Alguns exemplos edificantes
Santa Antonina e Santo Alexandre, Mártires.
► Além do exemplo de Santa Joana d'Arc, do qual falarei
com mais extensão depois, o Martirológio faz menção a 3 de Maio, aos Santos
Mártires, Alexandre, soldado, e Antonina, Virgem, em Constantinopla; que
durante a perseguição de Maximiano, sendo Festo prefeito, Antonina foi
condenada ao lupanar, donde a tirou ocultamente Alexandre, trocando os
vestidos e ficando no lugar dela; depois foram ambos descobertos e
atormentados, cortaram-lhes as mãos e lançaram-nos ao fogo, com o que
alcançaram à glória eterna, em 313 (cfr. "Ano Cristão", Vol. V,
Martirológio de 3 de Maio, p. 49, pelo R. Pe. Croiset, Porto, 1923).
Santa Joana D'Arc não usava
traje masculino a mandado do
próprio Deus?
► Resposta: É verdade, porque,
excepcionalmente, por vontade de Deus, ela teve que exercer uma função que era
própria do homem. Deus pode suspender certas leis morais de ordem
secundária. Além disso, para impedir que sua função e sua veste fossem
causa de qualquer risco de sensualidade entre os homens, Deus a dotou de uma
pureza e modéstia tais que superava qualquer inconveniente de ordem natural:
Os comandantes do exército francês, companheiros de armas da Santa guerreira,
depunham no Processo de revisão de sua condenação: diante de Santa Joana
d'Arc jamais eles sentiam qualquer tentação carnal, mesmo nas condições
precárias de um acampamento militar, tal era a irradiação milagrosa de pureza
que dela se desprendia ("Jeanne d'Arc", E. Bourassim, 1977, pp.
55 e 125).
O Exemplo de Santa Joana d'Arc
► "O bruxo e visionário Merlin
teria profetizado que a França seria salva por uma virgem com trajes de homem.
E mais, acreditava-se que esta jovem viria da Lorena. Uma das testemunhas no
Processo (contra Joana d'Arc) afirmou ter lido num livro velho que esta virgem
sairia de um mato de carvalho na Lorena. − Não importa que Merlin falasse de um país
diferente. O que aqui interessa é o fato de tais boatos existirem antes da
aparição de Joana d'Arc.
Diante do 'Dauphin' apareceu uma piedosa
mulher, Marie d'Avignon, contando suas visões relacionadas com os
sofrimentos inauditos da França. Uma voz lhe comunicara que a calamidade havia
de crescer ainda. Apareceu-lhe uma armadura. Assustada pensou ter de usá-la.
Mas a voz esclareceu: 'Viria uma virgem que devia vesti-la, vencer os
inimigos e salvar o reino da França'.
A comissão que antes da libertação de Orleans examinou
Joana d'Arc, conhecia também estes boatos e vaticínios, constatando que então
estavam realizados.
Quando em 1412 nasceu Joana, a quarta filha de Jacques
d'Arc e Isabelle Romée, ninguém pensou nas profecias, que se contavam em todas
as casas. O futuro da menina parecia o comum de todas as crianças, nascidas em
condições humildes: seria o que eram seus pais, como as demais meninas da mesma
aldeia, uma camponesa laboriosa, uma boa mãe de família.
Em Domrémy, aldeia Lorena, onde se achava a casa
paterna, não havia escola. A menina não aprendeu a ler nem escrever. A
única coisa que Joana sabia eram as Verdades da Fé, ensinadas por uma
inteligente e enérgica mãe. Foi dela que aprendeu a fazer o Sinal da Cruz e a
rezar o Creio em Deus Pai, o Pai Nosso e a Ave Maria.
Quando Joana saía de casa, via na próxima vizinhança a
igreja paroquial, que cada vez mais a atraía. Ao badalar dos sinos, soando o
Angelus, ela fazia o Sinal da Cruz e ajoelhava-se. Fora da aldeia, numa
elevação, havia uma capelinha, consagrada a Nossa Senhora de Bermont. Muitas vezes,
de preferência nos sábados, Joana visitava aquela imagem e, quando possível,
acendia uma vela em honra da Mãe de Deus".
As Vozes
do Céu
"Joana tinha 13 anos quando, num dia que a
história nunca fixou, ouviu uma voz 'divina, boa e nobre', que não saía de boca
humana. Eram 12 horas. Dia de verão. A menina achava-se sozinha no jardim da
casa paterna. A voz vinha da direita, do lado da igreja e estava acompanhada
de viva luz. A voz lhe recomendou de atender bem a si mesma e de frequentar
diligentemente a igreja.
Nos dias seguintes a voz voltou. Na terceira vez Joana
soube que era o Arcanjo São Miguel que lhe falava, o Príncipe dos exércitos
celestes, o Padroeiro da casa Valois, reinante, e da própria França.
Pouco depois o Arcanjo se fez acompanhar e finalmente
substituir por Santa Catarina e Santa Margarida. Eram aparições majestosas,
com ricas coroas na cabeça. Joana via-as, tocava e sentia a fragrância que
espalhavam, mas em geral referia-se a elas só como a 'vozes' que ouvia, 'suas
vozes'. Sabia que eram Virgens e Mártires, mas o que não podia imaginar era
a razão por que Deus as escolhera para esta missão: seriam guias e protetoras
da virgem e mártir Joana, futura salvadora e santa ideal da França
Católica".
A Vocação
"Certo dia as vozes, tão familiares, mudaram de
tom. Atônita, ela ouviu as palavras: 'Filha de Deus, deves sair da tua aldeia e
ir para a França'.
Passaram momentos de estupor. Tendo finalmente
compreendido o sentido das palavras ela respondeu: 'Mas eu sou uma pobre menina
que não sabe andar a cavalo, nem travar batalhas!' Mas as vozes insistiam. A
partir daquele dia elas repetiam sempre a ordem, variando os termos. As intimações
tornavam-se mais peremptórias: 'Toma tua bandeira que o Rei dos Céus te dá,
toma-a corajosamente, e Deus te ajudará!' Em outra ocasião ouviu dizer: 'Filha
de Deus, vai, vai, vai! Eu serei teu auxílio. Vai!'
