O
“SYLLABUS”
A
Sua História
e
o Seu Valor
Pelo
Padre
Augusto
Estanislau Aureli
D.
C. D. G.
Edição
Dedicada à Memória
de
D. Frei Vital de
Oliveira
Bispo
de Olinda
ao
comemorar-se, o
1º
centenário do seu nascimento,
em
27 de Novembro de 1944.
Edição
Dedicada à Memória
do
Grande Brasileiro
D.
Frei Vital Maria Gonçalves de Oliveira
Digníssimo
Bispo de Olinda
ao
Comemorar-se o
Primeiro
Centenário do seu Nascimento
em
27 de Novembro de 1944
*
Secretariado Nacional de Defesa da Fé.
*
Confederação Brasileira das Congregações Marianas.
*
A Cruz.
Introdução
O
ano de 1864 fora tempestuoso para a Barca de São Pedro.
Invadido
o território pontifício pelas tropas piemontesas, um tratado entre
a França e a Itália abandonava praticamente o Papa às mãos de
seus inimigos. Pouco antes (1863) um novo Ario se levantara na
pessoa do autor da Vida
de Jesus
– RENAN. E entre os mesmos fiéis católicos reinava a divisão e a
confusão, principalmente acerca da famosa questão das “liberdades
modernas”.
Integridade
territorial, integridade doutrinária, integridade de ação e de
união – tudo parecia ameaçado no pontificado de Pio IX.
Já
Gregório XVI, em 1832, na Encíclica Mirari
vos,
fulminando o indiferentismo de Lamenaís
e o próprio Pio IX, em numerosas ocasiões, revelaram sua angústia
e mesmo sua reprovação ante as opiniões atrevidas.
Soara
o minuto do protesto solene e da condenação global.
Entre
a gloriosa definição da Imaculada Conceição e o Concílio
Vaticano, nas vizinhanças da derrota de Castelfidardo se situa esse
gesto desassombrado do Magistério pontifício.
Preparado
por doze anos de estudos prévios (1852-1864), precedido pela
Encíclica Quanta
cura,
vinha à luz, a 8 de Dezembro o Syllabus
ou Catálogo dos Erros modernos.
Com
voz veemente e abalada de emoção, Pio IX, cônscio de sua
imorredoura autoridade, reprova,
proscreve e condena
80 proposições em que se expressam os aludidos erros. Foi a mais
vasta síntese de aberrações doutrinárias que jamais a Santa Sé
nem Concílio algum anatematizou.
A
repercussão foi extensa e agitada: o Syllabus,
jnto com a Encíclica Quanta
cura,
foi comparado à Bula Unam
Sanctam
de Bonifácio VIII, sobre os dois poderes, e à Unigenitus,
de Clemente XI, contra o jansenismo.
Os
inimigos da Igreja viram no duplo documento “um supremo desafio
lançado ao mundo moderno pelo Papado agonizante”.
Se
os católicos em globo, como era natural, se submeteram, não faltou
contudo certa emoção entre os católicos liberais; estes amavam e
defendiam, além do justo, as liberdades reclamadas pelas correntes
políticas então dominantes.
Dupanloup,
Bispo de Orleans,
retomando uma expressão dos escritores jesuítas da Civilità
Cattolica,
distinguia entre tese e hipótese, mostrando que o Papa indicava o
ideal da sociedade cristã, sem proibir totalmente aos fiéis a
cooperação na sociedade política, tal como então vigorava na
Europa.
Recolocando
as preposições no seu contexto (pois eram extraídas de documentos
muito variados), punha de manifesto o sentido exato de cada uma
delas.
O
Papa e 360 Bispos felicitaram Dupanloup. Todavia, não cessou nem a
murmuração por parte dos inimigos, nem a severidade de juízo de
alguns extremados.
O
Governo de Napoleão III sentiu-se visado e por meio de uma circular
do Ministro guarda-sigilos, Julio Barroche, advertia os Bispos a 1º
de janeiro de 1865, e logo em seguida a 5 de janeiro publicava um
decreto, dando o placet
à parte da Encíclica, que promulgava um jubileu e negando
publicação ao restante e ao Syllabus,
por serem “atos contrários aos princípios sobre que repousa a
constituição do Império”.
Já
então os governos liberais usavam processos autoritários, ao mesmo
em se tratando da Igreja.
Quase
unânime foi a reação do Episcopado francês: 75 cartas de protesto
chegaram ao ministério. Em sinal de vindita,
o Cardeal Matheu, Arcebispo de Besançon e Mons. de Dreux-Brésé,
Bispo de Moulins, foram citados ao tribunal. Uma testemunha ocular
conta este último, recebendo a intimação ministerial, diante de
numerosa assistência, queimou-a e dispersou as cinzas daquele
documento de abuso de poder.
Valiam
a pena de uma citação as cartas de vários Prelados,
apostolicamente corajosas.
“Eu
sou Bispo, dizia por exemplo o Cardeal Gousset,
Arcebispo de Reims, e o governo não pode me impôr silêncio, quando
meu dever é falar”.
E
o Arcebispo de Cambrai: “Hoje cada qual tem liberdade, tanto
quanto deseja e sempre que quiser, de negar o mesmo Deus e de fazer
propaganda atéia em escritos a que dá a publicidade que bem
entende.
É
demais reclamar a mesma latitude para o ensino católico?”
E
o Bispo de Nimes: “Os ensinos que eles (os dois Documentos
Pontifícios) contém sob forma de condenação dogmática, são
aceitos pela Igreja inteira e nela fazem lei; nem a circular de V.
Excia., nem a decisão do Conselho de Estado poderá subtrair os
católicos de França à obrigação de se submeter”.
Venturosamente
os desapaixonados souberam aproveitar-se de modo superior da parte
positiva da Encíclica e do Syllabus.
ALBERTO
DE MUN confessou que a sua Oeuvre des Cercles estava para o
Syllabus como o produto para o princípio, o efeito para a
causa, o filho para a sua mãe.
O
conteúdo doutrinário das 80 proposições vem assinalado pelos
subtítulos bem significativos: panteísmo, naturalismo e
racionalismo absoluto; racionalismo moderado; indiferentismo e
latitudinarismo; socialismo, comunismo, sociedades clandestinas,
sociedades bíblicas e sociedades clérico-liberais; erros sobre a
Igreja e seus direitos; erros sobre o Estado e suas relações com a
Igreja; erros de moral; erros sobre o Matrimônio; erros sobre o
poder temporal dos Papas; erros do liberalismo.
Com
nome abreviado tais erros, de índole dogmática, filosófica,
política, e social, se poderiam intitular laicismo ou
separatismo.
A
essência desse separatismo liberal consiste em negar ou desprezar a
autoridade, de modo especial a autoridade religiosa.
No
campo das ideias, no terreno dos costumes, nos reinos da ciência e
da política, o liberalismo instala suas tendas, arvora seus
princípios, mobiliza autores e academias. Nesse afã contagiante,
filho de uma reação exagerada contra um regime secular, quase
milenar, de primado da autoridade, os liberais avançaram até o
altar.
Foi
então que Pio IX julgou oportuno salvaguardar a verdade e as
instituições católicas. A liberdade é um justo anseio; as
liberdades reclamadas eram, em grande parte, de boa lei.
Não,
porém, a liberdade por sistema, a liberdade contra a ordem e a
autoridade, a liberdade contra a harmonia social. Eis o que o Sumo
Pontificado não podia endossar.
Quanto
à qualificação das proposições, é certo que não são todas
elas condenadas, reprovadas ou proscritas no mesmo grau.
Já
se discutiu sobre o caráter definitório do Syllabus. Breve,
porém, ficou evidente mesmo à luz dos Documentos da Santa Sé, que
não se tratava de uma definição ex cathedra.
Nem
a coleção como tal, nem a Encíclica Quanta cura pretendiam
a esse grau supremo de infalibilidade. As coleções de teses
condenadas, exceto declaração expressa, guardam o sentido e o grau
de censura que trouxeram do contexto original. Em carta ao Episcopado
da Igreja ecumênica, o Secretário de Estado, Cardeal ANTONELLI,
enviando o Syllabus declarava que “com isso queria Sua
Santidade, tivessem os antístites debaixo dos olhos todos os erros e
doutrinas perniciosas por ele condenadas e proscritas… se acaso não
tivessem chegado todos os atos pontifícios às mãos de cada um dos
Prelados”.
Tanto
mais inúteis foram os protestos: o Syllabus codificava
condenações anteriores; mesmo suprimindo o catálogo, as 80
condenações continuariam de pé.
Se
cada uma delas por si só não constitui uma heresia, não há dúvida
de que o espírito liberal, manifestado em algumas delas bastaria
para fazer do liberalismo uma heresia bem caracterizada.
Desapareceu
o liberalismo?
Não.
Muitas das proposições do Syllabus teriam ainda hoje a
subscrevê-las políticos e pensadores de várias correntes.
Mudou
feição, mas não de essência o liberalismo.
Ele
se prolongou no Modernismo, hoje em declínio.
Ele
subsiste no indiferentismo, teórico e prático.
Ele
impregna, sobretudo, grandes correntes sociais: o liberalismo
político-religioso e o liberalismo econômico que, atenuados embora,
comandam as constituições e os regimes de vários países da terra;
o liberalismo totalitário nas suas duas feições, nacionalista e
comunista.
Os
dois últimos, totalitarismo nacionalista e comunismo, por mais que
se combatam, por mais que tenham brotado de ideologias de violência,
são irmãos gêmeos.
Pois
coincidem ambos no supremo princípio liberal, que é a rejeição da
autoridade moral na vida humana, social, intelectual, política e
econômica.
Entre
o liberalismo do século 19 e o totalitarismo do século 20, não há
somente sequência no tempo, nem apenas reação contra um exagero,
há a filiação lógica entre um princípio e as suas consequências.
O
Syllabus não podia ficar solitário.
Acompanhando
o envolver das ideologias, heréticas ou errôneas que dele se foram
gerando, novos Documentos Pontifícios vieram no decorrer dos últimos
80 anos premunir os fiéis contra os seus epígonos e disfarces:
socialismo e comunismo, modernismo, democratismo exagerado (Sillon),
racismo, facismo anti-religioso, etc.
Leão
XIII, Pio X, Pio XI ecoaram
fielmente a voz de seu venerando predecessor.
O
SYLLABUS
A
SUA HISTÓRIA E O SEU VALOR
CAPÍTULO
PRIMEIRO
“O
que é o Syllabus?”
Fala-se
muito no “Syllabus”,
mas infelizmente não são muitos os que têm uma ideia justa do que
ele é, e ainda em menor número são os que lhe conhecem o valor, o
alcance e a importância. Para que o leitor tenha diante dos olhos o
assunto de que vamos tratar, lhe apresentamos desde já a definição do
“Syllabus”,
a qual ficará demonstrada pelas coisas que em seguida diremos.
O
que é pois o “Syllabus”?
– É um
documento doutrinal, contendo os erros principais da nossa época,
proposto pelo Sumo Pontífice Pio IX a toda a Igreja, para que sirva
de norma e direção nas questões religiosas que se agitam na
sociedade.
O
que é que deu origem ao “Syllabus”?
Qual é o seu fim? – Declarada a origem do “Syllabus”,
será fácil reconhecer o seu fim, o qual. Aliás, já aparece
manifesto na definição que acabamos de dar.
