temeu os ressentimentos. “Bem vês, disse ele a Jesus, quantas acusações amontoam contra ti: e tu nada respondes?” Sempre impassível, Jesus nem abriu a boca para se desculpar; isto desconcertou inteiramente ao governador.
Ao vê-lo perplexo, insistiram os Judeus sobre o lado político da questão. A dar-lhes crédito, era Jesus um sedicioso que fomentava por toda a parte perturbações e levantamentos. “Ele revolucionou todo o país, bradaram, desde a Galileia, onde começou a pregar, até Jerusalém”. À palavra – Galileia –, Pilatos interrompeu os Judeus. Acabava de achar uma escapatória para se desembaraçar de um negócio que principiava a inquietá-lo. “Este homem é Galileu?” perguntou o pretor. E como lhes respondessem que sim, acrescentou logo: “Se assim é, pertence à jurisdição do rei Herodes, atualmente em Jerusalém. Levai-lhe o vosso preso, e ele que o julgue. É do seu direito”. E tendo dito estas palavras, voltou as costas aos sinedritas, aos fariseus e ao povo desnorteado e entrou no palácio, dando-se os parabéns de ter achado tão belo expediente para se tirar do negócio. Sem dúvida, tinha sacrificado a inocência e atraiçoado a verdade; mas não ia naquilo o seu interesse, e depois, que é isso de verdade?
Pelas oito horas da manhã, chegava um arauto de Pilatos a casa de Herodes, a anunciar-lhe que o seu amo, por deferência para com o tetrarca da Galileia, enviava para o seu tribunal um certo Jesus de Nazaré, suposto réu de diferentes crimes. Tinha por sem dúvida, que bem poderia julgar aquele Galileu, preso em território judaico, mas que preferia pôr aquela causa nas mãos do soberano de quem Jesus imediatamente dependia, em razão da sua origem e domicílio.
Tanto mais lisonjeado se sentiu Herodes com tal mostra de benevolência, quanto menos a esperava, porque havia alguns anos que andava desavindo de todo com o governador da Judeia. Além do mais, esta decisão inesperada lhe oferecia a ocasião, de há muito procurada, de ver ao Profeta de Nazaré. O rei dissoluto, o marido incestuoso de Herodíades, o assassino de João Batista, regozijou-se de poder conferenciar com aquele sábio tão celebrado e poderoso taumaturgo, a quem desde há três anos vinham os povos aclamando.
O palácio de Herodes elevava-se a uns cem passos da torre Antônia. Jesus, sempre algemado e sempre escoltado por uma populaça furiosa, lá foi conduzido pelos chefes do Sinédrio. Assentado no seu trono, estava-o o rei esperando no meio dos seus cortesãos, que com o seu amo se prometiam assistir a um divertidíssimo espetáculo. Para homens licenciosos tudo se torna espetáculo, até o sofrimento, até a agonia e o martírio do justo. Aqueles, porém, ficaram bem desapontados na sua expectativa.
Durante toda aquela audiência, apesar das vociferações e odiosas calúnias dos Judeus, permaneceu Jesus com os olhos baixos e num silêncio absoluto. Herodes, que se dava ares de sábio e doutor, fez-Lhe um largo interrogatório acerca das questões controvertidas entre Ele e os fariseus, sobre os Seus milagres, projetos e reino. Em pé, diante dele, esteve-o o Salvador ouvindo sem dar mostras da mais ligeira emoção e sem proferir uma só palavra. Herodes e os seus entreolhavam-se com assombro, desorientados e despeitados. Os príncipes dos sacerdotes cuidando ter chegado o momento de extorquir ao rei uma sentença de condenação, representaram-lhe que aquele sedicioso se atrevia a chamar-se o Cristo e o Filho de Deus. Esperavam que o tetrarca da Galileia, amigo dos Romanos, salvaria a nação e a religião, imolando aquele blasfemo. Herodes convidou Jesus a defender-Se, mas não obteve uma palavra, um gesto, um olhar ao menos, como se o acusado fosse surdo e mudo.
Jesus dignou-Se falar a Judas, a Caifás, a Pilatos e ao próprio servo que não corou de O esbofetear; porém, não falou a Herodes, porque Herodes tinha sufocado as duas grandes vozes de Deus: a voz de João Batista e a voz da sua consciência. O Filho de Deus já não fala ao homem que, com os seus vícios e crimes, se rebaixa ao nível dos brutos.
Tomou, então, o tetrarca uma deliberação, de todo em todo, a par dos seus instintos. Todo salpicado ainda com o sangue de João Batista, não ousou banhar as mãos no Sangue do novo Mártir: preferiu divertir-se à custa de Jesus. Afinal de contas, disse ele lá para consigo, este silencioso obstinado talvez não seja mais que um louco indefeso, com quem nos podemos divertir uns momentos. Depois do que, reenviá-Lo-emos a Pilatos, que O tratará como quiser.
A ideia do seu digno amo sorriu aos homens de prazer que o rodeavam. Trouxeram uma túnica branca e vestiram-na ao Salvador entre os aplausos da assistência. A túnica branca, vestido próprio dos grandes, dos reis e das estátuas dos deuses, era também a libré dos loucos. Aquele Jesus, que se tinha pelo Messias e Filho de Deus, não era porventura, aos olhos daqueles sábios, um louco mil vezes merecedor da veste da ignomínia? A fim de lhe fazer sentir todo o seu desprezo, entregou-O Herodes como um joguete nas mãos dos seus serventuários e soldados; e depois que se divertiu, quanto lhe aprouve, com os seus jogos cínicos e graçolas sacrílegas, mandou Jesus para Pilatos mais os que lho tinham trazido.
Assim procederão os Herodes de todos os séculos: como não podem do leito lodoso em que estão estirados, elevar-se à inteligência das coisas divinas, desprezá-las-ão. Sprevit illum.
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Pelas nove horas, os chefes do Sinédrio, seguidos de multidão cada vez mais tumultuosa, reapareciam diante do palácio de Pilatos, pedindo com grandes gritos a morte de Jesus. Um juiz de consciência teria proclamado altamente a inocência do acusado e em caso de necessidade dispersaria pela força os sinedritas com os energúmenos por eles assoldados; porém, dominado sempre pelo temor de se comprometer, recuou Pilatos diante da sua obrigação. Pôs-se a parlamentar com os mentores do motim; coisa que naturalmente lhes aumentou a audácia.
O exórdio da sua arenga mostrava ainda assim certa coragem. “Há algumas horas, disse, apresentaste-me este homem como um faccioso, revoltado contra a dominação romana; ora, depois de o ter interrogado diante de vós, não achei fundamento nenhum às acusações que lhe impúnheis. Remeti-vos para Herodes, e vedes que o tetrarca também não o julgou digno de morte…” Ia prosseguir, quando os amotinadores, pressagiando uma sentença de absolvição, o interromperam com gritos ferozes e sinais de um furor diabólico. Pilatos ficou de tal modo atemorizado, que depois de ter estabelecido a perfeita inocência de Jesus, concluiu a sua alocução de um modo singular e de todo inesperado: “Como este homem, disse, de nenhum modo mereceu a pena capital, vou mandá-Lo açoitar e depois soltá-Lo-ei”.
Esta concessão covarde produziu violentos protestos. Se Jesus está inocente, porque açoitá-Lo? Se é culpado, porque poupá-Lo? E de todos os ângulos da praça se elevaram estes clamores selvagens: “Morte! Morte! Queremos que Ele morra!”
À vista daquelas hordas de furiosos, ia talvez Pilatos a ceder, quando um incidente misterioso lhe foi levar um pouco de energia. Um mensageiro, enviado por sua mulher, entregou-lhe uma carta. Dizia-lhe Prócula: “Não te metas nesse negócio e não te tornes responsável pela morte desse Justo. Por amor Dele fui eu esta noite horrivelmente atormentada em sonhos”. Pilatos não tinha fé; mas, como todos os pagãos, era supersticioso: por isso, viu naquele sonho um supremo aviso do Céu, (e nisto não se enganava ele) e resolveu fazer uma tentativa desesperada para salvar a Jesus.
Era entre os Judeus costume muito antigo, dar a liberdade a um preso por ocasião das festas pascais. A alegria do infeliz posto em liberdade lembrava-lhes o gozo dos seus pais ao saírem do cativeiro do Egito. Uma vez senhores da Judeia, não pensaram os Romanos dever abolir aquele uso imemorial e cada ano soltava o governador um preso, à escolha dos Judeus. Resolveu Pilatos aproveitar-se desta circunstância para chegar ao seu objetivo.
Tinha, então, nas prisões de Jerusalém um malfeitor insigne, chamado Barrabás: nome que só por si inspirava terror. Chefe de uma horda de salteadores, desde longa data escondida nas montanhas de Judá, tinham-no colhido numa sedição e condenado ao suplício da cruz. Resolveu Pilatos dar a escolher ao povo entre Jesus e Barrabás. Cindo dias antes, aquele povo levava Jesus em triunfo: há de ele hoje, movido por um sentimento de ódio execrável, preferir-lhe Barrabás? Não podia Pilatos crer tal coisa. Levantando pois a voz de modo que o ouvisse a multidão, recordou-lhe como naquele dia tinha por costume libertar um criminoso, e depois, sem lhes dar tempo de tomar conselho, fez esta pergunta aos assistentes: “Qual dos dois quereis vós que ponha em liberdade: o salteador Barrabás, ou Jesus, vosso rei?”
Ao ouvir aquele nome de Barrabás, houve na imensa turba um momento de assombro e hesitação; mas os chefes do Sinédrio, compreendendo o perigo, espalharam-se por entre a gente, reaqueceram as paixões e persuadiram à plebe tresloucada que reclamasse a Barrabás. Por isso, quando, alguns momentos depois, Pilatos renovou a pergunta, ecoou-lhe aos ouvidos este grito feroz, que dominava todos na praça:
“Barrabás! Queremos Barrabás! Dai-nos Barrabás!”
Indignado com tal cinismo, Pilatos rebrada-lhes:
“Que quereis vós, então, que eu faça de Jesus, rei dos Judeus?”
E o povo todo, a uma voz:
“Crucifica-o! Crucifica-o!”
Apesar do horrível clamor, Pilatos insiste:
“Que mal fez ele?”.
Mas a multidão não atende; continua a vociferar:
“Crucifica-o! Crucifica-o!”
Pilatos ficava outra vez vencido. Em lugar de dar uma sentença em nome da justiça, tinha receado contrariar as paixões de um povo fora de si, e agora aquele povo, encarniçando-se contra a sua presa, impera como senhor. Já não vê nem ouve; é um tigre sedento de sangue. Pilatos recai sobre a sua primeira ideia. Já que o povo quer sangue, ele dar-lho-á, mas com certa medida. Mandará açoitar Jesus para dar uma tal qual satisfação aos Judeus e depois pô-Lo-á em liberdade. Propôs de novo este meio termo, porque, repetiu ele, não vejo nenhuma razão para aplicar a pena capital; e ainda que reclamavam a crucifixão com raiva cada vez maior, ordenou aos verdugos que procedessem à flagelação (e em consequência, a coroação de espinhos, etc.)…
Após aquela paródia estúpida e cruel (da zombaria da realeza de Jesus), os soldados levaram Jesus a Pilatos. Este, movido à compaixão, não duvidou de que aquela figura ensanguentada inspiraria, enfim, ao povo um sentimento de comiseração. Do alto de uma galeria exterior dirigiu-se de novo àquela multidão, que estava exasperada por muito esperar. “Torno-vos a trazer O acusado, disse ele, e declara-vos mais uma vez que O julgo inocente. E, caso fosse culpado, ides ver em que estado Ele se encontra, e dar-vos-eis por satisfeitos”. E Jesus, levado pelos soldados, apareceu ao lado de Pilatos, com o rosto inundado de sangue, com a coroa de espinhos na cabeça, e com o andrajo de púrpura sobre as espáduas. Estendendo o braço para Ele, mostrou-O Pilatos ao povo.
“Eis o homem!” Bradou ele com força. O infeliz juiz implorava a piedade dos Jesus. Vozes, vozes dos chefes, responderam-lhe:
“Crucifica-o!”