Finalmente ela ouviu a explicação clara da sua missão!
'Filha de Deus, deves conduzir o 'Dauphin' a Reims, para que seja coroado segundo
o Rito Tradicional!' −
'Deves ir para a França e não podes ficar onde estás! Deves levantar o cerco
de Orleans'.
Decisivas foram as palavras seguintes: 'Filha de Deus,
deves ir ao capitão Robert de Baudricourt na cidade de Vaucouleurs; ele te
dará homens que te levarão ao Dauphin'. Joana d'Arc tinha (então) 17 anos.
["A 13
de Fevereiro de 1429, quando contava 17 anos de idade, saiu Joana de Vancouleurs,
a caminho da corte do Delfim, então em Chinon, como vimos. Escoltavam-na dois
cavaleiros, João de Metz e Beltrão de Poulangy, quatro homens de armas e escudeiros.
Pela primeira vez, agora, enverga o traje de campanha, que nunca mais há de
abandonar; quotizou-se o povo de Vancouleurs para lhe oferecer as peças do seu
vestuário novo, a saber: um gibão muito justo, de pano escuro, uma saia curta,
que lhe descia até aos joelhos, polainas altas, botas e esporas. Leva o cabelo
cortado pela altura das orelhas, como era de uso entre os cavaleiros da
época; cobre-lhe a cabeça um gorro de lã preta. Laxart e um certo Tiago
d'Alain deram-lhe um cavalo, cujo preço foi 16 francos; e recebeu de Roberto
de Baudricourt uma espada que depois havia de trocar pela milagrosa lâmina
encontrada em Fierbois"] (cfr. "Ano Cristão", por R. Pe.
Croiset, 30 de Maio − Festa
de Santa Joana d'Arc, Vol. V, p. 417).
Aos 13 de Fevereiro de 1429 a camponesa de Domrémy
montou a cavalo trajada de homem, com armadura, espada e lança. Seis homens tinham ordem de acompanhá-la. Baudricourt
os fez jurar de protegê-la do melhor modo possível. E Robert disse a Joana
quando encetou caminho: 'Anda! Vá agora tudo como quiseres!' (Atas do
Processo).
A confiança do comandante era pouca, mas em algumas
semanas esta moça desconhecida espantará o mundo inteiro.
Veremos mais tarde que os juízes fizeram acusação dos
trajes masculinos que Joana revestia desde a partida. Ela afirmava ter
obedecido às ordens de Deus!
["Das setenta acusações que pesaram sobre Joana,
quer o leitor saber qual foi tida por mais importante? O uso de trajes
masculinos! Custa a crer que assim fosse; mas o caso não admite dúvidas, nem
interpretações divergentes; ressalta com evidência das Atas do Processo: ‘─ Podeis acaso afirmar que
não pecais mortalmente por vestirdes fato de homem?’"] (R. Pe.
Croiset, ob. cit., p. 427).
'Se Deus me disse que pusesse trajes de homem e os trouxesse
constantemente, sua ordem tem relação com a necessidade de manejar as mesmas
armas como homens'. E ainda mais
claro: 'Quando estou trajada como homem entre homens, eles não terão desejos
de mim, e creio que poderei em pensamentos e ações guardar melhor a minha
virgindade'.
Vemos que a moça conhecia os perigos, mas mostrava uma
resolução tão decidida de ser inviolável que os rudes homens de guerra eram
como instintivamente afastados deste ser extraordinário... o nobre Dunois... o
atribuía a uma intervenção Divina.
Talvez o mesmo Dunois tivesse ouvido o que acontecera a Joana logo no princípio
da carreira militar. Um soldado saudou-a com as seguintes palavras: 'Não é esta
a pretensa virgem? Se eu a tivesse uma só noite, com Deus, ela não seria mais
virgem, é o que posso prometer'.
Joana ouviu esta saudação. Fixou o homem: 'Blasfemas
contra Deus, morrerás em breve'. Em menos de uma hora o homem caiu na água
e se afogou".
Por que
os Trajes Masculinos?
"O célebre Jean Gerson vivia no exílio em Lyon,
onde dera um parecer favorável a Joana; em particular não vetara os trajes
masculinos".
"Confiando nas promessas recebidas em Saint-Ouen,
Joana aceitou trajes femininos e esperou ser levada a uma prisão eclesiástica,
ser vigiada por uma mulher e poder assistir à Santa Missa. Mas foi outra vez
confiada aos mesmos guardas ingleses. Estes, participando da decepção e ódio de
todos seus conterrâneos, a maltrataram mais desumanamente do que nunca. Com
todas as forças ela se defendeu contra agressões desonestas.
As circunstâncias fazem crer que era jogo premeditado
induzir a prisioneira a reassumir os trajes masculinos e fornecer assim ensejo
para nova ação judiciária. Um ou dois dias depois da volta à prisão, os guardas
esconderam os trajes femininos deixando só os proibidos. Mas tarde restituíram
o vestido de mulher, para acusar Joana de má vontade, caso ela o repudiasse. Mas
Joana não o aceitou por motivos que logo ouviremos.
Em breve a vítima de uma trama diabólica convenceu-se
de que fora enganada. A prisão era a mesma e, segundo a sentença, devia ser
eterna. As Santas que lhe falavam repreendiam sua infidelidade. De repente
espalhou-se a notícia de que Joana, na sua impiedade, vestia de novo trajes
masculinos.
Imediatamente Mons. Pierre Cauchon, Bispo de Beauvais,
foi à prisão, onde a encontrou desfigurada, ensanguentada pelos maus
tratos, chorosa, cabelo raspado, trajada de homem. Era aos 28 de Maio, dois
dias antes da morte (contava apenas 19 anos).
Ouçamos o último diálogo da prisioneira que, arrependida
de sua fraqueza passageira, sobe ao cume do heroísmo.
─ Cauchon: 'O que significa isso?'
─ Joana: 'Sim, tornei a pôr os
trajes masculinos, tirei os femininos'.
─ Cauchon: 'Prometeste e juraste
não mais vesti-los'.
