Saudosas
Reminiscências Sacerdotais
sobre
o Sagrado Coração de Jesus
1
– Semeadores do amor divino: Pois
bem, nós os Sacerdotes somos os ministros do Amor infinito que Deus
tem para com o mundo. Dizei-me, pensamos bastante nisto?
“É
um céu cinzento e frio – são piedosas elevações de uma alma
mística moderna – e um vento impetuoso sopra no horizonte,
carregado de nuvens cinzentas. Em baixo a terra escura, sem algum
sinal de vegetação... Passam homens com seus alforjes donde tiram
as sementes e as vão espalhando a mãos cheias por sobre a terra...
E a voz de Jesus me diz: Eu quero que meus Sacerdotes sejam
semeadores do amor”.
Foi
no mês de junho de 1902, e a mesma Religiosa julgou ouvir dos lábios
do Redentor, vivo na Santa Hóstia, estas terníssimas palavras: “Se
o Sacerdote soubesse os tesouros de amor que encerra meu Coração,
destinados para ele! Que venha ao meu Coração e beba desta fonte e
encha-se de amor, até transbordar e derramá-lo sobre o mundo!”
“Margarida Maria mostrou meu Coração aos homens, tu mostra-O aos
meus Sacerdotes, atraí-os todos ao meu Coração... quero dar-lhes a
conhecer um segredo todo particular do meu Coração... Eu preciso
deles, para coroar Minha obra... Meu Coração é o cálice de meu
Sangue; se há alguém que tenha direito e obrigação de achegar-lhe
os lábios, não é porventura o Sacerdote, que bebe todos os dias do
cálice do Altar? Venha, portanto, ele ao meu Coração e beba”.
Oh! Se todos conhecessem o Coração de Jesus, este Paraíso inefável
de toda a felicidade e santidade, esta divina Cisterna de infinita
ternura!
“É
principalmente aos Sacerdotes que este Sagrado Coração quer
manifestar-se a esses chamados por Ele para reacender e vivificar
sobre a terra o fogo da caridade. Por sua bondade inefável Ele quer
ter necessidade deles, para completar seus desígnios, e o que
poderia operar diretamente nas almas, por meio da graça, não o faz
– por via de regra – senão mediante o concurso deles. Oh! Se o
Sacerdote soubesse que tesouros de ternura encerra para ele o Coração
de Jesus! Com que ardor se atiraria àquela fonte divina, para
encher-se de amor, até transbordar”.
Oh!
Se todos os Sacerdotes soubessem conduzir com fé, para este Tesouro,
para este Oceano de felicidade, todos quantos sentem fome e sede de
justiça! Como as almas fugiriam de boa vontade dos manjares
mortíferos! Como se negariam a beber junto das mil “cisternas
rotas”,
que não sabem matar a sede! Como, unido ao Coração de Deus,
encontraria o coração do homem completa satisfação na “torrente
de suas delícias”,
na paz profunda que o mundo não pode dar! “Qui biberit ex aqua
quam ego dabo ei, non sitiet in aeternum”.
Quem
poderá descrever o agradecimento do Redentor para com os Sacerdotes
que souberam verdadeiramente conduzir as almas ao seu Coração, como
o quer a Igreja, “columna et firmamentum veritatis?”.
2
– Contestação dolorosa: Mas
então os Sacerdotes ainda não conhecem a Jesus? Ainda não foram
todos pelo menos para beber no seu Coração? Ele o deseja tanto e
pede e espera... e convida-nos a obedecer às suas ordens formais!
“Si quis diligit me,
sermonem meum servabit”.
É
na verdade uma dolorosa contestação, fruto de uma longa
experiência: dizei-me, quantas são as almas Sacerdotais que tomam a
sério e verdadeiramente praticam uma sólida e constante devoção
ao Sagrado Coração? Quantos há que a propagam com zelo entre o
povo?...
Pois
bem, a responsabilidade – confessemo-lo – é em parte nossa,
porque abundantes graças de estado descem para irrigar as obras do
nosso Ministério, proporcionadas às nossas necessidades, às nossas
obrigações, aos perigos inevitáveis, e “Aquele que nos enviou
não nos deixa nunca sozinhos, mas fica sempre conosco”.
