São Cirilo de Alexandria
DISCURSO
PRONUNCIADO NO CONCÍLIO DE ÉFESO
(P.
L. 77, 1029-1040)
Grande
honra, para mim, elevar a voz ante tão ilustre Assembleia de
Veneráveis Padres. Meu ânimo, profundamente penalizado pela ímpia
blasfêmia de Nestório, suspirava pela celebração deste Concílio,
cheio de harmonia e de encantos, Concílio angélico, celestial. Nele
vejo congregados os Mestres da piedade, os que são Colunas e
corifeus de nossa fé, seus Baluartes inexpugnáveis, seus Portos
bonançosos, seus prudentes e fiéis Dispensadores, seus sábios
Arquitetos, os que assinalam com sua vida de evangelização na terra
os roteiros do Céu, os Êmulos dos Profetas, os Sucessores dos
Apóstolos, os Pontífices das santas igrejas, Vingadores da
blasfêmia criminosa, da perseguição que padecemos e dos ultrajes
infligidos a nosso prestígio. Quanta alegria vendo-vos sentados no
formoso e divino trono do Sacerdócio, derramando doçura e
suavidade, Pregoeiros espirituais do saber divino, que vindes das
quatro partes do mundo, sem que as inclemências do ar, as tormentas
do mar, o indômito furor das ondas, os ventos ou as tempestades
tenham sido suficientes para vos impedir de vir aqui e associar-vos
ao entusiasmo dos fiéis. Muito pelo contrário, pressurosos, nas
asas de vossos desejos (direi melhor: levados pelo temor de Deus e
armados com a Cruz), viestes para mostrar-vos sábios Defensores da
Mãe de Deus! Confortados com vossas santas orações, demos a esta
cidade os parabéns por tanta felicidade!
Salve,
cidade de Éfeso, mais formosa que os mares, porque em vez dos portos
da terra, marcaram encontro em ti os que são Portos do Céu! Salve,
honra desta região asiática semeada por todos os lados de templos,
como preciosas joias, e consagrada, no presente, pelos benditos pés
de muitos santos Padres e Patriarcas! Com sua vinda, cumularam-te de
toda bênção, porque onde eles se congregam, aumenta e
multiplica-se a santidade: Religiosos fiéis, Anjos da terra,
afugentam eles, com sua presença, todo satânico poder e toda
afeição pagã, tanto a dos porfirianos como a dos sabelianos,
apolinaristas, fortinianos… Eles, repetimos, confundem toda heresia
e são glórias de nossa fé ortodoxa.
Salve,
Bem-aventurado João, Apóstolo e Evangelista, glória da virgindade,
Mestre da honestidade, Exterminador de toda fraude diabólica,
Destruidor do templo de Diana, Porto e Defesa de Éfeso, Conforto dos
pobres, Refúgio dos aflitos, Refrigério e Descanso da cidade e de
seus moradores. Salve, Vaso puríssimo da temperança! A Ti virgem,
confiou, na Cruz, nosso Senhor Jesus Cristo a Mãe de Deus, sempre
Virgem!
Salve,
ó Maria, Mãe de Deus, Virgem e Mãe, Estrela e Vaso de eleição!
Salve, Maria, Virgem, Mãe e Serva: Virgem, na verdade, por virtude
d’Aquele que nasceu de Ti; Mãe por virtude d’Aquele que cobriste
com panos e nutriste em Teu seio; Serva, por Aquele que tomou de
servo a forma! Como Rei, quis entrar em tua cidade, em Teu seio, e
saiu quando lhe aprouve, cerrando para sempre sua porta, porque
concebeste sem concurso de varão, e foi divino Teu parto. Salve,
Maria, Templo onde mora Deus, Templo Santo, como o chama o Profeta
Davi, quando diz: “O teu templo é santo e admirável em
sua justiça”.
