William
J. Tighe, sobre a história do 25 de dezembro
Tradução
de Ricardo Williams G. Santos
Ensaio
publicado originalmente no site Touchstone
A Jornal of Mere
Christianity
Muitos
cristãos pensam que celebramos o Nascimento de Cristo em 25 de
dezembro porquê os Pais da Igreja se apropriaram da data de um
festival pagão. Praticamente ninguém se importa com isso, exceto
por alguns grupos extremistas de evangélicos norte-americanos, que creem que isto faz do Natal uma festa pagã. Mas é importante saber
que a escolha do 25 de dezembro é resultado de várias tentativas
dos primeiros cristãos de descobrir a data do nascimento de Jesus,
baseadas em cálculos que não tinham relação com festividades
pagãs.
Pelo
contrário, ao instituir o festival pagão do “Nascimento do Sol
Invicto” em 25 de dezembro de 274, o imperador romano Aureliano
certamente tentou criar uma festividade pagã para competir com uma
data que já possuía certa importância para os cristãos romanos.
Portanto, o mito das “origens pagãs do Natal” é totalmente
desprovido de bases históricas.
Um
Erro
Devemos
a ideia de que a data foi apropriada dos pagãos a dois estudiosos
do final do século XVII e início do século XVIII: Paul Ernst
Jablonsky, um Protestante alemão que desejava mostrar que a
celebração do nascimento de Cristo em 25 de dezembro era apenas uma
das inúmeras “influências” pagãs adotadas pela igreja a partir
do século IV e que transformara o Cristianismo Apostólico puro no
Catolicismo Romano; e Dom Jean Hardoiun, um monge beneditino que
tentou mostrar que a Igreja Católica Romana adotara festivais pagãos
para cristianizá-los sem, no entanto, corromper o evangelho com
influências pagãs.
No
calendário juliano, criado em 45 a.C. pelo imperador Júlio César,
o solstício de inverno caía em 25 de dezembro, e portanto, parecia
óbvio a Jablonsky e Hardoiun que a data fora importante para os
pagãos. Mas, na verdade, tal data não possuía importância
religiosa no calendário de festividades pagãs romanas antes da
época de Aureliano, tampouco o culto ao sol fora importante em Roma
antes de seu governo.
Havia
dois templos solares em Roma: um deles, mantido pelo clã ao qual
Aureliano pertencera, e que celebrava seu festival em 9 de agosto; e
outro que celebrava seu festival em 28 de agosto. Mas ambos os cultos
caíram em decadência por volta do século II, quando cultos solares
orientais, como o mitraísmo, tornaram-se populares em Roma. De
qualquer modo, nenhum destes cultos, novos ou antigos, celebravam
festivais relacionados a solstícios ou equinócios.
O
que realmente ocorreu é que Aureliano, que governou de 270 até seu
assassinato em 275, era hostil ao Cristianismo, e aparentemente
promoveu e estabeleceu o festival do “Nascimento do Sol Invicto”
como um meio de unificar diversos cultos pagãos do Império Romano
através do “renascimento” anual do sol. Durante seu governo o
império parecia desmoronar devido a desordem interna, rebeliões nas
províncias, decadência econômica e ataques contínuos das tribos
germânicas ao norte, e dos persas à leste.
Com
a criação da nova festividade o imperador pretendia que o 25 de
dezembro – que iniciava o período do ano em que os dias eram mais
longos e as noites mais curtas – se tornasse um símbolo do
esperado “renascimento” ou renovação perpétua do Império
Romano, resultado da retomada do culto a deuses que, no passado,
haviam levado Roma à grandeza – segundo criam os romanos. Se a
data coincidisse com uma festa cristã, melhor ainda.
Uma Consequência
É
certo que a primeira evidência que temos da celebração da festa
cristã do Natal do Senhor na data de 25 de dezembro data de 336
d.C., anos após o fim do governo de Aureliano. Mas há evidências
de que, já nos século II e III, tanto no oriente grego quanto no
ocidente latino, os cristãos tentavam descobrir a data do nascimento
de Cristo antes mesmo dela tornar-se uma celebração litúrgica.