“Os homens do nosso tempo são chamados para a restauração
integral dos valores cristãos, para uma revisão universal da
ordem. Estes devem afastar de seu pensamento toda
a barbárie do mundo naturalista e ateu – seja ele capitalista, ou
comunista – e isto não somente no campo político, mas também no
econômico e social, corrompido pelo regime do dinheiro, no campo das
relações internacionais, enfim e sobretudo no campo da vida
intelectual e religiosa. Não pode existir ordem verdadeira
e completa na vida humana, sem o primado da graça e da caridade,
pois toda a ordem prática supõe a retificação da vontade com o
que diz respeito aos fins superiores, e por isso, o predomínio do
amor para com o Sumo Bem”.
Oh!
Se todos quiséssemos! Se quiséssemos seriamente! E quiséssemos
sempre! Se todos
cumpríssemos inteiramente nosso dever! A vida Sacerdotal deveria
consistir naquela troca de afetos contínua, íntima, completa, entre
o Coração de Deus e o coração do homem, que é denominado por S.
Tomás “inchoatio
beatitudinis”.
Oh!
Se soubéssemos meditar o Evangelho, o divino poema da graça, que
canta as glórias da misericórdia onipotente e o reconhecimento da
miséria suplicante! “Qui diligit me... et ego diligam eum, et
manifestabo ei meipsum”.
3
– O Amor não é amado: Oh
vós que a Providência vos constituiu na S. Igreja “ministros
Christi, et dispensatores mysteriorum Dei”,
estais ainda lembrados
daquelas palavras do Coração de Jesus, tão cheias de tristeza e de
repreensão: “Tenho uma sede ardente de ser amado e honrado pelos
homens...? e não encontro quase ninguém
que a procure extinguir, retribuindo-Me como desejo...; tu ao menos
dá-Me este consolo, suprindo, quanto estiver em ti, sua ingratidão,
com os merecimentos do meu Sagrado Coração...”.
É
o eterno, o imenso, o
infinito, que estende a Mão onipotente, à criatura, mendigando com
gesto sublime os tesouros de afeto e compaixão, e lhe suplica, com
doce insistência, com ternura comovente: “o Amor não é
amado... ama-Me ao menos tu!”
Dizei-me,
será que Ele não pensava, queixando-se desta maneira, nos Ministros
do seu altar? “Eis as feridas que recebo do meu povo escolhido –
acrescenta realmente depois – os demais limitam-se a bater no meu
Corpo, mas esses – os Sacerdotes e os Religiosos – visam
diretamente meu Coração”.
Porque,
notai-o bem, não são sonhos de uma fantasia doentia: é o puro
Evangelho! “Aquele que recebeu maiores dons, deve amar
mais”.
E
se então Jesus pensava realmente em nós, dizei... temo-Lo realmente
contentado? Não perguntemos ao nosso amor-próprio... Jesus mesmo é
que nos deve responder, Ele que penetra os corações...
E
dizer que basta tão pouco para contentá-Lo! Na verdade, o que
julgais queira Ele em troca de seus dons, Ele que teria todo o
direito de mostrar-se exigente para conosco, de exigir “usque ad
novissimum quadrantem?”
Pede-nos, talvez, sabedoria? Pede-nos dinheiro? Exige penitências?
Obras difíceis de apostolado? Sacrifícios heroicos? Não, nada de
tudo isso; não há dúvida, são excelentes ações, mas para Ele
estão todas em segunda linha: antes de mais nada e diretamente,
Ele nos pede amor, porque a caridade encerra todas as virtudes:
“Dilectio summum fidei sacramentum, christiani nominis thesaurus”.
Estais
ainda lembrados do gracioso paradoxo de S. Agostinho? “Dilige et
quod vis fac”.
Queria
ele dizer que todo aquele que possui a perfeição do amor, deve
necessariamente possuir em germe todas as disposições para o bem -
“caritas est forma virtutum”
- e está por isso mesmo num feliz estado de impecabilidade.
Por
outro lado, também hoje se pode repetir, com a mesma dolorosa
atualidade, a enérgica expressão de S. Gregório: “Ecce mundus
Sacerdotibus plenus est; tamen in messe Dei rarus valde invenitur
operator, quia officium quidem Sacerdotale sumpsimus, sed opus
officii non implemus”.
Esta
é a dolorosa história; mas há também aqui uma filosofia da
história, e esta nos conduz à verdadeira causa, ao íntimo motivo
destas consequências: “Zelus est effectus amoris: qui non zelat
non amat”.…
Deus
pede amor, mas atendei bem, Ele não pode contentar-se com um amor
qualquer, com um amor lânguido, frio, desconfiado, ocioso,
interesseiro, inconstante...: quer um amor digno de Deus, e por isso,
espontâneo, fervoroso, delicado, estável, generoso, reconhecido.
