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"Uma vez que, como todos os fiéis, são encarregados por Deus do apostolado em virtude do Batismo e da Confirmação, os leigos têm a OBRIGAÇÃO e o DIREITO, individualmente ou agrupados em associações, de trabalhar para que a mensagem divina da salvação seja conhecida e recebida por todos os homens e por toda a terra; esta obrigação é ainda mais presente se levarmos em conta que é somente através deles que os homens podem ouvir o Evangelho e conhecer a Cristo. Nas comunidades eclesiais, a ação deles é tão necessária que, sem ela, o apostolado dos pastores não pode, o mais das vezes, obter seu pleno efeito" (S.S. o Papa Pio XII, Discurso de 20 de fevereiro de 1946: citado por João Paulo II, CL 9; cfr. Catecismo da Igreja Católica, n. 900).

sábado, 21 de dezembro de 2019

A ETERNIZAÇÃO DA VIRGEM MARIA.



São Cirilo de Alexandria

DISCURSO PRONUNCIADO NO CONCÍLIO DE ÉFESO1
(P. L. 77, 1029-1040)


Grande honra, para mim, elevar a voz ante tão ilustre Assembleia de Veneráveis Padres. Meu ânimo, profundamente penalizado pela ímpia blasfêmia de Nestório, suspirava pela celebração deste Concílio, cheio de harmonia e de encantos, Concílio angélico, celestial. Nele vejo congregados os Mestres da piedade, os que são Colunas e corifeus de nossa fé, seus Baluartes inexpugnáveis, seus Portos bonançosos, seus prudentes e fiéis Dispensadores, seus sábios Arquitetos, os que assinalam com sua vida de evangelização na terra os roteiros do Céu, os Êmulos dos Profetas, os Sucessores dos Apóstolos, os Pontífices das santas igrejas, Vingadores da blasfêmia criminosa, da perseguição que padecemos e dos ultrajes infligidos a nosso prestígio. Quanta alegria vendo-vos sentados no formoso e divino trono do Sacerdócio, derramando doçura e suavidade, Pregoeiros espirituais do saber divino, que vindes das quatro partes do mundo, sem que as inclemências do ar, as tormentas do mar, o indômito furor das ondas, os ventos ou as tempestades tenham sido suficientes para vos impedir de vir aqui e associar-vos ao entusiasmo dos fiéis. Muito pelo contrário, pressurosos, nas asas de vossos desejos (direi melhor: levados pelo temor de Deus e armados com a Cruz), viestes para mostrar-vos sábios Defensores da Mãe de Deus! Confortados com vossas santas orações, demos a esta cidade os parabéns por tanta felicidade!

Salve, cidade de Éfeso, mais formosa que os mares, porque em vez dos portos da terra, marcaram encontro em ti os que são Portos do Céu! Salve, honra desta região asiática semeada por todos os lados de templos, como preciosas joias, e consagrada, no presente, pelos benditos pés de muitos santos Padres e Patriarcas! Com sua vinda, cumularam-te de toda bênção, porque onde eles se congregam, aumenta e multiplica-se a santidade: Religiosos fiéis, Anjos da terra, afugentam eles, com sua presença, todo satânico poder e toda afeição pagã, tanto a dos porfirianos como a dos sabelianos, apolinaristas, fortinianos… Eles, repetimos, confundem toda heresia e são glórias de nossa fé ortodoxa.

Salve, Bem-aventurado João, Apóstolo e Evangelista, glória da virgindade, Mestre da honestidade, Exterminador de toda fraude diabólica, Destruidor do templo de Diana, Porto e Defesa de Éfeso, Conforto dos pobres, Refúgio dos aflitos, Refrigério e Descanso da cidade e de seus moradores. Salve, Vaso puríssimo da temperança! A Ti virgem, confiou, na Cruz, nosso Senhor Jesus Cristo a Mãe de Deus, sempre Virgem!

