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Beato Tomás de Kempis |
1
– Senhor. Filho, o que
procura afastar-se da obediência, afasta-se também da graça; e o
que deseja ter coisas próprias, perde as comuns.
O que não se sujeita de boa
vontade ao seu superior mostra que a sua carne ainda não lhe obedece
perfeitamente, mas muitas vezes resiste e murmura.
Aprende,
pois a sujeitar-te sem demora
ao teu superior, se desejas
sujeitar a tua carne, porque mais depressa se vencerá o inimigo
exterior, se o homem interior não estiver desordenado.
Não há mais danoso nem pior
inimigo para tua alma que tu mesmo, senão estás conforme com o
espírito.
É necessário que te armes
com o verdadeiro desprezo de ti mesmo, se queres ter vitória contra
a carne e o sangue.
Mas porque ainda te armas
desordenadamente, por isso, receias sujeitar-te de todo à vontade
dos outros.
2
– Ora, que muito é que tu –
que és pó e nada – te sujeites ao homem por amor de Deus, quando
Eu, Onipotente e Altíssimo, que criei do nada todas as coisas, me
sujeitei humildemente ao homem por teu amor?
Fiz-me o mais humilde e o mais
abatido, para vencer a tua soberba com a minha humildade.
Aprende a obedecer, tu que és
pó: aprende a humilhar-te, terra e barro, e até a prostrar-te aos
pés de todos.
Aprende a vencer a tua vontade
e render-te a toda sujeição.
3
– Abrasa-te em ira contra ti
mesmo, nem consintas que exista em ti vaidade alguma; mas mostra-te
tão sujeito e apoucado, que todos possam andar sobre a tua cabeça e
pisar-te como lama da rua.
Ó
homem vão, de que te queixas?
Pecador
miserável, em que podes contradizer os que te injuriam, tu que
tantas vezes ofendeste a Deus e mereceste o Inferno?
Mas
perdoei-te, porque é preciosa tua alma a meus olhos, para que
conhecesses o meu amor e fosses sempre agradecido pelos Meus
benefícios, e para que continuamente tratasses da verdadeira
sujeição e humildade, e levasses com paciência o teu próprio
desprezo.
1ª
Reflexão
Não
custa muito ser obediente, quando se é humilde; a grande dificuldade
está em chegar a ser verdadeiramente humilde. Que fez a Serpente no
Paraíso, para levar nossos primeiros pais à desobediência?
Tentou-os pela soberba, dizendo-lhes: abrir-se-ão
os vossos olhos e ficareis como deuses, a conhecer o bem e o mal.
Da
humildade à obediência vai a mesma distância que da soberba à
desobediência. Para um espírito orgulhoso o jugo da obediência é
um suplício. Por isso, Jesus Cristo, o novo Adão, começou e
consumou a obra da Redenção, fazendo exatamente o contrário do que
os nossos primeiros pais haviam feito: eles quiseram fazer-se deuses,
o Verbo eterno faz-se homem; eles
pecaram pela soberba, pela desobediência e pela sensualidade; Jesus
Cristo prega a humildade, a obediência e a mortificação. A cada
ferida aplica o seu remédio, de maneira que onde abundaram os
estragos do mal superabundassem os benefícios da medicina.
É
da Ordem Natural das coisas que os inferiores obedeçam aos
superiores: os soldados ao seu general, a nau ao seu piloto, a nação
ao seu imperante, a comunidade ao seu superior, a família ao seu
chefe. Quando se quebra o vínculo da obediência, aparece a
desordem. Se queres aprender a virtude da perfeita obediência,
dispõe-te a estudá-la na escola de Jesus Cristo e começa por te
exercitar na verdadeira humildade. Na Sagrada Escritura, Jesus é
muitas vezes chamado Messias,
que quer dizer enviado,
mandado;
porque Ele veio resgatar os homens pela obediência, cumpriu as
ordens do eterno Pai. Pois,
assim como pela desobediência de um só homem muitos se tornaram
pecadores, assim também, pela obediência de um só muitos se
tornarão justos.
Jesus Cristo humilhou-se,
fazendo-se obediente até a morte, e morte de Cruz.
2ª
Reflexão
Não
existe senão uma só vontade que tenha direito essencial e absoluto
a ser obedecida, a vontade do Ente Supremo, que criou tudo com seu
poder infinito e tudo conserva com a sua Providência Sapientíssima;
daí vem a admirável oração do real Profeta; “Ensinai-me,
Senhor, a fazer vossa vontade, porque Vós sois o meu Deus”.