E a multidão repetiu o horrível grito:
“Crucifica-o! Crucifica-o!”
A vista do Sangue irritava aqueles monstros em vez de os acalmar. O coração do Romano soergueu-se perante tal infâmia e lançando àqueles homens de ódio um olhar de desprezo, disse-lhes:
“Que eu O crucifique? Tomai-O lá vós e crucificai-O. Quanto a mim repito-vos, que não encontro motivo para uma condenação”.
Pilatos, portanto, punha resolutamente de parte a acusação de sedição, com que os Judeus haviam contado para o mover. Vendo-se iludidos, deitaram-se ao pretendido crime de blasfêmia que o Sinédrio imputava a Jesus. “É culpado, vociferavam eles em tom ameaçador, e segundo a nossa legislação deve ser punido com a morte, pois se atreveu a proclamar-Se Filho de Deus”.
Ao ouvir este nome de Filho de Deus, ficou Pilatos todo suspenso. E o seu olhar fixou-se em Jesus, sempre calmo e paciente no meio de inefáveis dores e ignomínias sem nome. Recordou-se daquela palavra que Jesus dissera: “O meu Reino não é deste mundo”, e começou a pensar, se não teria diante dos seus olhos um daqueles gênios benéficos que os deuses enviavam aos mortais para lhes revelar um segredo. E os prodígios feitos por Jesus e o sonho recente de Prócula só podiam confirmá-lo naquela opinião. Entrou Pilatos a tremer, com a ideia de que talvez mandara açoitar um imortal. Deixando de novo os Judeus, a tumultuar na praça, reentrou no pretório e mandou que lhe levassem a Jesus a fim de esclarecer aquele mistério.
“Donde és tu? Disse-lhe Pilatos.
Pilatos conhecia a origem humana de Jesus; e quanto à sua geração eterna, não lhe deixava o seu ceticismo que a admitisse. Sabia também, por outra parte, que se Cristo se chamava rei, o seu reino invisível não devia de modo algum inquietar a César. E isto bastava para as exigências da causa. Por isso, nada respondeu Jesus; fato este que acabou de desorientar o governador. Sentia-se subjugado pelo ascendente de um ser de todo superior aos outros homens. Não pode, contudo, deixar de queixar-se de um silêncio que lhe pareceu ofensivo da sua dignidade. “Não me respondes a mim? Disse. Não sabes que tenho poder sobre ti, e que de mim depende mandar-te crucificar ou pôr-te em liberdade?”
Àquela afirmação do direito de julgar, sem se importar da justiça eterna, opôs Jesus o direito de Deus. “Tu não tens outro poder sobre mim, respondeu Ele, senão o que do alto te foi dado”. E ao mesmo tempo, o Seu olhar divino mergulhou até ao mais íntimo da alma do governador para lhe exprobrar a iniquidade do seu procedimento. Todavia, levando-lhe em conta os esforços que tentara par O arrancar à morte, acrescentou: “Os que me entregaram em tuas mãos são mais pecadores do que tu”.
Desassossegado, transtornado, levantou-se Pilatos, bem decidido a cumprir com o seu dever, ainda à custa de incorrer na ira dos Judeus. Voltou a anunciar-lhes a sua resolução definitiva, que era de pôr Jesus em liberdade; mas os príncipes dos sacerdotes e os anciãos do povo esperavam-no naquele momento decisivo para lhe jogar o último tiro. “Se O deixais em liberdade, gritaram eles com gestos furibundo, não sois amigo de César, pois todo o que se faz rei conspira, é claro, contra César”.
Pilatos sucumbiu como esmagado por uma martelada. Ao ouvir o nome de César, esqueceu-se de Jesus, dos direitos da justiça e do sentimento da sua dignidade. César era o temeroso Tibério, rodeado dos seus delatores; era o monstro que, por uma simples suspeita, condenava à morte, amigos e parentes. Imaginou-se para logo denunciado, deposto e perdido sem remédio. O interesse levou de vencida a consciência, e decidiu-se, enfim, a sacrificar Jesus.
Restava dar a sentença conforme as formalidades exigidas por lei. Na praça, em frente do pretório, havia uma cadeira elevada, formada com pedras multicolores, a qual em hebreu chamavam Gabbatha, que significa elevação e em grego Lithostrotos, ou montículo de pedras. Do alto daquele tribunal, diante de todo o povo, era que o governador romano devia proferir as suas sentenças. Tendo Pilatos tomado lugar naquela espécie de estrado donde dominava a multidão, foi ali trazido perante ele Jesus, preso e rodeado de guardas. Todos os olhos se fixaram no juiz e na Vítima e todos os ouvidos se aplicaram a ouvir os termos da sentença que se ia dar.
Pilatos olhando para a multidão pareceu, por última vez, pedir-lhe que perdoasse ao réu. E mostrando Jesus coberto de Sangue e de feridas, disse com voz comovida: “Eis o vosso rei!” Uma força superior o impelia a proclamar a realeza de Jesus perante aquele povo revoltado. Responderam-lhe com horríveis clamores: “Fora! Fora! Seja crucificado!”
Tentou até o Romano despertar os sentimentos patrióticos daqueles Judeus, outrora tão prezados da sua nacionalidade e dos seus príncipes. “Quereis então, disse ele, que eu mande crucificar o vosso rei? – Nós não temos outro rei mais que César!” responderam eles covardemente. Deste modo, aquele povo de Deus, aqueles pontífices, aqueles escribas, aqueles magistrados, aqueles Judeus, que a cada passo ostentavam serem descendentes de Abraão e Davi, ei-los todos que abdicam a sua nacionalidade, a realeza de Javé, a realeza do Messias libertador, todas as glórias do passado e todas as esperanças do futuro! Ei-los a todos de joelhos diante de César, e a repreender a Pilatos o não ser muito dedicado ao imperador! E por que motivo se prostra todo aquele povo com tal impudor aos pés dos pagãos? Por ódio a Cristo, ao Filho de Deus, para obter de Pilatos que O pregue num patíbulo e Lhe verta as derradeiras gotas de Sangue! O ódio levado a tal excesso já não é sentimento humano: tais como o traidor Judas, os Judeus da Paixão, verdadeiros instrumentos de Satanás, procedem e falam como teria feito o próprio Satanás.
Ao vê-los, para fartar a sua raiva, calcar aos pés o interesse e a glória da sua nação, compreendeu Pilatos que tudo era para temer de semelhantes furiosos, se lhes resistisse mais tempo. Atormentado de remorsos, mais preocupado, porém, com o seu posto do que com o seu dever, quis contudo, ao dar a vitória ao motim, protestar solenemente contra a sentença que lhe extorquiam. Mandando, pois, que lhe trouxessem água, lavou as mãos diante da assembleia, dizendo:
“Povo, eu estou inocente do Sangue deste Justo: vós respondereis por Ele”.
Um grito formidável, saído de milhares de peitos, ressoou pela cidade santa:
“Caia o Seu Sangue sobre nós e sobre nossos filhos!”
Este grito subiu até Deus e decidiu a ruína de Jerusalém, a degolação de um povo inteiro e a destruição da nação deicida.
Momentos depois, proclamava um arauto a sentença redigida por Pilatos. Dizia ela que “Jesus de Nazaré, sedutor do povo, desprezador de César e falso Messias, seria levado através das ruas da cidade ao lugar ordinário das execuções e uma vez lá, despido dos seus vestidos, seria pregado numa cruz, onde ficaria suspenso até à morte”.59
E assim, terminou o mais iníquo de todos os processos. Os príncipes dos sacerdotes deram-se o parabéns pelo seu triunfo; a multidão, ébria de sangue, bateu as palmas; Pilatos, sombrio e mal-humorado, entrou no palácio para lá ocultar a sua vergonha. Só Jesus, o condenado à morte, saboreava, no meio das Suas dores, uma alegria que nada pode traduzir: a hora do sacrifício que havia de salvar o mundo, aquela hora pela qual vinha suspirando desde a Sua aparição neste mundo, acabava, enfim, de soar.
2ª MEDITAÇÃO60
O Julgamento Religioso
Nosso Senhor tinha duas Naturezas: Divina e humana. Ambas foram levadas ao tribunal e sob acusações totalmente diferentes, cumprindo-se assim a profecia de Simeão, de que Ele era “um sinal de contradição”. Os juízes não chegavam a acordo quanto ao motivo pelo qual havia de morrer; só concordavam em que devia morrer. Os juízes religiosos, Anás e Caifás, acharam que era culpado de ser demasiado Divino; os juízes políticos, Pilatos e Herodes, acharam-no culpado de ser demasiado humano. Perante uns, era demasiado desprendido do mundo; perante outros, estava demasiado preso ao mundo; perante uns, era demasiado celeste; perante outros, era demasiado terreno. Desde aquele dia em diante, também a Sua Igreja seria condenada por acusações contraditórias: por uns, porque pretende ser demasiado divina; por outros, por ser demasiado humana. Condenado sob acusações contraditórias, Cristo foi sentenciado ao símbolo de contradições, que é a Cruz.
Se fosse aprisionado no templo, ou apedrejado em alguma das muitas ocasiões em que Seus inimigos se prepararam para isso, não se teriam cumprido as várias profecias relativas ao Seu sacrifício marcado com o caráter de Cordeiro de Deus. Quando, tempos atrás, os Fariseus Lhe disseram que Herodes tinha intenção de O matar, Nosso Senhor respondeu-lhes que não se entregaria à morte na Galileia, mas em Jerusalém; e ajuntou que, ninguém seria capaz de Lhe tirar a vida enquanto Ele próprio a não depusesse.
Mas no Horto, quando “todos os discípulos O abandonaram e fugiram”61, disse aos príncipes dos sacerdotes: “Esta é a vossa hora e do poder das trevas”.62
Queria dizer com isso que, quando ensinava publicamente, viajando através da Judeia e da Galileia, nenhum deles Lhe pôs as mãos, nem conseguiram lançá-Lo do precipício abaixo, em Nazaré. Mas o mal tem a sua Hora, aquela Hora da qual tantas vezes tinha falado, e durante a qual Deus concede ao mal o poder de conseguir um triunfo passageiro, a ponto de os espiritualmente cegos pensarem que têm a vitória ganha. As mãos dos perversos estão atadas até ao momento em que Deus lhes permite operar, sendo incapazes de vibrar mais um único golpe logo que Deus lhes dá ordem de parar. Enquanto não receberam permissão de Deus, os poderes das trevas foram impotentes para tocarem na propriedade ou na pessoa de Jó; como o foram igualmente para impedir o restabelecimento da prosperidade de Jó, logo que Deus assim o determinou. Do mesmo modo, nesta Hora, foi concedido às trevas um poder que lhe seria negado no momento da Ressurreição.
Nosso Senhor foi amarrado e conduzido pelos soldados. Talvez procedessem assim por Judas os ter aconselhado a que O segurassem bem. Além disso, o gênero dos sofrimentos de Cristo tinha sido prefigurado em Isaac quando Abraão, preparando-se para oferecer seu filho em sacrifício a Deus, precedeu como quem o submetia à força; “Então, atou a seu filho Isaac”.63
Conduziram-No para fora; não foi empurrado, nem arrastado por causa da Sua voluntária submissão. Isaías tinha profetizado, que seria conduzido como um cordeiro para o matadouro. Como um novo Jeremias, o homem das Dores foi posto a ferros por dar testemunho da verdade.
Depois de atravessarem a torrente do Cedron, dirigiram-se à “Porta das Ovelhas”, perto do templo e assim chamada por passarem por ela os animais sacrificiais. Jesus foi conduzido, primeiramente, a Anás, que era sogro de Caifás, o sumo sacerdote naquele ano. Durante o tempo da ocupação Romana da Palestina, parece que era eleito um sumo sacerdote a cada ano; mas apesar de Caifás ser, nesse momento, o presidente do Sanedrim, Anás era, de fato, a figura proeminente do dia.