Deu
origem ao “Syllabus”,
o aparecimento e a divulgação de muitos e gravíssimos erros, que,
espalhando-se no meio do povo católico debaixo dos especiosos
rótulos da ciência, da civilização, do progresso, abalavam a fé,
destruíam as bases do direito e da moral, e solapavam a sociedade,
ameaçando quebrar
os laços que a ligam ao Catolicismo, e deste modo pondo em perigo a
sua unidade e prosperidade e o seu progresso verdadeiro.
A
história não menciona época alguma, em que a sociedade se visse
invadida simultaneamente por um número tão grande de erros.
Inventaram-se doutrinas e teorias as mais extravagantes, fizeram-se
reviver os erros antigos revestidos de novas e sedutoras formas,
deu-se o nome de ciência aos sistemas, os mais absurdos e o de
progresso a teorias que ocultavam em seu bojão o gérmen da mais
aviltante retrogradação. Não há ordem de coisas contra a qual não
se tenham levantado doutrinas subversivas. Atacou-se a razão, a
ciência, o ensino, a moral, o direito, a propriedade, a família, a
sociedade. Combateu-se a Igreja na sua fé, nas suas leis, nos seus
Sacramentos, nas suas Instituições, nos seus Ministros. Ao ler o
“Syllabus”,
fica-se horrorizado, vendo o número e a enormidade dos erros que o
Chefe Supremo da Igreja teve de denunciar ao mundo no breve curso de
menos de vinte anos.
Todos
esses erros, filhos do chamado filofismo do século dezoito e da
Revolução Francesa, invadiram pouco a pouco, ora aberta, ora
sorrateiramente, todos os países, todos os povos, todas as classes
da sociedade. Pelo meado, porém, do século passado foram-se
mostrando mais à descoberta, ameaçando ora numa parte, ora noutra,
graves ruínas à fé, à moral, à sociedade. Dir-se-ia que tinham
chegado os tristes tempos prenunciados por São Paulo, em que os
homens, enfastiados das sãs doutrinas fechariam os ouvidos à
verdade, para abraçarem as fábulas pregadas pelos falsos doutores,
que lisonjeiam as paixões.
Foi
então que a divina Providência chamou para a Cadeira de São Pedro
o intrépido Pontífice Pio IX, o Grande, destinado a opôr um dique
poderoso à torrente invasora das más doutrinas. Os fatos aí estão,
para nos dizer, com quanto zelo energia e eficácia o denodado Chefe
da Igreja cumpriu a sua apostólica missão. Logo que subiu ao trono
pontifical, profundamente comovido e magoado à vista da procelosa
aluvião dos erros que com ruído cada vez mais medonho ameaçava a
Igreja e a sociedade, levantou alto a sua voz autorizada; e já com
cartas Encíclicas aos Bispos de todo o orbe católico, já em
alocuções pronunciadas no Consistório perante os Cardeais, já em
cartas dirigidas a Bispos particulares e até a Soberanos denunciou
os erros e os condenou, patenteando ao mesmo tempo os terríveis
males que eles causariam aos povos e à sociedade, si não fossem
logo reprimidos.
Mas
ouçamos o mesmo Pontífice, que fala deste seu trabalho apostólico
na Encíclica Quanta
cura,
que mandou a todos os Bispos do mundo, juntamente com o “Syllabus”.
Queremos que o próprio Pio IX nos declare, o que o moveu a falar por
meio desses documentos pontifícios, também para que alguém não
pense que nós carregamos demais as tintas, ao esboçar que fizemos,
ainda que ligeiramente, as sombras que dão um aspecto lúgubre e
triste ao quadro do século passado, que quer ser chamado o século
das luzes.
“Nós,
diz o Sumo Pontífice dirigindo-se aos Bispos, mal que, por
ocultos desígnios da divina Providência, fomos sublimado a esta
Cadeira de São Pedro, ao contemplarmos, com funda mágoa de nosso
coração, a medonha procela levantada por tantas e tão errôneas
opiniões, à vista dos prejuízos gravíssimos e nunca assaz
deplorados, que de tamanha torrente de erros vão recaindo sobre o
povo cristão; em razão do encargo do nosso Ministério Apostólico,
erguemos a nossa voz, e pela publicação de várias cartas
Encíclicas, por Alocuções pronunciadas em Consistório, bem como
em outras Letras Apostólicas, condenamos os principais erros que ora
correm e despertamos a vossa exímia vigilância episcopal; e a todos
os filhos da Igreja Católica, aos quais trazemos muito dentro no
coração, uma e muitas vezes advertimos e exortamos a que
aborrecessem esses erros e trabalhassem por se furtar ao contágio de
peste assim funesta. Em modo especial na primeira Nossa Carta
Encíclica, que vos escrevemos aos 9 dias de Novembro de 1846, e em
duas Alocuções que nós pronunciamos no Consistório de 9 de
Dezembro de 1854 e de 9 de Junho de 1862, condenamos as monstruosas
enormidades de opiniões, que neste século mais que nunca assoberbam
a sociedade, com grandíssimo dano das almas e prejuízo para a mesma
sociedade civil; pois não somente elas vão de encontro à Igreja
Católica e à sua doutrina salutar, bem como a seus direitos,
merecedores do maior acatamento; se não que se opõem grandemente à
lei natural e sempiterna pelo mesmo Deus gravada no coração de
todos os homens, e à reta razão, e deles é que emanam quase todos
os demais erros”.
Desses
Atos Pontifícios, em que Pio IX desde o primeiro ano de seu glorioso
pontificado, foi sucessivamente condenando os erros do tempo,
tirou-se e formou-se, por ordem do mesmo Papa, o “Syllabus”,
o qual não é outra coisa, senão um resumo ou extrato autêntico
daqueles Atos.
Portanto, o “Syllabus”,
não contêm erros ou condenações novas, mas nele os erros já
condenados são propostos em uma forma breve e autêntica e mais
oportuna para o conhecimento de todos e para a prática.
Antes
da publicação do “Syllabus”,
a condenação daqueles erros se achava espalhada em muitos
documentos publicados em diferentes épocas e que não eram
conhecidas por todos.
Entretanto, as más doutrinas continuavam a espalhar-se e a penetrar
em todas as camadas da sociedade, produzindo: deploráveis estragos.
Pio IX, pois, a fim de tornar mais universal e mais eficaz o
conhecimento do juízo que sobre cada uma delas tinha proferido,
durante muitos anos, em vários Atos Pontifícios, mandou
fazer destes uma como recapitulação e resumo, reduzindo a breves
fórmulas os erros reprovados e condenados. Esta recapitulação,
formulada em 80 proposições, distintas e ordenadas por matérias,
com a indicação dos
documentos, dos quais cada proposição fora tirada, foi apresentada
a Pio IX, que, depois de tê-la sujeitado a longo e maduro exame,
aprovou-a, debaixo da denominação de “Syllabus”,
dando-lhe este título: – “Syllabus” contendo os
principais erros do nosso tempo, condenados nas Alocuções
Consistotiais, Encíclicas e outras Letras Apostólicas de Nosso
Santíssimo Padre, o Papa Pio IX.
Deu
então ordem ao Cardeal Antonelli, seu Secretário de Estado, que em
seu nome o remetesse aos Bispos de todo o mundo, para que vissem no
“Syllabus”, como
de um lance de vista, todos os erros e as más doutrinas por ele
proscritas e condenadas. Damos aqui na sua íntegra a Carta do
Cardeal Antonelli aos Bispos, por ser ela de grande importância,
para se conhecer a natureza do “Syllabus”,
bem como o seu valor.
Ei-la:
Ilmo.
e Revmo. Snr.
Nosso
Senhor, o Santíssimo Padre Pio IX, Pontífice Máximo, sobremaneira
solícito pela salvação das almas e pela pureza da doutrina, desde
o princípio do seu pontificado, nunca cessou, com suas Encíclicas,
Alocuções pronunciadas no Consistório e com outros Atos
Apostólicos publicados pela imprensa, de proscrever e condenar os
erros principais e as falsas doutrinas, sobretudo destes nossos
tristíssimos tempos. Como, porém, pode acontecer, que nem todos
estes Atos Pontifícios chegassem ao conhecimento de todos os Bispos,
por isto quis o Sumo Pontífice que se fizesse um “Syllabus”
dos mesmos erros e que este fosse enviado a todos os Bispos do orbe
católico, para que eles pudessem ter diante dos olhos os erros e as
doutrinas perniciosas que foram por ele proscritas e condenadas.
A
mim, pois, deu ordem de remeter a V. S. Ilma. e Revma. esse
“Syllabus”,
impresso na mesma ocasião e no mesmo tempo, em que o Sumo Pontífice,
pela extremosa solicitude que tem da incolumidade e do bem da Igreja
Católica e de todo o rebanho que pelo Senhor lhe foi confiado,
julgou dever escrever outra Carta Encíclica a todos os Bispos
católicos.
Assim pois, em cumprimento das ordens do mesmo Pontífice, com a
prontidão e veneração que devo, remeto a V. S. Ilma. e Revma. o
dito “Syllabus”,
juntamente, com essa Carta. E enquanto folgo de atestar e confirmar
os meus sentimentos de veneração para com V. S. Ilma. e Revma. peço
a Deus todo poderoso lhe conceda toda sorte de bens e felicidades.
De
V. S. Ilma. e Revma.
Servo
humilde e dedicado
J.
CARDEAL ANTONELLI
Roma,
8 de Dezembro de 1864.
Esta
carta de suprema autoridade, escrita por ordem e em nome do Papa,
explica admiravelmente o que é o “Syllabus”.
Pois por ela se tornam patentes as coisas seguintes:
1º
O “Syllabus”
é o resumo ou recapitulação dos erros principais dos nossos
tempos, condenados por Pio IX em documentos públicos, Cartas
Encíclicas, Alocuções Consistoriais, etc.
2º
O resumo dos erros condenados, isto é, o “Syllabus”,
foi feito por ordem e debaixo das vistas de Pio IX, e por ele
aprovado, como contendo fielmente os erros por ele condenados.
3º
Enfim, esse resumo, ou “Syllabus”,
foi por ordem e em nome do Santo Padre mandado aos Bispos de todo o
orbe católico, que são os doutores e pastores dos fiéis, para que
conhecessem clara e autenticamente quais são os erros e as doutrinas
modernas condenadas pela Santa Sé, e sobre as quais devem prevenir
as suas ovelhas.
É
pois manifesto, como no princípio dissemos, que o “Syllabus”
é um documento doutrinal, contendo os erros principais da
nossa época, proposto pelo Sumo Pontífice Pio IX a toda a Igreja,
para que sirva de norma e direção nas questões religiosas que se
agitam na sociedade.
Conhecido
o que é o “Syllabus”,
resta examinar mais acuradamente, qual é o seu valor e a sua
autoridade e qual, por conseguinte, a obrigação dos fiéis de
aceitá-lo e conformar-se com ele. Mas antes disto, é necessário
dizer alguma coisa sobre a história do “Syllabus”,
pois isto nos servirá grandemente para conhecermos melhor o que ele
é, e nos há de abrir e aplanar o caminho para a demonstração do
seu valor.
CAPÍTULO
SEGUNDO
HISTÓRIA
DO “SYLLABUS”
A
melhor apologia do “Syllabus”
é a sua história. Vamos, pois, resumi-la. Nós o faremos apoiados
em documentos de autenticidade irrefragáveis, todos publicados pela
imprensa. Seremos breves, tocando apenas as datas e os fatos
principais das fases por que passou o “Syllabus”,
antes e depois da sua publicação.
