A
Prodigiosa Menina Teresinha de Jesus
Pareceu-me
oportuno dar aqui ao leitor alguma sumária notícia das crescidas
virtudes desta prodigiosa menina.
Nasceu, a 6 de Outubro de 1622, na cidade de Sanlúcar de Barrameda
(Cádis-Andaluzia-Espanha), situada onde o rio Quadalquivir deságua
no Oceano (Atlântico). Foi filha de Francisco Henriques, piloto, e
de sua mulher Maria Urbina. Consagrou as primícias da sua língua,
pronunciando distintamente:
Padre, Filho e Espírito Santo, três Pessoas realmente distintas,
e um só Deus verdadeiro; tinha
então 21 meses, e
o rosto lhe resplandecia. Pouco depois de cumprir dois anos,
querendo-lhe mudar o nome no de Maria, repugnou, dizendo que não
merecia nome tão soberano. Nesta mesma idade tomou um livro
espiritual e leu com devoção e destreza, posta de joelhos, sem a
terem ensinado. Aos vinte e dois meses, pediu o Hábito das Descalças
Mercenárias, e lho deu
publicamente na igreja o Padre Fr. Francisco da Cruz, fazendo-lhe
primeiro uma prática espiritual. Desde então, guardou a Regra,
quanto em si era e lhe permitiam: dormia sobre tábuas nuas, com um
ladrilho por cabeceira, cortava o cabelo, usava de sacos, fazia
Oração Mental duas horas por dia, ou prostrada ou de joelhos. Às
Sextas-feiras, disciplina inviolavelmente; jejum além das
Sextas-feiras, também aos Sábados, e todas as Vésperas de Nossa
Senhora, e dos Santos seus advogados. Apertava na cabeça uma coroa
de espinhos; observava grande modéstia e composição nas ações;
não consentia afagos nem abraços, ainda de seus irmãos e pais; a
estes chamava irmãozinhos; só para Deus e Maria Santíssima Senhora
nossa, guardava os nomes de pai e mãe.
Tinha consigo, na sua pobre
cama, uma imagem de talha do Menino Jesus. Entrando na igreja,
prostrava-se, adorando o Santíssimo; e, tomando da Água Benta,
dirigia-se diretamente para o Altar-mor, onde persistia imóvel junto
do acólito, ouvindo duas a três Missas de joelhos, com tal atenção
que, entrando na igreja uma dança de ciganos, com muitos rapazes que
faziam alvoroço, não voltou a cabeça para olhar; ainda, então,
apenas passava dos três anos e meio. A um menino, que tremia de
frio, disse compassiva: De que lloras, mi alma? Tienes
frio? Anda aca a la iglesia, y te aclentarás, que alla me caliento
yo.
A uma pejada
(grávida), que temia o parto, disse que pariria a um menino na
Sexta-Feira; e tudo se
cumpriu assim. Outras muitas coisas profetizou. Na doença de que
morreu, sendo-lhe a água proibida pelo médico, e Padre espiritual,
ela nem olhava para onde facilmente poderia tomá-la, não obstante
que se abrasava de sede. Encontrando na rua a um Sacerdote, que ia
com passo acelerado, ajoelhou e pôs
as mãos levantadas, dizendo a uma sua irmã e outras meninas, que
com ela iam ouvir Missa, que fizessem o mesmo. E, perguntando elas:
para que haviam de ajoelhar no meio da rua? Replicou: Não
vedes que vai ali o Santíssimo Sacramento?
Deram parte do sucedido; chamado o clérigo e perguntado se levava o
Santíssimo oculto para algum moribundo? Respondeu que não.
Porém, que acabando de dizer
Missa, saíra com pressa, por urgência de um negócio. Daqui se
ficou entendendo, que o Senhor mostrara a Teresa as espécies
Eucarísticas que se conservavam ainda no peito daquele Sacerdote. E
resultou deste caso, emendarem-se muitos que não davam graças
depois de celebrar, e ordenou o duque de Medina Sidônia, D. Manuel
Alonso Teles de Gusmão, que não saísse o Viático aos enfermos sem
toda a pompa eclesiástica; e ele mesmo o acompanhava sempre, ainda
que saísse 10 vezes no dia. Com ser tanta a pureza e discrição
desta alma, e a devoção que tinha ao Santíssimo Sacramento, não
lhe concederam licença para O receber, nem por Viático, atendendo
ao reparo público que podia originar-se desta singularidade, porque
ela não passava de 5 anos, 1 mês e 17 dias: breve esfera para
tantos giros do sol de suas luminosas virtudes. Porém, assim
como há pecadores de cem anos, que morrem meninos, isto é, carentes
de virtudes, que são os anos do espírito, conforme aquilo de
Isaías: Puer centum annorum morietur, et peccator centum
annorum maledictus erit,
assim, há meninos que morrem como santos de cem anos, cheios de dons
e merecimentos.
Esta arvorezinha anã carregou de frutos temporãos; colheu-os o
Senhor dela, porque eram do seu gosto, como se dissesse pelo seu
Profeta: Praecoquas ficus desideravit anima mea.
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Fonte:
Ven. Pe. Manuel Bernardes, Orat., “Nova Floresta ou Silva de vários
Apoftegmas e Ditos sentenciosos, Espirituais e Morais, com Reflexões
em que o útil da Doutrina se alia com o vário da Erudição, assim
Divina como Humana”, Tom. V, Letra “E”, Título II -
“Esperança”, Cap. XXI, pp. 22-29; Nova Edição com Preâmbulo
de J. Pereira de Sampaio (Bruno), Livraria Lello & Irmão –
Editores, Porto
– Aillaud & Lellos, Ltda, Lisboa, 1949.
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