E sendo ambos representantes do poder religioso, o primeiro julgamento baseou-se em motivos religiosos. Anás era pai de cinco filhos e sabemos, por outra fonte, que eles tinham interesses no templo e se encontravam entre os compradores e vendedores expulsos por Nosso Senhor, quando purificou o templo. De Anás, Cristo foi levado a Caifás. A Antiga Lei ordenava que todo o animal sacrificado pelos pecados do povo, fosse conduzido à presença do sacerdote. Por isso, Cristo, o representante do Sacerdócio do Espírito, foi conduzido à presença de Caifás, o representante do sacerdócio da carne. Era o mesmo Caifás que tinha dito: “Era conveniente condenar um homem à morte por causa do povo”.64
Torna-se, pois, evidente que tanto ele como o Sinédrio, já tinham decidido a morte de Cristo antes de se realizar o julgamento. O julgamento noturno do Sinedrim era ilegal, mas fez-se, apesar de tudo, no louco anseio de acabar com Cristo. E se é certo, que os Judeus não podiam proceder a execuções capitais, mantinham, contudo, o direito de organizarem os processos. Logo no começo do julgamento, “fez o sumo sacerdote perguntas a Jesus sobre os Seus discípulos, e sobre a Sua doutrina”.65
Uma vez que estava já determinado a condenar o Senhor à morte, Caifás não tinha a mínima intenção de se informar fosse do que fosse; procurava apenas justificar-se da injustiça planejada. A primeira pergunta versava sobre a organização chefiada por Jesus e sobre Seus companheiros, aos quais o Sinédrio temia como uma ameaça; pois já antes os Fariseus tinham prevenido: “Vede como todo o mundo vai após Ele”.66
Ao juiz não interessavam tanto os nomes dos sequazes de Cristo quanto o seu número; o fim deste inquérito era obter dele uma resposta que justificasse a condenação já pronunciada. Quanto à doutrina, pretendia descobrir se Cristo era o chefe de uma sociedade secreta ou se pregava novidade ou heresia.
Nosso Senhor, que via o embuste por trás das perguntas, respondeu com absoluta intrepidez, filha da inocência, que a Sua doutrina era conhecida de todo o povo e que dela podiam dar testemunho todos os que a tinham escutado. Não fazia trabalho de sapa, não tinha Quinta Coluna, nem doutrina para iniciados. Não havia segredos nos Seus ensinamentos; todos os podiam escutar, porque pregou em público.
“Eu falei publicamente ao mundo; Eu sempre ensinei na Sinagoga e no templo aonde concorrem todos os Judeus. E nada disse em segredo. Por que me fazes perguntas? Pergunta àqueles que ouviram o que Eu lhes disse; eles sabem bem o que Eu ensinei”.67
Cristo pregou para o mundo, bem como para os Judeus. Não deporia em própria defesa; todos sabiam o que Ele tinha ensinado. Caifás fingia apenas ignorar o que era do conhecimento comum. Não excomungava já o Sanedrim todos os que acreditassem em Cristo? Na Sua humildade não pediu que fossem citados a depor os mudos, os coxos, os cegos e os leprosos, mas sim os que O escutaram. As autoridades do templo tinham desde há muito voltado costas ao povo; Cristo propunha-lhes agora que mandassem citar aqueles a quem eles desprezavam. Punha assim a Sua doutrina e os Seus discípulos contra o isolamento aristocrático entre o poder e o povo. Foi esta a primeira decisão cristã submetida à opinião do homem da rua. Assim, ao ser-lhe proposto um duplo inquérito, Cristo respondeu ao primeiro apelando para o povo comum, e ao segundo afirmando que o livro da Sua doutrina nunca estivera fechado; encontrava-se aberto para todos.
Ouvindo esta resposta, um dos oficiais presentes deu-lhe uma bofetada, dizendo: “Assim respondes ao Pontífice?”68
Seria a mão de Malco, aquele cuja orelha foi curada pelo Salvador, acerca de uma hora antes, que bateu no Senhor? Em qualquer caso, foi este o primeiro golpe lançado contra o Corpo do Senhor – um golpe que passou sem censura por parte dos juízes. Cristo foi assim posto fora da esfera da Lei por Caifás e pelo tribunal. Não podendo negar o conteúdo da mensagem, o soldado criticou a sua forma – reação esta, bem comum quando se trata de religião. Os que não têm capacidade de criticar a Cristo recorrem à violência. Foi posto fora da Lei. Com toda a mansidão, Jesus respondeu-lhe: “Se falei mal, mostra em que falei mal; se falei bem, por que Me feres?”69
Com um sopro, Nosso Senhor podia ter atirado com o ofensor para a eternidade, mas já que havia de ser espancado por causa das transgressões dos homens, e ferido por causa das iniquidades, receberia com paciência este primeiro golpe, dizendo, ao mesmo tempo, ao homem que apresentasse o seu testemunho contra Ele, se era capaz, para que houvesse uma razão que justificasse a violência. Nosso Senhor tinha ensinado que, quando nos esbofeteassem, apresentássemos a outra face. E Ele? Não só apresentou a face, mas todo o Corpo para ser crucificado.
Não podendo condená-Lo pelas Suas palavras, quer no que dizia respeito à doutrina quer aos discípulos, os juízes voltaram as suas esperanças para os depoimentos de testemunhas falsas: “Os príncipes dos sacerdotes e todo o conselho andavam buscando quem jurasse algum falso testemunho contra Jesus, a fim de O entregarem à morte. Mas, não o acharam, apesar de serem muitos os que se apresentaram para jurar falso”.70
Ansiosos mais por O condenarem à morte do que por O julgarem justamente, apresentaram testemunhas falsas, que se contradiziam umas às outras. Adiantaram-se, finalmente, duas testemunhas cujos depoimentos estavam em desacordo. Segundo uma, Cristo dissera: “Eu destruirei este templo feito por mãos de homens e em três dias edificarei outro sem auxílio de mãos de homens”.71
Estas palavras eram uma deturpação das que Nosso Senhor pronunciou no começo do seu Magistério Público, quando se referiu ao que começava naquele momento a efetuar-se. Ao expulsar os vendilhões do templo, os Fariseus pediram-lhe um sinal da Sua autoridade, ao que o Senhor respondeu, referindo-se ao templo do seu Corpo: “Destruirei este templo e em três dias Eu o reedificarei”.72
Agora, as falsas testemunhas depunham que Jesus afirmara, que havia de destruir o templo, quando na realidade o que disse foi que eles o destruiriam e que templo era o seu Corpo, que acabava de receber uma violenta bofetada. O templo terreno havia de receber também o seu golpe às mãos dos Romanos sob as ordens de Tito. Não disse: “Eu destruirei”; mas sim “Vós destruireis”. Também não disse: “Levantarei outro”; mas sim: “Eu o reedificarei”, referindo-se à Ressurreição. A contorção das Suas palavras serviu, contudo, para proclamar o fim da Sua vida e para fixar nas mentes dos inimigos a Sua Cruz e glória. Assim como uma só e a mesma linha traça a parte côncava e convexa de um círculo, assim se unem, para o mesmo fim, a perversidade voluntária deles e o sofrimento voluntário de Cristo. Serão conseguidos agora os planos Divinos do mesmo modo que o foram no tempo de José, prefiguração de Jesus, o qual disse a seus irmãos, que eles tinham pretendido o mal ao vendê-lo, mas que Deus tirara disso o bem. Ao bandear-se com o mal, Judas entregou Nosso Senhor aos Judeus, os Judeus entregaram-no aos Gentios, e os Gentios crucificaram-no. Mas, voltando o quadro ao avesso, ouvimos Nosso Senhor afirmar que o Pai entregou o seu Filho em resgate por muitos. Assim, as ações perversas, mas livres, dos homens são dirigidas superiormente por Deus, o qual pode fazer de uma queda uma felix culpa.
O Verbo Encarnado manteve-se silencioso durante o testemunho falso. Caifás, aborrecido com aquela contradição, exclamou: “Eu te conjuro, pelo Deus Vivo, que nos digas, se tu és Cristo, Filho de Deus”.73
Caifás dirigiu-se aqui a Nosso Senhor na sua capacidade de sumo sacerdote, ou ministro de Deus e pôs a Jesus Cristo sob juramento, para dar a resposta. Não levantou mais a questão do templo ou dos discípulos. A pergunta era esta: Era ele o Cristo, ou Messias; era o Filho de Deus; estava revestido de poder Divino; era o Verbo feito carne; era pois verdade que Deus, que tinha falado em diversos tempos e por diversos modos através de seu Filho? É tu o Filho de Deus? Jesus abriu a boca e disse duas palavras: “Eu Sou”.74
Com sublime consciência e dignidade majestosa, respondeu que Ele era o Messias e o Filho de Deus Vivo. Havia aqui uma alusão disfarçada ao Nome pelo qual Deus se revelou à Moisés. Passando, a seguir, da Sua natureza Divina à Sua natureza humana, ajuntou: “Mas eu vos declaro, que vereis de novo ao Filho do Homem sentado à direita do poder de Deus, e vir sobre as nuvens do Céu”.75
Afirmou primeiro a Sua Divindade e depois a Sua humanidade, mas ambas sob o pronome pessoal “Eu”. Na hora em que as maiores indignidades se acumulavam sobre Ele, afirmou com juramento que estaria à mão direita de Deus, donde viria no último dia. Mas, para sentar-se à direita do Pai, havia de subir ao Céu; efetuaria uma Segunda Vinda, para pesar na balança a recepção que as almas fizeram à Sua Primeira Vinda, “à Sua humilhada existência na terra”. Havia também uma referência ao Salmo 109, no qual se prediz a exaltação do Filho de Deus, quando fizer dos inimigos escabelo de Seus pés. A despeito da condenação certa que estava eminente, Cristo permitiu que a Sua glória brilhasse no meio da injustiça civil, proclamando o Seu triunfo, a Sua Realeza e o fato de que havia de julgar o mundo. O Salmista tinha já profetizado o que Jesus aqui afirmou; e mais claramente Daniel:
“Eu considerava estas coisas numa visão de noite, e eis que vi um Filho do homem, que vinha sobre as nuvens do Céu, e que chegou até junto do Antigo dos dias, e foi apresentado diante Dele. E Ele lhe deu o poder e a honra e a soberania; e todos os povos, todas as tribos e todas as línguas O servirão; o Seu poder é eterno, e o Seu reinado jamais será corrompido”.76
Poucos anos depois deste julgamento, ao cair como Mártir, esmagado sob o peso das pedras, Estêvão contemplou o que Cristo agora anunciava a Caifás: “Vejo os Céus abertos e o Filho do Homem em pé à mão direita de Deus”.77
Quando o Sinédrio o ouviu admitir a Sua Divindade, foi como se se tivesse desencadeado uma tempestade. Estavam prestes a soar as doze horas; e o primeiro julgamento terminou com a decisão do sumo sacerdote declarando-O réu de blasfêmia: “Então o sumo sacerdote rasgou o seu vestido, dizendo: Blasfemou!”78
Era costume entre os Hebreus rasgar os vestidos como manifestação de grande sentimento ou pesar, como fez Jacó quando recebeu a notícia da morte de seu filho José, e Davi ao saber da morte de Saul. Ao atirar para longe em farrapos as suas vestes, Caifás estava realmente a despojar-se da dignidade sacerdotal, marcando o termo do sacerdócio de Arão e abrindo o caminho ao Sacerdócio de Melquisedec. Os trajes sacerdotais foram rasgados e destruídos pelas mãos do próprio sumo sacerdote, mas o véu do templo seria rasgado pela mão de Deus. Caifás rasgou do fundo até ao cimo, como era costume; Deus rasgou o véu do cimo até ao fundo, porque ninguém tinha parte nele. Caifás interrogou depois o Sinédrio: “Para que precisamos ainda mais testemunhas? Vós acabais de ouvir a blasfêmia; que vos parece? E todos pronunciaram a sentença que, era réu de morte”.79
Chegaram rapidamente a uma conclusão; o Prisioneiro tinha blasfemado de Deus. A própria Vida devia provar a morte. Mas esta morte foi resolvida precisamente por Cristo ter proclamado a Sua Eterna Divindade. Caifás tinha dito que era útil que um homem morresse, antes que os Romanos, agora mais que nunca, se apossassem da nação. Neste momento, porém, tanto ele como o Sanedrim tomavam uma posição diferente; abandonando o campo utilitário e legal, argumentavam que era necessária a Sua morte para preservar a unidade espiritual existente entre Deus e Seu povo. Pretendiam despojar-se da carga da responsabilidade invocando Deus contra Deus.
