Blog Católico, para os Católicos

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"Uma vez que, como todos os fiéis, são encarregados por Deus do apostolado em virtude do Batismo e da Confirmação, os leigos têm a OBRIGAÇÃO e o DIREITO, individualmente ou agrupados em associações, de trabalhar para que a mensagem divina da salvação seja conhecida e recebida por todos os homens e por toda a terra; esta obrigação é ainda mais presente se levarmos em conta que é somente através deles que os homens podem ouvir o Evangelho e conhecer a Cristo. Nas comunidades eclesiais, a ação deles é tão necessária que, sem ela, o apostolado dos pastores não pode, o mais das vezes, obter seu pleno efeito" (S.S. o Papa Pio XII, Discurso de 20 de fevereiro de 1946: citado por João Paulo II, CL 9; cfr. Catecismo da Igreja Católica, n. 900).

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

SÃO JOÃO CRISÓSTOMO RESPONDE.


Cada um Pode, se Quiser,
Igualar-se aos Santos em Virtude

Sempre que escutássemos falar dos Apóstolos e as suas belas ações fossem celebradas, deveríamos logo gemer por estarmos a tão grande distância deles. Mas não pensamos sequer que haja nisto uma falta, e vivemos na ideia de que nos é impossível atingir semelhantes alturas. E se nos perguntam por que, logo alegamos esta desculpa estúpida: era Paulo, era Pedro, era João. Que significa: era Paulo, era Pedro? Dizei-me: não é verdade que aqueles homens participaram da mesma natureza que nós? Que foram introduzidos no mundo pelo mesmo caminho? Nutridos com os mesmos alimentos? Que respiraram o mesmo ar? Que se utilizaram das mesmas coisas? Não havia alguns entre eles que possuíam mulher e filhos, que exerciam ofícios para viver, e que, inclusive, foram lançados no abismo de todos os vícios?

– Mas eles tiveram em abundância o benefício da graça de Deus.

– Ah! Se nos mandassem ressuscitar os mortos, dar luz aos olhos dos cegos, tornar sãos os leprosos, fazer os coxos andarem direito, libertar os demoníacos, curar outras enfermidades deste gênero, a desculpa alegada teria cabimento. Mas quando se trata de disciplinar a própria conduta e dar provas de submissão, qual a relação entre isto e aquilo? Também vós gozais da graça divina, por efeito do Batismo. Tendes a vossa parte do Espírito Santo, se não ao ponto de operar milagres, pelo menos tanto quanto é necessário para terdes uma conduta correta e irrepreensível, de sorte que nossa perversão provém unicamente de nossa indolência...[1]


Nem as Tentações Diabólicas,
nem os Maus Exemplos Explicam
e Desculpam as Nossas Faltas.

O Adversário é mau, eu o reconheço, mas mau para ele mesmo, se perseverarmos na vigilância. Tal é a natureza da maldade: ela só é funesta para aqueles que a possuem…

Deus permitiu intencionalmente que os maus vivessem junto com os bons;[2] Ele não concedeu aos maus uma terra diferente, nem fez com que os bons vivessem num outro mundo, mas misturou uns com os outros, realizando, assim, uma obra de grande utilidade. Os bons demonstram possuir um mérito mais firme quando vivem e se faze virtuosos, no meio de pessoas que procuram desviá-los do caminho da justiça e arrastá-los para o mal. Pois, segundo está escrito: “porque, também, é preciso que haja facções no meio de vós, a fim de que, entre vós, sejam conhecidos aqueles que são de virtude comprovada”.[3] Este é pois, o motivo pelo qual Deus permitiu que os maus subsistissem no mundo: para que os bons brilhem com mais vivo esplendor. Vedes que grande vantagem para eles? Vantagem que não vem dos maus, mas da coragem dos bons…

O mesmo raciocínio deve ser observado com respeito ao Adversário: Deus permitiu que ele também ele estivesse ali para que vos tornásseis valorosos, para que o atleta tivesse mais esplendor, e maior fosse a grandeza dos combates. Quando, pois, vos perguntarem: por que Deus permitiu a existência do Adversário? Respondeis nestes termos: longe de prejudicar os que estão vigilantes e atentos, o Adversário lhes presta serviço, não em consequência de sua vontade própria (que é perversa), mas em consequência da coragem destes homens que sabem tirar bom partido da perversidade dele.

Quando ele se voltou contra Jó, não foi com a intenção de aumentar-lhe o esplendor, mas de destruí-lo. Por isso mesmo, pela natureza do propósito e da intenção, ele era perverso; todavia, ele não causou dano algum ao justo, muito pelo contrário: foi este último quem tirou proveito do combate, como o demonstramos: o Adversário deu testemunho de perversidade, e o justo de coragem.[4]


O Erro não é uma Consequência
Inevitável de Nossa Natureza

– Mas, direis, sou constrangido pela natureza; é certo que amo o Cristo, mas a natureza me constrange a fazer o mal.