“Pater... ut dilectio qua dilexisti me in ipsis sit”;
exige, além disso, que seja um amor operoso, porque quer ser
sincero, e afirma S. Gregório que quem não trabalha não ama:
“Nunquam est Dei amor otiosus. Operatur enim magna, si est; si vero
operari renuit, amor non est”.
Oh
meu Sacerdote, parece nos diga Jesus, tu que levantas todos os dias a
Vítima divina no meio de hinos angélicos e entre o perfume do
incenso, tu que perdoas e condenas, tu que penetras os segredos das
Escrituras e perscrutas o mais íntimo das consciências... não vês
aquelas boas velhinhas que murmuram devotas suas preces, ajoelhadas
num cantinho do meu Santuário? Não vês aquelas crianças que não
conhecem o pecado? Não vês aqueles velhinhos que consomem no Meu
serviço o ocaso de uma vida de pecado, restaurada no amor? Não vês
o cândido exército de virgens consagradas, que se apertam em torno
do Meu tabernáculo, anjos de pureza e vítimas de reparação? Não
vês aquela fila interminável de sofredores voluntários nos quais
Me comprazo em renovar diariamente Meu doloroso Martírio?... Seja
sincero: Amas-Me tu? “Diligis me?”.
Amas-Me mais do esses?... mais do que cada um deles?... mais do que
todos juntos? “Diligis me plus his”.
E tarda a resposta... Pobre Jesus! Sei, Ele espera, “fatigatus ex
itinere”;
está disposto a esperar ainda mais tempo...; espera porque confia,
malgrado tantos temores por demais fundados...; “Ecce sto ad
ostium, et pulso!”.
Mas quantas humilhações neste esperar! Refleti um pouco! Bater, e
ficar à porta como um estranho, como um mendigo, quando deveria
entrar como um triunfador! Não encontrar sinais de verdadeira
amizade entre tão grande número dos que foram escolhidos e
consagrados intérpretes de seus desejos, os públicos representantes
do seu Sacerdócio – “Ministri novi testamenti”
– tê-los amado tanto, e agora ter que mendigar o amor! Ter que
disputar com as criaturas o culto de adoração!... ter que aguentar
repulsas de seus amigos!
E
que será de sua glória? Sabeis que a amizade de Jesus é necessária
ao Sacerdote – de necessidade de meio – para poder conseguir o
fim próximo de toda e qualquer obra. A união íntima com Ele é o
único princípio do bom êxito. Para que todas as almas dispersas no
campo imenso da Santa Igreja, se possa formar um só redil é
necessário antes de tudo que Jesus e seu Ministro formem um só
pastor: “Sicut tu, Pater, in me, et ergo in te, ut et ipsi in nobis
unum sint”, dizia o divino Mestre.
Ora, “esta íntima união de vida e de amor entre o Pai celeste e o
Filho eterno feito homem, e uma imagem daquela comunhão de vida e de
amor que une o Bom Pastor a alma remida”.
Separei do Operário divino o pobre instrumento humano, e a corrente
da graça não mais circula como deveria...; é a esterilidade do
Ministro que precede à esterilidade das almas... “velut lignum
aridum in eremos.
É
por isso necessário que a pessoa do Sacerdote seja como uma nova
encarnação do Verbo de Deus: “Vivit vero in me Christus”;
é, numa palavra, necessário que o Sacerdote não procure, não
respire, não fale senão de Jesus: “Sicut qui haberet librum ubi
esset tota scientia, non quaereret nisi ut sciret illum librum, sic
et nos non amplius quarere debemus, nisi Christum”.
Ora,
isto não só é possível, mas é para muitos, dentre nós, a doce
realidade de cada dia. “Quando nosso coração se decide a não
querer outra coisa senão o que quer o Coração de Deus, une-se a
Ele de tal modo que forma com Ele um só coração”.
4
– A Heresia da Ação: O
mal progride na sua obra latente de destruição, por falta de
antissepsia: “non est circumligata, nec curata medicamine, neque
fota oleo”.
A
causa de tanto mal-estar – entendo a causa íntima e verdadeira –
é uma só e evidente: está
deslocado o centro da gravidade, o eixo do mundo moral.