Evidências indicam que, na verdade, a escolha da data de 25 de
dezembro foi uma consequência de tentativas de se determinar a
celebração da Páscoa.
Como
isso ocorreu? Há uma contradição aparente entre a data da morte do
Senhor segundo os Evangelhos sinópticos e o Evangelho de São João.
Os sinópticos marcam sua morte na Festa da Passagem, após o Senhor
celebrar da Ceia na noite anterior. João marca sua morte na véspera
da Festa da Passagem, quando os cordeiros eram sacrificados no templo
de Jerusalém para a festa que teria início após o sol se pôr
naquele dia.
Para
solucionarmos esse problema devemos responder se a Última Ceia do
Senhor foi uma ceia celebrada na Festa da Passagem, ou uma refeição
ocorrida na véspera. A questão é muita longa para abordamos aqui,
mas basta dizer que a Igreja primitiva seguia a data de São João, e
portanto cria que a morte de Cristo ocorrera em 14 de Nissan, segundo
o calendário lunar judaico. Aliás,
muitos estudiosos contemporâneos postulam que a morte de Cristo só
poderia ter ocorrido em 30 ou 33 d.C., já que somente nestes dois
anos a véspera da Festa da Passagem caíra em uma sexta-feira, sendo
os possíveis dias de sua morte 7 de abril do ano 30, ou 3 de abril
do ano 33.
Porém,
com sua forçosa separação do judaísmo, a Igreja passou a adotar
calendários distintos, e teve de obter meios próprios para
determinar a celebração da Paixão de Cristo de modo independente
dos cálculos feitos pelos rabinos judeus que determinavam a data da
Festa da Passagem. Além disso, como o calendário judaico era um
calendário lunar composto de doze meses de trinta dias, de tempos em
tempos o Sinédrio decretava a adição de um 13o mês para que o
calendário acompanhasse os equinócios e solstícios, e as estações
do ano caíssem na época apropriada do calendário.
Além
da dificuldade que os cristãos teriam em seguir, ou mesmo saber com
precisão, a data da Festa da Passagem a cada ano, seguir um
calendário lunar próprio lhes causaria problemas com os judeus e
pagãos, e muito provavelmente causaria disputas internas – como as
disputas do século II sobre se a Páscoa deveria sempre ser
celebrada em um domingo ou em qualquer dia da semana que caísse dois
dias depois do dia 14 de Nissan. Seguir um calendário lunar pioraria
ainda mais tal situação.
Tais
dificuldades foram solucionadas de modo diferente entre os cristãos
gregos da porção oriental do império e os cristãos latinos da
parte ocidental. Os gregos aparentemente desejavam encontrar uma data
equivalente ao 14 de Nissan em seu calendário solar, e como o mês
de Nissan coincidia com o equinócio de primavera, ele escolheram o
14o dia de Artemísion, mês do equinócio de primavera em seu
próprio calendário. Por volta de 300 d.C., o calendário grego foi
substituído pelo calendário romano, e como as datas de início e
fim dos meses em ambos os calendários não coincidiam entre si, o 14
de Artemísion tornou-se 6 de abril.
Por
sua vez, os cristãos latinos de Roma e do norte da África do século
II aparentemente desejavam estabelecer uma data histórica para a
morte de Nosso Senhor. Na época de Tertuliano (c. +230), eles
decidiram estabelecer que a data da sua morte fora em uma
sexta-feira, 25 de março do ano 29 (é importante notar que esta
data estava errada; 25 de março de 29 não era uma sexta-feira, e
naquele ano a véspera da Festa da Passagem não caíra em uma
sexta-feira, tampouco em 25 de março).
Era de Integração
Portanto
no oriente tínhamos o 6 de abril, e no ocidente o 25 de março. Aqui
devemos explanar uma crença que era corrente no judaísmo na época
de Cristo, mas que como não se encontra na Bíblia, é desconhecida
dos cristãos: a ideia de uma “era de integração” dos grandes
profetas judaicos, a ideia de que os profetas de Israel morreram na
mesma data de sua concepção.