Esta
vontade soberana tem Ministros para fazer lembrar seus Mandamentos e
manter sua execução na família, no Estado, na Igreja; e a
obediência lhes é devida, porque eles representam a Deus, cada um
na sua ordem, segundo os graus de uma sublime hierarquia, que sobe do
pai ao rei, do rei ao Pontífice, do Pontífice a Jesus Cristo, de
Jesus àquele que O enviou, e “de quem toda a
paternidade, no Céu e na terra, tira seu nome”,
isto é, sua autoridade.
Assim
que, o dever não é outra coisa senão o Preceito divino, e a
virtude não é mais que a obediência a este Preceito. Todo pecado,
pelo contrário, não é, como o primeiro, senão uma desobediência,
uma rebelião, porque o homem foi concebido no pecado; donde vem
aquela profunda expressão do Salmista: “O pecador é
rebelde desde o seio de sua mãe, e entregue ao mal em suas
entranhas”.
Por
isso, o sacrifício que expiou o pecado e reparou a natureza humana
consistiu essencialmente, segundo a doutrina do grande Apóstolo,
numa obediência infinita: “Cristo fez-se obediente até
a morte, e morte de Cruz”. E
nós, miseráveis criaturas, remidas com esta prodigiosa obediência
recusaríamos obedecer! Oporíamos nossa vontade
a vontade do Onipotente, por
essa tremenda soberba gerada no Inferno, onde, nas trevas, no
suplício, na raiva e desesperação, no opróbrio da escravidão a
mais abjeta e hedionda, o Anjo prevaricador e seus cúmplices de
contínuo
repetem e repetirão eternamente: “Não obedecerei, Non
serviam!”
3ª
Reflexão
O
grande Apóstolo São Paulo, querendo nos dar a conhecer de algum
modo o amor que Nosso Senhor tem a esta virtude, diz que Ele se
humilhou até a morte e a morte de Cruz: Humiliavit
semetipsum usque ad mortem, mortem autem crucis;
querendo dizer: Meu Senhor e meu Mestre não somente se humilhou por
um tempo ou por alguma ação particular, mas até a morte, isto é,
desde o instante de sua Conceição até o último momento de sua
vida; e para nos mostrar a grandeza desta humildade de Nosso Senhor,
disse: Ele se humilhou até a morte e morte de Cruz,
que era a mais ignominiosa, a mais infame e cheia de abjeção que
se podia achar, sobre
qualquer outro gênero de morte. Nisto aprendemos que não devemos
contentar-nos com praticar a humildade em algumas ações
particulares e por um tempo só, mas sempre, e em todas as ocasiões,
e não só até a morte, mas até a morte de Cruz, isto é, até a
completa mortificação de nós mesmos, humilhando o amor de nossa
própria estima, e a estima de nosso próprio amor; pois é
necessário não nos entretermos com a prática de uma certa
aparência de humildade, de gesto e de palavras, que consiste em
dizer que nada mais somos do que a própria imperfeição, e em fazer
muitas reverências e humilhações exteriores, e coisas semelhantes
que nada tem da humildade verdadeira, pois
esta faz que nos reconheçamos e nos consideremos como verdadeiros
nadas, que não merecemos viver, e nos torna flexíveis, dóceis e
submissos a um qualquer.
Oração
Ó
meu Deus, preservai-me de uma soberba tão insensata, tão criminosa!
Ensinai-me vossa graça a submeter-me a Vós e a todos os que me
destes por superiores! “Estrangeiro sou sobre a terra;
não me escondais vossos Mandamentos. Minha alma, a cada hora, se
recorda de vossa lei. Ensinai-me, Senhor, a fazer vossa vontade,
porque sois meu Deus!”
Ó
meu divino Salvador, que em vossos sofrimentos me deixastes o exemplo
perfeito da mais profunda obediência, concedei-me a graça da paz
interior, de me aquietar em todos os sucessos contrários e penosos;
de os olhar todos por mandamentos do Céu e por ministros da divina
ordenação; dai-me, Senhor, que a tudo viva submisso como vos
submetestes à vontade de Vosso eterno Pai, e possa dizer com alma
sincera e humilhada: “Faça-se em tudo a vontade de
Deus!”
Senhor…
eu vos dou infinitas graças e louvores… suplicando-vos… um
verdadeiro desprezo de mim mesmo e das honras do mundo, e uma
obediência cega aos meus superiores, por amor de Vós, em tudo o que
não Vos ofender.
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