Salve, ó Maria, Mãe de Deus, Virgem e Mãe, Estrela e Vaso de eleição! Salve, Maria, Virgem, Mãe e Serva: Virgem, na verdade, por virtude d’Aquele que nasceu de Ti; Mãe por virtude d’Aquele que cobriste com panos e nutriste em Teu seio; Serva, por Aquele que tomou de servo a forma! Como Rei, quis entrar em tua cidade, em Teu seio, e saiu quando lhe aprouve, cerrando para sempre sua porta, porque concebeste sem concurso de varão, e foi divino Teu parto. Salve, Maria, Templo onde mora Deus, Templo Santo, como o chama o Profeta Davi, quando diz: O teu templo é santo e admirável em sua justiça”.2 Salve, Maria, criatura mais preciosa da criação; salve, Maria, puríssima pomba; salve, Maria, lâmpada inextinguível; salve, Maria, porque de Ti nasceu o Sol da Justiça! Salve, Maria, morada da infinitude, que encerraste em Teu seio o Deus infinito, o Verbo Unigênito, produzindo sem arado e sem semente a espiga incorruptível! Salve, Maria, Mãe de Deus, aclamada pelos Profetas, bendita pelos pastores, quando com os Anjos cantaram o sublime hino de Belém: “Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade”.3 Salve, Maria, Mãe de Deus, alegria dos Anjos, júbilo dos Arcanjos que Te glorificam no Céu! Salve, Maria, Mãe de Deus: por Ti adoraram a Cristo os Magos guiados pela estrela do Oriente; salve Maria, Mãe de Deus, honra dos Apóstolos! Salve, Maria, Mãe de Deus, por quem João Batista, ainda no seio de sua mãe exultou de alegria, adorando como luzeiro a perene Luz! Salve, Maria, Mãe de Deus, que trouxeste ao mundo graça inefável, da qual diz São Paulo: “apareceu a todos os homens a graça de Deus Salvador”.4 Salve, Maria, Mãe de Deus, que fizeste brilhar no mundo Aquele que é luz verdadeira, a nosso Senhor Jesus Cristo, que diz em seu Evangelho: “Eu Sou a luz do mundo!”5 Deus te salve, Mãe de Deus, que alumiaste aos que estavam em trevas e em sombra de morte; porque o povo que jazia nas trevas viu uma grande luz,6 uma luz não outra senão Jesus Cristo nosso Senhor, luz verdadeira que ilumina todo homem que vem a este mundo.7 Salve, Maria, Mãe de Deus, por quem se apregoa nos Evangelhos: “bendito o que vem em nome do Senhor!”,8 por quem se encheram de igrejas nossas cidades, campos e vilas ortodoxas! Salve, Maria, Mãe de Deus, por quem veio ao mundo o Vencedor da morte e o Destruidor do Inferno! Salve, Maria, Mãe de Deus, por quem veio ao mundo o Autor da criação e o Restaurador das criaturas, o Rei dos Céus! Salve, Maria, Mãe de Deus, por quem floresceu e refulgiu o brilho da Ressurreição! Salve, Maria, Mãe de Deus, por quem luziu o sublime batismo de santidade no Jordão! Salve, Maria, Mãe de Deus, por quem o Jordão e o Batista foram santificados e o Demônio foi destronado! Salve, Maria, Mãe de Deus, por quem é salvo todo espírito fiel! Salve, Maria, Mãe de Deus, – pois acalmaste e serenaste os mares para que pudessem atravessá-los, com bonança, nossos servos e cooperadores, conduzindo-os, com alegria e jubilo espiritual, a esta Assembleia de entusiásticos defensores de tua honra!

A vinda dos santos Padres inundou de paz esta terra, perturbada pelos ladrões (da heresia), como estava escrito: “Como são belos os pés dos que anunciam a paz...”9 Que paz? A paz que é nosso Senhor Jesus Cristo, anunciador da paz, que diz nos Evangelhos: “Minha paz vos dou”.10 Que paz? A paz que o blasfemo Nestório perturbara, negando que de Maria Virgem nasceu o Verbo e Filho de Deus, nosso Senhor Jesus Cristo. Ele não quis reconhecer a inviolável virgindade de Maria, nem crer na Palavra do Arcanjo: “Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo”.11 Subornador de incautos, para despojar da divindade o Unigênito Filho de Deus, inventou essa blasfêmia, essa ruína das almas.