Contra o condenado por blasfêmia, tudo agora era permitido, porque não tinha mais direitos.
“Então, uns Lhe cuspiram no rosto e O feriram com socos, e outros Lhe deram bofetadas na Face, dizendo: Advinha Cristo, quem é que te bateu”.80
Velaram-Lhe a Face, apagando assim a luz do Céu; e contudo, ao cegarem-Lhe os olhos, era a si mesmos que os cegavam. O véu cobria realmente os seus corações, não os olhos de Cristo. Mostrando-se tão orgulhosos do seu templo terrestre, estavam a esbofetear o Templo Celeste, porque nele habitava a plenitude da Divindade. Empregaram sarcasticamente o título “Cristo”; mas tinham mais razão do que cuidavam, porque Ele era o Messias, o Ungido de Deus.
Caifás conseguira o que pretendia, isto é, condenar a Cristo pelas Suas próprias palavras de blasfêmia, por se ter proclamado Filho de Deus por natureza. O inquérito versou sobre se Ele era ou não o Messias e o Filho de Deus predito pelos Profetas. Era, pois, Cristo Profeta, quem estava a ser julgado por Caifás; seria Cristo Rei, quem iria ser julgado por Pilatos; e seria Cristo, Sacerdote, quem se veria repudiado na Cruz quando oferecesse a Sua vida em sacrifício. Em cada um dos casos o Seu ofício seria metido a ridículo. Aqui escarneciam diretamente a cristo Profeta, em cumprimento da profecia de Isaías:
“Eu entreguei o meu corpo aos que me feriram, e as minhas faces aos que me arrancavam a barba: Não virei a minha face aos que me afrontavam, e cuspiam em mim”.81
Tinha acabado o julgamento religioso. O Filho de Deus foi encontrado réu de blasfêmia; a Ressurreição e a Vida foi sentenciada ao sepulcro; o Sumo Sacerdote Eterno foi condenado “pelo sumo sacerdote por um ano”. Agora foi o Sinédrio que escarneceu Dele; depois, será o Império Romano, e finalmente, na Cruz, ambos combinados. Tendo-O achado culpado, o Sinédrio tratou de O entregar logo a Pilatos, certo de que ele, o único com autoridade para mandar executar a sentença de morte contra Cristo, o faria sem hesitação. Cumpria-se, deste modo, a profecia segundo a qual Ele seria entregue aos Gentios. Mas assim como Judas atraiu sobre si a morte que tinha preparado para Cristo, assim Caifás, ao decidir a morte de Cristo por causa do medo dos Romanos, preparou simplesmente a destruição final da cidade de Jerusalém e do templo. O povo que entregou Cristo aos Romanos, seria mais tarde entregue ao poder Romano.
O Julgamento Civil
Acabara o julgamento de Cristo Profeta; começava agora o julgamento de Cristo Rei. Os juízes religiosos tinham encontrado a Nosso Senhor demasiado Divino, porque se proclamara Deus; agora, os juízes civis condená-Lo-ão por ser demasiado humano. Quando um tribunal superior ouve um caso que lhe foi apresentado por um tribunal inferior, dá-se continuidade na acusação. Os juízes religiosos não tinham poder de vida e morte, depois que os Romanos conquistaram a nação. Era, pois, de esperar que ao conduzirem a Jesus ao tribunal superior de Pilatos, fosse apresentada exatamente a mesma acusação contra Ele, a saber, a blasfêmia. A aprovação da sentença de morte exigia o selo de Pilatos. O Sanedrim podia consegui-lo por dois meios: ou fazer que Pilatos retificasse o veredito do tribunal religioso, ou organizar um novo julgamento no tribunal civil do conquistador. Foi escolhido o segundo método, e com muita astúcia. O Sinédrio sabia muito bem que Pilatos lhes riria na face se lhes apresentassem a cristo como réu de blasfêmia. Os Judeus tinham o seu Deus. Pilatos os seus deuses. Além disso, no caso de se tratar de um processo meramente religioso, o Governador remetê-lo-ia de novo ao tribunal deles sem sentenciar Cristo à morte.
Para melhor se compreenderem as relações entre o conquistador e os conquistados, convém dizer uma palavra acerca de Pilatos e do ódio dos Judeus contra ele. Pilatos, sexto procurador Romano da Judeia depois da conquista, tinha ocupado o cargo durante cerca de dez anos, reinando o Imperador Tibério. O seu procedimento arbitrário e por vezes cruel tinha levado a repetidas sublevações dos Judeus, que ele suprimiu com medidas violentas. O povo de Jerusalém desprezava-o, não só por ser o representante do Imperador Romano e estranho à sua raça, mas também por ter introduzido, de noite, em Jerusalém, retratos do Imperador e mandado colocá-los no templo. Ameaçou, depois, os Judeus de os mandar passar à espada se protestassem contra aquele ato; mas os Judeus ofereceram os pescoços a Pilatos e queixaram-se a Tibério. O resultado foi uma ordem para que as pinturas fossem retiradas. Quem apresentou a petição dos Judeus a Tibério foi Herodes Antipas. Podia ter sido esta a razão do atrito existente entre Pilatos e Herodes.
Outra razão que explica o ódio a Pilatos, foi o ter ele confiscado alguns fundos do tesouro, para construir um aqueduto. Nos tumultos que se deram durante a construção, foram assassinados alguns Judeus da Galileia e foi talvez num destes alvoroços, que se verificou a prisão de Barrabás, chefe dos amotinados e além disso ladrão. Pilatos precisava, pois, de ser muito prudente no que dizia respeito à sua posição em Roma, já que tinha falhado uma vez em manter a sua ação contra os Judeus.
De manhã muito cedo, todos os membros do Sanedrim – incluindo sacerdotes, anciãos e escribas – decidiram levar Cristo a Pilatos e pedir a sentença de morte. Os sacerdotes estavam indignados por Ele se chamar o Cordeiro de Deus; os anciãos estavam ofendidos porque, opondo-se ao seu rígido tradicionalismo, afirmou que era o Verbo de Deus; os escribas odiavam-no por Ele menosprezar a letra da Palavra e prometer o Espírito que viria iluminá-la. Tendo completado os planos para conseguirem a pena de morte, “levaram-no preso e entregaram-no ao governador Pôncio Pilatos”.82
Nosso Senhor foi amarrado várias vezes: quando O capturaram e quando O conduziram aos tribunais de Anás e Caifás. Puseram-no a ferros para Pilatos ver, criando assim a impressão de que cometera algum horrível crime. A entrega de Cristo a Pilatos foi um ponto significativo da Paixão, pois realizou a profecia feita por Nosso Senhor:
“Ele será entregue aos Gentios, será escarnecido, açoitado e cuspido; e depois de O açoitarem tirar-lhe-ão a vida; mas ressuscitará ao terceiro dia”.83
Os do Sinédrio levaram-no por terem rejeitado a promessa de salvação trazida pelo Messias; agora era a vez dos Gentios decidirem a sua atitude; rejeitariam também o Rei, como o Sanedrim rejeitou o Profeta? A grande muralha entre Judeu e Gentio foi finalmente deitada por terra, pois ambos O condenaram à morte. Como escreveu São Paulo: “Fez das suas nações uma só, destruindo na Sua própria Carne a muralha das inimizades que as dividia”.84
Deste modo, a responsabilidade pela Sua morte não pode ser lançada sobre nenhum povo, mas sobre toda a humanidade: “O mundo todo confessar-se-á devedor”.85
O Sanedrim – que teve escrúpulos em servir-se do dinheiro de Judas por ser preço de sangue – tinha escrúpulos também em entrar em casa de um Gentio, neste caso, de Pilatos. Ao entregar-lhe o Divino Prisioneiro, os membros do Sinédrio apenas receavam uma coisa: manchar-se. Pilatos era Gentio; se entrassem no pretório, ficariam manchados e não poderiam celebrar a Páscoa. Tinham de manter-se puros, aliás não poderiam verter o Sangue inocente do Cordeiro Pascal. Preferiam, portanto, derramar o Sangue inocente do Cordeiro de Deus do que transpor o limiar da porta de um Gentio. Nosso Senhor chamou um dia aos Fariseus “sepulcros caiados”, porque à semelhança de sepulturas caiadas, estavam limpos por fora, mas cheios de ossos de mortos por dentro. Completou-se agora o juízo no seu medo de contaminação em contato com a carne incircuncisa ao mesmo tempo que mantinham os corações incircuncisos. Mas havia outros motivos de escrúpulos: se entrassem numa casa da qual não tivesse sido retirado todo o fermento, não podiam tomar parte nas festas da Páscoa.
Quando, pois, os chefes do Sinédrio chegaram ao pretório (ou casa do Governador), Pilatos saiu-lhes ao encontro, porque sabia que eles se considerariam impuros se fossem obrigados a entrar. Mantendo-se fiel à tradição Romana do respeito pela lei, declarou que não passaria sentença alguma enquanto não tivesse a evidência da culpabilidade do acusado. Perguntou, pois, aos do Sinédrio: “Que acusação trazeis contra este homem?”86
Com o fim de captar a boa vontade de Pilatos, convidaram-no a confiar na sentença que eles já tinham pronunciado, assegurando-o, ao mesmo tempo, de que nunca fariam nada injusto contra um inocente: “Se não fosse um malfeitor, não O entregaríamos a ti”.87
Nem uma palavra sobre a blasfêmia. Sabiam que tal acusação seria ineficaz diante de um Gentio, conquistador, e pessoa a quem desprezavam; empregaram, portanto, o termo geral de “malfeitor”. E tinham mais razão do que pensavam, pois, Cristo era realmente um malfeitor, ou um “que levava os pecados de muitos”.
Pilatos, ciente de que a posição legal deles perante Roma não era de molde a proteger-lhe a autoridade e pouco desejoso de se imiscuir naquele caso, disse-lhes que O julgassem conforme a sua lei. A resposta imediata foi que não tinham poder para condenar ninguém à morte, – o que era realmente verdade desde que estavam sujeitos a Roma. Além disso, não ousariam condenar ninguém à morte num dia de festa em que iam sacrificar o Cordeiro Pascal.
No intuito de obrigar o Governador a atender ao caso, apresentaram três acusações contra Nosso Senhor: “Achamos que este Homem estava a perverter a nossa nação, proibindo dar tributo a César, e dizendo que Ele é o Cristo Rei”.88
Continua o silêncio quanto à blasfêmia; agora acusam-no de sedicioso; Cristo era antipatriota, demasiado mundano, demasiado político, anti-César, anti-Roma. Era, numa palavra, um enganador que induzia o povo a seguir numa direção diferente daquela que Roma impunha. Em segundo lugar, incitava o povo contra o pagamento dos impostos ao rei, ou César. Finalmente, apresentava-se como rei rival de Pilatos, o que constituía um abuso da majestade. Os Romanos, continuavam eles, tinham de pôr-se em guarda contra este aventureiro político. Foram até ao ponto de falar “da lealdade do nosso povo” para com Roma, quando na realidade desprezavam, nos seus corações, tanto Pilatos como Roma.
Cada palavra, cada mentira. Se Cristo fosse um cabecilha de sedição, ou se tivessem aparecido sinais de insurreição ligados com o seu nome, Pilatos não deixaria de ter disso conhecimento, e levantar-se-iam, igualmente, as suspeitas de Herodes. Ora, nunca, anteriormente, foi apresentada a mais leve queixa contra Ele. Quanto à acusação de recusar pagar tributo a César, ainda pouco tempo antes, quando tentaram armar-Lhe um laço no templo, disse ao povo “que desse a César o que era de César”. A terceira acusação – de que era Rei – não se referia tanto ao fato de Ele se fazer rei dos Judeus, mas antes, que pretendia a realeza para se opôr a César. O que era igualmente falso, pois quando o povo procurou obrigá-Lo a aceitar uma tal realeza, Ele fugiu para as montanhas sozinho.