─ Joana: 'Era mais conveniente,
porque estou em meio de homens. Tornei a vesti-los porque não guardastes a
vossa palavra. Prometestes que eu poderia assistir à Santa Missa, receber o
Corpo de Nosso Senhor, ficar fora destas cadeias de ferro'.
─ Cauchon: 'Não abjuraste e
prometeste não mais vestir esta roupa?'
─ Joana: 'Prefiro morrer a estar
em cadeias. Mas se me deixam ir à Missa, me tiram as cadeias, levam a uma
prisão decente em presença de uma mulher, então sujeitar-me-ei e farei o
que a Igreja me mandar'. 'Prefiro fazer penitência de uma vez e morrer do que
suportar mais tempo os sofrimentos da prisão. Nunca agi contra Deus nem contra
a Fé, embora vós me obrigásseis a revogar. Do que estava escrito no documento
da abjuração não compreendi nada. Não tinha na mente revogar qualquer coisa,
fora se fosse do agrado Divino. Se quiserdes tornarei a revestir os trajes
femininos, quanto ao resto, não mudarei nada'.
Cedo no dia 30 de Maio do ano 1431, Joana é avisada
que neste dia será queimada viva. Começa a chorar: 'Oh! Que me tratam tão
terrível, tão cruelmente! Oh! Que hoje meu corpo, que nunca degradei, deve
ser consumido e reduzido a cinzas... Diante de Deus acuso estes guardas e os
homens que lhes deram entrada aqui, por causa dos assaltos e atos de violência
a que me sujeitaram... Apelo para Deus, dos males e das injustiças que me fazem!'
'Hoje de noite espero estar no Paraíso'.
Joana é condenada como herege impenitente, mas
ilogicamente Cauchon lhe permite confessar-se e receber a Sagrada Comunhão...
Reza sem interrupção:
'Santíssima Trindade, tende piedade de mim! Santa
Maria, rezai por mim! Santa Catarina, Santa Margarida, ajudai-me!'...
Quando o fogo a atinge, ela não grita nem se lamenta.
Várias vezes exclama: 'Jesus! Jesus!'
Mártir
da Virgindade
Acima ouvimos que depois da sua abjuração, Joana
voltou aos trajes masculinos, o que lhe foi imputado como recaída e causou sua
execução. Mas como em tantas outras circunstâncias, as Atas do
Primeiro Processo velam a verdade que
apreendemos de várias testemunhas do Segundo Processo. Vejamos os textos:
─ A Pucelle me confiou que depois
da abjuração foi atormentada e espancada horrivelmente na prisão; um inglês,
até de nobre linhagem, tentou violá-la. Foi por esta razão que vestiu de novo
trajes masculinos. Também o declarou publicamente. Quando se aproximou o
fim, disse ao Bispo de Beauvais: 'Ai! Morro por vós, porque se me tivésseis
internado numa prisão eclesiástica − não estaria aqui'(Frei Martin Ladvenu).
─ Quando Joana tinha prestado a
abjuração, ela perguntou ao presidente em que lugar devia permanecer. O
presidente respondeu: No castelo de Rouen (a antiga prisão). Foi reconduzida
para lá. Vestia de novo trajes femininos. Tornada relapsa teve que
justificar-se perante os juízes. Nisto o próprio (juiz) Mestre André
Marguerie correu grande perigo, por dizer que convinha perguntar a Joana por
que motivo voltara aos trajes masculinos. Um inglês arrojou a lança e queria
transpassar o Mestre. Muito assustados, Marguerie e os outros fugiram
(Jean Massieu).
Pelos depoimentos citados do Segundo Processo e outros que omitimos, apreendemos,
portanto, a verdade. Joana não reassumiu os trajes proibidos como símbolo da
sua retratação, nem propriamente por causa da prisão secular, como insinuam as
Atas do Primeiro Processo, mas por causa do perigo que nesta prisão corria sua
virtude e integridade.
Aqui a heroína da Igreja e da França se elevou ao fastígio (cume) da
heroicidade. Sabia que enfrentava a morte e na realidade ela foi decretada
em consequência desta mudança de trajes. Se conservasse a roupa feminina,
já não a teriam inquietado qualquer que fosse sua disposição interna. Mas,
antes a morte, do que a violação! Joana d'Arc, já reconhecida durante a
vida como a Pucelle, a Virgem, é a vitoriosa Mártir da Virgindade"(R.
Pe. José Bernard, S.J., "Joana d'Arc − A Donzela de Orléans", Vozes
em Defesa da Fé, Caderno 37, Ed. Vozes, 1961).
Santa Pelágia, a Penitente
► "Por meado do V século, deu o Senhor à sua Igreja um dos mais
insignes exemplos de sua infinita misericórdia com os pecadores, na pessoa de
Pelágia, uma das mais notáveis pecadoras que se viram no mundo.
Tendo convocado em Antioquia o Patriarca Maximiano um Concílio
Provincial de todos os Bispos seus sufragâneos, a ele concorreu Nono um dos
Prelados mais santos do seu século. Foi monge do célebre mosteiro de Tabenas na
Tebaida, donde o tiraram pela fama de sua iminente virtude para o fazerem
Bispo de Edessa na Mesopotâmia, e daqui o transferiram para a Sé de Heliópolis,
na Síria, próximo do monte Líbano, onde converteu à Fé inumeráveis nações idólatras.
Em toda a parte frutificavam maravilhosamente os seus sermões, porque nele tudo
pregava: a sua compostura, modéstia, semblante extenuado por suas contínuas
penitências, a sua humildade e até os seus modos lhanos e sinceros, mas
sempre respeitáveis.
Um dia, em que estavam sentados à porta da igreja do Mártir São Julião,
o Patriarca, o Bispo Nono e outros oito Prelados dos que haviam concorrido ao
Concílio, rogou o Patriarca a São Nono que fizesse ao povo uma prática
espiritual. Fê-lo assim o Santo; falou com tanta eloquência e unção que a todos
tinha suspenso. A este tempo passava perto deles uma célebre cortesã chamada
Pelágia.