§
I
ELABORAÇÃO
E COMPILAÇÃO
DO
“SYLLABUS”
O
“Syllabus”
foi enviado aos Bispos do orbe católico em Dezembro de 1864. Mas já
faziam muitos anos, que a sua compilação preocupava o espírito do
zeloso Pontífice Pio IX. Desde o princípio do ano de 1852 tinha ele
mandado fazer estudos especiais sobre o assunto, encarregando da
direção dos trabalhos o Eminentíssimo Cardeal Fornari, que então
ocupava o cargo de Presidente da Pontifícia Congregação dos
Estudos.
Longos
e aturados foram estes trabalhos, continuados com afinco e ardor
sempre crescente nos doze anos que passaram até a publicação do
seu último resultado. Recordando esses prolongados estudos, nos
quais tomaram parte homens eminentes em virtude e saber, hão de
ficar satisfeitos e consolados os católicos dóceis aos ensinos da
Santa Sé, vendo o extremo cuidado com que procede a Igreja no ensino
e direção de suas ovelhas; ao passo que hão de ficar confundidos e
envergonhados, aqueles que, ou por prejuízos mal fundados, ou por
indesculpável credulidade, se deixaram levar a censurar e deprimir o
“Syllabus”,
como obra lançada ao público sem estudo e consideração.
Mas
vamos à história.
A
fim de se coligirem e prepararem os materiais para os estudos que se
haviam de fazer, quis o Sumo Pontífice, que fossem consultados e
ouvidos não só Cardeais, Bispos e outros eclesiásticos, doutores
em ciências teológicas e canônicas, mas também, seculares
versados nas ciências jurídicas, políticas e sociais, e até os
publicistas de maior nomeada. Entre estes foram contemplados o conde
Avogadro dela Motta e Luiz Veuillot.
O
conde Avogadro dela Motta foi um dos mais célebres estadistas do
Piemonte, no reinado de Carlos Alberto, e escritor de obras jurídicas
de grande monta. Prima entre elas a que se intitula: – A
teoria do casamento –,
em quatro volumes, obra talvez a mais distinta, quer pela riqueza dos
documentos entre todas as que foram publicadas em nossos dias sobre
este assunto.
Luiz
Veuillot é bastante conhecido em toda parte pela sua erudição e
ilustração, e sobretudo, pela sua firmeza nos princípios católicos
e pelo seu zelo e vigor em combater as doutrinas contrárias ao
espírito da Igreja, debaixo de qualquer forma que elas se
apresentassem. Damos em nota a carta que o Cardeal Fornari lhe
escreveu, porque nela aparece a sabedoria e prudência com que
procedia a Santa Sé nestes estudos.
O
Cardeal enviou a todas as pessoas escolhidas uma circular, na qual
manifestava o pensamento do Papa e as convidava a fornecer todas as
indicações que julgassem úteis para o fim que se tinha em vista. E
para que estas primeiras indicações fossem mais úteis para os
estudos posteriores, transmitia também a cada uma um elenco dos
pontos que haviam de seguir na indicação dos erros e nas
observações que tivessem de fazer.
Tendo
o Cardeal recebido as respostas dos Bispos e das outras pessoas
consultadas, redigiu em catálogo todas as proposições ou erros
apontados como dignos de serem condenados, e para facilitar o estudo
e o exame dos mesmos, dividiu-os em 28 grupos. Estas proposições,
com todas as observações feitas por todas as pessoas consultadas,
foram distribuídas aos membros das Congregações Romanas, as quais
como é sabido, são compostas de pessoas escolhidas entre as mais
eminentes em ciência do Clero secular e regular.
Em
1854 aos membros dessas Congregações foi incorporada uma
distintíssima Comissão de teólogos, a mesma que tinha sido criada
para fazer os estudos preparatórios
para a definição do Dogma da Imaculada Conceição de Maria
Santíssima. Pois, proclamado solenemente este dogma no dia 8 de
Dezembro desse ano, o Santo Padre não quis que a Comissão fosse
dissolvida, mas ordenou que passasse a ocupar-se ela também do exame
encetado sobre os erros dos nossos tempos.
Os
trabalhos de todos estes teólogos eram discutidos em Congregações
gerais, e depois de aprovados e convenientemente formulados,
entregues ao Sumo Pontífice. Pio IX servia-se deles também na
elaboração de outros Atos Apostólicos nos quais ia condenando
sucessivamente os erros que careciam de mais pronto remédio.
Em
1860 Pio IX mandou imprimir uma lista de 75 Proposições, contendo
os erros principais da nossa época, divididos em onze grupos. Ao
mesmo tempo nomeou, para examiná-los, uma nova Comissão composta de
três teólogos, sendo um deles Prelado de Sua Santidade,
outro Religioso da Ordem de S. Domingos, o terceiro da Companhia de
Jesus.
Esta Comissão era presidida pelo eruditíssimo Cardeal Propero
Caterini, Prefeito da Congregação do Concílio, tendo por
Secretário o então Monsenhor Ludovico Jacobini, mais tarde Cardeal
e Secretário de Estado de Sua Santidade.
As
proposições sobreditas, depois de discutidas pela Comissão em
várias reuniões, foram retocadas e, assim modificadas, o Cardeal
Caterini as mandou aos teólogos de várias Congregações, sob este
título “Syllabus” de proposições, (Syllabus
propositionum), ordenando que cada um desse, sobre elas, o seu
voto fundamentedo.
Sendo
recolhidos os votos dos teólogos, o Santo Padre aumentou o número
dos membros da Comissão, escolhendo-os entre todas as classes
eclesiásticas, Bispos, Monsenhores, cônegos e religiosos das Ordens
dos Beneditinos, Dominicanos e Jesuítas. A cada membro desta
Comissão o Cardeal Caterini a 2 de Agosto do mesmo ano de 1861,
enviou, em nome de Sua Santidade, as mesmas proposições, já com
este título mais explícito: Syllabus de proposições, nas quais
se contêm os principais erros dos nossos tempos. – Às
proposições do “Syllabus” juntava também alguns dos
votos dados pelos teólogos, e ordenava que tornassem a examiná-los
particularmente no tocante ao grau de condenação que a cada erro se
devia infligir, a fim de ser discutido este ponto nas reuniões que
seriam marcadas.
A
Comissão se reuniu com efeito a 10 de Setembro, e continuou suas
sessões, até ter passado novamente a exame todas as proposições,
e determinado a censura teológica que cada uma merecia.
Nestas
últimas sessões foram ainda apresentadas algumas dúvidas e
observações sobre aluns pontos. Procedeu-se pois a novos estudos,
os quais foram examinados e discutidos em outra série de reuniões
que tiveram lugar em Novembro do mesmo ano. Nelas deu-se como que o
último retoque à redação de todas e de cada uma das proposições,
bem como da censura teológica que lhe convinha.
Esta
longa série de estudos, sobre a condenação dos erros modernos,
feitos pelas pessoas mais competentes, parece já mais que
suficiente, para que a Santa Sé pudesse proceder a um ato
definitivo. Contudo, Pio IX ainda não ficou satisfeito. Em 1862,
achando-se em Roma mais de 300 Bispos, para assistirem à solene
Canonização dos Mártires do Japão, quis o Sumo Pontífice que
todos eles fossem consultados. Portanto, o Cardeal Caterini,
Presidente da Comissão daqueles estudos, por ordem e em nome do
Papa, remeteu a cada um dos Bispos, Arcebispos e Patriarcas presentes
em Roma, o elenco das proposições com a censura que a cada uma
tinha sido aplicada. Ao mesmo tempo lhes mandava, que feito sobre
elas maduro exame, dessem o seu parecer sobre cada uma das
proposições, e dissessem o que pensavam sobre a oportunidade da
condenação, quer em geral, quer a respeito de cada proposição em
particular; que acrescentassem também, si julgavam que outras
proposições, além das indicadas deviam ser condenadas e com qual
censura. Impunha-se a todos rigoroso silêncio; dava-se, porém, a
cada um a faculdade de servir-se nesse exame de auxílio de um
teólogo, que ficaria sujeito ao mesmo segredo; enfim, dentro de dois
ou três meses, deviam mandar as suas respostas ao mesmo Cardeal.
Nas
respostas os Bispos foram geralmente concordes em aprovar a
condenação das proposições. Alguns fizeram observações sobre
certos pontos acidentais. Estas observações não deixaram de ser
atendidas e aproveitadas. Atesta-o, entre outros, o Cardeal de
Canossa, Bispo de Verona, em uma carta que dirigiu ao jornal L’Unitá
cattolica, de Turim, para refutar uma calúnia atirada pela
imprensa liberal contra o “Syllabus”: – “Eu,
diz o Cardeal, fiz somente duas ligeiras observações, que foram
imediatamente admitidas. E digo isto não por vanglória, mas para
mostrar, que não era por simples cerimônia, que a Santa Sé
reclamava o auxílio dos outros”.
Todos
estes estudos e trabalhos, feitos por mais de dez anos, por tantos
teólogos e Bispos com o auxílio das Congregações Romanas, foram
aproveitados para a última redação do “Syllabus” e para
determinar a forma definitiva, que foi finalmente adotada por Pio IX
e mandada a todos os Bispos do orbe católico. A coleção destes
estudos, que forma um grande número de volumes, foi por ordem do
mesmo Pio IX, transmitida à Congregação do Santo Ofício, em cujo
arquivo se conserva, juntamente com tudo o mais que diz respeito ao
“Syllabus”. Mas passemos enfim à última redação do
mesmo.
Depois
do parecer unânime dos 300 Bispos reunidos em Roma em 1862, ficou
assentada a publicação das proposições condenadas. Então Pio IX
nomeou uma Comissão especial de teólogos para compilar a redação
definitiva.
A
Comissão foi encarregada de examinar todas as proposições
denunciadas desde o ano de 1852, com os votos e as observações
feitas pelos doutores, teólogos e Bispos, e cotejá-las com as
Letras Apostólicas e outros Atos pontifícios de Pio IX, nos quais
havia condenados os erros dos nossos tempos. Trabalhou a Comissão em
repetidas reuniões por mais de um ano, e enfim apresentou ao Sumo
Pontífice um catálogo de 80 proposições, divididas em 10
capítulos, juntando a cada uma a indicação do documento pontifício
em que a condenara. E são estas as proposições que compõem o
“Syllabus”, adotado por Pio IX e mandado por sua ordem e
em seu nome a todos os Bispos do orbe católico, no dia 8 de Dezembro
do ano de 1864, com este título: “Syllabus”, contendo os
principais erros do nosso tempo, condenados nas Alocuções
Consistoriais, Encíclicas e outras Letras Apostólicas de Nosso
Senhor, o Santíssimo Padre e Papa Pio IX.
Tal
é em resumo a história da elaboração e compilação do
“Syllabus”, conforme os documentos da maior autenticidade,
que podem ser verificados e consultados por todos.
A
esta simples exposição de fatos não julgamos necessário
acrescentar comentários. Pois nos parece que por eles fica provado a
toda evidência, que o “Syllabus” é o resultado de um
estudo longo, acurado, profundo, consciencioso, feito pelas pessoas
mais habilitadas e competentes, sobre os materiais e documentos que o
assunto requeria.
§
II
PROMULGAÇÃO
DO “SYLLABUS”
Acabada
e aprovada a última redação do “Syllabus”, Pio IX fez
ainda e mandou fazer orações para alcançar pelo favor de Deus o
resultado que tinha em vista. Quis também colocá-lo debaixo da
proteção de Maria Santíssima, escolhendo para a sua publicação o
dia da festa da Imaculada Conceição.
Nesse
mesmo tempo escreveu Pio IX a Encíclica Quanta cura, na qual
condena outros erros que tem relação com algumas das proposições
do “Syllabus” e da qual por isto mais adiante teremos de
falar.
