(P.L.
52, 585-588)
Seríamos
levados antes a adiar nosso sermão, tal a sublimidade e o Mistério
do Nascimento de Cristo. A Virgem deu à luz; quem o explicará? O
Verbo se fez carne; quem explanará este Mistério? Se o Verbo de
Deus vagiu na boca de uma criança, como poderá falar dele o homem
cheio de imperfeição? Mas como a estrela iluminou os Magos em busca
da Luz, assim a palavra do pregador deve dar a conhecer a seus
ouvintes o Nascimento de Deus, a fim de se regozijarem com o encontro
de Cristo e, mais que perscrutarem seus divinos segredos, honrarem
com dádivas o Menino-Deus. Orai, irmãos meus, para que se digne
crescer, pouco a pouco, em minha palavra, Àquele que aceitou crescer
num corpo como o nosso.
O
evangelista diz ter o Anjo falado assim: “Não temas, Maria,
pois achaste graça diante de Deus”.
Não temas, Maria. E por quê? Porque achaste graça. Temer não é
próprio de quem recebe, é próprio de quem perde. Recebeste,
concebendo, a graça do divino germe, e não perdeste o brilho de tua
virgindade, ao entregá-lo à luz. “Não temas, Maria”.
Que pode temer a que concebe a segurança do mundo, a alegria dos
séculos? Temor não existe, onde se trata de algo divino, não
humano; onde há consciência de virtude, não de impureza. Que pode
temer a Mãe Daquele a quem temem até os que infundem temor? Que
pode temer Àquela cujo Assessor é o juiz da própria causa, e que
tem sua integridade como testemunho de sua inocência? “Não
temas, Maria, pois achaste graça diante de Deus”.
A
Virgem acolheu em seu seio o Verbo divino, o qual, desde a
eternidade, coexistia com Deus. Fez-se grandioso templo da Divindade,
Ela, morada humilde e humana. Aquele que não podia ser contido
na pequenez do corpo humano, ei-Lo na estreiteza do ventre virginal.
“Eis que conceberás no ventre”.
Bastaria ter dito: “conceberás”,;
por que acrescentou: “no ventre”?
Para indicar ser real a concepção, não aparente; para atestar que
o Nascimento seria real, não fictício; para demonstrar que assim
como Cristo, enquanto Deus, procede do verdadeiro Deus, enquanto
homem tem um corpo que é
fruto bendito de verdadeira concepção. É, pois, herético afirmar
que Cristo tomou um corpo etéreo e apenas tenha aparentado a forma
de homem. “Eis que conceberás no ventre e darás à luz
um filho, ao qual chamarás Jesus”.
Em
hebraico, “Jesus”
significa “Salvador”.
Com razão, pois, tudo está salvo na Virgem, quando Ela gerou o
Salvador de tudo. “Chamá-lo-ás Jesus”.
Porque com este Nome é adorada a Majestade Augusta da Divindade;
todos os que habitam os Céus, os que povoam a terra, os que gemem
nas profundezas do Inferno prosternam-se ante esse Nome e O adoram.
Ouvi as palavras do Apóstolo: “Ao nome de Jesus se
dobrará todo joelho, no Céu, na terra e nos Infernos”.
É o Nome que deu vista aos cegos, ouvido aos surdos, curou os coxos,
deu fala aos mudos, vida aos mortos, libertou os possessos do
Demônio. Mas se o Nome é tão sublime, quanto não o será o poder
de seu dono? O mesmo Anjo diz quem seja Aquele que detém esse Nome:
“Ele será chamado Filho do Altíssimo”.
Vede: o que a Virgem concebe não é germe da terra, mas do Céu. A
Virgem deu à luz e seu Filho é o Filho de Deus! Portanto, os que
pretendem encontrar algo de apenas humano nesse Nascimento estão
injuriando ao Altíssimo!
“E
o Senhor lhe dará o trono de Davi, seu pai, e reinará eternamente
na casa de Jacó, e seu reino não terá fim”. São
palavras que o herege procura toldar em favor de seu erro.