Salve, Maria, criatura mais
preciosa da criação; salve, Maria, puríssima pomba; salve, Maria,
lâmpada inextinguível; salve, Maria, porque de Ti nasceu o Sol da
Justiça! Salve, Maria, morada da infinitude, que encerraste em Teu
seio o Deus infinito, o Verbo Unigênito, produzindo sem arado e sem
semente a espiga incorruptível! Salve, Maria, Mãe de Deus, aclamada
pelos Profetas, bendita pelos pastores, quando com os Anjos cantaram
o sublime hino de Belém: “Glória a Deus nas alturas e
paz na terra aos homens de boa vontade”.
Salve, Maria, Mãe de Deus,
alegria dos Anjos, júbilo dos Arcanjos que Te glorificam no Céu!
Salve, Maria, Mãe de Deus: por Ti adoraram a Cristo os Magos guiados
pela estrela do Oriente; salve Maria, Mãe de Deus, honra dos
Apóstolos! Salve, Maria, Mãe de Deus, por quem João Batista, ainda
no seio de sua mãe exultou de alegria, adorando como luzeiro a
perene Luz! Salve, Maria, Mãe de Deus, que trouxeste ao mundo graça
inefável, da qual diz São Paulo: “apareceu a todos os
homens a graça de Deus Salvador”.
Salve, Maria, Mãe de Deus, que fizeste brilhar no mundo Aquele que é
luz verdadeira, a nosso Senhor Jesus Cristo, que diz em seu
Evangelho: “Eu Sou a luz do mundo!”
Deus te salve, Mãe de Deus, que alumiaste aos que estavam em trevas
e em sombra de morte; porque o povo que jazia nas trevas viu uma
grande luz,
uma luz não outra senão
Jesus Cristo nosso Senhor, luz verdadeira que ilumina todo homem que
vem a este mundo.
Salve, Maria, Mãe de Deus, por quem se apregoa nos Evangelhos:
“bendito o que vem em nome do Senhor!”,
por quem se encheram de igrejas nossas cidades, campos e vilas
ortodoxas! Salve, Maria, Mãe de Deus, por quem veio ao mundo o
Vencedor da morte e o Destruidor do Inferno! Salve, Maria, Mãe de
Deus, por quem veio ao mundo o Autor da criação e o Restaurador das
criaturas, o Rei dos Céus! Salve, Maria, Mãe de Deus, por quem
floresceu e refulgiu o brilho da Ressurreição! Salve, Maria, Mãe
de Deus, por quem luziu o sublime batismo de santidade no Jordão!
Salve, Maria, Mãe de Deus, por quem o Jordão e o Batista foram
santificados e o Demônio foi destronado! Salve, Maria, Mãe de Deus,
por quem é salvo todo espírito fiel! Salve, Maria, Mãe de Deus, –
pois acalmaste e serenaste os mares para que pudessem atravessá-los,
com bonança, nossos servos e cooperadores, conduzindo-os, com
alegria e jubilo espiritual, a esta Assembleia de entusiásticos
defensores de tua honra!
A
vinda dos santos Padres inundou de paz esta terra, perturbada pelos
ladrões (da heresia), como estava escrito: “Como são
belos os pés dos que anunciam a paz...”
Que paz? A paz que é nosso Senhor Jesus Cristo, anunciador da paz,
que diz nos Evangelhos: “Minha paz vos dou”.
Que paz? A paz que o blasfemo Nestório perturbara, negando que de
Maria Virgem nasceu o Verbo e Filho de Deus, nosso Senhor Jesus
Cristo. Ele não quis reconhecer a inviolável virgindade de Maria,
nem crer na Palavra do Arcanjo: “Ave, cheia de graça, o
Senhor é contigo”.
Subornador de incautos, para despojar da divindade o Unigênito Filho
de Deus, inventou essa blasfêmia, essa ruína das almas.
Já
vos falei longamente de suas más artes, ao expor-vos a passagem de
Jeremias: “a perdiz chocou os ovos que não pôs”.