Estando
assim tudo preparado, deu ordem ao Cardeal Antonelli, seu Secretário
de Estado, que enviasse a todos os Bispos do orbe católico o
“Syllabus”, juntamente, com a Encíclica Quanta cura.
O Cardeal deu cumprimento à ordem do Sumo Pontífice, acompanhando a
remessa dos dois Atos Pontifícios com uma carta, em data de 8 de
Dezembro de 1864. Nesta carta, dando conta aos Bispos da ordem
recebida do Papa, declara, entre outras coisas, que o “Syllabus”
é um resumo dos erros modernos, que o próprio Pontífice mandou
extrair dos seus Atos, nos quais os condenara, e o mandava assim
redigido a todos os Bispos do mundo, para que tivessem diante dos
olhos os principais erros e doutrinas perniciosas por ele
sucessivamente proscritas e condenadas.
Já
temos dado o texto desta carta importantíssima.
Pio
IX, enviando o “Syllabus” aos Bispos, exercia o cargo, de
que foi incumbido por Jesus Cristo, de ensinar aos povos, e
preveni-los contra os erros e as falsas doutrinas: Pasce oves
meas.
Os
fatos subsequentes vieram demonstrar, que bem-avisado andou o Papa,
ou melhor, que foi providencialmente inspirado por Deus, dando em
tempo tão oportuno ao mundo católico este código admirável dos
erros modernos, que se chama “Syllabus”.
O
aparecimento do “Syllabus” é um daqueles acontecimentos,
que marcam uma época das mais salientes na história dos combates
entre a Igreja e os inimigos da doutrina de Jesus Cristo. Mostra-o
claramente a maneira com que foi ele acolhido, de um lado pelos
Bispos de todo o mundo, de outro pelos ímpios de toda casta, bem
como pela imprensa liberal e pelos governos que se regem pelos
princípios das Sociedades modernas.
Os
Bispos de todas as partes do mundo, logo que receberam o “Syllabus”,
escreveram ao Papa, manifestando-lhe a sua satisfação e seu
agradecimento por este Ato Pontifício, tão apropriado às
necessidades do povo e da época. Reconhecem nele a palavra infalível
do Sucessor de São Pedro, do Vigário de Jesus Cristo. Como tal o
recebem, o aceitam, o veneram, e o tomam como regra e norma da sua
conduta na direção dos fiéis, aos quais prometem que hão de
comunicá-lo em nome do mesmo Papa e explicá-lo, e estão certos,
que todos os fiéis, assim como eles mesmos seus Bispos e seus
Pastores, condenarão e anatematizarão tudo aquilo que a Santa Sé
condena e anatematiza. Assim escreveram todos os Bispos, uns em
separado, outros coletivamente reunidos em seus Arcebispados e
Patriarcados.
Seja-nos
lícito transcrever aqui, como amostra, um trecho da carta coletiva
enviada a Pio IX pelos Bispos de Moderna e Parma: – “Santíssimo
Padre, nada podia dar-se mais conveniente e oportuno, que a vossa
Encíclica e o ‘Syllabus’. Pois neste se apresentam reunidos em
um só corpo e se põem novamente à vista de todos, os principais
erros que já foram por Vossa Santidade várias vezes censurados e
proscritos. Portanto, os católicos de boa vontade e de coração
simples, que no meio da atual perversão de todas as coisas
entre tantas mentiras podiam ser arrastados ao erro, por não
conhecerem ou já terem esquecido as precedentes condenações, ou
não penetrarem até ao fundo, nem perceberem plenamente a enormidade
do veneno dos erros modernos, que ainda não tinham sido condenados
pelo juízo da Sé Apostólica,
agora admoestados pela vossa voz, fugirão dos embates e, instruídos
em tempo, ficarão de sobreaviso, para que não sejam seduzidos, nem
decaiam de sua firmeza.
Nós, pois, aderindo do mais íntimo do nosso coração à Cátedra
de Pedro, não só condenamos, proscrevemos e reprovamos os erros
pestilenciais, que Vós, Beatíssimo Padre, condenais, proscreveis e
reprovais senão também, como de nós exige o nosso cargo,
cuidaremos com todo o empenho e diligência, que os povos a nós
confiados rejeitem e detestem os mesmos erros, e prestando obséquio,
com a devida reverência, a Vosso supremo juízo, nunca se desviem da
verdade católica”.
No
mesmo teor escreviam ao Papa os Bispos de todas as partes do mundo,
manifestando sua plena adesão ao “Syllabus” e à
Encíclica, e declarando que reconheciam neles a palavra do Mestre
infalível da Igreja, segundo a qual haviam sempre de instruir e
dirigir os fiéis e combater os erros.
Mas
os sentimentos de adesão e respeito dos Bispos aos Atos e Decisões
da Santa Sé brilharam de mais viva luz na atitude digna e corajosa
que tomaram em frente aos governos, que tentaram pôr embargos à
publicação do “Syllabus”, como mais adiante veremos.
Mal
acabavam os Bispos de receber o “Syllabus”, e logo por
toda a parte começou a correr o boato, que o Papa excomungara o
Liberalismo e a Sociedade Moderna. Nem tardou muito, que alguns
jornais, mesmo antes da promulgação oficial feita pelos Bispos,
publicaram o “Syllabus”, que foi lido com curiosidade
frenética. É impossível imaginar, quanto mais descrever, a raiva
de que se mostraram possuídos os inimigos da Igreja, e sobretudo os
adeptos da nova escola que se chama católico-liberal. Sinal
evidente, que o Papa tinha posto o dedo na chaga viva e sangrenta
dessa imprensa, que pretende ser representante legítima da Sociedade
Moderna.
Pungidos pois ao vivo, em lugar de reconhecer a mão salutar do
médico que queria curar, voltaram contra ele toda a raiva e o
despeito. Não pouparam mentiras, nem calúnias, nem injúrias, ainda
as mais vis e abjetas, para desacreditar o “Syllabus” e
estigmatizar seus supostos autores, os Jesuítas! Pudera não?! –
Não satisfeitos com palavras e ameaças, apelavam para os governos,
exigindo que proibissem a publicação oficial do “Syllabus”
e da Encíclica. – E eram os fautores da liberdade de opinião, da
palavra e da imprensa, os que isto pediam! E o pediam a governos, que
se dizem livres, fundados nos princípios das liberdades modernas e
defensores de toda liberdade! Mas este é o vezo hoje em dia muito
comum entre os apregoadores das liberdades modernas. Quantas vezes
temos visto, em nome da liberdade, tolher-se e sufocar-se a
manifestação livre do próprio pensamento!
E
que fizeram então os governos, quase todos infeccionados dos
princípios que o “Syllabus” condena?
A
Espanha não pôde fazer oposição aberta à publicação do
“Syllabus”; sendo isto devido principalmente à
experimentada firmeza do Episcopado e do Clero espanhol. Portanto, o
governo achou melhor mandar aos Bispos, sem que estes o pedissem,
autorização para publicar o “Syllabus”.
Na
Áustria os incrédulos e revolucionários, que faziam parte do
governo ou tinham alguma influência nele, tentaram fazer pressão na
Corte. Mas o Imperador Francisco José, não permitiu que se fizesse
contra a Igreja um ato, que ia de encontro a artigos expressos da
Concordata, que pouco antes tinha celebrado com a Santa Sé.
Não
aconteceu o mesmo na França e na Itália, cujos soberanos estavam
acostumados a guerrear os Bispos e a Igreja, sobretudo quando
ensinassem doutrinas que lhes contrariassem os princípios e os atos.
Na
França, pois, no dia 1º de Janeiro de 1865, o Ministro Guarda-Selos
de Napoleão III, mandou a todos os Bispos uma circular, proibindo a
impressão e promulgação da Encíclica e do “Syllabus”.
Esta circular provocou protestos da parte de muitos Bispos, e desta
maneira o povo veio a conhecer melhor a natureza e o valor do
“Syllabus”, e lê-lo nos jornais que o publicavam.
Os
Bispos, respondendo ao Ministro, lhe mostravam como aquela ordem,
além de ímpia, injusta e contraditória, era inútil e ridícula.
Com efeito, era inútil e ridículo proibir aos Bispos de publicar o
“Syllabus”, enquanto os jornais o publicavam. Era um ato da mais
flagrante injustiça, deixar que os inimigos da Igreja o
interpretassem a seu talante, torcendo-lhe o sentido e cobrindo-o de
injúrias, e ao mesmo tempo proibir de falar nele aos Bispos, aos
quais tinha sido confiado, e que, por dever do seu ofício, deviam
comunicá-lo e explicá-lo aos fiéis.
“Esses
atos do Sumo Pontífice, (escrevia o Arcebispo Chambrai ao Ministro
Baroche) já estão nas mãos de todos os fiéis; pois já se acham
publicados nos jornais, que desde muitos dias, andam fazendo sobre
ele os seus comentários em todos os sentidos. Que seja permitido aos
incrédulos de todos os matizes e aos hereges de todas as seitas
publicar e censurar esses Atos, procedentes da autoridade mais
veneranda que existe sobre a terra, sem que o governo possa ou queira
inibi-lo; nós o podíamos portar em paz. Mas, o que temos de achar
excessivamente anormal, é que, entre todos os cidadãos franceses,
entre os ministros de todos os cultos reconhecidos em França, nós,
os Bispos católicos, sejamos os únicos, a quem foi proibido,
comunicar aos nossos diocesanos, por falta de autorização do
governo, documentos que pertencem a nós e aos fiéis da nossa
comunhão.
Os
ministros dos cultos dissidentes têm plena liberdade, para em toda a
extensão da nossa Diocese e até na porta das nossas Catedrais, com
seus folhetos e com suas pregações, comentar como quiserem esses
documentos, e até alterá-los a se bel-prazer; podem mesmo, sem sair
da legalidade, transmiti-los, por meio de qualquer vendedor da rua
por eles pago, não só a seus correligionários, mas também a nós
católicos; e nós seremos os únicos, que não podemos falar, até
que uma licença imperial nos venha abrir a boca!
Esta
é uma anomalia tão saliente, que não pode durar muito tempo. A
igualdade de direitos perante a lei cessaria em dano nosso, e a este
respeito haveria manifestamente, para o Catolicismo, tropeços, em
lugar de proteção.
Acrescentarei
ainda, sr. Ministro, que esta medida restritiva da liberdade para
nós, nos causa tanto maior maravilha e tristeza, quanto a difusão
das doutrinas anticristãs na atualidade encontra menores obstáculos.
Com efeito, hoje, cada um tem a liberdade de, quantas vezes quiser,
negar o próprio Deus e fazer propaganda de ateísmo com escritos,
aos quais pode dar toda a publicidade que lhe aprouver. E será ser
exigente demais, reclamar a mesma liberdade para o ensino católico?
A
interdição formulada por V. Excia. a respeito da Encíclica e do
“Syllabus”, tem um caráter de gravidade tão excepcional,
que a ninguém pode passar desapercebida. Pois ela é lançada não
contra uma prescrição disciplinar qualquer, mas contra uma
instrução doutrinal do Sumo Pontífice.
Enfim,
sr. Ministro, embora em quaisquer circunstâncias e em qualquer parte
se ponha embargo as comunicações do Vigário de Jesus Cristo com os
fiéis, que por missão divina devem instruir e dirigir em toda a
terra, nunca em parte alguma nem em caso algum poderão os governos
humanos tirar às suas palavras a força de ligar as consciências,
nem fazer cessar nos Bispos a obrigação de transmitir, quanto lhes
couber, essas instruções aos seus diocesanos”.
