"Desolatione desolata est omnis terra,
quia nullus est, qui recogitet corde".
"Toda a terra está cheia de pecados,
porque não há quem considere na lei de
Deus,
e a observe como deve".
(Jer.
12, 11)
Foi a
ignorância, uma filha perniciosa, que nasceu da primeira culpa; e depois passou
a ser mãe, de quem nascem muitos, e mui abomináveis pecados; e não há pior, nem
mais perniciosa ignorância do que aquela, que muito contente de si mesma, não
busca o seu desengano. Tal acontece a muitos cristãos, que, vivendo na cegueira
dos seus erros e na falta dos seus deveres, não sabem, nem procuram saber a sã
doutrina para a praticarem e se salvarem; e vivem muito satisfeitos. Tendo
todos dois caminhos a seguir, um que conduz ao Céu pela doutrina cristã, o
outro que leva ao Inferno pela ignorância das obrigações, muitas almas cristãs
se deixam iludir; caem em muitas culpas, e depois no fogo eterno, porque não
procuram saber os seus deveres. Todo o mundo está cheio destes ignorantes na
doutrina cristã, porque não sabem o perigo em que vivem - Desolatione
desolata est omnis terra, quia nullus est, qui recogitet corde. Depois de
vos ter mostrado como devemos amar a Deus sobre todas as coisas, agora
vou mostrar-vos o que devemos saber para O amar; a necessidade da Doutrina
Cristã vai ser o presente objeto. – Eu principio.
Mandando-nos
Deus no seu Primeiro Mandamento amá-Lo sobre todas as coisas, manda-nos também
para o mesmo fim, aprender e saber a doutrina cristã; manda-nos saber e fazer
atos de fé, esperança e caridade; manda-nos saber, que há um Deus infinitamente
bom, infinitamente amável, Criador dos Céus e da terra, que é Remunerador
infalível para depois da morte dar prêmio a quem deveras aqui O serve e ama, e
para castigar a quem O ofende sem emenda e sem penitência. Manda-nos saber o
grande Mistério da Santíssima Trindade, isto é, que o mesmo Deus é Trino em
Pessoas, e Único na Essência, e que a Segunda Pessoa, que é o Filho, se fez
homem, nascendo e morrendo por nós numa Cruz para nos remir e salvar, e que
ainda ficou por nós no Santíssimo Sacramento do altar, ainda que encoberto, tão
real como no Céu, para nos animar nos trabalhos e fortalecer nas tentações,
recebendo-O nós como devemos. Manda-nos, finalmente, saber tudo quanto é
necessário para bem crer, manda-nos saber o Credo com as suas competentes
explicações e os Artigos da Santa Fé Católica.
Manda-nos para
bem pedir, sabermos o Pai Nosso; e convém muito saber também a Ave Maria, a
Salve Rainha, e algumas outras orações que veem em livros santos, aprovados
pela Igreja. Manda-nos para bem obrar, sabermos os Dez Mandamentos da Lei do
mesmo Deus, e as explicações de cada um deles, os Cinco Mandamentos da Santa
Igreja, nossa Mãe, as Obras de Misericórdia, quantas coisas sejam necessárias
para fazer boa Confissão, e estas bem explicadas. Manda-nos, finalmente, para
receber, sabermos os Sete Sacramentos da Santa Igreja, o que são cada um em si
mesmo, e o modo como os havemos de receber, quando seja necessário e assim convenha.
Eis, aqui, o que Deus nos manda no seu Primeiro Mandamento em quanto à Doutrina
Cristã para bem O servirmos e amarmos. É esta a verdadeira doutrina que nos
leva à vida eterna.
Peca mortalmente
contra este primeiro Mandamento quem não sabe todos os Atos, ao menos a sua
essência, ou o principal; e peca também quem não os faz em algumas ocasiões
necessárias, como é quando há alguma grave tentação contra as santas virtudes
da fé, esperança e caridade, e que não se pode vencer de outro modo. Peca também
quem se demora muito tempo sem os fazer; ainda que os autores não marcam tempo
certo para haver pecado, contudo sabe-se que demorando sem os fazer cinco anos,
é pecado mortal; muito bom será porém, para livrar de dúvidas, fazê-los nos
Domingos e dias festivos, ainda que seja à Missa; e ainda muito melhor obra
quem os faz todos os dias. Peca mortalmente também, quem não sabe a mais
doutrina, que já vos disse, e outra mais que a Santa Igreja manda; porque uma
obriga, como meio de salvação, outra obriga debaixo de Preceito, e sem ela não
se pode amar a Deus, nem pode haver salvação.
Oh! A doutrina
cristã é quem nos ensina a servir a Deus, e que dirige nossos passos pelo
caminho da paz da consciência, como diz São Bernardo: Doctrina instruit nos,
et dirigit nostros passus in viam pacis. Assim como o nosso corpo sem
respiração não pode viver, também a nossa alma sem conhecimento de Deus e da
sua doutrina não pode subsistir na graça do mesmo Deus, e salvar-se, como diz
São Basílio: Sicut corpus nisi respiret, vivere nequit, ita nec anima nisi
conditorem agnoscat, subsistere poterit, cum ignoratio Dei mors animae sit.