Como?
Não o disse porventura S. Paulo, tecendo a apologia do Redentor, que
só Ele deve ser o centro da vida das almas? “Omnia in ipso
constant?”
E
não penseis seja uma frase poética, ou uma hipérbole retórica...
seria faltar o respeito ao Espírito Santo – mas é um conceito
teológico muito preciso e indiscutível, é Palavra de
Deus. Como tudo no mundo físico
foi criado por meio do Verbo eterno, da mesma forma o reino
espiritual, encontra Nele seu único princípio, a última razão de
ser e de operar, por isso tudo – corpo e alma – deve
necessariamente formar-se Nele e com Ele movimentar-se. Logo, por uma
consequência fatalmente inevitável, toda a violação desta lei
estática e dinâmica do universo, não pode deixar de perturbar a
ordem maravilhosa da Providência, e por isso mesmo não pode deixar
de expor em grave perigo o equilíbrio social... “Si rivus tenuiter
fluit, non est alvei culpa, sed fontis”.
Depois
é inútil dizer quão prejudicadas ficam as almas: “Omnis creatura
ingemiscit... usque adhuc”.
Poderia ser de outra maneira? E não são, talvez, as almas objeto
dum mesmo, eterno mistério de predestinação com Jesus? Não são,
de fato, membros de seu Corpo Místico? Não vivem da sua Vida?
Mas
é pouco o que disse. Quem poderá resignar-se a crer que se chega
“nunc autem et flens dico” a omitir a oração... para poder
salvar maior número de almas. Espezinham-se, com uma lógica que
chega ao delírio, os fundamentos da vida interior – silêncio e
recolhimento – para entregar-se com mais intensa atividade aos
trabalhos assim chamados imprescindíveis
exigências do Ministério.
Dispensa-se, às vezes, deste ou daquele ponto disciplinar, mesmo da
recitação do Breviário, a fim de intensificar e organizar melhor –
em ocasiões mais solenes – as obras de apostolado...; não se
encontra mais tempo para cumprir as mais elementares obrigações
religiosas, que todo o bom cristão teria escrúpulo de omitir...
“É
a vida animal pura e simplesmente” diria S. Vicente de Paulo,
e como corolário uma febre
de louca agitação, que conduz fatalmente à neurastenia... “hic
motus sine stabilitate, cursus sine perventione, labor sine
requie...”.
Corre-se sempre...
loucamente...; sem um fim determinado... sem nunca parar: – Há
tanto que fazer, meu Deus!
Leio
no Evangelho: “Exurgent enim pseudo-Christi et pseudo-prophetae, et
dabunt signa et portenta ad seducendos,
si fieri potest, etiam electos”.
Olhemos em redor de nós... Não é a história
contemporânea?
Circos,
bandas de música, gramofones, representações teatrais e
cinematográficas, projeções luminosas, retretas, patronatos,
congressos, comícios, jornais, conferências, passeios em ônibus e
competições ciclistas...: “dispersi sunt lapides sanctuarii, in
capite omnium platearum”.
Dizei-me,
por favor, e se fizésseis um pouco de exame de consciência, ao
menos superficialmente? Oh! É impossível! Mais
tarde, outro dia! Então não estás vendo que não há por onde
sair? Dizei-me: Não vos
faria bem um pouco de meditação? Oh! Não me faleis nisso; não
tenho disposição, sinto-me exausto, estou ocupadíssimo...! Eu já
pensei nisso, mas que quer? Não encontro um momento livre; o senhor
deve compreender! Talvez outro dia, se tiver tempo! “Audiemus te de
hoc iterum!”
As
mais das vezes falta o tempo, naturalmente, porque falta a
vontade...; depois sobrevém a náusea das coisas espirituais – é
como um segundo estágio –; finalmente, ficará reduzido a um
estado moral tão compassivo, que seria por demais duro ter que
contestar de visu
certas misérias já enraizadas, e o hábito de fazer pouco caso do
Senhor, se transformará, de certo modo, numa necessidade
moral! A que excessos
não leva o abuso da graça?
E
afirma-se pacatamente, quase com santa ingenuidade: “Afinal,
não é deixar a Deus por amor de Deus?”
Erro
capital, sofisma deplorável... Não vedes?
Possível?... Isto é deixar a Deus por amor ao Diabo!