No
mesmo teor responderam os outros Bispos, e alguns acrescentaram, que
esperavam uma ocasião mais propícia, que cedo havia de chegar, para
publicar aos fiéis com toda liberdade e franqueza os Atos
Pontifícios.
Mas
o Cardeal Mathieu, Arcebispo de Besançon e o Bispo de Moulin não
quiseram esperar por essa ocasião. No dia 8 de Janeiro, que caiu em
um Domingo, ambos, não obstante a proibição do Ministro, subiram
aos púlpitos de suas Catedrais e fizeram ao povo a leitura da
Encíclica e do “Syllabus”, acompanhando-a com uma
fervorosa alocução: – Ubi Petrus, ibi Ecclesia, exclamou o
Bispo de Moulin; Roma locuta est, causa finita est.
“E
querendo nós, acrescentou, dar
público testemunho da nossa adesão às verdades definidas na
Encíclica e da nossa absoluta reprovação dos erros enunciados no
‘Syllabus’, julgamos de nosso dever, fazer nós mesmo,
pessoalmente, do alto do púlpito da nossa Igreja Catedral, a leitura
desses documentos, em sinal de submissão a esta palavra, que ata e
desata e cujo direito privativo pe de nunca ser atada”.
Ambos
estes Bispos foram acusados perante o Conselho de Estado e por
decreto, assinado por Napoleão III, declarados incursos no crime de
abuso.
O
intrépido Bispo de Poitier, Monsenhor Pie, depois Cardeal, publicou
o “Syllabus” em
uma Pastoral aos seus diocesanos; e essa Pastoral foi louvada por
Monsenhor Chigi, Núncio Apostólico em Paris. O governo quis
vingar-se do Núncio, mandando queixa à Santa Sé contra ele, por
meio do seu Ministro em Roma, porque, diz o despacho, tinha-se
dirigido aos Bispos franceses, apreciado e dirigindo o seu modo de
proceder a respeito do governo imperial.
Mas
bem cedo o governo teve de persuadir-se que com tais medidas severas
e arbitrárias nada conseguia. Pelo contrário, o “Syllabus”
se tornava cada vez mais conhecido e até se dava mais azo aos
católicos de espalhá-lo, comentá-lo e defendê-lo. Pelo que
desistiu de qualquer violência e a proibição pouco a pouco foi
caindo em esquecimento.
Também
na Itália o sr. Vacca, Ministro Guarda Selos do rei Vítor Emanuel,
mandou uma circular que é quase uma cópia da de Mr.
Baroche, proibindo a publicação da Encíclica e do “Syllabus”.
Mas
os Bispos, longe de curvar-se ou mostrar-se intimidados, defenderam
com tanto zelo e coragem os direitos da Igreja, que mereceram
especiais encômios de Pio IX
em pública Alocução no Consistório. Responderam logo, mais ou
menos, como os Bispos da França. Acrescentavam mais, que se o
governo não quisesse dar a
autorização, eles sempre haviam de publicar os documentos que o
Sumo Pontífice lhes mandara. E davam a razão: “A
Encíclica e o “Syllabus”
(diziam, por exemplo, os Bispos das Marcas) referem-se a
coisas, que, pela sua intrínseca natureza, estão fora do alcance de
qualquer influência do poder civil… E como poderiam os Bispos,
cônscios do seu sublime Ministério, descer a tamanha baixeza, de
pedir permissão, para exercitar o Ministério que lhes vem de Deus?”
“Pensa
acaso V. Excia., diziam os
Bispos das Romanhas, que nós, esquecendo de repente os
nossos deveres mais sagrados, vamos entregar as mãos às cadeias e
pedir a V. Excia. a regra e a medida, para apascentarmos o nosso
rebanho com a palavra de Cristo?
Somos,
pela graça de Deus, Bispos católicos e nunca, com o auxílio do
Céu, aviltaremos o poder que Jesus Cristo nos conferiu e de cujo
exercício havemos de dar um dia severíssima conta”.
Os
Bispos de Nápoles e Sicília fizeram uma carta coletiva, em forma de
protesto, assinado por mais de cem Arcebispos, Bispos e Vigários
capitulares e a dirigiram ao próprio rei Vítor Emanuel.
O
Ministro do rei viu que não podia sustentar com vantagem e honra a
proibição. Portanto, obteve um decreto real, datado de 6 de
Fevereiro, permitindo a publicação da Encíclica e o do “Syllabus”.
Mandou-o aos Bispos, acompanhando-o
com uma circular, a qual, ao passo que faz grande honra aos Bispos,
que pela sua firmeza e coragem obrigaram o governo a recuar, coberto
de confusão o ministro que em vão se esforçou, com razões e
frases mal cabidas, por encobrir e coonestar a sua indecorosa
retirada.
Mas
sempre quis saborear o triste prazer de mesquinhas vinganças.
Portanto, cinco dias depois do decreto, que revogava a proibição,
mandou condenar o virtuoso e zeloso Bispo de Mondovi, Monsenhor
Ghilardi, da Ordem dos Dominicanos, a três meses e meio de prisão,
por ter publicado, antes daquela data, a Encíclica e o “Syllabus”.
Continuou, ainda depois de a vexar, sob vários pretextos, os Bispos
que se mostraram mais corajosos, alguns dos quais sofreram o desterro
ou a prisão. Mas estas cruéis perseguições, desafogo de raiva mal
contida, nada valeram, para impedir ou diminuir o triunfo da verdade
e a glória dos Bispos.
Nesta
ocasião todo o mundo teve de admirar, no Episcopado católico, a sua
união à Cadeira de Pedro, o seu zelo pastoral,
a sua firmeza apostólica. Esta atitude magnânima dos Bispos encheu
de consolação o coração do Sumo Pontífice Pio IX, que não pode
deixar de patentear o seu pleno contentamento na Alocução que
dirigiu aos Cardeais no Consistório público de 5 de Maio do mesmo
ano de 1865. Transcrevemos aqui as suas nobres palavras, não só
como um documento pertencente à história do “Syllabus”,
mas também como um monumento imperecível de glória para o
Episcopado católico do século décimo nono.
“Não
podemos deixar, disse Pio IX aos
Cardeais, de tributar, perante esta assembleia, luminosos e
bem merecidos louvores aos nossos Veneráveis Irmãos, os Bispos do
orbe católico, os quais, em face de tamanha conjuração contra a
nossa Santa Religião e da deplorável depravação de tantos homens,
nos fornecem continuamente, no meio de nossas grandes amarguras,
motivos cada dia mais copiosos de prazer e consolação. Com efeito,
estes Veneráveis Irmãos, aderindo do fundo da alma, como amor e
respeito admirável para conosco, a esta Cadeira de Pedro, Mãe e
Mestra de todas as Igrejas, não se deixam atemorizar por nenhuma
sorte de perigos, afrontam todo respeito humano, não fazem conta
alguma dos decretos injustos do poder civil, contrários à Igreja,
fazem consistir sua maior glória em defender e vingar corajosamente,
assim pela palavra como por escrito, a verdadeira unidade católica,
o Nosso Poder, a Nossa Autoridade, os Nossos Direitos e os da Igreja
e da Sé Apostólica. Julgam-se felizes, rejeitando e condenando,
clara e publicamente (quer nas cartas que recentemente nos têm
escrito, quer nas que eles têm dirigido aos fiéis confiados aos
seus cuidados), tudo quanto Nós condenamos, opõem corajosamente a
força Sacerdotal aos condenáveis desígnios e esforços de homens
inimigos e em apascentar suas ovelhas com a sã doutrina e guiá-las
pelo caminho da fé.
São
dignos, em modo especial, destes elogios os Nossos Veneráveis
Irmãos, os Bispos da Itália; pois ainda que expostos a violentas
perseguições e injúrias de seus inimigos e vexados em mil
maneiras, desempenham corajosamente o seu Ministério e não deixam
de levantar unânimes a sua voz episcopal, reclamando e protestando
energicamente contra todas as leis reprováveis e injustas, que o
governo subalpino tem decretado em detrimento da Igreja, de suas
sagradas instituições, de seus Ministros e de seus direitos, bem
como contra atos sacrílegos tantas vezes praticados por esse mesmo
governo. Sim, os Bispos da Itália combatem por Cristo e pela sua
Igreja com uma coragem e constância digna de admiração, cuidam da
salvação do seu rebanho, não temem nem o exílio, nem a prisão,
nem qualquer outra pena, seguindo assim o exemplo dos Apóstolos, que
saíam jubilosos do conspecto do Concílio, porque tinham sido tidos
por dignos de sofrer contumélias pelo Nome de Jesus.
Nós
pois, ao passo que deploramos do fundo d’alma os amargos
sofrimentos desses nossos Veneráveis Irmãos, associando-nos às
suas penas e misturando as nossas com as suas lágrimas, damos
humilíssimas graças ao Pai amorosíssimo das misericórdias e ao
Deus de todas as consolações; vendo como esse episcopado católico,
por uma visível assistência da divina graça, tem mostrado tão
firme adesão a Nós e a esta Santa Sé e animado de um vigoroso
espírito de fé, combate virilmente pela defesa da Santa Igreja”.
CAPÍTULO
TERCEIRO
VALOR
DO “SYLLABUS”
A
breve notícia que temos dado do “Syllabus”,
expondo a sua preparação, a sua publicação e os seus primeiros
efeitos, abre-nos o caminho para a clara inteligência e demonstração
de seu valor. Antes, já em certo modo o manifesta. Pois a longa
série dos trabalhos feitos na preparação do “Syllabus”,
mostram que esse documento, humana e cientificamente considerado, é
fruto de um acurado e profundo estudo. O modo e as circunstâncias da
sua publicação tornam patente a todos, qual é o seu valor, e qual
o uso que dele devem fazer os católicos. Enfim, os primeiros efeitos
que ele produziu, quer entre os fiéis, quer entre os inimigos da
Igreja, põem em evidência, como foi bem acertada a sua redação e
oportuno o tempo em que foi promulgado.
Mas
convém desenvolver um pouco mais este ponto. E para maior clareza
distinguiremos no “Syllabus”,
um tríplice valor: o
valor doutrinal, o valor moral, o valor prático.
1º.
Valor Doutrinal do “Syllabus”.
– Não consideramos agora o valor doutrinal do “Syllabus”
sob o ponto de vista puramente científico. Pois sob este aspecto já
é manifesto o seu valor pelo que temos dito no 1º parágrafo do
capítulo precedente. Porquanto o “Syllabus”,
é o resultado de um exame e estudo acurado, profundo, consciencioso,
feito pelo espaço de 12 anos, por pessoas doutas e eruditas de todas
as classes e de todas as partes do mundo. Pelo que seria temeridade
imperdoável, que só se desculparia pela ignorância dos fatos,
dizer que o “Syllabus”
é uma obra feita sem bastante consideração, circunspecção e
prudência.
Aqui
consideramos o valor doutrinal do “Syllabus”
em relação à fé e à doutrina da Igreja. Neste sentido, o
“Syllabus”
tem grandíssimo valor, quer
pela extensão e importância da doutrina que encerra, quer pela sua
autenticidade e pela autoridade com que é proposto aos fiéis.