Mas que se
observa à vista de tão santa obrigação de saber a doutrina cristã? Observa-se a
mais pasmosa ignorância em quase todos os cristãos; tanto novos como velhos,
todos, ou quase todos ignoram os seus deveres; todo o mundo está cheio de almas
descuidadas na sã doutrina; porque nem se lembram do que Deus lhes manda no seu
Primeiro Mandamento, nem do perigo em que incorrem de se perderem por falta de
doutrina. Notai, irmãos meus, que a ignorância na doutrina e nas mais
obrigações nossas não escusa de pecado, quando nós podemos aprender, e não o
fazemos assim. Oh! Quantas almas com ignorância morrem em pecado mortal; e
assim se condenam! Se alguém ignora as suas obrigações, será ignorado, diz São
Paulo; se alguém desconhece a Deus ou a sua doutrina, será de Deus
desconhecido – Siquis ignorat, ignorabitur (I Cor., 14, 38).
Muito embora
digam algumas pessoas: eu não posso aprender a doutrina cristã, eu não tenho
capacidade para isso: Oh! Quantas coisas da casa e do mundo se aprendem, e não
poderão aprender a doutrina cristã? Quantos contos, coisas fabulosas, que
nenhum interesse dão, se ensinam e se aprendem? Quantas coisas do Demônio e
modo de pecar se sabem, e que deviam ignorar-se? E não pode saber-se a doutrina
cristã? Não podem aprender-se as coisas de Deus e da salvação? Ai do meu povo,
se queixa o Senhor pelo seu Profeta Oseias, ai do meu povo, porque aprende
tantos vícios, e não aprende a ciência de Deus!
É bem certo, que
o Demônio nenhuma coisa procura tanto, como impedir o conhecimento da doutrina
e coisas santas; porque desta ignorância se aproveita para introduzir a
maldade; e deste modo ganha imensas almas para o Inferno. O Espírito Santo no
Salmo 103 diz, que entre as trevas da medonha noite andam as feras, e então
fazem a sua presa, matando outros animais para devorarem; e que os cachorros
dos leões andam então rugindo, procurando também roubar e comer; mas apenas
nasce o sol, diz o mesmo Espírito Santo, essas feras desaparecem, e se recolhem
às suas covas. E que se entende neste lugar por feras? Serão só essas que andam
de noite pelos montes? São também, como explica Santo Agostinho, as feras
paixões humanas, escondidas pelo descuido de as conhecer; que se entende por
esses leões, senão os Demônios, que se ocultam entre as trevas da ignorância da
doutrina e coisas santas, e que se servem da escuridão e cegueira para fazerem
vítimas do seu furor a muitas almas, matando-as com os pecados nascidos a maior
parte da falta de ciência de doutrina!
Ai! Quantas
almas eles assim caçam e levam ao Inferno! Eles mesmos obrigados por Deus
chegaram a confessar de uma vez, que agradeciam muito a alguns Prelados,
Pastores, e chefes de família o pouco cuidado que tinham em ensinar a doutrina
cristã; porque daí resultava colherem muitas almas para o Inferno; assim o
declararam, quando se celebrava um Concílio Provincial em França. Mas assim
como apenas o sol nasce, logo essas feras montanhesas se recolhem aos seus
covis, também as feras paixões humanas, e os Demônios, apenas aparece a luz da
verdade no entendimento humano, sabendo-se bem a instrução cristã,
ordinariamente desaparecem, ou ao menos não se cometem tantos pecados; e os
Demônios, esses leões, se recolhem às suas cavernas do Inferno muito tristes, e
mordendo-se de raivosos.
A doutrina
cristã é pois da maior importância e necessidade; mas, ai de quem a não sabe
como deve! Assim não poderá salvar-se. Ai também de quem a não ensina, devendo
ensiná-la! Ai de tantos Pastores de almas, que tão pouco cuidado tem em a
ensinar a quem devem de justiça! Ai de tantos pais, mães e chefes de família,
que nem aos filhos, nem aos criados e domésticos a ensinam! Ai de tantos
Confessores também, que confessam sem a perguntar aos penitentes, ou examinar
se a sabem, e assim os passam!
Se acaso não se
aprende na meninice e mocidade, como será na velhice! O entendimento humano
aprendendo vai se criando, disse o grande Cícero; e sem cultura se faz um
bosque, onde se criam serpentes venenosas.