Oh! O Demônio não receia certas obras
católicas que tem
por fundamento o barulho e a confusão
– “signa et portenta ad
seducendum” – deixa-nos agir, exorta-nos, ajuda-nos, se
for preciso... e ri-se de tudo isso;
enquanto não praticamos a virtude sólida, executamos, sem
o percebermos, os interesses do Demônio.
São as virtudes interiores que lhe causam cuidados: “Humilitatem
nostram non sustinet, uritur caritate nostra, mansuetudine et
oboedientia cruciatur”.
Casas construídas sobre a areia duram um dia... – (são hoje tão
raras as edificadas “supra firmam petram!”)
– e é uma loucura sem nome, querer dar ao reino de Deus outra base
que não seja a da verdade e da justiça: “Unusquisque autem videat
quomodo superaedificet; fundamentum enim aliud nemo potest ponere
praeter in quod positum est, quod est Christus Jesus”.
Serão,
contudo, poucos os que assim pensam?
Poucos?
São legiões! Alguns
até chegam – notai-o bem – a pensar que estão no bom caminho;
julgam, coitados! “obsequium se praestare Deo”,
mas quantos outros vivem na
má-fé, e vivem numa perene, completa e positiva oposição à
graça, procurando, sem encontrar saída, refrear e sufocar o
remorso!
Disse
alguém muito bem quando afirmava que nos encontramos diante da
“heresia da ação”:
realmente como as espécies consagradas, a atividade externa é um
puro nada, sempre que for considerada sem o seu conteúdo divino.
Jesus
mandou orar sempre
sem descansar,
ao invés não se reza nunca,
com a vulgar escusa que a “ação é oração!” É a negação
prática da nossa miséria fundamental, é a exclusão sacrílega da
graça da vida humana..., são ruínas deploráveis que levam a uma
cegueira intelectual
pavorosa e deixam consequências morais muitas vezes irreparáveis. O
pior é que estas teorias tendem, cada dia mais, a se propagarem
entre o jovem Clero – “veritatem dico in Christo, non mentior”
– e se Deus não ajudar a reparar esse mal não sabemos aonde
iremos parar. – Leão XIII, o Pontífice do Sagrado Coração,
condena inexoravelmente, com sua clássica pena, as aberrações de
uma piedade mal compreendida: “Difficile quidem intellectu est, eos
que christiana sapientia imbuantur posse naturales virtutes
supernaturalibus anteponere, maioremque illis afficaciam ac
fecunditatem tribuere. Ergone natura, accedente gratia, infirmior
erit quam si suis ipsa viribus relinquatur?
“Stultum est
dicere, escreve São Tomás,
quod per hoc quod aliquis in sanctitate
promoventur, efficiatur minus idoneus ad spiritualia exercenda”.
Não
pretendo excluir sempre a priori
– como disse – a boa intenção que possa escusar por algum tempo
de pecado grave. Não nos parece lícito às vezes, transgredir mesmo
os princípios da fé, e de introduzir entre os jovens estudantes ou
entre os operários uma moral vagamente deísta, com o fim de
reconduzir os que se desviaram da prática da virtude? Mas também
este modo de proceder, desastroso e, muitas vezes, abertamente
escandaloso, foi estigmatizado pelo grande Pontífice, quando notou
que com esta tática não se aumenta, não, mas diminui-se o número
de católicos verdadeiros – e
é já um grande mal! –; depois, quanto àqueles infelizes que
vivem fora da Igreja, porque julgam demasiadamente severa a
disciplina eclesiástica: “redeant... redeant universi, exclamava
ele, non alio tamen itinere, quam quod Christus ipse monstravit”.
Oh!
Se aproveitássemos os ensinamentos do Evangelho, não precisaríamos
deplorar esse desvio moral, jurídico, social, ascético,
filosófico, teológico, apologético, crítico, histórico,
político, socialista-reformista
que penetrou no povo de Deus, manchando a pureza de sua fé e
enfraquecendo a força de suas imortais esperanças ao mesmo tempo
que alguns, mesmo entre os que deveriam ser doutores da verdade, “se
deixam arrastar por todos os ventos das doutrinas, pelo enredo dos
homens e pelas astúcias que levam ao engano e ao erro”.
Incautamente deslumbrados pelas esperanças
sedutoras do modernismo literário
– etiqueta dourada que costuma encobrir as malsãs “especialidades”
do modernismo dogmático
– chegam, muito embora com boa intenção, e... mesmo tendo em
vista a glória de Deus, a tal perversidade de tendências, de vida
prática, de ação social, de arte e literatura, que acabam por
corroer pela raiz a árvore da fé e lhe impedem de produzir frutos
de salvação.