Com
efeito, o “Syllabus”
contém doutrina sobre muitos e graves assuntos da maior importância
para a fé e para a vida prática dos fiéis. Esta importância sobe
de ponto, se considerarmos, que essa doutrina define as controvérsias
que mais vivamente agitam a sociedade e o Cristianismo. Pois nela se
refutam os erros nefastos que ameaçam invadir as ciências e as
consciências, com as monstruosidades do panteísmo e do
materialismo; põem-se a salvo a fé, contra o elemento destruidor do
racionalismo e do naturalismo e dos falsos sistemas que deles
derivam; afastam-se da sociedade as perversas doutrinas do socialismo
e do comunismo, defendem-se os direitos da Igreja sobre as
consciências, sobre a moral, sobre os Sacramentos e a sua
instituição; previnem-se os fiéis contra as capciosas insinuações
de fementidas liberdades; enfim, às falsas e perigosas doutrinas que
ameaçam invadir a sociedade e até o povo católico, se opõe a voz
e a doutrina da Igreja, inspirada e assistida pelo seu Chefe
invisível, Cristo Senhor Nosso.
E
tal doutrina é da maior autenticidade, por ser ela proposta pelo
Chefe Supremo da Cristandade, o qual, por meio de seus Bispos, faz
chegar a sua voz autorizada a todos os fiéis, declarando-lhes, que a
eles se dirige pelo ofício que recebeu de Nosso Senhor Jesus Cristo,
de ensiná-los, apascentá-los e dirigi-los, e para, como Pastor
solícito e Pai amante de suas almas, afastá-los dos erros
perniciosos, com que falsos mestres pretendem corromper-lhes a pureza
da fé e dos costumes.
Na
Encíclica Quanta cura,
que o Santo Padre Pio IX enviou a todos os Bispos do orbe católico
juntamente com o “Syllabus”,
diz que nas suas Encíclicas,
Alocuções e Cartas Apostólicas, por ele publicadas precedentemente
(e das quais foram extraídas as proposições do “Syllabus”),
tinha falado em cumprimento do cargo e do ofício de apascentar as
ovelhas que Nosso Senhor Jesus Cristo tinha confiado a ele, na pessoa
de São Pedro; que nelas denunciava e condenava os erros, que como
torrente impetuosa inundavam a sociedade, causando estragos
gravíssimos. Em particular, menciona três desses documentos, nos
quais diz que condena erros monstruosos (monstruosa
opinionum portenta), que
principalmente em nossos dias campeiam no meio da sociedade, com
grandíssimo dano não só de muitas almas, mas também da sociedade
civil, e se opõem não somente à doutrina da Igreja e a seus
direitos, mas também à lei eterna, que Deus imprimiu no coração
de todos os homens, e à luz da razão. Ora, estes três documentos
constituem uma das fontes principais do “Syllabus”,
no qual são citados mais de trinta vezes. Temos pois o testemunho
autêntico do mesmo Sumo Pontífice Pio IX, declarando o valor e
autoridade das doutrinas do “Syllabus”.
Está
pois provado e averiguado, que o “Syllabus”,
pela doutrina que encerra, e pela autoridade que a propõe, é de
valor transcendental para os fiéis que têm a peito a pureza da fé
e da sua consciência, bem como a honra e a defesa da Igreja.
Mas
ouçamo-lo também da boca de um dos Bispos, na ocasião de comunicar
o “Syllabus”
a seus fiéis: – “Tudo
quanto tem o inimigo maquinado (dizia
o Bispo de Cadiz) nestes
últimos tempos, contra as coisas santas, os dogmas, Jesus Cristo e a
Igreja, tudo, tudo achareis resumido neste “Syllabus”, que de
hoje em diante há de ser considerado como o índice autorizado
do Clero, no qual em um só lance de olhos vê-se tudo quanto se tem
blasfemado e se blasfema contra Deus e a sua Igreja.
Recebei
o “Syllabus” animados daquela fé e amor à Cátedra de Pedro,
que desde os tempos apostólicos formam a vossa glória. Abri vossos
lábios para anatematizar e condenar, com Pio IX, as doutrinas da
impiedade e da rebelião contra o Céu, contidas neste admirável
documento. E se fosse possível, que um Anjo do Céu ousasse
persuadir-vos como verdade o que nele se anatematiza e condena,
anathema sit”.
2º.
Valor moral do “Syllabus”.
– Chamamos valor do “Syllabus”,
a autoridade de que ele é revestido, em virtude da qual há de ser
acatado por todos os fiéis e os obriga em consciência a aceitá-lo
e conformar-se com ele.
Na
verdade, o “Syllabus”,
é proposto aos fiéis
pelo Sumo Pontífice, como assentado na Cadeira de Pedro, e daí,
como Mestre e Doutor que os ensina; como Pastor, que os dirige; como
Chefe Supremo e Infalível da Igreja, lhes manda, em nome de Jesus
Cristo, condenar o que ele condena. A
este poder moral, a esta autoridade verdadeiramente divina, maior que
a qual não existe outra na terra, e nem se quer igual, não há
força humana que lhe possa negar sujeição. Por esta autoridade o
“Syllabus”
é proposto aos fiéis, e
estes não lhe podem recusar a adesão, a sujeição e obediência,
sem se declararem rebeldes ao seu Mestre, ao seu Pastor, ao seu Chefe
Supremo, e até a Jesus Cristo que lhes fala pela voz do seu Vigário
na terra. – “Declaramos,
escrevia o Bispo de Tarantásia ao seu Clero, que
esta sentença doutrinal tem toda a sua força obrigatória para as
consciências cristãs; que ela será a regra invariável de nosso
ensino; que nossa íntima convicção é, que ninguém pode
contradizê-lo, sem faltar gravemente à autoridade da Igreja”.
Da
mesma maneira falaram todos
os Bispos, que nas suas pastorais, comunicando o “Syllabus”
aos fiéis, com eloquentes palavras demonstravam e explicavam a sua
autoridade e o seu valor. Ouçamos, por exemplo, o Cardeal
Trevisanato, Patriarca de Veneza e Primaz da Dalmácia: – “Antes
de tudo, diz ele,
declaramos abertamente,
que aderimos plenamente e de coração a todas as regras de fé e às
afirmações doutrinais anunciadas pelo Nosso Santo Padre Pio IX e
condenamos o que ele condena. Daí, como Pastores das vossas almas,
insistimos e protestamos perante o Céu e a terra, ser um dever
supremo de todos os católicos, submeter-se inteiramente, com humilde
e filial docilidade de inteligência e vontade, a toda a doutrina
ensinada por aquele, que está em lugar de Jesus Cristo… Uma vez
que o Espírito Santo fez ouvir a sua voz por meio do Romano
Pontífice, já não há que disputar. Não, não há meio termo: Ou
ser católico com o Papa e como o Papa, ou renunciar a fé e
renunciar de ser católicos… Nós, que somos católicos, conhecemos
a verdade e a conhecemos sem medo de errar; e o que nós condenamos
com o Papa, estamos certos que será condenado pela Igreja até a
consumação dos séculos. E vós (dirigindo-se
aos Vigários) inculcai
aos infiéis o rigoroso dever que têm, de acolher de boa vontade o
ensino do Vigário de Jesus Cristo, como regra sagrada e inviolável
daquela fé santíssima, que eles se gloriam de professar. Fazei-lhes
sentir vivamente, que para alcançar a salvação eterna, é
necessário estar com o Papa, em tudo e sem reserva”.
3º.
Valor prático do “Syllabus”.
– O “Syllabus”
não é um documento exclusivamente doutrinal, em que só se queria
pôr a salvo a pureza dos dogmas. É, além do mais, um Código e,
por assim dizer, um Manual prático, que deve servir aos fiéis de
Norma e Guia, para dirigirem com segurança, seus juízos e seus
passos, a fim de não serem vítimas das insinuações daqueles, que
com promessas falazes de ciência, de liberdade e de progresso,
arrastam à ruína os homens e a sociedade. – “Que
vos diremos (assim se
exprimia na sua pastoral o douto e zeloso Bispo de Urgel)
do caráter geral da
Encíclica e do “Syllabus”? Dir-vos-emos, que é um grito de
alerta do Pastor Supremo a todas as atalaias e a todo o rebanho do
Senhor, para afastá-lo dos pastos envenenados… Que é um golpe
mestre do cajado do Pastor, com que se extirpam as más ervas,
condenando-se os erros tão funestos à salvação eterna dos
indivíduos e ao bom governo e conservação da sociedade”.
O
“Syllabus”,
considerado pelo lado prático, é um dos maiores benefícios que
Deus fez à Igreja, por meio do incomparável Pontífice Pio IX.
Felizes os homens e as sociedades, que souberem aproveitar-se deste
grande meio de segurança e salvação! Se todos os Cristãos
tivessem no devido apreço o “Syllabus”,
se o tivessem tomado como norma de suas ações nas escabrosas
circunstância de nossos dias, não se veriam tantos, que, ao passo
que se gloriam do nome de católicos, continuamente se mostram, por
palavras e por obras, em contradição com a doutrina da Igreja, de
quem querem passar por filhos obedientes; nem se presenciaria o
triste escândalo, de homens católicos, em países católicos,
apoiando e promovendo doutrinas e medidas condenadas pela Igreja e
subversivas de toda ordem moral e religiosa.
Como
falamos a católicos de boa vontade, desejosos de conformarem-se com
a doutrina da Igreja, e de ouvir seus conselhos, concluímos
lembrando-lhes o que disse Leão XIII ao Bispo dos Perigueux, a
saber, que nos tempos atuais e nas escabrosas circunstâncias em que
nos achamos, devem os fiéis tomar como guia seguro de seus juízos e
de suas ações, os documentos recentemente propostos pelos Sumos
Pontífices, e particularmente o “Syllabus”
de Pio IX.
CAPÍTULO
QUARTO
OBJEÇÕES
CONTRA O “SYLLABUS”
1ª
Objeção – O “Syllabus”
não pode chamar-se um documento Pontifício. É apenas um catálogo
de proposições, que se dizem condenadas por Pio IX; mas não tem a
forma dos Atos doutrinais Pontifícios, nem a assinatura do Papa.
Portanto, não há razão suficiente para se dizer, que o “Syllabus”
é um Documento doutrinal Pontifício, que obriga os católicos a
reconhecê-lo por tal e sujeitar-se a tudo o que nele se encerra.
Resposta
– 1º –
Respondemos, em primeiro
lugar, que todos os Bispos católicos reconheceram o
“Syllabus” como um
Documento doutrinal Pontifício, que obriga assim a eles mesmos, como
aos simples fiéis; e tomaram-no como Norma para a instrução de
suas ovelhas e para afastá-los dos erros apontados no mesmo
“Syllabus”. Ora,
quando todos os Pastores e Doutores da Igreja ensinam que um Ato
Pontifício é autêntico e obrigatório, será lícito a qualquer
católico recusar aceitá-lo e conformar-se com ele? Nas respostas
seguintes ver-se-ão mais claramente, as razões pelas quais os
Bispos reconhecem o “Syllabus”
como Documento Pontifício doutrinal, obrigatório.
2º
– Quem mandou o “Syllabus”
aos Bispos, foi o próprio Papa Pio IX. Portanto, da sua intenção e
vontade depende o seu valor. Pois bem. Pio IX não só chama
frequentemente coisa sua (“Syllabus”
noster:
“Syllabus”
quem edi jussimus, jussu nostro editus),
mas sempre o considerou como um Ato de condenação dos erros nele
apontados.
Assim
na Alocução Consistorial dirigida aos Cardeais no dia 27 de Março
de 1865, louva os Bispos, porque logo que receberam o “Syllabus”,
protestaram perante o Papa e perante o público, que reprovavam e
condenavam o que o Pontífice reprovava e condenava no “Syllabus”,
e porque se apressavam a comunicá0lo aos fiéis, alguns até
afrontando as iras dos
Governos, que o tinham proibido; e davam por motivos deste seu
procedimento, que não podiam deixar de comunicar a suas ovelhas a
palavra do Supremo Pastor da Igreja, e manifestar-lhes os erros de
que o Papa queria, fossem premunidos e afastados.