Esse
conceito é um fator chave para compreendermos como alguns cristãos
primitivos vieram a crer que 25 de dezembro é a data do nascimento
de Cristo – eles aplicaram esta ideia a Jesus, de modo que 6 de
abril e 25 de março não eram apenas as supostas datas da morte de
Cristo, mas também de sua concepção ou nascimento. Há evidência
fugaz de que alguns cristãos dos séculos I e II criam que o
nascimento de Cristo era 25 de março ou 6 de abril, mas a data de 25
de março logo ganhou aceitação entre os cristãos como a data da
Concepção do Senhor.
Ainda
hoje esta data é comemorada pela maioria dos cristãos como a Festa
da Anunciação, quando o Arcanjo Gabriel trouxe a Boa-nova do
Salvador à Virgem Maria, que por seu consentimento possibilitou que
o Eterno Verbo de Deus (“Nascido do Pai antes de todos os séculos:
Luz de Luz, Deus Verdadeiro de Deus Verdadeiro”) se encarnasse em
seu ventre. E quanto tempo dura uma gravidez? Nove meses. Se
contarmos nove meses a partir de 25 de março, chegamos a 25 de
dezembro; fazendo o mesmo com o 6 de abril, temos 6 de janeiro. Em 25
de dezembro celebramos o Natal, e em 6 de janeiro, a Epifania.
O
Natal (25 de dezembro) é uma festa originária do ocidente cristão,
que foi introduzida em Constantinopla por volta de 379 ou 380. Em um
sermão de São João Crisóstomo, que na época era um renomado
asceta e pregador em Antioquia, vemos que a festa foi celebrada pela
primeira vez em sua cidade natal em 25 de dezembro de 386. A partir
dos grandes centros urbanos, a festa se difundiu em todo o oriente
cristão, sendo instituída em Alexandria no ano 432, e em Jerusalém
por volta de um século depois. Somente a igreja da Armênia não
adotou esta tradição, e até hoje celebra o Natal de Cristo, a
adoração dos Reis Magos e o Batismo do Senhor em 6 de janeiro.
As
igrejas ocidentais, por sua vez, adotaram posteriormente a Festa da
Epifania, celebrada no oriente em 6 de janeiro, entre os anos 366 e
394. Mas no ocidente a festa era celebrada geralmente como a visita
dos Reis Magos ao menino Jesus, e como tal, era uma festa importante,
mas não pertencia às grandes festas da Igreja – um visível
contraste com o Oriente, onde a Epifania ainda é, depois da Páscoa,
a festa mais importante do calendário litúrgico.
No
oriente cristão, a Festa da Epifania é mais popular que o Natal. O
motivo é que esta festa celebra o Batismo de Cristo no Rio Jordão,
quando a Voz do Pai e a descida do Espírito Santo manifestaram aos
homens, pela primeira vez, a divindade do Cristo Encarnado e a
Trindade Divina.
|
Bento XVI ajoelhado diante de um Presépio |
Uma festa cristã
Portanto
a escolha do 25 de dezembro como data do nascimento de Cristo não
possui relação alguma com supostas influências pagãs que
adentraram a Igreja durante ou após o reinado de Constantino. É
altamente improvável que esta seja a verdadeira data do nascimento
de Cristo, mas deve suas origens aos esforços dos cristãos latinos
dos primeiros séculos em determinar a data precisa da morte de
Cristo.
E
a festa pagã instituída pelo imperador Aureliano em 274 foi não
somente uma tentativa de utilizar o solstício de inverno para fins
políticos, mas também uma tentativa de dar um significado pagão a
uma data que já era importante aos cristãos romanos. Estes, por sua
vez, posteriormente fizeram uso da coincidência com a festa pagã do
“Nascimento do Sol Invicto” para se referir ao Nascimento de
Cristo como o nascimento do “Sol da Salvação” ou “Sol da
Justiça”.
____________________
Notas:
William
J. Tighe, correspondente da Touchstone,
é professor de História da Faculdade Muhlemberg. Ele indica aos
leitores interessados o livro The Origins of the Liturgical Year, de
Thomas J. Talley, publicado pela editora The Liturgical Press.
Nenhum comentário:
Postar um comentário