Pilatos duvidava da sinceridade deles, por saber do grande ódio dos Judeus contra César e contra si. Mas havia uma acusação que lhe causou certa preocupação. Seria, de fato, aquele Prisioneiro que tinha diante de si, rei? Mandou, pois, entrar a Jesus para dentro de casa. Ao chegar à sala do tribunal, perguntou-Lhe: “És tu Rei dos Judeus?”89
A acusação dizia apenas que Ele era rei. Pilatos sabia que se Cristo se levantasse como rei rival dos Romanos, os Gentios ter-se-iam apresentado como testemunhas contra Ele. Perguntou-Lhe, pois, se era Rei dos Judeus. Na resposta, Nosso Senhor penetrou na consciência de Pilatos, perguntando-lhe se dizia aquilo por se lhe terem levantado suspeitas fundadas na falsa acusação de seus inimigos. Pilatos esperava uma resposta direta. Nosso Senhor esclareceu que era necessário fazer uma distinção entre realeza política e religiosa, a qual significava que Ele era o Messias. Pretendia tornar evidente ao cético Pilatos, que a Sua Realeza não se exercia num reino terreno mantido à custa do poder militar, mas consistia num Reino espiritual, que seria estabelecido sobre a verdade. Não teria súditos políticos, mas apenas morais; reinaria nos corações, não nos exércitos.
“O meu Reino não é deste mundo; se o meu Reino fosse deste mundo, os meus servidores haviam de pelejar, para impedir que eu fosse entregue aos Judeus; mas o meu Reino não está fundado aqui”.90
A inquietação de Pilatos acerca da possibilidade de um desafio ao poder Romano, por então, desvanecida. O Reino de Cristo não era deste mundo; era pois diferente de Judas Galileu, filho de Ezequias, que tinha chefiado uma rebelião contra Roma, umas dezenas de anos antes, induzindo o povo a não pagar os impostos. Pode bem ser que tivesse chegado aos ouvidos do Governador, que na noite anterior, quando Pedro disputou com a espada, Nosso Senhor reprovou o manejo da arma e curou o ferido. Se o Seu Reino fosse do mundo, argumentava Jesus, necessitaria de exércitos de homens; mas a Ele bastava-Lhe um Reino Celeste, que se fundava num poder do alto. O Seu Reino estava no mundo, mas não era do mundo.
O porte digno e tranquilo daquele homem na sua frente atado com cordas – a Face desfigurada com as bofetadas do último julgamento, a afirmação de que o Seu Reino não era deste mundo, de que tinha servidores que não utilizariam a espada e que havia de estabelecer um Reino sem combates – tudo isto deixou Pilatos admirado. Pôs-lhe, pois, a mesma questão mas por outra forma. Da primeira vez perguntou-Lhe: “Logo, tu és Rei?”91
O primeiro julgamento centralizou-se em Cristo Profeta, Messias, Filho de Deus. O julgamento civil, girou à volta do Seu Reino. É significativo que os Gentios estejam associados a Cristo sob este título real! No seu Nascimento, vemos os Magos a indagar onde nasceu o Rei; foi o édito imperial de César que fez cumprir a profecia de Malaquias, de que havia de nascer em Belém.
Pilatos, satisfeito por ver que Cristo não era um rival político, quis satisfazer a sua estranheza sondando um pouco mais profundamente o Mistério das pretensões da realeza de Cristo. Nosso Senhor, tendo já declarado a Sua condição Real, aceitou a inferência tirada por Pilatos não sem uma ponta de ironia e respondeu: “Tu mesmo o dizes que eu sou Rei. O fim para que eu nasci, e o fim para que vim ao mundo, foi para dar testemunho da verdade. Todo o que é da verdade, ouve a minha voz”.92
Durante toda a Sua vida, Nosso Senhor falou de Si mesmo como tendo vindo ao mundo; foi esta a única vez que mencionou o Seu Nascimento. Ter nascido de um mulher é um fato; vir ao mundo é outro. Mas fez seguir imediatamente a referência ao Seu Nascimento humano com a reafirmação de que veio ao mundo. Ao afirmar que tinha nascido, reconhecia a Sua origem temporal humana como Filho do Homem; ao afirmar que veio ao mundo, asseverava a Sua Divindade. Além disso, Ele veio do Céu para dar testemunho, quer dizer, morrer pela verdade. Apresentou a condição moral para descobrir a verdade, afirmando que não se resumia numa investigação intelectual; o que se descobre depende em parte do comportamento moral de cada um. Foi neste sentido que Nosso Senhor disse um dia que as Suas ovelhas ouvem a Sua voz. Pilatos apanhou a ideia de que o procedimento moral está relacionado com a descoberta da verdade; recorreu, pois, ao pragmatismo e ao utilitarismo e lançou escarninho esta pergunta: “Que é a verdade?”93
E disto isto, voltou as costas à verdade ou antes, não à verdade, mas Àquele que é a Verdade. Estava para se ver como a tolerância com a verdade e o erro, num gesto de condescendência, conduz à intolerância e à perseguição; “Que é a verdade?” quando dito em tom de escárnio, é logo seguido de outra frase escarninha: “Que é a justiça?” A condescendência quando significa indiferença diante da justiça e da injustiça, vem finalmente a terminar no ódio à justiça. Aquele que foi tão tolerante com o erro que chegou a negar a Verdade Absoluta, foi o mesmo que crucificou a Verdade. O juiz religioso bradou-Lhe: “Eu te conjuro”; o juiz secular perguntou-Lhe: “Que é a verdade?” O que ostentava vestes de sumo sacerdote, apelou para Deus para repudiar as coisas que são de Deus; o que vestia a toga Romana, professou apenas ceticismo e dúvida.
Ao afirmar que todo o que é da verdade ouviria a Sua voz. Nosso Senhor anunciou a Lei de que a verdade assimila tudo o que lhe é congênito. A mesma ideia se encontra nas palavras a Nicodemos:
“Todo aquele que obra mal aborrece a luz, e não se chega para a luz, para que não sejam descobertas as suas obras. Mas aquele que obra a verdade, chega-se para a luz, para que as suas obras sejam manifestas, porque são feitas em Deus”.94
Se, pois, existisse em Pilatos o impulso para a verdade, reconheceria que a própria Verdade estava diante dele; se não existisse, sentenciaria Cristo à morte.
Pilatos encontra-se entre aqueles que afirmam que a verdade não é objetiva, mas subjetiva, que pertence a cada homem determinar por si mesmo o que é ou não verdadeiro. É uma deficiência frequente dos homens práticos, tais como Pilatos, o considerar a busca da verdade objetiva um construir de teorias inúteis. O ceticismo não resulta de uma posição intelectual, pois se determina não tanto pela razão quanto pelo modo como alguém atua e se porta. O desejo de Pilatos de salvar Jesus procedia de uma espécie de liberalismo que combinava a descrença na Verdade Absoluta com uma semi-benevolente repugnância em perturbar sonhadores como Aquele e as Suas superstições. Pilatos fez a pergunta: “Que é a verdade?”, à única pessoa no mundo que lhe podia dar uma resposta satisfatória.
Pôs então em prática a primeira das várias tentativas para salvar a Cristo; foram estas: a declaração da Sua inocência, a escolha entre prisioneiros, a flagelação, o apelo à compaixão, a mudança de juízes. Não compreendendo que existisse alguém pronto a morrer pela verdade, Pilatos não podia naturalmente compreender que a própria Verdade morresse por aqueles que erram. Depois de voltar as costas ao Logos Encarnado, saiu fora a transmitir ao povo a convicção de que o Prisioneiro que estava na sua presença era inocente.
“Não encontro nele crime algum”.95
Se não havia crime, Pilatos devia tê-Lo posto em liberdade. Ao ouvirem a declaração do Governador Romano, de que o Prisioneiro estava inocente, os membros do Sinédrio tornaram-se mais violentos, acusando-O de insurreto e revolucionário: “Ele subleva o povo com a sua doutrina por toda a Judeia, começando desde a Galileia até aqui”.96
O supremo interesse de Pilatos era a paz do estado; por isso, o supremo interesse do Sinédrio consistia em provar que Cristo era um perturbador da paz. Mal ouviu a palavra “Galileia”, Pilatos viu um modo de escapar a julgar a Cristo… Assim como o Sanedrim tinha mudado a acusação de blasfêmia em sedição, assim Pilatos transferiria a jurisdição do julgamento para alguém que exercia o poder na Galileia.
Herodes encontrava-se em Jerusalém, por motivo da festa da Páscoa. Apesar de inimigos mútuos, Pilatos estava ansioso por descartar-se da responsabilidade de absolver ou condenar a Cristo e atirou-a sobre Herodes.
Julgamento Diante de Herodes
Este era Herodes Antipas, filho de Herodes o Grande, o que mandou assassinar todas as crianças do sexo masculino de Belém com menos de dois anos de idade. A família de Herodes era Idumeia, quer dizer, descendente de Esaú, pai de Edom. A geração de Esaú parecia trazer inimizades contra a geração de Jacó. Herodes Antipas era tio daquele Herodes Agripa, que mais tarde matou Tiago Apóstolo e teria matado também Pedro se este não escapasse milagrosamente da prisão. Herodes era um homem sensual e mundano; mandou assassinar João Batista por este o repreender de se ter divorciado da esposa e viver com a mulher do irmão. Trazia a consciência inquieta não só por causa do assassínio do Precursor de Cristo, mas também por acreditar, supersticiosamente, que João Batista tinha ressuscitado e lhe assombrava a alma.
Quando Nosso Senhor lhe foi apresentado, “Herodes folgou muito ao ver Jesus, porque há muito tempo tinha desejos de o ver, por ter ouvido dizer D’ele muitas coisas, e esperava vê-Lo fazer algum milagre”.97
O Salvador, que jamais fizera milagre algum em Seu proveito, também o não ia certamente fazer para alcançar a liberdade. Mas o frívolo tetrarca, que olhava para o Prisioneiro do mesmo modo que uma audiência costuma olhar para um prestidigitador, contava passar uns momentos sob a volúpia da magia. Como Saduceu, não acreditava na vida futura; e como homem inteiramente entregue à licenciosidade, identificava religião com magia. Herodes pertencia àquele tipo de homens que têm curiosidade acerca da religião, que estudam e leem, chegando às vezes a estar bem instruídos sobre ela, mas que nem por isso abandonam os seus vícios. Era, pois, natural, que fizesse ao Senhor muitas perguntas. Apesar dos escribas e príncipes dos sacerdotes se unirem a Herodes instando com Nosso Senhor, este recusou-se a falar ao tetrarca. Se tivesse falado seria apenas para agravar a culpa daquele leviano imoral. Mais uma vez se apresentava ao Salvador a tentação de aceitar todos os reinos do mundo com a condição de comprometer a Cruz. Podia ter ganho Pilatos, e Herodes também, com uma só palavra; mas recusou-se a dizê-la. No Sermão da Montanha, referindo-se à pregação feita àqueles que não são sinceros, tinha advertido:
“Não deis aos cães o que é santo; nem lanceis aos porcos as vossas pérolas. Não suceda que eles ponham os pés em cima, e, voltando-se contra vós, vos despedacem”.98
A religião não se pode dar a toda a gente, mas só àqueles que são “da verdade”. Se é certo que Herodes ficou contente por ver Nosso Senhor, aquela satisfação não se fundava em motivos nobres de arrependimento. Por isso, Cristo, que falou ao ladrão penitente, a Madalena e Judas, não falaria ao rei Galileu, porque Herodes tinha a consciência morta. Era muito familiar com a religião. Desejava milagres, não como motivo de credibilidade, mas como satisfação da curiosidade. Tinha a alma tão surda aos apelos que lhe eram feitos, incluindo o do Batista, que um novo apelo só serviria para lhe sobrecarregar a culpa. Não era a alma que Herodes oferecia ao Senhor para a salvação, mas apenas os nervos para a titilação. Por isso, o Senhor do mundo não disse uma única palavra ao mundano. O Livro dos Provérbios exprime com exatidão a Divina atitude para com Herodes:
“Então me invocarão eles, e eu não os ouvirei; levantar-se-ão de madrugada, e não me acharão; por terem aborrecido as instruções, e não terem abraçado o temor do Senhor”.99
O silêncio de Nosso Senhor irritou Herodes, a tal ponto que o seu orgulho vexado voltou-se para a zombaria e escárnio: “Assim Herodes, com os seus cortesãos, desprezou-O, mandando-O vestir com uma veste branca de escárnio. E tornou a enviá-Lo a Pilatos”.100
A voz que deu ordem para que a cabeça de João Batista fosse entregue à filha de Herodíades, ordenou agora que o manto branco da humilhação pendesse dos ombros do Prisioneiro. Este manto branco foi-Lhe provavelmente imposto como objeto de burla por Ele se ter proclamado Rei. Todos os candidatos aos cargos públicos em Roma usavam uma toga cândida, ou manto branco, donde se originou a palavra “candidato”. Indicava, assim, Herodes que o pretenso Rei era digno de desprezo, mas o manto branco era também, sem ele o saber, uma declaração de inocência.