Mais
tarde, no dia 17 de Junho de 1867, em um Discurso pronunciado na
Capela Paulina, perante 200 Bispos aí presentes, para felicitá-los
pelo aniversário de sua exaltação ao Trono Pontifício, disse
entre outras coisas: – “Na
Encíclica de 1864 e no Documento denominado “Syllabus”, Eu
declarei ao mundo (notem-se
as palavras Eu declarei)
os perigos que ameaçam a
sociedade e condenei as falácias que atentam contra a sua vida.
Aquele ato, Eu o confirmo agora na vossa presença, e vo-lo apresento
novamente a vós,
para que vos sirva de Norma, quando tiverdes de doutrinar os fiéis”.
– Assim refere este discurso do Papa, como testemunha presencial,
em Pastoral pouco depois dirigido ao Clero de sua Diocese, o Cardeal
Manning, então Arcebispo de Westiminster.
3º
Também o sucessor de Pio IX, o sábio Pontífice Leão XIII,
reconheceu o “Syllabus”
como Documento doutrinal Pontifício; pois na sua Encíclica
Immortale Dei,
assim se exprime: – “Pio
IX, conforme se apresentava a ocasião, censurou muitas doutrinas
falsas, que iam entrando em voga, e depois mandou reuni-las todas,
para que, em tão grande aluvião de erros, os Católicos tivessem
uma Norma segura para seguir”.
E
a 27 de Junho de 1884, respondendo a Monsenhor Dabert, Bispo de
Perigueux, que se achava muito angustiado, por não saber como
remediar a certas divergências de opiniões entre as suas ovelhas:
“Nestas contingências,
lhe dizia Leão XIII, e
escabrosas circunstâncias, qual deva ser a maneira de pensar e obrar
dos fiéis, qual a Norma, segundo a qual conformar sua mente e sua
ação, torna-se manifesto da doutrina ensinada por esta Sé
Apostólica, contida quer no ‘Syllabus’ e nos outros Documentos
do Nosso ilustre predecessor (Pio
IX), quer em nossas
Encíclicas”.
4º
– Enfim, o
valor doutrinal do “Syllabus”
torna-se evidente pela sua mesma história. É um fato certo, que
todas as 80 Proposições do “Syllabus”
haviam sido condenados por Pio IX em documentos já conhecidos na
Igreja, dos quais foram extraídos e redigidos por ordem do mesmo Pio
IX e debaixo da sua direção e inspeção; que Pio IX aprovou o
“Syllabus”
assim redigido; deu ordem que fosse em seu nome enviado aos Bispos,
como catálogo fiel e autêntico dos principais erros por ele
condenados e declarou expressamente que o mandava para o fim, de que
nele os Bispos tivessem diante dos olhos um como quadro de todos os
erros cuja condenação se achava espelhada em vários documentos
publicados em diversos tempos.
Portanto,
é verdade que o “Syllabus”
é um elenco, mas um elenco autêntico de proposições condenadas, e
proposto pelo mesmo Pontífice que as condenou, para lembrá-las e
inculcá-las de novo aos Bispos e a todos os fiéis. Por isto, na
boca dos Bispos e no sentir dos fiéis, Proposição
do “Syllabus”,
significa e é a mesma coisa, que proposição condenada.
2ª
Objeção – O “Syllabus”
não é um Bula dogmática; e quem negar algumas das suas
proposições, não fica por isto herege ou excomungado. Portanto,
não se pode dizer que o “Syllabus”
é um Ato do Magistério infalível da Igreja, e que obriga debaixo
de culpa grave todos os católicos.
Resposta
– Antes de tudo é necessário
retificar e explicar uma coisa afirmada na objeção, isto é, que
quem negar uma proposição do “Syllabus”
não é herege ou excomungado. Isto não é verdade a respeito de
todas as proposições do “Syllabus”.
Pois algumas há, e não são poucas, que são manifestamente
heréticas. Por exemplo, a primeira proposição do “Syllabus”,
não só é herética, mas contém muitas e gravíssimas heresias.
Pois nela se afirma o Panteísmo, com todos os erros que dele derivam
a respeito de Deus, do homem, do mundo. Não menos herética é a 7ª,
na qual se nega a realidade das profecias e dos milagres da Escritura
Sagrada, a incompreensibilidades dos Mistérios, a veracidade da
Bíblia e até a realidade de Jesus Cristo. Herética é a
18ª, na qual se afirma, que o Protestantismo é uma religião tão
verdadeira e aceita a Deus, como a Católica.
Herética a 65ª, que nega ao Casamento cristão a dignidade de
Sacramento; e assim outras.
Portanto, quem afirmar e sustentar cientemente uma dessas
proposições do “Syllabus”, é herege e separa-se da
Comunhão da Igreja Católica.
Há,
porém, outras proposições no “Syllabus”,
que não contém heresias, ao menos explícitas e declaradas pela
Igreja e condenadas como tais. Portanto, quem as negasse, não
ficaria logo, por isto, herege nem separado da Comunhão da Igreja
Católica.
Feita
esta declaração, vamos à Objeção.
O
“Syllabus”,
pois, não é uma Bula Dogmática; isto é verdade. A Bula Dogmática,
é a forma que usa ordinariamente o Sumo Pontífice, para definir
solenemente os Dogmas, ou condenar doutrinas heréticas. As doutrinas
nela ensinadas impõem aos
fiéis a mais estrita e rigorosa obrigação, e aos que negam de
sujeitar o seu juízo, é infligida a maior das penas eclesiásticas
espirituais, que é o anátema, ou a separação da Comunhão da
Igreja. Tal é, por exemplo, a Bula de Pio IX Ineffabilis
Deus, de 8 de Dezembro
de 1854, na qual define a Imaculada Conceição de Maria Santíssima.
Não
é desta maneira que as proposições do “Syllabus”
são nele condenadas. Portanto, quem negar ou não quiser admitir
alguma daquelas proposições, por isto só, não fica logo um herege
ou um excomungado.
Disto,
porém, não se segue, que quem assim proceder, não falte, e
gravemente, ao dever de obediência devido ao Mestre Supremo e
infalível da Igreja. Acaso, porque um filho da família,
desrespeitando a seus pais ou esbanjando-lhes a fortuna, não merece
ser deserdado ou expulso da casa paterna, dir-se-á que não é
desobediente e perverso? Um ladrão, um perjuro, somente por isto,
não é desterrado nem privado dos direitos de cidadão. Por isto não
será ele criminoso e réu perante a lei? Ora, isso mesmo acontece no
nosso caso. Quem nega uma proposição do “Syllabus”,
não é, só por isso,
separado da Igreja, não é um herege, não é um filho obediente da
Igreja, que é um bom Cristão? Absolutamente não. Com efeito,
pergunto eu: O Sumo Pontífice condena ou não condena as proposições
notadas no “Syllabus”?
Certo que sim. – Não mandou Ele intimar a todos os Cristãos a
observância do “Syllabus”?
Também é certo que sim, e o fez pelo órgão autorizado dos Bispos.
– E não é o Supremo Pontífice o Pastor Supremo e o Mestre
infalível de todos os Cristãos em tudo o que diz respeito à Fé e
à Moral? É certo que sim. – Logo é claro, que o Cristão, que
não quer admitir uma proposição do “Syllabus”,
desobedece ao Sumo Pontífice, que, como Chefe Supremo da Igreja e
como Pastor e Doutor de todos os fiéis, censura uma doutrina, e a
condena, e manda que todos com ele a condenem.
Quando
o Sumo Pontífice, em seus Atos Apostólicos, condena uma doutrina, é
manifesto que, por isto mesmo, ela há de ser tida por condenada em
toda a Igreja: pois nessas condenações não que o Papa simplesmente
manifestar a sua maneira de pensar ou o seu julgamento científico
acerca dessa doutrina, mas fala como Doutor Supremo da Igreja
ensinando aos fiéis, o
juízo que devem fazer da mesma. Contudo, às vezes, o Pontífice
declara expressamente que os fiéis devem conformar o seu juízo ao
dele e até ordena e manda que reprovem e condenem o que ele reprova
e condena. Por exemplo, na
Encíclica Quanta cura,
a qual, como mais adiante veremos, tem a mesma autoridade que o
“Syllabus”,
Pio IX assim se exprime: Nós,
com a Nossa Autoridade Apostólica reprovamos, prescrevemos e
condenamos todas as opiniões e doutrina perversas que temos
enumerados, e queremos e mandamos, que todos os filhos da Igreja
Católica as tenham absolutamente por reprovadas, proscritas e
condenadas”.
A
doutrina que acabamos de expôr é comum entre os teólogos, os quais
são concordes em afirmar que quando o Papa condena uma proposição
com censura inferior à de heresia, ou também geralmente sem
especificar o grau da censura, a sua definição pertence
ao Magistério infalível de Pastor e Doutor universal da Igreja, e,
portanto, todos os cristãos são
obrigados, sob pena de pecado grave, a aceitá-la; alguns até chegam
a dizer, que, afirmar obstinadamente o contrário, é heresia ou
próximo à heresia.
Esta
doutrina dos teólogos é fundada no Concílio Vaticano. Pois na
Constituição Dogmática Dei
Filius, relativa à Fé
Católica, depois de ter esposto e condenado sob pena de anátema, os
erros mais diretamente oposto à Fé, conclui dizendo: “Não
ser suficiente aos católicos o evitarem o mal da heresia, mas
deverem fugir também, com toda diligência, de todos os erros que a
ele mais ou menos se aproximem; e por isto admoesta a todos os fiéis
do dever que têm de observarem também as Constituições e os
Decretos, em que a Santa Sé proscreve e proíbe semelhantes erros,
não enumerados diretamente no Concílio”.
Podemos,
pois, nós também concluir, que ainda que o “Syllabus”
não seja uma Bula dogmática, contudo, obriga em consciência a
todos os católicos a aceitarem inteiramente a condenação de todas
e cada uma de suas 80 proposições.
3ª
Objeção – Algumas
proposições do “Syllabus”
são tiradas de cartas escritas pelo Papa a pessoas particulares,
algumas das quais nem eram eclesiásticas. É claro pois, que tais
cartas não podem obrigar a todos os fiéis, por não lhes serem
dirigidas, nem comunicadas. Portanto, não poder dizer-se que todas
as proposições do “Syllabus”,
obrigam todos os fiéis.
Resposta
– 1º É verdade que entre os
Documentos pontifícios alegados no “Syllabus”
há algumas cartas escritas pelo Papa a pessoas particulares. São
elas sete, das quais seis dirigidas a algum Arcebispo ou Bispo, e uma
a Vitor Emanuel, rei da Sardenha.
Mas
estas cartas, ainda quando foram escritas tivessem caráter
particular, depois da promulgação do “Syllabus”
não só se tornaram públicas,
mas adquiriram valor doutrinal para toda a Igreja mesmo quando antes
o não tivessem. Porque são indicadas e alegadas pelo Papa como
documento comprobatório da proposição que Ele diz ter sido
condenada naquelas cartas, declarando que, em virtude daquela
condenação, tal proposição deve ser tida como condenada por toda
a Igreja.
2º
As cartas citadas no “Syllabus”
dirigidas a pessoas particulares, já tinham sido publicadas antes do
“Syllabus”,
quando foram escritas e mandadas a seus destinatários, para que
todos soubessem as decisões dada pelo Papa; e as mesmas, como
Documentos, fossem por todos conhecidas e pudessem ser consultadas.