Um bom
entendimento não nasce, mas faz-se pelo bom ensino e instrução, diz muito bem o
Profeta Real: Intellectus bonus omnibus facientibus eum. Tem bom
entendimento muita vezes quem o fez bom; e faz-se bom, pela cultura do bom
mestre e indústria do bom discípulo; mas se os Pastores, os Mestres, os pais e
chefes de família não ensinam quando devem, e se os meninos e meninas a não
procuram saber enquanto novos, como ficarão sempre! Ficarão na ignorância e no
pecado. Mas como a hão de ensinar muitos chefes de família, se eles também a
não sabem, nem procuram quem a ensine a eles e a seus domésticos? Desculpam-se,
é verdade, muitas pessoas dizendo: eu já estou velho ou velha; já esqueci tudo;
mas que importa que sejais velho ou velha! A ciência das coisas de Deus nunca
deve esquecer; e se esqueceu, deveis aprender novamente.
A doutrina e
instrução de coisas santas deve andar sempre na memória; e para não esquecer
nem a vós, nem a vossos filhos, por que não a recordais constantemente, e
quando tendes ocasião? Que fazeis em tantos Domingos e Dias Santos, se nem em
casa, nem na igreja a procurais aprender? Que fazeis em tantas noites, enquanto
estais noitando? Porque razão em lugar de então estardes murmurando, ou falando
em coisas desnecessárias e até pecaminosas, não aprendeis, e não ensinais a
doutrina cristã e outras coisas de Deus? Ah! Desgraçados de tantos chefes de
família e de tantos domésticos! Desgraçados de tantos cristãos, que pouco ou
nada sabem para bem de suas almas, e nem procuram saber! Encontra-se muita
gente por esse mundo, que nem Atos sabe, nem quem é Deus, nem as Pessoas da
Santíssima Trindade, nem o Credo, nem os Mandamentos, nem o que é necessário
para fazer uma boa Confissão; que será de tantas almas ignorantes e negligentes
nas coisas de Deus à hora da sua morte? E que será também de quem deve ensinar
e não o faz?
Estava para
morrer o Bispo de Coimbra, D. João Soares, e indo visitá-lo um seu amigo, lhe
disse o mesmo Bispo: “Padre, no mais estou bem; porém, levo atravessado na
garganta, que Deus me há de tomar conta, se o pastorzinho da Serra d’Estrela
sabe a doutrina cristã”: que temor tão justo de um Prelado à hora da morte! E
que igual temor devem ter todas as pessoas, que sendo obrigadas em consciência
a ensinar a santa doutrina, não o fazem, e muitas dessas nem a saberão também!
Ah! Com razão, Deus lamenta por Jeremias, dizendo: Os meninos pediram o pão
da santa instrução, e não houve quem lh’o repartisse – Parvuli petierunt panem,
et non erat qui frangeret eis. – O Beato Efrém estando a orar, ouviu uma
voz que lhe disse: “Parte e come. Que hei de comer, respondeu ele, ou
quem m’o há de dar? Vai a Basílio, ouviu outra vez, vai a Basílio, e ele
te ensinará e dará o pão”. Partiu Efrém, e achou São Basílio a ensinar
doutrina, e então conheceu qual o pão que devia procurar. Almas cristãs que me
ouvis, novos e velhos, pequenos e grandes, vinde, vinde todos a doutrina, e
procurai quem vos instrua nas coisas de Deus; não fiqueis, nem andeis mais
nessa ignorância e no risco de vos perderdes; atendei-me e acreditai-me, que
talvez só por falta de doutrina andareis em pecado mortal, e assim ireis sem
remédio ao Inferno.
Mas agora, muito
arrependidos do passado descuido em que tendes vivido, voltai-vos para Deus,
vinde a seus pés, e dizei-Lhe de coração: Ó meu Senhor, quanto tenho sido
cuidadoso com as coisas do mundo, e descuidado das coisas do Céu! Quão grande
tem sido a minha cegueira, a minha ignorância em vos conhecer e amar! O meu
entendimento tem-se empregado em coisas que tanto Vos desagradam, e não se tem
instruído na ciência da minha salvação; só tenho tido habilidade para o mal, e
pouca ou nenhuma capacidade para o bem; só me tenho instruído em Vos ofender, e
pouco ou nada em Vos servir e louvar. Infeliz de mim, se assim continuo! A
minha condenação será certa. Mas, ó meu Deus, perdoai a minha negligência
passada; eu proponho cuidar de verdadeiramente instruir-me no que me convém, e instruir
também as pessoas que sou obrigado. Ajudai-me, e ajudai-me também, ó Mãe de
Deus, e guiai-me nos meus deveres enquanto é tempo. Amém.
_________________________
Fonte: Rev. Pe. Fr. Manoel da Madre de Deus,
O.C.D., “Práticas Mandamentais ou Reflexões Morais, sobre os Mandamentos da Lei
de Deus e os Abusos que lhes são Opostos”, Primeiro Mandamento, Prática 3ª,
“Sobre a Doutrina Cristã”, pp. 22-28. 3ª Edição, Em Casa de Cruz Coutinho –
Editor, Porto, 1871.
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