Os que no mundo têm pequenos ódios ousam disfarçá-los por causa de um ódio maior. O Nazismo e o Comunismo uniram-se por causa do ódio comum a Deus; o mesmo fez Pilatos e Herodes: “Naquele dia Herodes e Pilatos, que eram grandes inimigos um do outro, ficaram amigos”.101
Farisaísmo e Saduceísmo, que eram inimigos, uniram-se na Crucifixão. Que a Cruz de Cristo una os amigos de Cristo, é natural; mas une também os Seus inimigos. Os mundanos desistem sempre dos seus ódios menores em face do ódio ao Divino. Parecia realmente uma farsa, este Prisioneiro coberto com o próprio Sangue, odiado do próprio povo, a clamar que era Rei. Herodes podia estar certo de que Pilatos compreenderia o humorismo daquela atitude. Quando se encontrasse com ele ririam ambos do caso, deixariam de ser inimigos – mesmo que o alvo da sua ironia fosse Deus. O riso só se torna perverso quando se volta contra Aquele que o concedeu. Podemos perguntar-nos se, ao remeter o Divino Prisioneiro a Pilatos para ser condenado, Herodes se lembraria da afirmação de Nosso Senhor, de que morreria em Jerusalém e não na Galileia. Depois da Ascensão e da Descida do Espírito Santo, quando Pedro e João foram conduzidos à presença dos juízes por pregarem a Cristo e Cristo Crucificado, os que estavam na companhia deles levantaram a primeira oração da Igreja Cristã. Nessa oração são mencionados juntos estes dois juízes, bem como os Judeus e Gentios, pois uma vez que o mundo inteiro teve parte na Sua condenação, participou também ou havia de participar da Sua Redenção.
“Verdadeiramente, ligaram-se nesta cidade, contra o teu Santo Filho Jesus, ao qual ungiste, Herodes e Pilatos com os Gentios e o povo de Israel, para executarem o que o teu poder e o teu conselho determinaram que se fizesse. Agora, Senhor, olha para as suas ameaças”.102
Segundo Julgamento Diante de Pilatos
Pilatos, viu a multidão, com Nosso Senhor no meio, voltando de casa de Herodes e aproximando-se do seu palácio. Tão difícil se torna lavar as próprias mãos de Cristo. Obrigado a retomar o caso diante da turba, Pilatos voltou à primeira acusação, de que Ele pervertia o povo, e declarou:
“Eu interroguei-O na vossa presença, e não encontrei n’Ele culpa alguma daquelas de que O acusais; nem Herodes tão pouco, porque vos remeti a ele e eis que nada foi provado contra Ele que mereça morte”.103
Aparentemente, ambos os juízes estavam convencidos que a despeito dos boatos postos a circular, o Prisioneiro estava inculpado. Pela segunda vez foi declarado inocente. Pilatos, conhecendo que os Judeus tinham entregado a Cristo só por inveja, procurou uma nova saída para O não condenar. Foi o próprio Sinédrio quem lhe forneceu a desculpa lembrando-lhe que era costume, no tempo da Páscoa, soltar um prisioneiro. Definhava por esse tempo no cárcere um criminoso “notável”: Barrabás. Esse homem era o chefe do movimento clandestino Judaico contra os Romanos. Por crime de sedição e assassínio cometido durante uma revolta contra Roma, foi levado à prisão.
Pilatos era homem hábil; tentou baralhar o debate escolhendo um prisioneiro que era culpado precisamente da mesma acusação que eles apresentaram contra Cristo, a saber, de sedição contra César. Dentro de poucos instantes, sobre o mármore branco da sala do pretório, surgiam duas figuras diante da multidão. Pilatos sentava-se numa plataforma sobrelevada, rodeado da guarda imperial. Barrabás, a um dos lados, pestanejava sob a luz do sol. Há meses que o não via. Do outro lado, Cristo. Aqui estavam dois homens acusados de revolucionários. Barrabás apelava para os agravos nacionais; Cristo para a consciência. Soaram as trombetas. Restaurou-se a ordem. Pilatos deu uns passos à frente e dirigiu-se à multidão: “Qual deles quereis que vos solte? Barrabás, ou Jesus que se chama o Cristo?”104
A pergunta de Pilatos tinha todo o ar de democracia ou eleições livres, mas não passava de um barato fac-símile. Examinemos aquela pergunta. Consideremos, em primeiro lugar, o povo ao qual era dirigida, e depois a perguntar em si mesma. Quanto ao povo, não estava inclinado a condenar Nosso Senhor à morte. Por essa razão alguns demagogos “persuadiram a multidão, que pedisse Barrabás”.105
Há uma ralé, um grupo de rabões, descuidados e despreocupados, sempre prontos a seguir esse gênero de oratória, que foi qualificada de “meretriz das artes”. O povo pode ser desencaminhado por falsos chefes; os mesmos que gritaram “Hosana” no Domingo, podem gritar “Crucifica” na Sexta-feira.
O que sucedeu naquela Sexta-feira Santa foi isto: O povo, por ação dos propagandistas, tornou-se a massa. Uma democracia com consciência transformou-se em plebecracia com poder. Quando a democracia perde o senso moral, o seu voto pode levá-la diretamente para fora da democracia. Quando pilatos perguntou: “Qual quereis que vos solte?”106 estava a seguir uma justa eleição democrática. Queria fazer compreender que o voto significa o direito de escolha entre inocência e culpa, bem e mal, justo e injusto.
Em resposta à pergunta de Pilatos as massas gritaram atroadamente: “Barrabás”.107
Pilatos não queria acreditar nos seus ouvidos. Também Barrabás não queria acreditar nos seus ouvidos! Seria verdade que estava prestes a sair livre? Pela primeira vez, ficou ciente que podia levar por diante a sua rebelião. Voltou para o Nazareno o rosto inchado e afogueado. Queria medir o seu rival da cabeça aos pés; mas não se atreveu a levantar mais o olhar. Havia qualquer coisa nos olhos do Nazareno que lhe lia na alma; era como se tivesse verdadeira pena dele por estar livre.
“Mas todo o povo gritou a uma voz, dizendo: Tira-nos esse homem e nos solta Barrabás.108
“E Pilatos disse-lhes outra vez: Pois que quereis vós que eu faça ao Rei dos Judeus?”109
“Pois desejava livrar a Jesus; mas eles continuaram a gritar: Crucifica-O, crucifica-O”.110
“E terceira vez lhes disse Pilatos: Pois que mal fez Ele? Eu não acho n’Ele causa alguma de morte; castigá-Lo-ei e depois soltá-Lo-ei. Mas eles instavam, pedindo a grandes vozes, que fosse crucificado; e cresciam cada vez mais as suas vozes. Enfim, Pilatos consentiu que se fizesse como eles pediam. E soltou-lhes aquele que tinha sido preso por causa do homicídio e da sedição”.111
Vede que espécie de homem vós estais acusando. Vede-O, não vestido de arminho, sem outra coroa mais que a dos espinhos, sem outro sinal de Realeza mais que o Sangue rubro e sem outro símbolo de autoridade mais que uma cana. Estai tranquilos que Ele nunca mais assumirá o título de Rei que tão caro Lhe ficou. Foi na esperança de encontrar em vós uma centelha de humildade que cedi aos vossos desejos.
Mas quando os chefes do povo encaram n’Ele, gritaram: “Crucifica-O, crucifica-O”.
Disse Pilatos: “Tomai-O vós e crucificai-O”.
Respondeu o povo: “Nós temos uma lei e segundo essa lei Ele deve morrer, pois se fez Filho de Deus”.112
Pilatos disse que Ele era um “homem”; o povo retorquiu que era “Filho de Deus”. Pilatos declarou que era inocente perante a lei Romana; o povo respondeu que era culpado perante a lei Judaica. Quando Pilatos ouviu chamá-Lo “Filho de Deus”, “temeu ainda mais”.113
A superstição anda de mãos dadas com o ceticismo. Herodes não acreditava na Ressurreição; contudo, ao ouvir que Nosso Senhor pregava no seu território, pensou que Jesus era João Batista ressuscitado dos mortos. Pilatos não acreditava que Ele fosse Filho de Deus; contudo, olhava maravilhado para Aquele estranho Ser que não pronunciava uma única palavra em defesa própria. Profundamente abalado e receoso de que Jesus fosse algum mensageiro enviado pelos deuses, Pilatos mandou-O entrar para a sala do Tribunal e perguntou-Lhe: “Donde és Tu?”114
Não lhe perguntou: “Quem és Tu?”, ou “És Tu o Filho de Deus?”, mas; “Donde és Tu?” Não lhe interessava a origem Galileia do Senhor, porque já O tinha enviado a Herodes como Galileu. Suspeitou em Cristo algo mais que homem. Se fosse realmente do Céu, não O mandaria crucificar; por isso, O interrogou privadamente sobre a Sua verdadeira origem. Era esta a sexta pergunta feita por Pilatos. Restava-lhe apenas fazer mais uma.
Mas Jesus recusou responder-lhe. Pilatos já voltara costas à verdade. Cinco vezes durante o julgamento tinha Nosso Senhor guardado um misterioso silêncio: diante do sumo sacerdote, do Sanedrim, de Herodes e duas vezes diante de Pilatos. Tal silêncio podia significar que, sendo Ele o portador dos pecados do mundo, nada tinha a dizer em defesa própria. Quando falava era como Pastor; quando guardava silêncio era como “ovelha”; assim anunciara Isaías:
“Foi oferecido porque ele mesmo quis, e não abriu a sua boca; como uma ovelha será levado ao matadouro, e como cordeiro diante do que o tosquia emudecerá e não abrirá a boca”.115
Pilatos tinha tratado a Cristo como objeto de especulação sem se aproveitar da verdade que estava na sua frente. Para tais homens, não há resposta dos Céus. No íntimo da sua mente, Pilatos tinha chegado à convicção da inocência, mas não agiu de acordo com ela. Portanto, Pilatos não merecia resposta, e não a recebeu. Perdera o direito a qualquer ulterior revelação do Prisioneiro. Cada alma tem o seu dia de visitação; Pilatos também teve o seu.
Cláudia Prócula
Foi talvez neste momento que Cláudia, esposa de Pilatos, enviou uma mensagem ao marido.
Cláudia era a filha mais nova de Júlia, filha de César Augusto. Júlia fora casada três vezes, a última das quais com Tibério. Por causa da sua vida dissoluta, Júlia foi exilada quando deu à luz Cláudia, filha de um cavaleiro Romana. Ao completar os treze anos, Júlia enviou-a a Tibério para ser educada na corte. Tinha dezesseis anos quando Pôncio Pilatos, que era de baixa estirpe, a encontrou e pediu licença a Tibério para a desposar. Foi assim que Pilatos casou dentro da família do Imperador, o que lhe garantia o futuro político. Apoiado neste casamento, Pilatos foi nomeado Procurador da Judeia.