Já vos falei longamente de suas más artes, ao expor-vos a passagem de Jeremias: “a perdiz chocou os ovos que não pôs”.12 E agora que esse homem funesto e blasfemo, enfatuado com a proteção dos poderosos, crendo-nos aterrorizados, assiste a nosso triunfo, digamos com gemidos e lágrimas de gratidão a Deus: “mais vale esperar no Senhor que nos príncipes”.13 Se o execrável heresiarca, valendo-se de toda classe de armas, tratou de seduzir os poderosos e as próprias pessoas reais, repitamos nos agora com o Rei Profeta: “eles vêm em carros e em cavalos, porém, nós nos apoiamos no Nome do Senhor nosso Deus”.14 Se tivesse eu algo a dizer aos poderosos do mundo, ou ao piedosíssimo imperador, não me envergonharia nem tampouco temeria, porque me conforta sempre o Profeta Davi, com suas palavras: “falarei diante de reis, e não serei confundido”.15

Quem jamais ouviu coisas tão horrendas e tão terríveis? Cristo, Deus Verbo, anunciado pelos Profetas e pregado pelos Apóstolos, transformado aqui em puro homem! Chamar a Mãe de Deus, Mãe tão somente de um homem! Não me faleis já da audácia daqueles ingratos e malvados judeus que mataram a Jesus Cristo. Quem não vê ser mais criminosa a blasfêmia de quem os escusa dizendo: vós crucificastes apenas um homem? O erro dos gentios, aqueles ímpios e nefandos sacrifícios que eram oferecidos às próprias pedras; os abomináveis intentos e a horrível heresia de Ario; a funestíssima blasfêmia dos maniqueus; as detestáveis maquinações de Sabélio, Porfírio, a do maligno Fotino, cuja blasfêmia reproduz ousadamente… que digo? A todos supera em maldade, chegado ao cúmulo da soberba, para fazer suas estas palavras: “destruirei meus celeiros e edificarei outros maiores. Ao que lhe respondeu o Senhor: Insensato! Esta mesma noite meus Anjos hão de exigir de ti a entrega de tua alma; de quem será tudo que armazenaste?”16 Tua queda, ó Nestório, foi maior que tua soberba. Tu, perverso, nascido de estirpe impura, foste precipitado no abismo mais profundo da blasfêmia, desprezando o grande Apóstolo, vaso de eleição, voz da Igreja, incenso evangélico e celeste, fonte odorífica; aquele que, levando cartas de perseguição, foi derrubado pela luz do Céu no caminho de Damasco, aprendendo a escrevê-las tão formosas, confirmando com elas o mundo na fé da Trindade consubstancial, de um só Senhor, de um só Batismo; de um só Pai, um só Filho, um só Espírito Santo; da substância inseparável e simplíssima; da divindade incompreensível do Senhor, Deus de Deus, Luz de Luz, Esplendor da Glória, que nasceu de Maria Virgem, conforme o anúncio do Arcanjo: “Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo, o Espírito Santo descerá sobre ti, e a virtude do Altíssimo te cobrirá com sua sombra, e por isso o Santo que de ti nascer será chamado Filho de Deus vivo”.17 Não somente o sabemos pelo Arcanjo Gabriel; também Davi, no vaticínio que canta diariamente a Igreja, nos diz: “O Senhor me disse: és meu filho; no dia de hoje te gerei”.18 Já o sábio Isaías, filho do Profeta Amós, Profeta nascido de Profeta, o predissera: “Eis que a virgem conceberá, e dará à luz um filho e seu nome será Emanuel, que significa Deus conosco”.19

Se não queres crer nos Profetas, nos Apóstolos, no Arcanjo Gabriel, imita ao menos teus companheiros de petulância, os Demônios, que gritaram horrorizados: “Que temos de comum contigo, Jesus, filho de Deus? Antes do tempo vieste a atormentar-nos?”20 Se, então, o próprio Demônio disse: “antes do tempo”, eis que agora, por fim, chegou em ti…