– Se sofrêsseis constrangimento e violência, seríeis perdoados; mas se é por indolência que caís, não há perdão. Vejamos, pois,; examinemos se as faltas são cometidas por necessidade ou constrangimento, ou então por indolência e negligência grave.

“Não Matarás”,[5] está escrito. Que é que vos constrange a fazê-lo? Que é que vos força a tanto? A pessoa se violenta para matar: quem de nós preferiria, de bom grado, enfiar uma espada na garganta do próximo e sujar suas mãos de sangue? Ninguém. Assim, contrariamente ao que pretendeis, é antes para praticar o mal que a pessoa se constrange e se força. Deus pôs em nossa natureza, como que um encanto, que faz com que amemos uns aos outros. Vedes que, por natureza, possuímos inclinações para a virtude? Os vícios são contra a natureza; se eles conseguem triunfar, isto só prova quão grande é a nossa indolência.

E o que diremos do adultério? Que necessidade impele as pessoas a praticá-lo?

– A tirania da concupiscência.

– E quereis dizer-me por quê? Não vos é permitido manter relações com vossa mulher e pôr, assim, um termo a essa tirania?

– Mas eu estou apaixonado pela mulher do próximo!

– Neste caso, não há constrangimento; o amor não constitui uma questão de constrangimento, ninguém ama por constrangimento, mas por livre e espontânea vontade. É possível que a relação carnal se imponha ao homem, mas não o amar esta ou aquela mulher; o que o leva a agir em tal circunstância, não é o apetite da relação carnal, é a vanglória, o orgulho, a sensualidade excessiva…

– E o furto, é necessário?

– Sim, é a pobreza que o causa.

– E eu vos digo que a pobreza força mais é ao trabalho, e não ao furto. A pobreza age ao inverso do que dizeis: o furto é o resultado da ociosidade; a pobreza costuma produzir não a ociosidade, mas o amor ao trabalho. Também o furto, pois, decorre da indolência. Escutai ainda isto: – que é mais difícil e desagradável: perambular à noite sem dormir, transpor os muros, caminhar nas trevas, arriscar a vida, estar pronto para matar, tremer, morrer de medo, ou então aplicar-se aos trabalhos cotidianos e desfrutar, sem temor, de uma situação de segurança? Isto é mais fácil; e porque é mais fácil, maior número de pessoas levam esta vida ao invés da outra.

Vedes que a virtude se faz segundo a natureza, e o vício contra a natureza; é como a doença e a saúde. Que dizer da mentira e do perjúrio? Que pode haver neles de necessário? Nada de necessário, nada de forçado: inclinamo-nos para eles porque assim o queremos.

– Mas não acreditam em nós!

– Não acreditam em nós porque o queremos assim; deveríamos inspirar confiança mais por nosso caráter que por nossos juramentos. Dizei-me por que acreditamos em certas pessoas sem que seja preciso que elas jurem, e nos recusamos a acreditar em outras, apesar de seus juramentos? Os juramentos, pois, não servem para nada…

– E quando se comete uma injúria, obedece-se à necessidade?

– Sim, a cólera me faz perder a cabeça, me abrasa, não permite que a minha alma tenha sossego.

– Homem, não é a cólera, é a mesquinhez da alma que faz com que a pessoa se torne injuriosa. Se fosse a cólera, todos os homens, estando sujeitos a ela, não cessariam de injuriar. Nós somos acessíveis à cólera, não para injuriar nosso próximo, mas para corrigir os faltosos, para reedificar-nos, para livrar-nos do torpor. A cólera atua em nós como um aguilhão, que deve fazer com que rilhemos os dentes contra o Adversário, nos tornemos mais enérgicos em dar-lhe combate, e não que nos voltemos uns contra os outros.[6]


A Origem do Mal

– Mas por que Deus fez o homem tal qual ele é (quer dizer, inclinado a praticar o mal)?