Não era permitido aos governadores Romanos levarem consigo as esposas para as províncias. Muitos políticos se regozijavam com isso, mas não Pilatos. O amor quebrou uma rígida lei Romana. Depois de residir seis anos em Jerusalém, mandou vir Cláudia a qual estava mais que ansiosa por experimentar o isolamento de vida longe da capital do mundo entre um povo desconhecido e estranho.
Podemos supor, com certo fundamento, que Cláudia tivesse ouvido falar de Jesus, talvez à donzela Judia que lhe preparava o banho, ou ao dispenseiro que lhe dava notícias d’Ele. Tê-Lo-ia até visto, talvez, pois a Fortaleza Antônia, onde vivia, encontrava-se perto do templo de Jerusalém, onde o Senhor ia com frequência.
Teria mesmo, quem sabe? ouvido a Sua mensagem e como “Ninguém jamais falou como este homem”, a sua alma ficou comovida. O próprio contraste entre Ele e as ideias do mundo que ela tão bem conhecia, entre ele e os pensamentos que a ocupavam, tornava mais aliciante o seu apelo. As mulheres de Jerusalém, ao verem Cláudia espreitando através das gelosias, e ao procurarem surpreender o brilho das joias nas suas mãos brancas ou notar o orgulho da sua face patrícia, estavam longe de adivinhar a profundidade dos seus pensamentos, a intensidade da sua amargura, ou o segredo das suas aspirações.
Havia entre os Romanos uma submissão quase Prussiana à lei. Não era permitido a nenhuma mulher interferir nos processos legais, nem sequer para fazer qualquer sugestão a respeito do procedimento judicial. O que torna mais notável a entrada de Cláudia em cena, é que ela enviou a mensagem a seu marido Pôncio Pilatos no próprio dia em que ele ia decidir o caso mais importante da sua carreira, o único pelo qual seria lembrado para sempre – o julgamento do Nosso Divino Senhor.
Enviar mensagens a um juiz enquanto se encontrava em tribunal, era um delito punível por lei, e só a terribilidade da ação que via prestes a concluir-se pode mover Cláudia a fazê-lo.
“Estando ele sentado em tribunal, mandou-lhe dizer sua mulher: Não te intrometas na causa desse justo, porque hoje, em sonhos, sofri muito a seu respeito”.116
Enquanto as mulheres de Israel se mantinham caladas, esta mulher pagã deu testemunho da inocência de Jesus e pediu a seu marido que O tratasse com justiça.
Na mensagem de Cláudia está em síntese, tudo o que o Cristianismo havia de realizar a favor da mulher pagã. É a única mulher Romana que aparece nos Evangelhos, e é uma mulher da classe superior. O seu sonho é um compêndio dos sonhos e aspirações do mundo pagão, da sua esperança secular pela vinda do Justo – o Salvador.
Não sabemos em que constituiu o sonho, mas um escritor moderno, Gertrud von Le Fort, conjecturou que na Sexta-feira Santa, de madrugada, ao despertar, pareceu a Cláudia ouvir umas vozes nas catacumbas que diziam: “Padeceu sob Pôncio Pilatos”; depois, mais tarde, nos templos Romanos convertidos em igrejas: “Padeceu sob Pôncio Pilatos”; finalmente, rolando como o bramido das ondas, as vozes multiplicavam-se cantando nas igrejas que se levantam como pináculos para o Céu: “Padeceu sob Pôncio Pilatos”. Mas fosse qual fosse o sonho, a mulher intuitiva tinha razão, enquanto o homem prático laborava em erro. Ao ver que o Prisioneiro continuava calado, o Procurador irritou-se, pois estava acostumado a ver os acusados a arrastarem-se trementes diante dele.
“Disse-Lhe Pilatos: Tu não me falas? Não sabes que eu tenho poder para te crucificar e poder para Te soltar?”117
Pilatos falou do poder que tinha para soltar ou para condenar. Mas se o Prisioneiro ali presente era inocente, Pilatos não tinha poder algum para O crucificar; se era culpado, não tinha poder para O pôr em liberdade. O juiz é julgado. Nosso Senhor falou imediatamente, recordando a Pilatos, que toda a autoridade, de que estava investido, não vinha de César, mas de Deus. Pilatos fez alarde da arbitrariedade do seu poder, mas Cristo referiu-o a um poder que é delegado aos homens.
“Não terias sobre mim poder algum, se não te fosse dado do alto”.118
O poder de que Pilatos se vangloriava foi “dado”. Quer o saibam quer não, os governadores, reis e dirigentes, toda a autoridade do mundo deriva do alto. “Por mim reinam os reis”, diz o Livro dos Provérbios.119 Mas Nosso Senhor imputou imediatamente um pecado maior tanto a Judas como ao sumo sacerdote.
“Por isso, o que me entregou a ti, é ainda mais culpado”.120
Pilatos, o Gentio, não sabia que o seu poder vinha de Deus; mas Caifás sabia-o e Judas também. Este superior conhecimento tornava um e outro mais culpado do que o Romano. Pilatos pecou por ignorância: Caifás e Judas pecaram contra o conhecimento.
A Condenação
Esta arrojada repreensão feita a Pilatos, recordando-lhe a sua dependência de Deus e acusando-o de pecado que, por menor, não deixava de ser menos real, excitou mais os seus esforços no sentido de “O livrar”. Saiu, pois, fora, para reafirmar diante da multidão a inocência do Prisioneiro. Mas a multidão tinha pronta uma resposta hábil:
“Se tu O soltares, não és amigo de César; porque todo o que se faz Rei, é rival de César”.121
Pilatos ficou assustado! Se soltasse o Prisioneiro, seriam apresentadas queixas ao já desconfiado Imperador, apontando-o como réu de conspiração e traição, no qual caso podia vir a perder não só o governo, mas a cabeça. É muito estranho que aquele mesmo povo, que desprezava César por causa dos seus morticínios, por todas as ofensas causadas na profanação do templo, proclamasse agora que não tinha outro rei senão César. Ao proclamar César por seu rei, o povo renunciava à ideia de um Messias e tornava-se vassalo do Império, preparando assim o caminho às legiões Romanas, que dentro de uma geração devorariam Jerusalém. Pareciam mais reais a Pilatos as ameaças de Tibério, do que a injustiça cometida contra Cristo. Mas no fim, os que temem mais aos homens do que a Deus, perdem aquilo mesmo que supunham estar-lhes reservado pelos homens. Pilatos foi, mais tarde, deposto pelo Imperador Romano, por causa de uma queixa apresentada pelos Judeus – outro exemplo do castigo infligido aos homens pelos próprios instrumentos nos quais tinham posto a sua confiança. Ao ouvir a ameaça de que informariam César da sua parcialidade por um homem a quem eles acusavam de inimigo de César, Pilatos sentou-se na cadeira de juiz e, apontando para o Prisioneiro coberto de Sangue empastado, coroado de espinhos e vestido com um manto escarlate, disse ao povo:
“Eis aqui o vosso Rei, mas eles clamavam: tira-O, tira-O, crucifica-O”.122
Perguntou Pilatos: “Pois, eu hei de crucificar o vosso Rei?” Responderam os príncipes dos sacerdotes: “Não temos outro rei senão César”.123
E o rei tomou-os pela sua palavra! Tal como outrora, no tempo de Samuel, quando rejeitaram o governo de Deus, para aceitarem um rei que Deus lhes concedeu irado, assim agora, rejeitando a Realeza de Cristo, seriam abatidos até à terra sob o reinado de César. Era costume dos Romanos, quando condenavam um criminoso à morte, tomar uma vara comprida, parti-la em duas, e atirá-la aos pés do prisioneiro. Pilatos seguiu esse costume e os dois pedaços formaram, sobre o pavimento de mármore, a figura de uma cruz.
Ibis ad crucem (“Sofrerás a Cruz”), era o édito Latino, I Lictor, expedi crucem (“Vai, Lictor, prepara a Cruz).
“Então, Pilatos, entregou-lhes Jesus para ser crucificado”.124
Ao entregar o Prisioneiro à Crucifixão, Pilatos não podia alegar a sua impotência para O salvar; tinha momentos antes, alardeado o seu poder de condenar e soltar. Nem podia sequer desculpar-se, com o fundamento de que lhe faltou coragem para opor-se àqueles que exigiam a morte de Cristo, porque pouco depois, quando lhe pediram que modificasse a inscrição sobre a Cruz, mostrou que podia ser inflexível. Pilatos estava a desempenhar um duplo papel. Não queria ofender aqueles sobre os quais governava, para não ser delatado a César, nem deseja verter sangue inocente.
A culpa da Crucifixão não se pode atribuir a nenhuma nação, raça, povo ou indivíduo. O pecado foi a causa da Crucifixão e toda a humanidade herdou a infecção do pecado. Judeu e Gentio tiveram parte no crime, mas o mais importante, é que o Pai Celeste também O entregou à morte, e tanto o Judeu como o Gentio tiveram parte nos frutos da Redenção:
“Não poupou o seu próprio Filho, mas entregou-O por todos nós”.125
Pilatos, então, “mandando vir água, lavou as mãos à vista do povo, dizendo: Eu sou inocente do sangue deste justo; vós lá vos avinde”.126
Pilatos desconhecia, certamente, o misterioso rito ordenado por Moisés, mas o povo, que escutou o Procurador declarar-se inocente, deve tê-lo recordado. Moisés ordenou o seguinte:
“Os anciãos daquela cidade vizinha virão junto ao morto, e lavarão as mãos sobre a novilha que jaz degolada no vale, e dirão: Não foram as nossas mãos que derramaram este sangue, nem os nossos olhos viram; Senhor, sê propício ao teu povo de Israel, que tu remiste e não lhe imputes o sangue inocente, que foi derramado no meio dele”.127
Agora os papéis estavam invertidos. Foi Pilatos quem se declarou inocente e os seguidores de Moisés fizeram o oposto. A cerimônia de Moisés prefigurava a declaração de inocência a favor de alguém por meio do sangue; foi o que sucedeu na morte de Cristo. Pilatos, contudo, procurou tornar-se inocente pela água, como Mohamed o procurou pela areia. Spencer, no seu Faery Queene, pintou-nos Pilatos a lavar as mãos continuamente através de toda a vida. O mesmo fez a Senhora Macbeth, mas como a água não podia lavar o coração de Pilatos, também a Senhora Macbeth se queixava:
“Poderá todo o grande oceano de Netuno, lavar as minhas mãos deste sangue? Não…
Apesar de o Governador ter sacudido, covardemente, a responsabilidade daquela perversão da justiça, ficou a soar na história o grito: “Padeceu sob Pôncio Pilatos”.
Judas confessou que tinha entregado “sangue inocente”; Pilatos afirmou repetidas vezes que “não encontrava culpa nele”; o mesmo afirmou Herodes; Cláudia Prócula, considerava-O “homem justo”; o ladrão diria, mais tarde, na Cruz, que Ele nunca fizera mal algum; e o centurião proclamaria finalmente:
“Na verdade, este era o Filho de Deus”.128
No momento em que Pilatos se declarou inocente daquele Sangue, o povo gritou à uma:
“O seu sangue caia sobre nós e sobre os nossos filhos”.129
Aquele Sangue podia cair sobre eles para destruição, mas era ainda Sangue redentor. Apesar de invocarem sobre si uma maldição, aquele a quem crucificaram não retificou a sentença. No fim, arrepender-se-ão. Antes do fim, há sempre um remanescente que será salvo. Mesmo nesse momento não se menciona uma única mulher entre os que reclamavam a morte de Cristo. E encontravam-se entre eles, naquela hora, algumas almas nobres, como José de Arimateia, Nicodemos, o despenseiro da casa de Herodes e, poucos anos depois, Paulo. Mas no momento de ser entregue pela terra, depois de ter sido entregue pelo Céu, para ser crucificado, foi acrescentada nova crueldade:
“Despojaram-no da púrpura, e vestiram-lhe os seus vestidos”.130
Arrancaram-Lhe o manto que lhe tinham posto por escárnio, para O ridicularizarem como falso Rei, mas não se diz se Lhe arrancaram também a coroa de espinhos. Vestiram-Lhe a Sua roupa, que incluía provavelmente os vestidos interiores e exteriores, bem como a túnica inconsútil, sobre a qual os soldados, mais tarde, deitariam sortes. Sairia a público com os Seus próprios vestidos, para ser identificado como aquele que pregou ao povo e se apresentou como o Messias.
