Sobre
a Missa Exequial
para
Pecadores Públicos
Revmo,
Senhor.
Para
orientação geral e tranquilidade de consciência peço o especial
favor de responder no Boletim, se é lícito celebrar Missa – na
forma do costume – isto é, exequial nos dois casos seguintes:
I
Uma
verdadeira desgraça abalou, hoje, profundamente, toda a cidade. Em
virtude de uma desavença sobre negócios particulares, desapareceram
duas figuras de destaque nos círculos locais.
Cerca
das treze horas, encontraram-se no Bar Selecto, à praça Coronel
Salles, o Prefeito Municipal, sr. Elias Augusto de Camargo Salles, e
o comerciante Vicente Cella. Ambos discutiram sobre as suas relações
e chegaram a exaltar-se. E ante à surpresa coletiva dos que os
circundavam, ambos se empenham em luta e sacaram das suas respectivas
armas, fazendo fogo simultaneamente,
um contra o outro. Foram disparados três tiros de cada arma. Todos
atingiram ao alvo. Em consequência dos graves ferimentos que
receberam, os contendores faleceram quase que incontinente.
II
José
– casado em facie eclesiae
– abandonado pela mulher legítima – mesmo pela falta de juízo
da mesma – vive maritalmente com Joanna – solteira – disposto a
legitimar sua união logo que a situação permitir, isto é –
quando for viúvo – cumprindo no demais os deveres de católico –
lamentando mesmo de não poder fazer antes. Voltando uma noite para
casa, é apanhado por um trem da estrada de ferro, de maneira tal,
que só se conseguiu reunir o corpo em fragmentos. Pode ter a Missa
exequial em consideração da sua boa disposição e intenção?
Um
Vigário da roça.
Respostas
O
Revmo., consulente poderá encontrar bastante amplamente expostos
nesta mesma Revista, ano de 1936, pág. 124-130, os princípios
canônico-morais que regem esta matéria acerca da Missa exequial e
sepultura eclesiástica dos públicos pecadores.
Limitamo-nos
a responder aqui em poucas palavras quid sentiendum acerca dos casos
propostos.
Quanto
ao 1º caso, parece que este reveste todas as circunstâncias em que
os canonistas proíbem a sepultura eclesiástica e consequentes
Missas exequiais, de 7º, 30º dias, e aniversários, visto como os
dois homens morreram in ipso actu peccati objective gravis,
absque ullo paenitentiae signo, conforme o que o caso afirma.
Quanto
ao 2º caso, apesar da vontade de José de sair do seu estado de
pecador público, o fato é que sua vontade mostrou-se ineficaz e que
o mesmo voluntariamente permaneceu nesse lamentável estado, e nele
morreu, absque paenitentiae signo.
Pelo
que parece-nos não haver sólido motivo de dúvida de que ao mesmo
caso deva-se aplicar proibição da sepultura eclesiástica.
Alguém
poderia, porém, objetar: Não teria José, talvez, antes de morrer,
ao sentir aproximar-se o trem e com ele a morte, emitido algum ato de
contrição e ter assim dado paenitentiae signa? Esta objeção
parece-nos carecer de qualquer valor moral. Com efeito, convém aqui
lembrar que o arrependimento deve ser público ou de fato, quando há
dele muitas testemunhas, ou, ao menos, emitido em tal circunstâncias
que possa tornar-se público, isto é, deve o mesmo ser conhecido ao
menos por uma testemunha que dele possa dar fé; em caso contrário,
o arrependimento não se presume. Se, pois, nem uma pessoa sequer
tiver sido testemunha do arrependimento ante mortem de um público
pecador, como no nosso caso, ao pecador que assim morreu, deve ser
denegada a sepultura eclesiástica.
É
a doutrina comum dos moralistas. Citaremos aqui apenas D’Annibal,
I. 116: “… sufficit de his (de signis paenitentiae) unus
testis. Verum, si non appareat paenitentes decessisse, arcendi sunt
sepultura ecclesiastica; quia paenitentia, cum sit aliquid facti, non
praesumitur”.
P.
MARIO NOVARETTI.
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Fonte:
Revista
do Clero, Ano XIX, Janeiro
de 1938, p. 31-32.
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