– Não foi Deus quem o fez assim, absolutamente; pois, então, ele não o teria castigado. Não censuramos os que nos servem, quando nós mesmos estamos em falta? Com muito mais razão Deus, Senhor do mundo, não nos teria censurado. Como, então, o homem se tornou o que é? Por sua própria culpa, por culpa de sua indolência… Deus criou todos os homens? É evidente que sim. Como, pois, acontece que não sejam todos iguais no que se refere à virtude e ao vício? De onde vêm os maus e os perversos? Se a vontade não desempenha nisto papel algum, se tudo depende da natureza, como é possível que uns sejam isto e outros aquilo? Se todos fossem maus naturalmente, seria impossível a alguém ser bom; se fossem bons naturalmente, impossível ser mau. Sendo a natureza uma só para todos os homens, todos deveriam ser, relativamente a uma única sorte, bons ou maus. Diremos que uns são bons naturalmente e outros maus? (o que não teria sentido, como já o demonstramos). Então, estas maneiras de ser deveriam ser imutáveis, pois o que é natural é imutável. Por exemplo: somos todos mortais, sujeitos ao sofrimento, e ninguém pode ficar impassível, por maior que sejam sua obstinação; ora, sabemos que muitos homens passaram de bons a maus, ou que, sendo antes maus, passaram a ser bons; no primeiro caso por indolência, e no segundo caso por aplicação; o que mostra que estas maneiras de ser não são naturais, visto que as qualidades naturais não mudam e não se adquirem à força de aplicação. Assim como não temos necessidade de fazer esforços para ver ou ouvir, também não seria necessário esforçar-nos para praticar a virtude, se fosse a própria natureza quem no-la tivesse dado em comum. E por que Deus faria pessoas más, quando pode fazer com que todos os homens sejam bons?

Então, de onde vem o mal? Fazei a vós mesmos esta pergunta; minha tarefa consiste em mostrar que ele não tem origem, nem na natureza nem em Deus.

– Então, ele vem ao acaso?

– Absolutamente.

– Ele não vem, então, de coisa alguma?

– Calai-vos, fugi da loucura de conceder a mesma honra, e a mais elevada honra, a Deus e ao mal. Pois, se o mal não tem origem em coisa alguma, será onipotente, e, por conseguinte, não poderá ser extirpado nem aniquilado. O que não tem origem em coisa alguma, efetivamente, não tem fim: isto é fato comprovado. E, se o mal tivesse tanto poder, como se explicaria que houvesse, outrossim, tão grande número de homens de bem? Como poderiam os seres que têm começo ser mais poderosos que o mal, que não o teria tido?

– Mas Deus pode suprimir o mal.

– Quando? E como Ele poderia suprimir o que goza das mesmas honras que Ele e de um poder igual, o que é, por assim dizer, da mesma idade? Ó malícia do Adversário! Quantos males ele não inventou! Quantas blasfêmias ele não sugeriu contra Deus! Como ele soube imaginar, sob pretexto de piedade, uma impiedade nova! Querendo-se estabelecer que o mal não vem de Deus, introduziu-se outros dogmas perverso, a saber, que Ele não teria tido começo.

– Mas, enfim, qual a origem do mal?

– No fato de querermos ou não queremos, está a sua origem.

– E o fato de querermos ou não querermos, de onde vem tal coisa, por sua vez?

– De nós mesmos… O mal não é outra coisa, senão a desobediência para com as Leis de Deus.

– Mas de onde o homem aprendeu tal coisa?

– Dizei-me: era muito difícil aprender isto? Eu também não digo que tenha sido difícil; mas de onde lhe veio esta vontade de desobedecer?

– De sua indolência. Tendo a liberdade de inclinar-se para um lado ou para o outro, ele preferiu inclinar-se para o mal. Se, depois desta resposta, estais ainda embaraçados e confusos, eu vos farei uma pergunta, que não é nem difícil nem complicada, uma pergunta bem simples e clara.

– Tendes sido ora bons, ora maus? Quer dizer: já vos aconteceu ora triunfardes sobre a paixão, ora serdes vencidos por ela? Ora sucumbirdes à embriaguez, ora vencerdes a embriaguez? Ora cederdes ao impulso da cólera, ora não lhe cederdes? Ora desdenhardes um pobre, ora não o desdenhardes? Ora prevaricardes por impudicícia, e em seguida serdes castos?

– Qual a origem, pois, de todas estas variações? Qual? Se vós mesmos não o dizeis, eu o direi: é que vos tendes aplicados e feito esforços, e ora vos tendes relaxado e entregue à indolência.[7]


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Fonte: O Esplendor Cristão, Vol. 1, “São João Crisóstomo”, 1ª Parte, Cap. I, “O Livre-Arbítrio”, pp. 19-25; Ação Carismática Cristã – Fundação São João Crisóstomo, Rio de Janeiro, 1978.

[1]     1º Discurso sobre a Contrição, 8.

[2]     São João Crisóstomo refere-se, certamente, à Parábola da boa e da má semente: “Deixai crescer uma coisa e outra até à ceifa e no tempo da ceifa direi aos segadores: Colhei primeiramente a cizânia, e atai-a em feixes para a queimar; o trigo, porém, recolhei-o no meu celeiro” (Mat., 13, 30).

[3]     I Cor., 2, 19.

[4]     Nem os Maus nem o Maligno podem prejudicar o Homem vigilante, 1, 2.

[5]     Êx., 20, 13.

[6]     II Homilia sobre a Epístola de São Paulo aos Efésios, 3-4.

[7]     LIX Homilia sobre o Evangelho de São Mateus, 2-3.

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