Era a primeira comediante de Alexandria, famosa por sua extraordinária
formosura; mas muito mais pelas desordens de sua desgraçada vida. Chamavam-lhe
a Margarida, o que na língua do país quer dizer Perola, ou fosse
por sua rara beleza, ou porque sempre se apresentava coberta de pedrarias.
Aquele dia havia-se adornado com todo o esmero e arte, que lhe pode inspirar o
desejo de parecer bem. Vinha soberbamente vestida, mas com tanta imodéstia,
como ostentação: o cabelo artificiosamente frisado, levantada a coifa com
estudado desalinho, um véu pela cabeça, e tudo o mais com desprezo que lhe
sugeria a falta de pudor. Seguia acompanhada de comitiva numerosa, composta de
donzelas e de pagens. Escandalizaram-se com isto os Prelados, afastando os
olhos de um espetáculo tão perigoso como profano. Só o Santo Bispo nono, contra
o seu costume, a esteve olhando fixamente todo o tempo, em que a pôde a vista
alcançar, e logo que se lhe ocultou, exclamou desfeito em lágrimas: 'Ah!
Irmãos meus, quanto temo que esta mulher, que tanto cuidado põe em agradar aos
homens, haja de ser algum dia nossa condenação pelo pouco cuidado, que nós
empregamos em agradar a Deus!'
Retirou-se depois à pousada com seu Diácono, que escreveu toda esta
história, prostrou-se, e chorando, e gemendo, e ferindo o peito, dizia: 'Senhor,
tende misericórdia deste pobre pecador. Eis ali uma miserável criatura que
gasta os dias inteiros a compor-se, que emprega o que a arte tem de mais
sedutor, brilhante e especioso para se tornar agradável aos olhos dos homens,
para se fazer amar deles; e eu Sacerdote, e Bispo, que cuidado ponho em
adornar a minha alma com a gala das virtudes? Que tempo gasto em purificar o
meu coração para vo-lo apresentar, e para que mereça o vosso agrado? Será
possível que aquela infeliz mulher tenha mais indústria para se tornar amada
dos homens, que eu para merecer ser amado de Deus?' Passou o Santo Bispo o
resto da noite na dor e na compunção, mostrando-se inconsolável por sua
imaginária indolência, descuido e frieza.
Na noite seguinte teve o Santo uma misteriosa visão que referiu a seu
Diácono, a qual teve o cuidado de a transmitir à posteridade: 'Pareceu-me,
lhe disse, que estando a celebrar ao altar se revoluteava ao redor de mim uma
pomba coberta de asquerosa imundície, despedindo de si cheiro insuportável; e
por mais que a afugentasse, ela sempre voltava a inquietar-me, até que o
Diácono disse que saíssem os catecúmenos, e então saiu também a pomba e depois
da Missa, dadas as graças, dispondo-me para voltar a casa, encontrei a mesma
pomba sobre o umbral da porta; pareceu que a tomei na mão, e que,
mergulhando-a em uma grande taça cheia de água, ficou tão branca como a neve,
sem o mais leve resquício de mancha, e tomando rapidamente vôo para o Céu,
desapareceu de meus olhos. Queira o Senhor, acrescentou o Santo, declarar-nos
o que isto significa'.
O dia seguinte era um Domingo; tendo-se reunido todos os Bispos na
igreja para celebrar os Divinos Mistérios, acabado o Evangelho, apresentou-se
o Patriarca a São Nono, e rogou-lhe que repartisse ao povo a palavra de Deus,
explicando-lhe o Sagrado Texto que acabava de ler. Era prodigiosa a
concorrência, porque à Solenidade do dia e à celebridade do Concílio, e com a
notícia de que pregava São Nono, haviam concorrido todos os fiéis e todos os
catecúmenos da cidade.
Subiu ao púlpito o Santo Bispo, e pregou com tanta força sobre as
grandes verdades da Religião, sobre o mal sumo do pecado e o infinito tesouro
da misericórdia de Deus, que todo aquele imenso auditório se desfazia em
pranto. Achava-se felizmente entre os ouvintes a famosa cortesã Pelágia, que
em tempos se alistara no número dos catecúmenos; mas, sufocados nela por uma
vida licenciosa todos os sentimentos de Religião, só havia concorrido à igreja
por mera curiosidade. Mas, quis a Graça fazer aquela ilustre conquista, e tocou
eficazmente o seu coração. Tanto a moveu quanto acabava de ouvir, que não
pôde reprimir as lágrimas; e logo que o pregador se recolheu a casa escreveu-lhe
um bilhete nestes termos:
'Ao santo discípulo de Jesus Cristo a pecadora e escrava do Demônio.
Ouvi dizer que o vosso Deus baixou do Céu à terra para salvação dos homens, e
Aquele, a quem os Querubins não se atrevem a fitar pelo respeito, se dignou
conversar com os pecadores e com os publicanos sem se dedignar de falar com
uma samaritana e com uma insigne pecadora. Se sois discípulo de tal Mestre,
não desprezeis a uma infame cortesã, como eu sou, e não me negueis o bem e a
consolação de ter convosco uma conferência, para poder achar graça por vosso intermédio
junto de Jesus, Nosso Salvador'.
Ficou pasmado o Santo ao ler esta carta; temendo algum laço, pelo
artifício de mulher tão perigosa, respondeu-lhe que Jesus Cristo, seu Divino
Mestre, não ignorava o que ele era, e conhecia perfeitamente o interior de seu
coração; que de resto não pretendesse tentá-lo, pois ainda que fosse servo de
Deus, era pecador, e tinha por muito certa a sua miséria; se a sua intenção
era santa, o poderia encontrar quando quisesse, não a sós, mas em presença de
todos os Bispos.
