O Sagrado Coração de Jesus,
é um Reservatório de Graças.
Nós achamos no Coração de Jesus todos os bens e socorros que podemos desejar. Nele, diz São Paulo, sois ricos em toda sorte de bens; de modo que não vos pode faltar graça alguma, seja qual for.1 Este Coração e, pois, verdadeiramente o reservatório de todos os favores divinos; deste Coração generoso é que correm esses rios inexauríveis de graças, de que fala o Profeta Isaías: Vós bebereis com alegria das fontes do Salvador.2 Ora, podemos considerar quatro fontes no Sagrado Coração de Jesus.
A primeira, é uma fonte de misericórdia, na qual podemos nos purificar de todas as manchas de nossos pecados. Esta fonte foi formada para nós com as lágrimas e o Sangue de nosso Divino Redentor. Ele nos amou, diz São João, e lavou nossos pecados com seu Sangue.3 Eis aí até onde chegou o amor de Jesus para conosco: a fim de podermos nos purificar das manchas do pecado, Ele quis nos preparar um lavacro de salvação no Seu próprio Sangue.
A segunda, é uma fonte de paz e consolação nas nossas penas. Se alguém tem sede das verdadeiras consolações, ainda nesta vida, venha a meu Coração, e receberá o que deseja.4 Aquele que prova das águas de meu amor, desprezará para sempre as delícias passageiras do mundo, e será plenamente satisfeito, quando entrar na morada dos eleitos; porque a água de minha graça o fará subir da terra para o Céu.5 A paz que o Senhor dá às almas de que Ele é amado, não é a alegria que o mundo promete nos prazeres sensuais, os quais deixam após si mais amargura do que felicidade; a paz que Deus dá, excede todos os prazeres dos sentidos.6 Bem-aventurados aqueles que têm sede desta fonte divina!7
A terceira, é uma fonte de devoção. Oh! Como se torna piedoso e pronto a obedecer à Deus; oh, como se cresce sem cessar de virtudes em virtudes, quando se medita muitas vezes o que o Divino Coração de Jesus fez por amor de nós. Aquele que segue esta prática, tornar-se-á semelhante a uma árvore plantada junto da corrente das águas.8
A quarta, é uma fonte de amor. Quando se meditam os padecimentos e as humilhações do Coração de Jesus por nosso amor, é impossível não nos sentirmos inflamados por este belo fogo, que Ele veio acender sobre a terra.
Assim, segundo a palavra do Profeta, aquele que vai haurir nestas felizes fontes que temos no Coração de Jesus, terá sempre águas de alegria e de salvação: Haurietis aquas in gaudio de fontibus Salvatoris.9
Portanto, se, no passado, não haveis recebido mais graças, diz o Senhor, não o imputeis a Mim, mas a vós mesmo, que vos descuidastes de vir tomá-las em meu Coração: Pedi e recebereis. Oh! Quanto é rico e generoso o Coração de Jesus para com aqueles que O invocam!10 Basta rogar-Lhe para ser atendido, porque se o Coração de Jesus é a fonte primeira, donde fluem todos os regatos de graças, o vaso para recebê-las, é a oração. Mas para que a oração surta seu efeito, é preciso que tenha as condições requeridas: humildade, confiança e perseverança.
Deus atende as orações de Seus servos, quando são feitas com humildade;11 ao contrário, repele-as.12 Toda a ciência do cristão consiste em saber que ele nada tem e nada pode: assim, convencido de sua impotência, ele não deixará de recorrer a Deus pela oração. A oração da alma humilde penetra os Céus, apresenta-se ao trono do Altíssimo, e não se retira senão depois de ter sido olhada favoravelmente13 por Ele, ainda que esta alma seja culpada de todos os crimes; porque Deus não pode desprezar um coração que se humilha. Sabei, minha filha, dizia Ele um dia a Santa Catarina de Sena, sabei que aquele que continua a pedir humildemente minhas graças, adquirirá todas as virtudes.
