Isten, áldd meg a magyart
Em entrevista
exclusiva, o embaixador húngaro em Viena, Vince Szalay-Bobrovniczky, explica
aos leitores de Catolicismo a atual situação de seu país com a nova
Constituição que entrou em vigor no primeiro dia deste ano. Ela inicia seu
texto com a frase em epígrafe e tem sido muito criticada pela União Europeia
por ser antimarxista, proteger as tradições e os valores da família.
O atual governo
conservador húngaro — eleito em meados de 2010 e liderado por Viktor Orbán, 49
anos — encontra-se sob forte ataque, sobretudo por parte da União Europeia
(UE), do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco Central Europeu e outras
instituições financeiras.
Dispondo de maioria
parlamentar acima de ²/³, o governo Orbán obteve a revogação da antiga
Constituição comunista, e a aprovação — que entrou em vigor em 1º de janeiro
deste ano — de uma nova Carta Magna. Esta invoca em seu preâmbulo a bênção de
Deus para os húngaros, menciona a coroa do Rei Santo Estêvão como símbolo do
Estado, incentiva a natalidade através da redução de impostos, não reconhece a
“união homossexual” como constituindo família e proíbe a adoção por parte de
homossexuais. Essa Constituição provocou a fúria das esquerdas em todo o mundo,
e em particular da União Europeia, que ameaça negar créditos à Hungria.
Tolerante com tantos absurdos, a UE não tolera, contudo, a existência de um
governo conservador entre as nações do velho continente.
A reação popular
húngara a essas críticas internacionais tem sido enorme. Os magiares não
desejam a submissão à UE, cujo caráter anticristão se opõe às raízes históricas
europeias. Em 21 de janeiro, 500 mil pessoas saíram às ruas de Budapeste em
apoio ao governo. Tal manifestação pode ser vista mediante o seguinte link: http://www.youtube.com/watch?v=ynFOuLmmR4w&feature=youtu.be.
O bispo auxiliar de
Budapeste, D. János Székely, declarou recentemente que a Hungria se encontra
exposta a uma onda injustificada de ataques da imprensa, cuja razão real é a
adoção pela Constituição de princípios defendidos pela Igreja, como a menção de
Deus no preâmbulo, a proibição do aborto e a proteção do matrimônio e da
família.
Sobre esse cadente
tema, o embaixador húngaro na capital austríaca, Vince Szalay-Bobrovniczky, 40
anos, católico praticante, concedeu na Abadia Cisterciense de Heiligenkreuz,
30 km a noroeste de Viena, a seguinte entrevista ao correspondente de Catolicismo
na Áustria, Carlos Eduardo Schaffer.
*
* *
Catolicismo — Se as sanções previstas pela UE forem aplicadas,
que condições tem a Hungria de resistir?
Embaixador — Nossa economia se encontra em boa situação; temos
reservas gigantescas e nos encontramos a quilômetros de distância de uma
possível bancarrota. Temos quase tudo o que necessitamos, inclusive um bom
superávit comercial. Mas somos desafiados do exterior com objetivos
especulativos. Reconhecemos que para algumas empresas a situação é difícil,
elas precisarão dar sangue, mas a situação melhorará. Esta crise estará resolvida
até 1º de janeiro de 2013. Há sinais positivos, mas a luta precisa continuar.
Os objetivos desses ataques são tornar o governo inviável. É difícil discernir
o que poderá acontecer. A esquerda não consegue na Europa atingir seus
objetivos e deseja radicalizar as posições.
Há pouco, no dia 1º
de janeiro, a Constituição entrou em vigor. Ela inicia seu texto com as
palavras “Deus
proteja os húngaros” — citação de uma frase de nosso Hino Nacional.
Certas disposições da Constituição são criticadas, como a defesa da família e
da vida dos nascituros. As famílias numerosas passam a ter vantagens fiscais —
quanto maior o número de filhos, menos imposto paga a família. Uma família com
quatro filhos praticamente já não paga imposto sobre a renda.
Outro ponto criticado
é o fato de que o assim chamado “casamento” homossexual não foi introduzido na
Constituição, embora a homossexualidade seja tolerada, mas sem direito à
adoção.
Catolicismo — Por que a Constituição é criticada como sendo
restritiva da liberdade religiosa?
Embaixador — Nós tínhamos até agora, reconhecidas pelo governo,
cerca de 350 religiões. Muitas eram as chamadas “igrejas-business”. Atualmente
são reconhecidas oficialmente 14. O processo de reconhecimento não está
terminado, é possível que outras religiões sejam ainda reconhecidas. Qualquer
religião pode registrar-se, desde que cumpra certas exigências. Não podemos
reconhecer “religiões” cuja principal tarefa seja ajuntar dinheiro. Outras
igrejas são fundadas especialmente para receber benefícios do Estado. São
igrejas sem credo, constituídas às vezes unicamente por três indivíduos, com
fins de obter lucro. Desde o fim da União Soviética, a Cientologia
era reconhecida como religião, mas esse status lhe foi retirado pelo governo.
O que não se dá na Alemanha e na Áustria, onde o problema ainda é discutido.
A menção à Coroa de
Santo Estêvão no Preâmbulo da Constituição não gera nenhum direito. Mas não é
insignificante. A coroa simboliza o Reino Húngaro, sendo reconhecida como
símbolo do poder do Estado e de sua continuidade, embora a Hungria hoje seja
uma República. Ela é um símbolo que deve existir para sempre. Neste ponto
encontramos menos críticas.