Logo que Pelágia recebeu esta resposta, voou à igreja de São Julião, e
encontrando-o no meio dos outros Prelados do Concílio, lançou-se a seus pés na
presença de todos, rogou-lhes com lágrimas que derramava a torrentes, e com voz
interrompida de soluços e suspiros, lhe pediu o Batismo. Representou-lhe o
Santo Prelado que os Cânones Eclesiásticos proibiam que se administrasse este
Sacramento aos pecadores públicos, e especialmente a uma famosa cortesã, como
ela era, enquanto não renunciassem a sua vida licenciosa, e não dessem provas
suficientes de não voltarem a mergulhar-se em suas antigas desordens. Pelágia,
que se conservava sempre prostrada aos pés do Santo Bispo, respondeu-lhe: 'Padre,
minhas lágrimas são as melhores fiadoras da sinceridade da minha conversão; e,
pois, que Deus me conduziu a vossos pés, querendo servir-se de vós para me
purificar de meus pecados, olhai que não vos peça conta de dilatardes por mais
tempo o admitir-me no número de suas servas'.
Conheceu o Santo por suas instâncias a sinceridade da sua mudança; sendo
de parecer todos os Bispos que não devia negar-se-lhe o que pedia com tais
mostras de contrição e com tão exemplar perseverança, não pode fazer mais
resistência a conceder-lhe. No entrementes se deu parte ao Patriarca do que se
tinha passado, e se lhe pediu a autorização para lhe administrar os Sacramentos,
rogando-se-lhe ao mesmo tempo que escolhesse alguma virtuosa matrona para que
cuidasse de tão ilustre neófita. Admirado o Patriarca de tão inesperada
conversão, deu mil graças ao Senhor, e rogou a uma virtuosa dama, chamada
Romana, muito conhecida de toda a cidade por um continuado de boas obras, que
tomasse a seu cargo aquela nova ovelhinha que ia entrar no aprisco, querendo
ser sua madrinha. A virtuosa senhora, fora de si pelo contentamento que lhe
causava a ocasião de poder concorrer para uma obra tão meritória, correu à
igreja de São Julião e abraçou ternamente a ditosa pecadora.
Depois de São Nono lhe haver explicado os principais Mistérios da nossa
Religião, nos quais já se achava suficientemente instruída, perguntou-lhe como
se chamava: 'Meus pais, respondeu-lhe, puseram-me o nome de Pelágia;
depois, ou por minha vaidade ou pelas riquezas de minhas galas, deram em me
chamar Margarida; vós, Padre, podereis pôr-me o nome que melhor vos parecer'.
Fez-lhe São Nono os exorcismos costumados, e tendo-a Batizado com o nome
de Pelágia, a confirmou e lhe deu a Sagrada Comunhão. Diz o historiador de sua
vida que, quando o Santo Bispo voltou a casa depois de uma festa tão cheia de
consolação, não lhe cabendo no peito a alegria, disse ao seu Diácono: 'Irmão
caríssimo, este dia é muito solene para nós; não o tive em toda a vida de mais
gosto, e assim é preciso que tudo diga festa; hoje contra o costumado hás de
preparar os legumes com azeite, e havemos de beber um pouco de vinho'.
Logo que se assentaram à mesa, fez o Demônio um espantoso ruído na pousada;
ouviram-se uivos, gritos formidáveis, e entre eles uma triste e pavorosa voz
que dizia: 'Oh! Quanto me faz padecer este maldito velho! Não bastava haver
convertido e batizado a trinta mil sarracenos, e depois a toda a cidade de
Heliópolis? Não contente de todas estas conquistas que fizeste para teu Deus à
minha custa, vens-me agora arrebatar uma cortesã, que ela só à sua parte me
indenizava de todas as minhas perdas; não arrebentares, maldito velho!'
Conhecendo o Santo o artifício do Demônio, não fez mais que rir-se e fazer o
Sinal da Cruz, com que o calou e o expulsou dali.
Neste entrementes, regressando Pelágia a sua casa, como uma nova
criatura, repartiu pelos pobres todas as suas jóias e bens, sem nada reservar
para si, e deu a liberdade a todos os seus escravos. Nas primeiras noites teve
muito que padecer do espírito das trevas; mas, instruída por seu Santo
diretor, com o Sinal da Cruz e com os dulcíssimos Nomes de Jesus e Maria pôs em
fuga todo aquele exército infernal.
Oito dias depois deixou a túnica branca, trocando-a por um cilício;
coberta com um manto que lhe deu o Santo Prelado, saiu secretamente da cidade
de Antioquia, tomou o caminho de Jerusalém, e foi-se sepultar em uma gruta do
Monte Olivete, onde todos a tiveram por um mancebo solitário, chamado Pelágio,
e debaixo deste pseudônimo fez vida muito penitente, entregue às maiores
austeridades, passando-a em contínua oração. Concluído o
Concílio de Antioquia, retirou-se São Nono a Heliópolis, sem descobrir a
ninguém o paradeiro da sua penitente, posto sabê-lo muito bem por meio de
Revelação Divina. Seu Diácono Tiago, que o acompanhou ao Concílio, e nos
deixou escrita toda esta história, desejou ir em peregrinação a Jerusalém,
para o que pediu autorização ao Santo Bispo.
Deu-lhe São Nono; mas encarregou-o de, logo que chegasse à Santa Cidade,
perguntar por um solitário, chamado Pelágio, que habitava no Monte das
Oliveiras, e que não voltasse sem lhe trazer notícias dele. Não se esqueceu
Tiago do recado, e por isso, logo que chegou a Jerusalém, perguntou pelo
solitário Pelágio. Disseram-lhe que era um anjo em carne mortal, assombro de
todo o país por sua eminente santidade, e reputação por um prodígio de penitência;
que havia quatro anos que se havia encerrado em uma espécie de sepultura, só se
alimentava de raízes insípidas que brotavam espontâneas.
Partiu Tiago a ver o santo solitário, encontrou-o em uma celazinha
aberta no mesmo penhasco, sem outra abertura que uma janelinha, a qual estava
quase sempre fechada.
Como ia com o pensamento de achar um homem, não lhe passou pela mente
que pudesse ser Pelágia. Por outro lado estava a santa tão desfigurada, os
olhos tão encovados e tão apagados pelas muitas lágrimas, o semblante tão
descarnado pelo rigor das penitências, a tez e a figura tão mudada, que lhe
seria impossível conhecê-la, ainda quando a não tivesse ido ver com a
preocupação de que era um homem. Disse-lhe Tiago que
vinha da parte do Bispo Nono, do qual ele era Diácono: 'Nono é um Santo,
respondeu ela, diz-lhe que me encomende a Deus'. Com o que fechou logo a
janela, e Tiago ouviu que começou a rezar a Tércia.