Além da humildade, é necessária a confiança. Esta virtude atrai particularmente o Coração de Jesus, porque exalta Sua bondade infinita. O Apóstolo no-la recomenda instantemente, assegurando-nos do Senhor grandes recompensas.14 Nossa confiança será a medida das graças que receberemos do Coração de Jesus: Se a confiança é grande, as graças serão abundantes, diz São Bernardo. A misericórdia do Coração de Jesus é uma fonte imensa; aquele que vai haurir nela com um vaso maior de confiança, volta com maior abundância de bens. O Profeta-Rei suplicava ao Senhor fizesse brilhar sobre ele Sua misericórdia à proporção da esperança que tinha em Seu socorro.15 E é o que o Centurião viu realizado em seu favor: Jesus, depois de ter feito o elogio de sua confiança, disse-Lhe: Vai, faça-se conforme tua fé.16 O Senhor revelou a Santa Gertrudes, que a alma que ora com confiança, faz-Lhe de certo modo violência, e força Seu Divino Coração a escutá-la em todos os seus pedidos. São João Clímaco tinha, pois, razão de dizer: que a oração faz violência a Deus: mas é uma violência, que é agradável e cara a seu Coração infinitamente bom e misericordioso. Tudo o que quiserdes, diz Ele, pedi e recebereis.17
À humildade e à confiança é necessário ainda ajuntar a perseverança na oração. Jesus Cristo nos exorta a isto nos termos seguintes: Pedi, e ser-vos-á dado; buscai, e achareis; batei, e abrir-se-vos-á.18 Bastava dizer: Pedi; para que ajuntar: Buscai, batei? Estas palavras não são supérfluas? De modo algum; Jesus cristo quis ajuntá-las para nos fazer compreender melhor, que orando devemos imitar os pobres que vão mendigar; se lhes recusam a esmola que pedem, persistem contudo em solicitá-la; fazem novas instâncias, e quando o dono da casa não aparece, batem na porta a ponto de se tornarem importunos. Jesus Cristo quer que procedamos como eles, que peçamos, solicitemos fortemente, não cessemos jamais de bater na porta de seu Coração, rogando que nos assista, socorra, dê luzes, forças, e não permita que percamos Sua amizade.
Se, pois, queremos receber graças, vamos buscá-las no Coração de Jesus; o vaso que devemos levar, é a oração, a confiança o faça bem largo, a humildade bem profundo. Perseverando em orar desta maneira, alcançaremos tudo o que quisermos: Quodcumque volueritis.19
Prática
Para forçar o Coração de Jesus a derramar sobre minha alma os dons celestes, serei também generoso para com os pobres e enfermos, para com as igrejas e obras pias. A medida de minha caridade será a medida da generosidade divina para comigo. Que devo fazer neste ponto?
Afetos e Súplicas
Meu Jesus, com a Samaritana Vos direi: Domine, da mihi hanc aquam:20 Dai-me dessas águas que correm de vosso Divino Coração, a fim de que, não viva mais senão para Vós, ó amabilidade infinita! Minha alma é terra árida que só produz abrolhos e espinhos de pecados: ah, dignai-Vos regá-la com as águas de vossa graça, a fim de que, dê algum fruto que sirva para vossa glória, antes que a morte me faça sair deste mundo. Ó fonte de água viva, ó Bem Supremo, quantas vezes Vos deixei pelas águas lodosas, que me privaram de vosso amor! Antes tivesse eu morrido! No futuro, não quero mais senão a Vós, meu Deus; socorrei-me, e fazei que eu seja fiel em recorrer a vosso Divino Coração pela oração. Ó Maria, minha Advogada e minha Mãe, intercedei por mim. Amém.
Oração Jaculatória
Coração de Jesus, ensinai-me a bem orar.