Coisa tremenda e assombrosa! Os Demônios, com seu pai, o Diabo, chamam Filho de Deus o que nasceu de Maria Virgem. Nestório reduz a um mero homem o Filho de Deus; e com a conversão que nesciamente imagina, inventou perverter e enganar o piedosíssimo imperador, servo e amigo da fé ortodoxa, e, juntamente com ele, as esclarecidas e santas rainhas… Foram, porém, estéreis seus esforços. Repartiu ao homens sedentos de ouro o dinheiro dos pobres, crendo poder assim impugnar a verdade, mas sua própria ambição de lucro nefando o fez naufragar miseravelmente. Naufragou no porto, por não jogar as âncoras da fé. Submerso em males, tornou-se teatro de tragédia, para o mundo inteiro. Contava, sim, persuadir os cultores da piedade, por não entender em sua mente entenebrecida, a doutrina dos Pais, Apóstolos, Evangelistas e Arcanjos; tentava estabelecer na terra uma religião ímpia e malfazeja. Mas não nos colheu de surpresa, nem desarmados contra seu intento ímpio e blasfemo. Não estava nossa esperança vinculada às forças militares, nem ao poder e brilho do ouro, e assim o combatemos, opondo-lhe as Santas Escrituras, divinamente inspiradas. Nossas armas não são carnais ou terrenas, mas espirituais e celestes, como predisse o Apóstolo São Paulo.

Ninguém, porém, ao ouvir-nos dizer estas palavras, julgue que nos alegramos com sua desgraça! Ao contrário: quando caíste ao fundo de tua blasfêmia, estendemos-te a mão através de cartas; e se insististe em contumácia, foi desprezando nossas advertências. Testemunha disso é Celestino, santíssimo Arcebispo de todo o orbe, Pai e Patriarca da grande cidade de Roma, o qual diretamente te escreveu, exortando-te a que desistisses de tua inconcebível blasfêmia. Desobediente para com ele, tu te vangloriaste e te envaideceste na insensatez. Convertido em inovador do mundo, perturbaste a paz das quatro partes da terra; e por tua causa foi necessário que todos os santos se congregassem aqui, à custa de mil fadigas. Por isso, Deus te destituirá de teu Sacerdócio, te privará da sabedoria dos Padres, e serás afastado da cidade imperial e do trono pontifical, que injustamente obtiveste.

Por isso, os justos verão e temerão, rir-se-ão de ti e dirão: eis um homem que não tomou a Deus como seu defensor, mas preferiu esperar nas riquezas, e se ensoberbeceu em sua vaidade”.21 Todos, porém, os que formos seguidores da verdade do Evangelho, permaneceremos, como disse o Profeta, “como a oliveira fértil na Casa de Deus”,22 glorificando a Deus Pai todo-poderoso, a seu Filho Unigênito, que nasceu de Maria, e ao vivificante Espírito Santo, que comunica a todos a vida; submissos aos fidelíssimos imperadores, honrando as rainhas, discretas e santas virgens, e pedindo que a rainha desposada tenha sucessão e persevere em sua piedade para com Deus e em seu amor à fé ortodoxa de Cristo Jesus, nosso Senhor, a quem se deve glória pelos séculos dos séculos. Amém.


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Fonte: Cirilo Folch Gomes, O.S.B., “Antologia dos Santos Padres – Páginas Seletas dos Antigos Escritores Eclesiásticos”, Ponto 571 – São Cirilo de Alexandria, pp. 388-393. 4ª Edição, Coleção Patrologia, Edições Paulinas, 1979.

1.  Sobre a autenticidade desta famosa homilia mariana, ver Altaner, Patrologia, Edições Paulinas, p. 290.

2.  Salm. 64, 6.

3.  S. Luc. 2, 14.

4.  Tit. 2, 1.

5.  Jo. 8, 12.

6.  Is. 9, 2.

7.  Jo. 1, 9.

8.  S. Mat. 21, 9.

9.  Is. 52, 7.

10.  Jo. 14, 27.

11.  S. Luc. 1, 28.

12.  Jer. 17, 11.

13.  Salm. 117, 9.

14.  Salm. 19, 8.

15.  Salm. 118, 46.

16.  S. Luc. 12, 18.

17.  S. Luc. 1, 35.

18.  Salm. 2, 7.

19.  S. Mat. 1, 23.

20.  2 Cor. 10, 4.

21.  Salm. 51, 8.

22.  Salm. 51, 10.

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