Regressou a Jerusalém, cheio de regozijo e admiração por ter visto
aquele prodígio. Depois de ter visitado os Santos Lugares, e muitos mosteiros,
onde não havia outra coisa a louvar do que a santidade do solitário Pelágio,
não quis voltar à Síria, sem o ter visitado uma segunda vez. Chegou à cela, fez
ruído para que ouvisse, e vendo que ninguém aparecia, exclamou: 'Servo de
Deus, faze-me a caridade de te deixar ver'.
Como ninguém respondesse, voltou ao outro dia, no qual, repetindo-se o
mesmo silêncio, teve a curiosidade de meter a cabeça pela janelinha que estava
entreaberta, e então viu que estava sem vida o suposto solitário.
Correu prontamente a dar parte do sucedido aos ermitões dos contornos,
vindo todos para prestar ao sagrado corpo os últimos deveres. Arrombaram a
porta, e de lá tiraram o cadáver para o embalsamarem, mas todos ficaram
estranhamente surpreendidos, quando notaram que era mulher a que criam ser
homem, e logo se ouviu de todas as partes exclamar: 'Sede eternamente louvado,
meu Deus, que tendes tantos tesouros escondidos na terra não só entre os
homens, mas também no sexo mais débil e mais delicado'.
Divulgada a notícia daquela maravilha por toda a comarca, correu de
tropel gente de Jerusalém, bem como inumeráveis religiosas que estavam nos
mosteiros das planícies de Jericó e às margens do Jordão, todas com velas
acesas, cantando hinos, e assistindo às suas Exéquias, as quais correram com a
maior solenidade; e desde aquele tempo ficou muito célebre em toda a Igreja o
nome de Santa Pelágia.
Sucedeu esta morte tão preciosa aos olhos do Senhor no mês de Outubro do
ano de 460"(R. Pe. Croiset, "Ano Cristão", Vol. X, dia 8 de
Outubro − Festa de Santa Pelágia, a Penitente, pp. 103-107).
Beata Catarina de Cardona
"Não longe da pequenina cidade de Roda, na Espanha, havia, nos
princípios do século XVI, um convento dos Padres da Mercê, aqueles religiosos
heróicos cuja vida se consumia em aliviar e resgatar os cristãos prisioneiros
dos infiéis. Aos Domingos, afluía à igreja do mosteiro grande número de
habitantes das aldeias vizinhas, os quais aí notavam um eremita cujo recolhimento
e fervor edificavam a todos.
Entretanto, ninguém o conhecia, ninguém sabia o lugar da sua morada.
Este misterioso personagem despertou e excitou a curiosidade. Puseram-se,
portanto, a espiar seus passos ao sair da igreja. Em breve, porém, percebeu ele
de que se tratava, e fazia por se demorar muito tempo na igreja até cansar a
paciência dos curiosos.
Por vezes, todavia, os mais intrépidos esperavam, os mais astutos
escondiam-se; mas o eremita tomava, umas vezes, um caminho, outras vezes,
outro. Além disso, caminhava tão depressa que ninguém podia segui-lo.
Perdiam-no de vista nos atalhos que se cruzavam ou nas espessas matas onde não
temia embrenhar-se, posto que, descalço e com os pés ensanguentados. Toda a
espécie de conjecturas e comentários circulava na multidão.
A morada do pobre ermitão não era, todavia, senão a meia légua do
convento. Constava ela de uma gruta cavada pela natureza numa rocha cercada de
espessas sarças e matagais cuja entrada era fechada por giestas. Aí se escondia
o solitário e se entregava aos exercícios da mais austera penitência. O seu
alimento eram raízes, ervas e frutos silvestres.
Aí passava os seus dias a louvar ao Senhor, a rezar, a meditar suas
grandezas e seu amor, a implorar misericórdia para o mundo, cheio de pecados e
corrupção.
Um pastor, perseguindo um dia um rebanho de cabras vagabundas, chegou a
descobrir a gruta do piedoso solitário, o qual suplicou ao seu fortuito
visitante que não descobrisse o seu asilo a ninguém. 'Não posso prometer-vos isto,
meu irmão', disse o pastor, 'eu sirvo um senhor que é muito bom cristão e que
há muito tempo deseja saber o vosso paradeiro. Ele será feliz em vos conhecer.
Vós careceis de tudo; ele, porém, não permitirá que vos falte nada'. Em vão o
ermitão se desculpava; viu-se obrigado a aceitar uma parte do pão que o bom do
pastor levara para sua viagem e receber em seguida o que seu amo lhe enviava.
Não tinha sido isto o mais desagradável da descoberta.
Não se guardou segredo sobre o caso, e, em breve, a gruta do solitário
foi conhecida de toda a gente. A afluência era considerável. Todos desejavam
ver este homem de Deus, este anjo da solidão, esta maravilha da penitência.
Um dia que o solitário estava ausente − para ir à igreja, sem dúvida, −
um curioso penetrou na gruta para visitar e revistar o mobiliário.
Um crucifixo, entre os instrumentos de penitência, um livro de Horas;
eis tudo o que se encontrou.
Este livro não deixou também de ser examinado; aí se encontrou a
seguinte inscrição: 'Dado a Catarina de Cardona pela Princesa d'Eboli'. Era,
pois, uma mulher que habitava aquela gruta, que levava uma tão austera vida, e
esta mulher era da família dos Duques de Cardona, uma das mais ilustres da
Espanha.
Desde a idade de oito anos, Catarina sentia-se impelida à prática dos
Conselhos Evangélicos. Longe de secundá-la, porém, seus pais sonharam em
casá-la, logo que ela chegou à idade própria. A humilde rapariga submeteu-se
como verdadeira vítima da obediência filial e tudo se preparou para as
núpcias. Mas Deus que lia no fundo seu coração libertou-a das mãos daqueles
que violentavam sua liberdade; o mancebo que lhe estava destinado para esposo
morreu neste intervalo. Depois desta catástrofe ninguém se admirava de vê-la
entrar na casa das Franciscanas. Sua família retirou-a, em breve, deste piedoso
asilo para conduzi-la à corte de Espanha
onde foi sucessivamente dama de honra da Princesa de Salerne e da Princesa d'Eboli.
