O
maior sinal da ira de Deus sobre o seu povo, e o pior castigo que ele
pode infligir sobre ele, neste mundo, é quando permite que, como
punição por seus crimes, o povo caia nas mãos de pastores que o
são mais de nome do que de fato, que mais exercem contra o povo a
crueldade dos lobos famintos, do que a caridade dos pastores
carinhosos, e que, em vez de cuidadosamente lhes oferecerem um
repasto, despedaçam-no e o devoram cruelmente; em vez de levar o
povo para Deus, vende-o para Satanás; em vez de dirigi-lo para o
céu, arrasta-o consigo para o inferno; e, em vez de ser o sal da
terra e luz do mundo, são o veneno e escuridão.

Porque
nós, pastores e sacerdotes,
diz São Gregório Magno, seremos
condenados diante de Deus como assassinos de todas as almas que todos
os dias são entregues à morte eterna pelo nosso silêncio e pela
nossa negligência: Tot
occidimus, quot ad mortem ire tepidi et tacentes videmus
[1].
Como também, diz o mesmo santo[2],
não há nada que mais ofenda a
Deus (e, portanto, que mais provoque a sua ira, e atraia mais
maldições, seja sobre os pastores e sobre o rebanho, sobre os
sacerdotes e sobre o povo), que quando Deus vê aqueles que ele
estabeleceu para a correção dos outros, darem exemplo de uma vida
depravada, e em vez de evitar que ele seja ofendido, somos os
primeiros a persegui-lo, já que não temos o mínimo cuidado pela
salvação das almas; que sonhamos senão apenas em satisfazer nossas
inclinações; que todos os nossos afetos terminam nas coisas da
terra; que estamos alimentando vorazmente a vã estima dos homens,
fazendo com que os
mistérios da bênção
sirvam à nossa ambição; que abandonamos os negócios de Deus para
atender aos do mundo; e que, ocupando um lugar de santidade, tratamos
apenas dos trabalhos terrestres e profanos.
Quando Deus permite que as coisas sejam assim, temos com certeza uma
prova de que está extremamente irado contra o seu povo, e este é o
rigor mais terrível que possa exercer sobre ele, ainda neste mundo.
É por isso que ele grita incessantemente a todos os cristãos:
Convertimini ad me, et dabo
vobis pastores juxta cor meum
[3]:
“Convertei-vos a mim, e eu
vos darei pastores segundo o meu coração”.
Isso mostra claramente que o
desregramento da vida dos pastores é um castigo pelos pecados do
povo; e que, por outro lado, o
maior resultado da misericórdia de Deus para com o povo, e a graça
mais preciosa que ele possa conceder, é
quando ele dá pastores e sacerdotes segundo o seu coração,
que só buscam sua glória e a salvação das almas. Este é o dom
mais precioso e o favor mais insigne que a bondade de Deus pode
conceder à Igreja, a dádiva de um bom pastor, seja bispo ou
padre. Pois é a graça das graças e o dom dos dons, que carrega
consigo todos os outros dons e todas as outras graças.

Jean
Eudes, Mémorial de
la vie ecclésiastique. In
Œuvres complètes,
Tome III, p. 22-23.
_________________________
[1]
Homil. 12 super Ezech.
[2]
Nullum, puto, fratres charissimi, majus praejudicium ab aliis quam a
Sacerdotibus tolerat Deus: quando eos quos ad aliorum correctionem
posuit, dare de se exempla pravitatis cernit; quando ipsi peccamus
qui compescere peccata debuimus: officium quidem sacerdotale
suscipimus, sed opus officii non implemus.» Homil. 27 in Evang.
*
* *
Nosso
mais profundo agradecimento a um bom sacerdote pela tradução
realizada a partir do original.
Nenhum comentário:
Postar um comentário