Exemplo
Minha alma tem sede de Vós, ó meu Deus.21 Estas palavras do Profeta-Rei resumem a vida de Isabel Baylay, esta grande alma que foi Fundadora das Irmãs de São José nos Estados Unidos. Nascida no Protestantismo, pode-se dizer que ela se fez católica por causa da imperiosa necessidade que experimentava da Eucaristia. Em 1794, Isabel esposou William Seton, rico armador de Nova Iorque, e teve deste consórcio cinco filhos. Logo a saúde de William, abalada sem dúvida pelos revezes da fortuna, deu-lhe sérias inquietações. Tendo-lhe os médicos aconselhado clima melhor, Seton embarcou-se para a Itália com sua mulher, mas morreu poucos dias depois de sua chegada a Liorne. Aí é que Deus esperava Isabel Seton. A piedosa família de Filicchi ofereceu à infortunada viúva generosa hospitalidade. O Coração de Jesus começou desde então a lhe inspirar muito respeito para com o Sacramento de nossos altares. Ela sentia felicidade inexprimível em assistir com toda a família dos Filicchi à Missa, que se dizia na sua capela. “Quão felizes seríamos, escrevia ela a uma cunhada, também protestante, quão felizes seríamos, se crêssemos o que creem estes caros amigos! Eles possuem, por sua fé, seu Deus no Sacramento; acham-no nas suas igrejas; às suas casas vai este Deus para se unir a eles quando estão doentes. Oh! Não posso reter minhas lágrimas, quando o Santíssimo Sacramento passa sob as minhas janelas. Ó meu Deus, quão feliz seria eu, se, ainda que separada de tudo o que me é caro, pudesse como eles achar-Vos na igreja! Quantas coisas Vos diria de minhas aflições e pecados da minha vida!… Noutro dia, num momento de angústias excessivas, caí de joelhos sem nisto pensar, quando o Santíssimo Sacramento passava. Clamei para Deus, numa espécie de agonia suplicando-Lhe me abençoasse, se ali estivesse realmente presente: Minha alma tem sede de Vós, ó meu Deus! Dizia-Lhe eu. Sobre a mesa vi um livrinho de piedade; não pude ter-me que o não abrisse, e a página que caiu sob meus olhos, continha uma oração na qual São Bernardo suplicava à Virgem Santíssima a graça de ser nossa Mãe. Rezei a oração… Enquanto eu orava, senti que tinha realmente Mãe. – O que me comove mais nesta família Filicchi, escrevia ela ainda a sua cunhada, é que vão à Missa cada manhã. Aqui, todos aqueles que amam a Deus, podem assentar-se cada dia para o Divino Banquete. Ah! Minha amiga, eles devem ser quase tão felizes como os Anjos!” Isabel retomou o caminho da América, determinada a abraçar a verdadeira fé. Dizer os sarcasmos e perseguições que ela teve de suportar, seria impossível. Certa de que assim aconteceria, Isabel não cessava de rezar a dizer: Misericórdia, meu Deus! Fonte de luz, esclarecei meus olhos. A 14 de Março de 1805, Isabel abjurou o Protestantismo, e sua primeira palavra, depois deste grande Ato, foi um surto de amor para com o Coração de Jesus: “Com o coração folgado e a alma tranquila pela primeira vez após muito tempo, eu conjurava nosso Senhor abismasse o mais possível meu coração no Seu Lado aberto, ou o encerrasse no Seu Tabernáculo, morada em que agora repousarei para sempre”. No dia de sua Primeira Comunhão, Isabel escrevia: “Enfim, meu Deus é para mim, e eu sou para Ele; que é tudo mais, comparado a esta felicidade?” Vida toda cheia de boas obras foi a desta piedosa senhora, que morreu pronunciando os doces Nomes de Jesus, Maria e José, e dizendo: “Água saída do Coração de Jesus, lavai-me”. As Irmãs de São José, que ela fundou e de que foi a primeira Madre, possuem hoje mais de cem Casas nos Estados Unidos.
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Fonte: O Sagrado Coração de Jesus, segundo Santo Afonso de Ligório, ou, Meditações para o Mês do Sagrado Coração, a Hora Santa e a Primeira Sexta-feira do Mês; coligidas das Obras do Santo Doutor pelo Padre Saint-Omer, C.Ss.R., “A Primeira Sexta-feira do Mês de Abril”, pp. 308-315. 5ª Edição Portuguesa, Tipografia de Frederico Pustet, Impressores da Santa Sé. Ratisbona/Alemanha, 1926.
1. I Cor. 1, 5.
2. Is. 13, 3.
3. Apoc. 1, 5.
4. Jó 7, 37.
5. Jó 4, 13-14.
6. Filip. 4, 7.
7. Mat. 5, 6.
8. Salm. 1, 3.
9. Is. 13, 3.
10. Rom. 10, 12.
11. Salm. 101, 18.
12. Tiag. 4, 6.
13. Eclo.35, 21.
14. Heb. 10, 35.
15. Salm. 32, 22.
16. Mat. 8, 13.
17. Jo. 15, 7.
18. Luc. 11, 9.
19. Jo. 15, 6.
20. Jo. 4, 15.
21. Salm. 62, 2.
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