CLÁUDIA TREVISAN , CORRESPONDENTE / PEQUIM – O Estado de S.Paulo
O mundo da mãe de Dier mudou
para sempre na tarde do dia 27 de maio de 2008, quando um policial
americano ligou para sua casa na província chinesa de Shenyang e disse
que sua filha única, de 25 anos, havia morrido em um acidente de carro a
caminho do Grand Canyon.
Desde aquele momento, sua vida
passou a ser definida pela ausência, a ponto de ela não se identificar
com o próprio nome nas redes sociais de que participa na internet nem na
entrevista ao Estado.
Aos
58 anos, a mãe de Dier faz parte da primeira geração de chineses
sujeitos à radical política de controle de natalidade imposta pelo
governo em 1979. Com a morte de Dier, ela e o marido enfrentam a
perspectiva de uma velhice solitária, sem o amparo afetivo e financeiro
que na sociedade chinesa recai sobre os filhos.
Não
há números precisos sobre o tamanho desse grupo, mas alguns
especialistas estimam que cerca de 1 milhão de famílias tenham perdido
os filhos únicos nascidos depois de 1979. Parte delas ficou “órfã” na
meia-idade ou na velhice, tarde demais para tentar uma nova gravidez.
“Eu queria ter outro filho, mas não pude em razão da política de controle de natalidade.
Naquela época, a propaganda dizia que ter um único filho era melhor e
eu acreditei que era melhor. Agora eu me arrependo”, diz a mãe de Dier
em entrevista por telefone.
Formada em matemática, sua
filha havia ganhado uma bolsa de estudos para fazer doutorado na
Universidade de Nevada, nos Estados Unidos, onde viveu nos nove meses
anteriores à sua morte. Chamados de shiduzhe, os pais órfãos de filhos
únicos começaram neste ano a quebrar a barreira da censura e do controle
do regime chinês e a dar visibilidade às suas reivindicações de
indenização e amparo oficial na velhice.
“Nós sabemos que os filhos têm a
responsabilidade de sustentar os pais, mas nós não temos filhos. De
quem é a responsabilidade?”, pergunta a mãe de Dier, uma das líderes dos
shiduzhe.
A China tem uma rede de
proteção social precária e a nova geração tradicionalmente cuida da
anterior. Como não puderam ter mais filhos por determinação do governo,
os pais órfãos afirmam que cabe ao Estado ampará-los agora, o que
representa mais um desafio à política de controle de natalidade.
A situação tende a piorar nos
próximos anos, na medida em que os atuais integrantes desse grupo
envelheçam e novos pais percam seus filhos únicos. Considerando a taxa
de mortalidade na população de 15 a 30 anos e o número de filhos únicos
nessa idade (190 milhões), especialistas estimam que 76 mil famílias se
tornam shiduzhe a cada ano – 208 por dia.
Wang Ping era o filho único de
Xie Xinhua, de 45 anos, e foi assassinado a facadas há dois anos em uma
lan house da província de Henan. Quando morreu, ele tinha 18 anos e se
preparava para realizar o equivalente chinês ao vestibular. “O meu filho
queria ser médico e dizia que iria cuidar de mim”, lembra Xie em um
café de Pequim.
Desde fevereiro, ela vive na
capital chinesa, onde tenta convencer os juízes da Suprema Corte do Povo
a condenar à morte o assassino do filho. Todos os dias, ela passa horas
em frente ao edifício, na esperança de falar com algum dos magistrados.
Quando Wang Ping tinha 5 anos,
Xie engravidou, mas decidiu abortar aos três meses. “Eu e meu marido
trabalhávamos em empresas estatais e tínhamos medo de perder o emprego
se desrespeitássemos a política de filho único.”
Em sua opinião, o governo tem a obrigação de ajudar essas famílias e não apenas financeiramente. “Ninguém toma conta de nós quando estamos doentes, quando vamos ao hospital”,
observa Xie, que se divorciou três meses depois da morte do filho.
“Você só tem uma família se tem filhos. Não havia mais razão para ficar
casada.”
Cem representantes dos shiduzhe
de diferentes regiões da China foram a Pequim no mês de junho para
pressionar o governo a adotar políticas específicas para o grupo. Depois
de permanecer por um dia e uma noite em frente ao prédio da Comissão
Nacional de População e Planejamento Familiar, eles foram orientados a
escolher cinco pessoas para um encontro com o vice-diretor da
organização.
No fim da reunião, receberam a promessa de que o governo estudaria o assunto e daria uma resposta dentro de três a quatro meses.
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