É
um fato inegável, todos nós
conhecemos tais almas “consagradas”
que já não sabem a linguagem de Jesus. Seus colóquios com Ele
tornam-se sempre mais raros, sempre mais frios, sempre mais
semelhantes a uma conferência diplomática do que uma expansão do
coração...: vidas cheias de atividades, e vazias de
Deus... O próprio povo, que na
sua rusticidade conserva o bom-senso, não enxerga sobre a fronte a
auréola do divino, que impõe respeito e veneração...; e no
entanto, “a fé que é em nós princípio de vida eterna”,
não apresenta mais do que
uma chamazinha que se vai extinguindo ao mesmo tempo que as próprias
boas obras, precisamente porque viciadas na sua raiz e acompanhadas
de notável número de culpas deliberadas, concorrem com uma lógica
terrível - “miris, sed veris modis” – para diminuir o fervor
da caridade. E a conclusão do silogismo não pode ser outra: “Nos
pereunti populo auctores mortis existimus, qui debuimus ducere ad
vitam”.
5
– Os Caminhos do Retorno: Vês
agora, o abismo que se abre a teus pés? “En quo tradere te habent
hac occupationes maledictae, si tamen pergis, ut coepisti, ita dare
te totum aliis, nihil tui tibi relinques... Perdis tempus..., in his
stulto labore consumeris, quae non sunt nisi afflictio spiritus,
evisceratio mentis, evacuatio gratiae”.
É
São Bernardo que escreve com tanta franqueza a um ilustre Pontífice!
Com toda a razão quererás saber quais tenham sido essas malditas
ocupações que criavam um
grande perigo para a alma de um Papa, cuja história é uma magnífica
apologia. Pois bem – quem o acreditaria? – tratava-se nada mais e
nada menos do governo da Igreja universal. Sim! “Maledictae
occupationes” também os trabalhos apostólicos, quando desviam a
alma da perfeição, porque está escrito: “quid
prodest homini si mundum universum luvretur” – fazendo pouco caso
de sua alma ou de Cristo – “animae vero suae detrimentum
patiatur?”
Para
remediar, se estamos ainda em tempo, tão funestas consequências, é
lógico e necessário voltar aos princípios. Caímos no naturalismo:
reconheçamo-lo lealmente e subamos logo com o aeroplano do amor, em
direção ao sobrenatural... Por que continuar a negar a verdade
conhecida? “O verdadeiro progresso moral, ensinava Guizot, consiste
em voltar ao bom caminho, quando se tenha a consciência de tê-lo
abandonado”.
Oh!
Sim, volte cada um de nós ao calor da vida interior, volte de uma
vez para sempre, humilde e arrependido, ao Coração de Jesus... Só
naquela fornalha ardente de caridade podemos refundir nossa pobre
existência, só naquele abismo de toda a virtude, naquela fonte
inesgotável de toda a perfeição podemos retemperar nossas forças
enfraquecidas e divididas entre as mal-entendidas atividades...
… Abramos-lhe,
portanto, nossa alma, porque tanto na ordem da graça como na da
natureza, o Verbo que habita no Sagrado Coração como num trono de
amor, é o único princípio de permanente existência.
Voltemos
ao Sagrado Coração! Jamais deixarei de repeti-lo: Ele deve ser a
fonte de todo o apostolado que não quer tornar-se inútil e
prejudicial, porque só Ele
pode e quer comunicar-nos o espírito Sacerdotal, sem o que valem bem
pouco o sagrado caráter, a sutileza do engenho, a legítima
jurisdição. “Toda a alma que se eleva, diz Newmann, eleva consigo
o mundo”. Mas como se
poderá conceber uma verdadeira elevação para o infinito, sem uma
sólida base de vida interior?
Foi
dito de um célebre orador cristão, que honrara durante 10 anos, com
o esplendor de uma eloquência fascinante e conquistadora, o mais
célebre púlpito do mundo: “Ele era a virtude que pregava a
verdade...: não pensava senão nas almas e não fazia pensar senão
em Deus...; o coração sempre em Deus, o olhar sempre dirigido para
o Céu”.
Afinal,
que é que procurais, operários do Evangelho? Que é que vos atrai?