“Eis, diz aqui, é o Anjo quem
fala: o Senhor Deus lhe dará…
Então, não é maior Aquele
que dá do que aquele que recebe? E o que recebe, acaso já possuía
o que recebe?”
Nós,
porém, irmãos, escutemos tais palavras do Anjo, não como os
pérfidos hereges, mas como verdadeiros fiéis; sejam-nos fundamento
para a fé, não pretexto para o erro. “O Senhor Deus lhe
dará”. Que Deus? O próprio
Verbo, que era, no princípio, Deus.
A quem dará? Ao que se fez carne e habitou entre nós. Ouçamos ao
Apóstolo, que diz: “Deus estava em Cristo, reconciliando
o mundo conSigo”.
Consigo, não com outro. Portanto, Deus, que estava em Cristo, se
dava a Si mesmo o reino, em Cristo, conferindo ao corpo assumido o
que desde sempre possuía na Divindade.
“Dar-lhe-á
o Senhor Deus a sede de Davi, seu pai”.
Veja-se: quando recebe, chama-se filho de Davi; quando dá, Filho de
Deus. Ele mesmo disse: “tudo o que o Pai tem é meu”.
De onde, pois, vem essa necessidade de receber, se existe a posse de
tal poder? “Tudo o que o Pai tem é meu”.
Quem recebe o que já é seu?
Porventura é graça de um doador aquilo que o receptor já possui?
Confessemos que houve um receptor, mas foi o que nasceu, o que
assumiu a carne e a infância, o que sofreu o presépio e os
trabalhos da vida, o que sentiu fome e sede, o que não fugiu às
injúrias, o que subiu à Cruz e padeceu a morte, o que ingressou no
sepulcro; a este atribui, ó herege, a recepção de algo! Por que
pensas que Deus despreza receber a honra, se recebeu injúrias?
Pensas que lhe aborrece receber do Pai um reino, Ele que dos inimigos
recebeu afrontas e até a morte? Herege, tudo o que é injúria,
temporal, recebido, tudo o que importa diminuição e inclui a morte,
entende não dizer respeito à Divindade e sim ao corpo! Assim não
farás injúria ao Filho, não colocarás distâncias na Trindade.
Mas
voltemos ao nosso tema: “Dar-lhe-á o trono de Davi, seu
pai”. Aquele, pois, que no Céu
se assenta junto do Pai, na terra recebe o trono de Davi. Aquele que
reinou sempre, reina com relação a nós, na herança de Davi, que
assume para sempre. Alegremo-nos, amados irmãos, pois quem é, em
Si, o Rei, se digna reinar em nós. Regozigemo-nos, pois, vem reinar
na terra a fim de que nós possamos reinar no Céu. Sim, escutai o
Apóstolo: “se com Ele sofrermos, com Ele reinaremos”.
Nasceu para nós e vem a nós
precisamente para isso: para nos dar um reino! Ele mesmo o prometeu,
com as palavras: “Vinde, benditos de meu Pai, tomai posse
do reino que vos está preparado desde a origem do mundo”.
Preparado para vós, disse Ele, não para mim. Virá para ficar
sempre entre nós, para estar sempre ante nossos olhos Aquele que
agora só está em nosso coração. Virá trazer a confiança de sua
familiaridade aos que participarão de seu reino. “E seu
reino não terá fim!”
Alegrai-vos
os que credes em sua vinda, porque vos prometeu um reino, onde os
cargos são irremovíveis e as dignidades perpétuas. Quem não
ambiciona o infinito? Quem prefere o perecível? Quem, comprando por
ouro as honrarias passageiras, não deseja receber gratuitamente as
eternas?
Irmão
meus, trata-se aí de cargos, de postos, de dignidades, sim, mas se
não se der crédito à verdade do Evangelho não se obterão tais
prêmios eternos. Se nos agrada o serviço de Cristo, se aspiramos
militar sempre sob as suas ordens, armemo-nos
com as armas de Cristo, vigiemos, sejamos sóbrios, vençamos o
Demônio, detestemos os vícios. Para podermos alcançar os prêmios
e coroas de Jesus Cristo Nosso Senhor, que com o Pai reina agora e
sempre, pelos séculos dos séculos. Amém.
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