“E tiraram-no para fora, para ser crucificado”.131
Foi conduzido para fora da cidade, como era costume em todas as execuções. O Levítico ordenava que os blasfemadores fossem executados fora da cidade. A Estêvão, quando mais tarde foi apedrejado como primeiro Mártir, arrastaram-no primeiro para fora da cidade. A lei ordenava igualmente que o bode expiatório, depois do sacerdote lhe impor as mãos em sinal de que lhe eram imputados os pecados do povo, fosse afastado para longe. A Epístola aos Hebreus, descreve este simbolismo:
“Porque os corpos daqueles animais cujo sangue, é levado pelo pontífice para dentro do santuário para expiação dos pecados, devem ser queimados fora dos arraiais. Pelo que também Jesus, para santificar o povo pelo seu Sangue, padeceu fora da porta da cidade”.132
Era vontade dos Judeus, que Cristo morresse; mas o que Ele realmente era e o que n’Ele odiavam, isso nunca podia morrer.
“E Jesus saiu, carregando a sua Cruz, para aquele lugar que se chama Calvário, e em Hebreu, Gólgota”.133
_____________________________
1. Bíblia Sagrada, traduzida da Vulgata e anotada pelo Pe. Matos Soares; Evangelho de São Lucas 22, 66-71; 23, 1-25, p. 1278. 13ª Edição; Edições Paulinas, São Paulo/SP. 1961.
2. Cfr. Mat. 26, 59 ss; Marc. 14, 55 ss.
3. “Novo Testamento”, por Mons. Dr. José Basílio Pereira, Evangelho de São Lucas, Cap. 22, 66-71; p. 270. Editores – Os Religiosos Franciscanos; Tipografia de São Francisco, Bahia. 1912.
4. Nuevo Testamento, versión directa del texto griego, por Eloíno Nácar Fuster y Alberto Colunga Cueto, O.P., Evangelio de San Mateo 27, 1, pp. 102-103. BAC – Biblioteca de Autores Cristianos, Madrid. 1960.
5. Luc. 22, 67.
6. Pe. Dr. Frei Mateus Hoepers, O.F.M., Novo Testamento, tradução do texto grego, Evangelho de São Lucas 22, 66-71, p. 232. Editora Vozes Ltda, Petrópolis/RJ. 1956.
7. Cônego Duarte Leopoldo, Concordância dos Santos Evangelhos ou Os Quatro Evangelhos Reunidos em um Só, 9ª Parte, Cap. V, p. 370. 4ª Edição; Secretariado Geral da Obra das Vocações – Cúria Metropolitana; Linográfica, São Paulo/SP. 1951.
8. Synopse Evangélica ou Texto Harmonizado dos Quatro Evangelhos, por um Padre da Congregação da Missão, 228º Capítulo, p. 343. Estabelecimentos Brepols, A.G. Editores Pontifícios, Turnhout/Bélgica. 1913.
9. Cônego Duarte Leopoldo, ob. cit., 9ª Parte, Cap. V, p. 370-371.
10. Pe. Dr. Frei Mateus Hoepers, O.F.M., ob. cit., p. 232.
11. Synopse…, ob. cit., Cap. 228º, p. 343.
12. Synopse…, ob. cit., Cap. 229º, p. 343.
13. “O cetro não será tirado de Judá, nem o príncipe da sua descendência, até que venha aquele que deve ser enviado. E Ele será a expectação das nações” (Gên. 49, 10). Toda a Tradição judaica e cristã reconhece nestas palavras de Jacó uma profecia messiânica, que determina com mais precisão as profecias dos capítulos III, 15; IX, 26; XXII, 18; XXVI, 4; XXVIII, 14.
14. Nestes três versículos (Núm. 24, 17-19) encerra-se uma das mais belas profecias messiânicas.
15. Cônego Duarte Leopoldo, ob. cit., 9ª Parte, Cap. V, p. 371.
16. Pe. J. Lourenço, O.P., O Santo Evangelho de Jesus Cristo, Cap. 162 – S. Mateus XXVII, 2, p. 409. 3ª Edição; Edição da “União Gráfica”, Lisboa. 1939.
17. Mons. Vicente Zioni, Santo Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, com comentários do Pe. Eusébio Tintori, O.F.M., Evangelho de São João XVIII, 31, p. 404. Edições Paulinas, São Paulo/SP. 1949.
18. San Juan 18, 30.
19. Eloíno Nácar Fuster y Alberto Colunga Cueto, O.P., ob. cit., p. 103.
20. Jo. XXVIII, 30-32.
21. Os Santos Evangelhos de Nosso Senhor Jesus Cristo, tradução portuguesa segundo a Vulgata latina, por um Padre da Missão, com Notas da edição francesa dos RR. PP. Agostinhos da Assunção, Evangelho de São Lucas, Cap. XXIII, 1, p. 78. Colégio da Imaculada Conceição - Botafogo, Rio de Janeiro, 1904.
22. Mons. Dr. José Basílio Pereira, ob. cit., Cap. 23, 1-7; p. 270-271.
23. Pe. J. Lourenço, O.P., ob. cit. S. Jo. XVIII, 36, p. 412.
24. Cônego Duarte Leopoldo, ob. cit., 9ª Parte, Cap. V, p. 373.
25. Cônego Duarte Leopoldo, ob. cit., 9ª Parte, Cap. V, p. 373.
26. Jo. 18, 33-35.
27. Synopse…, ob. cit., Cap. 231º, p. 346.
28. Jo. 18, 36.
29. Synopse…, ob. cit., Cap. 231º, p. 346-347.
30. Synopse…, ob. cit., Cap. 231º, p. 347.
31. Jo. 18, 38.
32. Synopse…, ob. cit., Cap. 231º, p. 347.
33. Os Santos Evangelhos de Nosso Senhor Jesus Cristo, tradução portuguesa segundo a Vulgata latina, por um Padre da Missão, com Notas da edição francesa dos RR. PP. Agostinhos da Assunção, Evangelho de São João, Cap. XXVIII, 37-38, p. 59. Colégio da Imaculada Conceição - Botafogo, Rio de Janeiro, 1904.
34. Os Santos Evangelhos de Nosso Senhor Jesus Cristo, tradução portuguesa segundo a Vulgata latina, por um Padre da Missão, com Notas da edição francesa dos RR. PP. Agostinhos da Assunção, Evangelho de São Mateus, Cap. XXVII, 11-12, p. 96. Colégio da Imaculada Conceição - Botafogo, Rio de Janeiro, 1904.
35. Cônego Duarte Leopoldo, ob. cit., 9ª Parte, Cap. V, p. 375.
36. Mons. Dr. José Basílio Pereira, ob. cit., Cap. 23, 7; p. 271.
37. Cônego Duarte Leopoldo, ob. cit., 9ª Parte, Cap. V, p. 375.
38. Synopse…, ob. cit., Cap. 232º, p. 348.
39. Cônego Duarte Leopoldo, ob. cit., 9ª Parte, Cap. V, p. 376.
40. Synopse…, ob. cit., Cap. 232º, p. 348.
41. Mons. Dr. José Basílio Pereira, ob. cit., Cap. 23, 8-12; p. 271.
42. Cônego Duarte Leopoldo, ob. cit., 9ª Parte, Cap. V, p. 376.
43. Cônego Duarte Leopoldo, ob. cit., 9ª Parte, Cap. V, p. 376.
44. Synopse…, ob. cit., Cap. 233º, p. 349.
45. Mons. Vicente Zioni, ob. cit., Evangelho de São Mateus XXVII, 15, p. 116.
46. Mons. Vicente Zioni, ob. cit., Evangelho de São Marcos XV, 6, p. 192.
47. Cônego Duarte Leopoldo, ob. cit., 9ª Parte, Cap. V, p. 377.
48. Cônego Duarte Leopoldo, ob. cit., 9ª Parte, Cap. V, p. 377.
49. Mat. 27, 19.
50. Synopse…, ob. cit., Cap. 234º, p. 350.
51. Mons. Dr. José Basílio Pereira, ob. cit., Cap. 23, 13-25; p. 271-272.
52. Cônego Duarte Leopoldo, ob. cit., 9ª Parte, Cap. V, p. 372.
53. Cônego Duarte Leopoldo, ob. cit., 9ª Parte, Cap. V, p. 375.
54. Salmo 37, 25.
55. Rev. Pe. Berthe, C.Ss.R., “Jesus Cristo – Sua Vida, Sua Paixão, Seu Triunfo”, Livro 7º, Caps. V e VI, pp. 370-385. Tradução do Francês. Estabelecimentos Benzinger & Co. S.A., Einsiedeln/Suíça. 1925.
56. Gên. 49, 10.
57. Jo. 8, 44.
58. Aquela escadaria de mármore branco, de vinte e oito degraus, que Jesus rociou com o Seu Sangue depois da Flagelação, foi transportada para Roma por ordem de Constantino. É a Scala Sancta, que se venera em São João de Latrão. Os fiéis não sobem por ela senão de joelhos.
59. Adriconius, Theat. Terrae Sanctea, p. 163, conforme antigas tradições.
60. Fulton J. Sheen, Bispo Auxiliar de Nova Iorque, “Vida de Cristo”, Caps. 43, 45, 47; pp. 479-489; 497-509; 517-531. Tradução de M. Gonçalves da Costa; Editora Educação Nacional, de Adolfo Machado, Porto, 1959.
61. Mat. 26, 56.
62. Luc. 22, 53.
63. Gên. 22, 9.
64. Jo. 18, 14.
65. Jo. 18, 19.
66. Jo. 12, 19.
67. Jo. 18, 20-21.
68. Jo. 18, 22.
69. Jo. 18, 23.
70. Mat. 26, 59-60.
71. Marc. 14, 58.
72. Jo. 2, 19.
73. Mat. 26, 63.
74. Marc. 14, 62.
75. Mat. 26, 64.
76. Dan. 7, 13-14.
77. At. 7, 55.
78. Mat. 26, 65.
79. Marc. 14, 63-64.
80. Mat. 26, 67-68.
81. Is. 50, 6.
82. Mat. 27, 2.
83. Luc. 18, 32-33.
84. Ef. 2, 14.
85. Rom. 3, 19.
86. Jo. 18, 29.
87. Jo. 18, 30.
88. Luc. 23, 2.
89. Jo. 18, 33.
90. Jo. 18, 36.
91. Jo. 18, 37.
92. Jo. 18, 37.
93. Jo. 18, 38.
94. Jo. 3, 20-21.
95. Jo. 18, 38.
96. Luc. 23, 5.
97. Luc. 23, 8.
98. Mat. 7, 6.
99. Prov. 1, 28-29.
100. Luc. 23, 11.
101. Luc. 23, 12.
102. At. 4, 27-29.
103. Luc. 23, 14-15.
104. Mat. 27, 17.
105. Mat. 27, 20.
106. Mat. 27, 17.
107. Mat. 27, 22.
108. Luc. 23, 18.
109. Marc. 15, 12.
110. Luc. 23, 20-21.
111. Luc. 23, 22-23.
112. Jo. 19, 6-7.
113. Jo. 19, 8.
114. Jo. 19, 9.
115. Is. 53, 7.
116. Mat. 27, 19.
117. Jo. 19, 10.
118. Jo. 19, 11.
119. Prov. 8, 15-16.
120. Jo. 19, 11.
121. Jo. 19, 12.
122. Jo. 19, 14-15.
123. Jo. 19, 15.
124. Jo. 19, 16.
125. Rom. 8, 32.
126. Mat. 27, 24.
127. Deut. 21, 6-8.
128. Mat. 27, 54.
129. Mat. 27, 25.
130. Marc. 15, 20.
131. Marc. 15, 20.
132. Heb. 13, 11-12.
133. Jo. 19, 17.
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