A ciência? Mas, no Coração do Mestre estão todos os
tesouros da sabedoria de Deus, todos os esplendores do gênio,
“investigabiles divitiae”.
Quando tivermos conhecido a Jesus, não nos resta mais nada para
conhecer: “Nobis curiositate opus non est, post Christum Iesum, nec
inquisitione post Evangelium”.
Que
precisas? Que é que vos falta? O amor pelas almas? Mas, o Sagrado
Coração é o Rei e centro de todos os corações: “dives in omnes
qui invocant illum”.
Seu Coração está cheio de ternura e de bondade: “Dives in
misericordia”.
Trata-se talvez de doentes,
para quem a lembrança de culpas antigas torna amargos os últimos
dias? Conduzi-os então ao Sagrado Coração; Ele é a salvação de
todos os que nEle esperam: “factus est nobis sapientia a Deo et
iustitia, et sanctificatio, et redemptio”;
Ele que quis experimentar as angústias da agonia e as penosas
desolações da morte, tornou-se o conforto dos moribundos e a porta
do Céu, “unde et salvare in perpetuum potest, accedentes per
semetipsum ad Deum”.
Santa
Margarida Maria escrevia ao irmão Pároco: “Não julgueis que
ocupando-vos da salvação das almas confiadas aos vossos cuidados,
dificultareis vossa santificação, porque é precisamente o
ocupar-vos delas que, merecereis da bondade divina maiores auxílios,
para com menor perigo, alcançar vossa salvação”.
6
– Regnum Dei intra vos est: Ensinou
São João da Cruz: “O
menor ato de puro amor vale mais aos olhos de Deus e é mais útil à
Igreja e à própria alma, do que todas as demais obras externas
tomadas em conjunto”.
E, São Pedro Julião Eymard
afirmou: “Um único ato de amor é mais glorioso para Jesus, do que
todo o apostolado do mundo”.
Católicos
e racionalistas muito escreveram, para desvendarem aquele abismo de
perfeição que constitui a psicologia dos Santos! Contudo, o segredo
de sua grandeza, o motivo de sua prodigiosa atividade, a causa que
motivou e revestiu suas ações foi uma só e muito simples: “Dilexit
multum!”.
Aliás, também na vida dos simples fiéis, é o amor de Deus o sinal
que distingue os réprobos dos eleitos, os condenados dos
predestinados...
“Fazei
tudo por amor, no amor e para o amor, porque é o amor que dá o
merecimento à todas as obras”.
Se hoje, pelo contrário, “o Amor é pouco amado” sabeis qual o
motivo? O americanismo e o modernismo religioso, com seu desprezo
irreverente e inconsiderado para com as “virtudes passivas”,
contam ainda não poucos adeptos entre os Ministros do Santuário,
que partindo de um conceito paganizado a respeito da vida “doctores
humilium, duces superbiae”,
parecem estar muito mais
ocupados com os negócios temporais do que com os problemas da
eternidade: “confitentur se nosse Deum, factis autem negant”;
e, pobres iludidos, em vez
da oração, do recolhimento, da meditação, do amor, da obediência,
da pureza, da humildade, preferem o barulho, a agitação, a
confusão, e não se lembram que Jesus quis que aprendêssemos dEle,
não a criar o mundo, a ressuscitar os mortos, mas a “tornar nosso
coração manso e humilde como o Seu”;
esquecem que não é ser
cristão o inclinar-se a fim de pensar as feridas dos corpos e das
almas, se nelas não se reconhecem os estigmas da Vítima divina;
esquecem que também o estudo da mais árida tese teológica, pode e
deve avivar-se no fogo do amor infinito, porque o estudo, segundo S.
Agostinho, deve ser “uma atenção que se dirige para a luz eterna,
e uma adesão do coração Àquele que é a verdade por essência”;
esquecem que Jesus não permite venha o Evangelho a ser “laicizado”
pela humanidade, pelo contrário, Ele quer divinizar a humanidade
pelo Evangelho.
Combatamos,
sim, as santas batalhas porque é um dever sagrado, é uma missão
sublime, mas convençamo-nos que se Jesus não nos alcança a
vitória, seremos sempre derrotados, e a mais humilhante de todas as
derrotas consistirá em sermos rejeitados por seu Sagrado Coração.
Para que Deus nos reconheça como seus, é preciso que fiquemos
unidos a Ele: “Qui
spiritum Christi non habet, hic non est eius”.
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