Sua alma, porém, experimentava neste meio mundano e buliçoso sofrimentos
indizíveis. Uma manhã, foi encontrada no seu quarto uma carta dirigida à
Princesa d'Eboli, em que Catarina agradecia a esta dama todas as suas bondades
e lhe anunciava a resolução de ir viver na solidão.
Depois de 20 anos passados na caverna aonde a vimos no
começo da narração, recebeu a nossa ermitã tantas visitas importunas que cedeu
a gruta aos Carmelitas e entrou numa reclusão que estes religiosos lhe
prepararam perto do seu convento. Aí viveu ainda 5 anos.
Catarina terminou sua carreira mortal em 1577, com 63
anos"(R. Pe. Croiset, ob. cit.,
Vol. V, 21 de Maio, pp. 335-337).
►►► A Título de Curiosidade ◄◄◄
Transcrevo à seguir, um caso impressionante que, creio eu, agradará a
muitos.
"Havia em Paris, um protestante que se chamava Francisco Cassier.
Tinha este homem desposado uma boa católica, Madalena Olivier, de quem teve
duas filhas. Queria ele convertê-las (as filhas) ao Protestantismo, mas a sua
virtuosa mãe preservou-as sempre da apostasia; por isso tratava-as muito mal e
tinha-lhes um ódio terrível. Em breve morreu Madalena Olivier. Resolveu,
então, Francisco Cassier tentar agora de novo a conversão das duas órfãs,
certamente com êxito.
Obrigou-as a vestir-se com trajes de homem e partiu com elas para
Genebra. Um dia que estavam muito cansados do caminho
longínquo e fatigante, pediram a seu pai licença para descansarem um pouco. O
pai consentiu facilmente, e, cansado, sentou-se também.
Deitou-se em seguida sobre a relva e dormiu. Era num lugar solitário. As
infelizes raparigas, despeitadas com os maus tratos que, desde há muito tempo,
recebiam de seu pai, aproveitando-se do seu sono, mataram-no e esconderam o
seu cadáver nuns matos próximos.
Depois deste horrível crime, saíram de França, sempre em trajes
masculinos, e foram, em Milão, pôr-se ao serviço de Carlos II, rei de
Espanha, a quem este ducado pertencia. As forças milanezas foram enviadas em
guarnição a Messina, depois a Nápoles, de onde partiram numa expedição contra
os bandidos que se tinham retirado para os Abruzos. As duas irmãs lutaram com
denodo; tendo, porém, uma perecida na refrega, teve a outra o cuidado de
sepultá-la, temendo que, sendo o cadáver desnudado, fosse reconhecido o sexo e
descoberta a fraude. A que ficou incólume tomou o nome de Carlos Pimentel, por
que era conhecida pelos camaradas. Depois da exterminação dos bandos dos
salteadores, voltou a Nápoles, onde a esperava a Graça de Deus.
Estando um dia Carlos Pimentel de guarda ao lugar de Castelo-Novo, viu-a
São Francisco de Jerônimo e fez-lhe sinal para se aproximar.
─ 'Que me quererá aquele homem?', dizia de si para consigo o
soldado Carlos. 'Não o conheço nem tenho nada que fazer com ele'.
Chamando-a de novo, Carlos foi ter com aquele estranho, o qual
chamando-a à parte lhe disse:
─ 'Muito queria que te confessasse'.
─ 'Confessar-me!', respondeu o soldado, 'e por quê? Acaso
cometi eu algum crime nefando? Não me conheço manchado de pecados'. E,
dizendo isto, voltou bruscamente às costas.
O Santo embargou-lhe o passo, dizendo:
─ 'Mas como podes dizer tu que estás isenta de pecados?' Tornou
ele: 'Não és tu Maria Cassier, nascida em Paris, donde vieste para a Itália?
Não te fazes chamar Carlos Pimentel? De nada te serve negar, porque quem tudo
me revelou foi o Senhor Jesus que vês pregado naquele madeiro. Queres que eu
diga mais? Não foste tu que, de acordo com tua irmã, mataste teu pai?'
A estas palavras tão claras e inesperadas, o soldado, embaraçado,
empalideceu e pôs-se a tremer dos pés à cabeça. Entretanto não se quis
confessar:
─ 'Mas Padre', tornou após uns instantes de silêncio. 'Não sei
quem pôde dizer-vos tais mentiras'.
Depois refletindo que era preciso impedir o Padre de falar, prometeu ir
confessar-se no dia seguinte a ele mesmo. O Santo esperou dois dias, mas
inutilmente; foi então procurar o soldado rebelde à Graça. Tendo-o, após
muitas fadigas, encontrado, diz-lhe:
─ 'É assim que cumpres a palavra que me destes?'
─ 'Padre, crê-de-me', retorquiu o soldado, 'eu não pude
fazê-lo; de resto, é impossível confessar-me agora, porque, por ordem do
vice-rei, vamos embarcar imediatamente; vamos para a Toscana'. O Santo
refletiu algum tempo:
─ 'Não, tu não partirás', disse por fim: 'Jura-me, então, pelo
Nome de Cristo que amanhã, logo pela manhãzinha, virás confessar-te. Não
tenhas receio, porque eu tenho grande esperança de que Deus quer salvar-te'.
Efetivamente a ordem de marcha foi revogada para o dia predito pelo
Santo, e o soldado dirigiu-se imediatamente à igreja de Gesú-Novo para cumprir
a sua promessa. Quando o Padre o viu, estremeceu de alegria.
─ 'Pois quê!', diz ele, 'querias escapar-te das mãos de Deus!
É um Pai que te ama e que te quer para si'.