Uma dificuldade
levantada contra a Hungria é a situação dos ciganos. Eles são um grande
problema para o Estado, ocasionando considerável tensão social. Temos
oficialmente 700 mil ciganos, mas na realidade são algumas centenas de milhares
a mais. Não frequentam escolas. O governo precisa convencê-los da necessidade
da educação e essa ação não pode ser vista como arbitrariedade do Estado. Eles
precisam ser obrigados a isso, embora não queiram. No Nordeste da Itália eles
são responsáveis por grande parte da taxa de desemprego, acima de 30%. Para que
gozem do apoio do Estado, precisam aceitar os trabalhos oferecidos.
Diante das atuais
críticas, o ânimo e a atitude da população é de resistência.
Catolicismo — Qual a atitude do povo húngaro ante a pressão
conjunta da União Europeia e da mídia no sentido de enfraquecer seu governo?
Embaixador — Perguntei a um deputado do Parlamento Europeu,
amigo meu, se estávamos nos mostrando hipersensíveis em nossa atual disputa com
a UE. Nós, húngaros, somos hipersensíveis? É esta a nossa mentalidade, ou
deveríamos dizer com mais frequência “esqueçamos tudo, passemos por cima disso”.
Deveríamos ser mais indulgentes com o que se passa neste momento? Temos razão
quando dizemos “Não,
isto não permitimos!” No Ocidente existe outra mentalidade, a que
leva à prática do perdão. Também desejamos, quando chegar o momento, perdoar.
Mas agora estamos em luta! Não chegou ainda o tempo de falar em perdão.
Catolicismo — Haverá modificações em relação à nova lei de
imprensa?
Embaixador — O governo foi constituído em meados de 2010. Houve
então muitos ataques da imprensa, mas éramos fortemente apoiados pelo povo e a
oposição de esquerda estava totalmente aniquilada.
O primeiro grande
embate se deu por ocasião da mudança na lei de imprensa. Essa lei foi feita
realmente de modo muito estrito. Acabamos por concordar com as observações da
UE e a mudamos em quatro pontos essenciais, o que deixou a UE satisfeita. A
mídia internacional, entretanto, não esquecerá este ponto e dentro de algum
tempo voltará ao ataque. É interessante notar que essa lei em nenhum ponto fere
a liberdade de imprensa.
Catolicismo — A UE se mostrou também insatisfeita com as novas
relações entre seu governo e o Banco Central Húngaro. Que importância tem esta
insatisfação?
Embaixador — Outra questão é a possibilidade de a Hungria ir à
bancarrota. O país está longe da bancarrota. Naturalmente devemos nos preocupar
com a situação financeira. Ela pode piorar. O valor de nossa moeda oscilou
muito em relação ao euro. A solidez de nossa situação financeira desceu na
escala de classificação internacional, feita pelas rating agencies. Entretanto esta
classificação nos trouxe até agora pouco prejuízo. Mas se quiserem nos
prejudicar poderão fazê-lo. Se o FMI nos emprestar o dinheiro de que
necessitamos, honraremos nossos compromissos. Com a nova classificação feita
pelas rating
agencies devemos pagar juros ainda maiores. Estamos pagando 10%, o
que é um valor muito alto. Acima de 7%, a taxa de juros é muito perigosa para o
país.
Catolicismo — Se as sanções da UE e das instituições financeiras
forem realmente aplicadas, que condições terá seu país de resistir?
Embaixador — A respeito dos processos feitos pela UE contra a
Hungria é preciso saber que existem na UE centenas de processos contra outros
países por ferirem tratados europeus. Somente em 2010, foram instaurados 176
processos contra a Itália, 160 contra a Grécia, e mais ou menos o mesmo número
de processos existe contra a Bélgica. E contra nós há apenas 25. Mas, para
esses países, os processos dizem respeito a questões não importantes, enquanto
que contra a Hungria eles dizem respeito a questões de princípio.
Quanto à
independência do Banco Central Húngaro, devo dizer que em 2004 o governo
socialista [da Hungria] nomeou como presidente do Conselho Monetário uma pessoa
de sua confiança; nosso governo agora deseja fazer o mesmo. Naquela época não
houve protestos e agora há, dizendo que não temos direito de fazer essa
nomeação. Por outro lado, aqui na Áustria, todos os membros do Conselho
Monetário são nomeados pelo governo. Não são indicados pelo Parlamento, mas
nomeados pelo governo. Compreende-se esse modo de proceder dos governos, porque
o cargo tem significado político.
Catolicismo — Seu governo alterará a idade de aposentadoria dos
juízes, tal como estabelecido pela nova Constituição, ou acatará a orientação
contrária imposta pela UE?
Embaixador — Abaixamos a idade de aposentadoria de todos os
juízes, com exceção dos juízes da Corte Constitucional. Para os policiais, ao
contrário, elevamos a idade de aposentadoria de 40 a 62 anos. Antigamente a
aposentadoria dos policiais aos 40 anos se justificava por ser o trabalho mais
perigoso. Um advogado pode se tornar juiz aos 25 anos, com exceção dos juízes
da Suprema Corte, cuja idade mínima é 45 anos. A UE quer nos obrigar a elevar a
idade de aposentadoria dos juízes, embora reconheça ser parte do poder soberano
de cada país determinar quem e quando deve ser aposentado. Acabamos por aceitar
essa reivindicação da UE.
“Houve muitos ataques da imprensa contra o governo,
mas éramos fortemente apoiados pelo povo e a oposição de esquerda estava totalmente
aniquilada”.
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