E agora que esse homem
funesto e blasfemo, enfatuado com a proteção dos poderosos,
crendo-nos aterrorizados, assiste a nosso triunfo,
digamos com gemidos e lágrimas de gratidão a Deus: “mais
vale esperar no Senhor que nos príncipes”.
Se o execrável heresiarca, valendo-se de toda classe de armas,
tratou de seduzir os poderosos e as próprias pessoas reais,
repitamos nos agora com o Rei Profeta: “eles vêm em
carros e em cavalos, porém, nós nos apoiamos no Nome do Senhor
nosso Deus”.
Se tivesse eu algo a dizer aos poderosos do mundo, ou ao piedosíssimo
imperador, não me envergonharia nem tampouco temeria, porque me
conforta sempre o Profeta Davi, com suas palavras: “falarei
diante de reis, e não serei confundido”.
Quem
jamais ouviu coisas tão horrendas e tão terríveis? Cristo, Deus
Verbo, anunciado pelos Profetas e pregado pelos Apóstolos,
transformado aqui em puro homem! Chamar a Mãe de Deus, Mãe tão
somente de um homem! Não me faleis já da audácia daqueles ingratos
e malvados judeus que mataram a Jesus Cristo. Quem não vê ser mais
criminosa a blasfêmia de quem os escusa dizendo: vós crucificastes
apenas um homem? O erro dos gentios, aqueles ímpios e nefandos
sacrifícios que eram oferecidos às próprias pedras; os abomináveis
intentos e a horrível heresia de Ario; a funestíssima blasfêmia
dos maniqueus; as detestáveis maquinações de Sabélio, Porfírio,
a do maligno Fotino, cuja blasfêmia reproduz ousadamente… que
digo? A todos supera em maldade, chegado ao cúmulo da soberba, para
fazer suas estas palavras: “destruirei meus celeiros e
edificarei outros maiores. Ao que lhe respondeu o Senhor: Insensato!
Esta mesma noite meus Anjos hão de exigir de ti a entrega de tua
alma; de quem será tudo que armazenaste?”
Tua queda, ó Nestório, foi maior que tua soberba. Tu, perverso,
nascido de estirpe impura, foste precipitado no abismo mais profundo
da blasfêmia, desprezando o grande Apóstolo, vaso de eleição, voz
da Igreja, incenso evangélico e celeste, fonte odorífica; aquele
que, levando cartas de perseguição, foi derrubado pela luz do Céu
no caminho de Damasco, aprendendo a escrevê-las tão formosas,
confirmando com elas o mundo na fé da Trindade consubstancial, de um
só Senhor, de um só Batismo; de um só Pai, um só Filho, um só
Espírito Santo; da substância inseparável e simplíssima; da
divindade incompreensível do Senhor, Deus
de Deus, Luz de Luz, Esplendor da Glória, que nasceu de Maria
Virgem, conforme o anúncio do Arcanjo: “Ave, cheia de
graça, o Senhor é contigo, o Espírito Santo descerá sobre ti, e a
virtude do Altíssimo te cobrirá com sua sombra, e por isso o Santo
que de ti nascer será chamado Filho de Deus vivo”.
Não somente o sabemos pelo Arcanjo Gabriel; também Davi, no
vaticínio que canta diariamente a Igreja, nos diz: “O
Senhor me disse: és meu filho; no dia de hoje te gerei”.
Já o sábio Isaías, filho do Profeta Amós, Profeta nascido de
Profeta, o predissera: “Eis que a virgem conceberá, e
dará à luz um filho e seu nome será Emanuel, que significa Deus
conosco”.
Se
não queres crer nos Profetas, nos Apóstolos, no Arcanjo Gabriel,
imita ao menos teus companheiros de petulância, os Demônios, que
gritaram horrorizados: “Que temos de comum contigo,
Jesus, filho de Deus? Antes do tempo vieste a
atormentar-nos?”