Ouviu-o em seguida em confissão; dispô-lo a receber a absolvição nessa
mesma manhã e fê-lo aproximar da Mesa Santa. O soldado passou este feliz dia na
igreja, em exercícios de piedade. Á tarde, conduziu-o a casa da marquesa de
Santo Estêvão. Esta senhora, que era muito piedosa, acolheu-o de bom grado,
mandando que retomasse os trajes do seu sexo e que tivesse o seu primeiro nome,
Maria Cassier. Aí permaneceu durante quatro meses, estabelecendo-se por
fim numa casa que lhe arranjou a marquesa.
Recebia seis ducados por mês, verba que o Santo lhe obteve da caixa
militar, como pensão dos soldados inválidos.
Esta conversão tão extraordinária teve lugar no ano de 1688. Maria
Cassier veio a morrer no ano de 1727 e, sob juramento, confirmou as
particularidades da conversão para o Processo de Canonização do Santo.
Permaneceu sempre nos bons sentimentos de humildade e arrependimento, chorando
a sua falta e fazendo penitência..."(R. Pe. Croiset, "Ano
Cristão", Vol. V, dia 11 de Maio, Festa de São Francisco de Jerônimo, pp.
158-168).
Santo Adriano, Mártir
“... Sabido do imperador que tanto a mulher de Adriano, como outra
piedosa mulher, vinham à prisão regalar os santos com alimentos e agasalhos,
proibiu a entrada às mulheres; mas Natália (esposa de Adriano) e outras três
souberam iludir a vigilância dos guardas, cortando os cabelos e vestindo roupas
de homem, continuando as suas caridades com os ilustres Confessores de Jesus
Cristo. De novo foram mandados comparecer. Era um espetáculo digno de dó o que
ofereciam os santos ao saírem da prisão; só corações empedernidos poderiam ser
insensíveis a tanta miséria. Caminhavam com muita dificuldade, alegres é
verdade, mas despedaçados os corpos. Finalmente, tendo-lhes sido quebradas as
pernas e a Adriano cortada também uma das mãos, deram neste suplício suas almas
a Deus.
O corpo de Santo Adriano foi transportado para Constantinopla e depois
para Roma à 8 de setembro, dia em que se celebra a sua festividade. Levaram-nas
mais tarde para Flandres”(R. Pe. Croiset, “Ano Cristão”, Vol. IX, dia 8 de
Setembro, Festa de Santo Adriano, pp. 97-99).
Santa Margarida, Virgem e Penitente
“Margarida, dita Pelágio, virgem belíssima, rica e nobre, foi criada com
a maior solicitude por seus pais, que a proveram de ótimos costumes, com tanto
pudor que não se deixava ver por homem algum. Enfim, um rapaz de família nobre
pediu-a em casamento e, com o consentimento dos pais, foram feitor com grandes
gastos e agradável decoração todos os preparativos necessários para as bodas.
No dia do casamento, rapazes, moças e toda a nobreza festejavam com alegria
diante do leito nupcial já preparado, quando por inspiração de Deus, ao perceber
como a tão danosa perda da virgindade era aplaudida, a virgem prosternou-se no
chão e avaliou tanto em seu coração os inconvenientes do casamento, que logo
desprezou todas as alegrias desta vida como se fossem estrume. Daí por que se
absteve naquela noite de ter relações com seu marido, e à meia-noite, depois de
ter se recomendado a Deus, cortou os cabelos e fugiu às escondidas, com
roupas masculinas.
Chegando a um mosteiro distante e chamando-se de irmão Pelágio, foi
recebida pelo abade e cuidadosamente instruída. Ela se comportou de maneira tão
santa e tão devota, que com a morte do Provisor de um mosteiro feminino, o
abade, aconselhado pelos anciãos, impôs a ela este cargo. Enquanto servia às
virgens com determinação e inocência o alimento não apenas do corpo, mas também
da alma, o invejoso Diabo colocou obstáculos ao bom curso das coisas,
inspirando um crime. Ele incitou ao adultério a virgem que era mensageira do
mosteiro, e quando seu ventre cresceu e já não podia ser escondido, todas as virgens
e todos os monges ficaram consternados de vergonha e de dor, e sem julgamento e
sem investigação condenaram Pelágio, que como Prepósito, era o único que tinha
contato frequente com ela.
Por essa desonra, foi expulso do mosteiro e recluso em uma gruta aonde o
mais severo dos monges levava-lhe muito pouco pão de cevada e água. Depois os
monges se retiraram e deixaram Pelágio sozinho, que suportou tudo com paciência
e não se deixou perturbar por nada, sempre agradecendo a Deus e continuamente
se confortando pelos exemplos dos Santos. Enfim, quando soube que sua morte se
aproximava, mandou uma carta ao abade e aos monges:
'Nascida de sangue nobre, fui chamada no mundo secular de Margarida, e
para atravessar o mar das tentações atribuí-me o nome de Pelágio. Ao me passar
por homem não menti, como mostram os fatos, pois do crime ganhei virtude,
inocente fiz penitência, e como os homens ignoravam que sou mulher, deixem às
santas irmãs o cuidado de me sepultar, e a visão de meu corpo morto será a
expiação de minha vida, já que as mulheres reconhecerão como virgem aquela que
os caluniadores julgaram ser uma adúltera'.
Quando os monges e monjas ouviram a leitura desta carta, correram para a
caverna, as mulheres reconheceram que Pelágio era uma mulher e virgem intacta.
Todos fizeram penitência e ela foi enterrada com honra no mosteiro das
virgens”(Jacopo de Varazze, “Legendae Sanctorum, vulgo Historia Lombardica
dicta”, pp. 852-853 da Tradução Portuguesa, Companhia das Letras, 2003).
E ainda poderia narrar a vida de Santa Marina (pp. 478-479), de Santa
Teodora (pp. 531-534) e dos Santos Proto, Jacinto e Eugênia (pp. 763-766), que
estão contidas na obra “Legenda Aurea” do Beato Jacopo de Varazze, Arcebispo
de Gênova (1226-1298), mas, estenderia muito este trabalhinho.
Fonte: Acessar o ensaio "Reminiscência sobre a Modéstia no Vestir" no link "Meus Documentos - Lista de Livros".
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