Se, então, o próprio Demônio disse: “antes do tempo”,
eis que agora, por fim, chegou
em ti…
Coisa
tremenda e assombrosa! Os Demônios, com seu pai, o Diabo, chamam
Filho de Deus o que nasceu de Maria Virgem. Nestório reduz a um mero
homem o Filho de Deus; e com a conversão que nesciamente imagina,
inventou perverter e enganar o piedosíssimo imperador, servo e amigo
da fé ortodoxa, e, juntamente com ele, as esclarecidas
e santas rainhas… Foram, porém, estéreis seus esforços. Repartiu
ao homens sedentos de ouro o dinheiro dos pobres, crendo poder assim
impugnar a verdade, mas sua própria ambição de lucro nefando o fez
naufragar miseravelmente.
Naufragou no porto, por não jogar as âncoras da fé. Submerso em
males, tornou-se teatro de tragédia, para o mundo inteiro. Contava,
sim, persuadir os cultores da piedade, por não entender em sua mente
entenebrecida, a doutrina dos Pais, Apóstolos, Evangelistas e
Arcanjos; tentava estabelecer na terra uma religião ímpia e
malfazeja. Mas não nos colheu de surpresa, nem desarmados contra seu
intento ímpio e blasfemo. Não estava nossa esperança vinculada às
forças militares, nem ao poder e brilho do ouro, e assim o
combatemos, opondo-lhe as Santas Escrituras, divinamente inspiradas.
Nossas armas não são carnais
ou terrenas, mas espirituais e celestes, como predisse o Apóstolo
São Paulo.
Ninguém,
porém, ao ouvir-nos dizer estas palavras, julgue que nos alegramos
com sua desgraça! Ao contrário: quando caíste ao fundo de tua
blasfêmia, estendemos-te a mão através de cartas; e se insististe
em contumácia, foi desprezando nossas advertências. Testemunha
disso é Celestino, santíssimo Arcebispo de todo o orbe, Pai e
Patriarca da grande cidade de Roma, o qual diretamente te escreveu,
exortando-te a que desistisses de tua inconcebível blasfêmia.
Desobediente para com ele, tu te vangloriaste e te envaideceste na
insensatez. Convertido em inovador do mundo, perturbaste a paz das
quatro partes da terra; e por tua causa foi necessário que todos os
santos se congregassem aqui, à custa de mil fadigas. Por isso, Deus
te destituirá de teu Sacerdócio, te privará da sabedoria dos
Padres, e serás afastado da cidade imperial e do trono pontifical,
que injustamente obtiveste.
“Por
isso, os justos verão e temerão, rir-se-ão de ti e dirão: eis um
homem que não tomou a Deus como seu defensor, mas preferiu esperar
nas riquezas, e se ensoberbeceu em sua vaidade”.
Todos, porém, os que formos seguidores da verdade do Evangelho,
permaneceremos, como disse o Profeta, “como a oliveira
fértil na Casa de Deus”,
glorificando a Deus Pai todo-poderoso, a seu Filho Unigênito, que
nasceu de Maria, e ao vivificante Espírito Santo, que comunica a
todos a vida; submissos aos fidelíssimos imperadores, honrando as
rainhas, discretas e santas virgens, e pedindo que a rainha desposada
tenha sucessão e persevere em sua piedade para com Deus e em seu
amor à fé ortodoxa de Cristo Jesus, nosso Senhor, a quem se deve
glória pelos séculos dos séculos. Amém.
_____________________________
Fonte:
Cirilo
Folch Gomes, O.S.B., “Antologia
dos Santos Padres – Páginas Seletas dos Antigos Escritores
Eclesiásticos”, Ponto
571 – São Cirilo de Alexandria, pp. 388-393. 4ª Edição, Coleção
Patrologia,
Edições Paulinas, 1979.
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