Por esta publicação toda a Igreja ficava ciente do que havia de
pensar e de crer a respeito das doutrinas condenadas naquelas cartas
particulares. O próprio Pio IX o fez declarar aos Bispos pelo
Cardeal Antonelli, seu Secretário de Estado, na carta que este em
seu nome lhes escreveu acompanhando o “Syllabus”.
“O Santo Padre, diz
o Cardeal, desde o
princípio do seu pontificado, nunca cessou, com suas Encíclicas,
com Alocuções Consistotiais e com outras Cartas Apostólicas
publicadas pela imprensa, de proscrever e condenar os erros
principais e as falsas doutrinas, sobretudo, destes nossos
tristíssimos tempos”.
– E com efeito, aquelas cartas foram logo citadas por toda parte e
por toda classe de pessoas, particularmente pelos Bispos e teólogos,
em prova e confirmação das doutrinas que o Papa nelas ensinava.
Basta citar a carta dirigida ao rei da Sardenha, em resposta à
consulta que este lhe fizera sobre o casamento
civil,
que se tratava de estabelecer como lei naquele reino.
Apenas publicada a carta, todos Bispos e fiéis serviram-se dela como
de Documento irrefragável e peremptório para todos os católicos,
sobre a doutrina nela ensinada a respeito do Matrimônio Cristão, e
sobre a ilicitude do chamado casamento civil.
Pio
IX mesmo mostrou claramente que assim o entendia. Pois quando enviou
aos Bispos o “Syllabus”,
mandou-lhes dizer, por meio do Cardeal Secretário de Estado, que
todas aquelas proposições já
tinham sido por Ele condenadas em suas Encíclicas, Alocuções
Consistoriais e outros Atos Apostólicos publicados pela imprensa, e
que o “Syllabus”
lhes havia de servir para recordarem e terem diante dos olhos tais
condenações, já em vigor por virtude daqueles Atos Pontifícios.
Ora, no “Syllabus”,
além das Encíclicas e Alocuções Consistoriais, não são citados
outros Atos Apostólicos, senão as Cartas Pontifícias dirigidas a
particulares. Logo, o Papa considerava estas Cartas do mesmo valor,
que as Cartas Encíclicas e as Alocuções Consistoriais, para a
condenação dos erros, perante toda a Igreja.
3º
Mas para que a resposta seja completa e tire toda a dúvida,
examinemos mais detidamente a natureza e o valor das cartas em
questão; tanto mais que este exame servirá para declarar um ponto
de doutrina assaz importante, sobre a infalibilidade e autoridade das
decisões do Sumo Pontífice.
O
Papa é infalível, como foi definido pelo Concílio Vaticano. –
“Quando fala
ex-Catedra, isto é, quando exercendo o seu cargo de Pastor e Doutor
de todos os Cristãos, em virtude da sua Suprema Autoridade, define
uma doutrina a respeito da fé e dos costumes, para ser crida por
toda a Igreja”.
Portanto,
para se conhecer, se uma definição do Sumo Pontífice, sobre
matéria pertencente à fé e aos costumes, provem do seu Magistério
infalível e obriga a todos os fiéis, cumpre ver, se o Papa fala em
virtude da sua Autoridade Apostólica e de maneira que o que ele
define, deva ser aceito e observado por todos os fiéis.
Ora,
estas condições podem verificar-se, e com efeito às vezes se
verificam, também em alumas Cartas que o Sumo Pontífice dirige a
pessoas particulares. Pois, pede observar, e de fato acontece, que em
alguma parte da Igreja a doutrina católica corra perigo, ou porque
os inimigos da fé disseminam entre os fiéis erros perniciosos, ou
porque entre os próprios fiéis se levantam dúvidas e questões
sobre pontos de fé e de moral, que exigem uma decisão da Autoridade
Suprema e infalível da Igreja. Nestes casos o Papa, interpelado ou
não, intervem como o Cabeça e o Mestre Supremo de toda a
Cristandade, presidindo a toda a Igreja, como a qualquer parte dela,
e decidindo as questões vertentes, exercita o cargo de Pastor e
Doutor da Igreja universal. Pode então o Sumo Pontífice, para
comunicar e intimar as suas decisões, dirigir-se ou a quem lhe
propôs as questões, ou
àqueles que tem o cargo de ensinar os fiéis, isto é, aos Bispos. E
com efeito, aos Bispos é que ordinariamente o Papa se dirige, quando
se trata de explicar ou defender a doutrina católica, ou de indicar
e condenar erros, que se infiltram em alguma Diocese ou em qualquer
parte da Igreja. É claro, que em tal caso o Sumo Pontífice fala e
sentencia como o encarregado de manter na sua integridade e pureza a
doutrina católica em toda a Cristandade, isto é, como Pastor e
Doutor universal de toda a Igreja Católica.
Por
isso, é que uma decisão dada pelo Papa em semelhantes casos a
qualquer pessoa e a qualquer lugar, depois de ser convenientemente
publicada e levada ao conhecimento de toda a Igreja, é daí em
diante alegada para provar a mesma doutrina ou profligar o mesmo erro
em qualquer outra parte da Igreja. Por exemplo, a carta que Pio IX
escreveu a Vitor Emanuel sobre o casamento civil, daquele tempo em
diante foi sempre citada, não só pelos fiéis e pelos Bispos,
quando em outros estados se quis introduzir tal impiedade, mas também
pelos teólogos nas cátedras de teologia e nos tratados dogmáticos
e morais sobre o Sacramento do Matrimônio.
É
pois evidente, que o Papa pode falar com Autoridade Apostólica,
exercitando o ofício de Pastor e Doutor de toda a Cristandade,
também quando escreve a pessoas particulares. E tais foram e como
tais têm sido reconhecidas as cartas escritas por Pio IX a pessoas
particulares, nas quais são condenadas algumas das proposições do
“Syllabus”.
O
próprio Pontífice Pio IX, autor dessas cartas no-lo faz entender
com toda clareza. Pois nelas diz que fala – Em
virtude do ofício de seu Apostólico Ministério, para
conservar íntegro e inviolável o Depósito da Fé – Em virtude do
ofício recebido de Jesus Cristo, de apascentar o seu rebanho com
pábulo da sã doutrina; – e velar constantemente, para que a
doutrina santíssima de Jesus Cristo não sofra detrimento.
– Diz que trata dos interesses da Igreja: – que reprova e condena
esses erros, como contrários à Escritura e aos Santos Padres e ao
ensino da Igreja; – enfim, que o que
ele reprova e condena, deve ser por todos reprovado e condenado.
Concluamos
pois: – As Cartas escritas por Pio IX a pessoas particulares,
condenando algumas das proposições do “Syllabus”,
são escritas pelo Pontífice no exercício do seu Magistério
Apostólico, como Pastor e Doutor de toda a Igreja e, portanto, são
Documentos
Doutrinais, que obrigam em consciência a todos os católicos.
4ª
Objeção
– O “Syllabus”
é um Ato perturbador e provocador do Papa contra a Sociedade, os
Estados e o povo. Pois ataca e combate os princípios da Sociedade
Moderna, aceitos comumente por todos os Estados; e perturba a
consciência dos fiéis, que são membros dessas sociedades, e querem
acompanhar os progressos da humanidade.
Resposta
– Esta objeção, ou antes, acusação contra o “Syllabus”
e o seu autor, o Sumo Pontífice, nos daria ocasião a desenvolver um
assunto, tão profundo quão importante, qual é a demonstração, de
que a doutrina católica em geral e particularmente a que se contêm
no “Syllabus”,
não só não se opõe ao verdadeiro progresso da sociedade e da
humanidade, mas pelo contrário, a promove e o auxilia, e ensina a
maneira e os meios de remover os obstáculos que se lhe opõem.
Mas
isto nos levaria muito longe. Contentar-nos-emos pois em responder
diretamente à acusação, demonstrando que é falsa e caluniosa a
imputação que se faz ao “Syllabus”,
de atacar e provocar a sociedade e perturbar as consciência.
O
“Syllabus”,
dizem, ataca e provoca a sociedade! Mas como? E com que arma ou com
que meios? – Com a palavra, respondem,
e com as doutrinas e opiniões do Papa, ensinadas, insinuadas,
impostas aos fiéis!
Na
verdade, é coisa para pasmar! Pois quem
é que
levanta esta queixa, esta acusação contra o Papa? São os
defensores das liberdades modernas, que no-las apresentam como base e
fundamento da perfeição e do progresso da humanidade. Pois bem,
entre as liberdades por eles apregoadas, uma das primeiras e que
apreciam e exaltam sobre todas as outras, é
a liberdades do pensamento, das opiniões, da palavra. – Cada um,
dizem eles, pode pensar como quiser, e pode externar como e quando
quiser seu pensamento e as suas opiniões, quaisquer que elas sejam.
Proibir a uma pessoa externar as suas doutrinas, é contrário à
liberdade que a sociedade moderna veio proclamar e quer e deve
garantir.
As
opiniões por mais encontradas que sejam podem ser externadas por
todos. Até disto resulta a perfeição da ciência e da sociedade;
pois é do contraste e do choque das opiniões que emerge pura e
luminosa, a verdade.
Muito
bem! – Mas então, por confissão vossa, o Papa, externando e
ensinando as suas doutrinas, não só não faz injúrias às
sociedades modernas nem as ofende ou combate; senão pelo contrário,
segue os vossos princípios, fala em conformidade deles e coopera
para o desenvolvimento e progresso da ciência e da humanidade. Vós,
portanto, promovendo essa queixa contra o Papa, é que vos
contradizeis a vós mesmos e caís justamente naquela falta de que
acusais ao Papa, nagando-lhe a liberdade, que pelos vossos princípios
lhe haveis de conceder. – Poderíamos insistir mais nesta resposta,
que é toda ad
hominem,
como dizem lá os lógicos. Mas, só nos contentamos com tê-la
indicado, para passarmos a combater diretamente a dificuldade e
derrubá-la completamente.
O
Papa, dizem, no “Syllabus”,
ataca e provoca a sociedade moderna. – E eu respondo: não; mas a
sociedade moderna é que atacam e provocam a Igreja; e esta, com o
“Syllabus”,
apenas
se defende dos vossos ataques, reclamando, do modo por que pode, o
que lhe pertence e sustentando os direitos por vós conculcados.
Vejamos de que lado está a verdade. Esperamos convencer os que
querem proceder com boa fé, e confundir os acusadores pertinazes da
Igreja com seus próprios princípios.
Os
apologistas e defensores das sociedades modernas confessam e
proclamam, que esta se funda sobre princípios novos,
que eles mesmos chamam conquistas
do século XIX. Pois bem, esses princípios novos, essas doutrinas
novas são contrárias (eles próprios o dizem) aos princípios
velhos
e antiquados
(segundo eles) e à doutrina até hoje ensinada pela Igreja, que a
recebeu de Nosso Senhor Jesus Cristo e com ela regenerou o homem e a
sociedade. As
chamadas conquistas das sociedades modernas, são feitas em
detrimento da Igreja, pois são a negação de sua doutrina e a
violação de seus direitos. Assim pois, com levantar a sua voz,
procura a Igreja defender-se, sustentar a sua doutrina, reivindicar
os seus direitos, e nada mais. Em verdade, nada mais fazem todas as
proposições condenadas no “Syllabus”,
e que deram ocasião a tanta celeuma. No “Syllabus”,
como declara o seu título, se apontam e condenam erros modernos, que
vem de encontro às doutrinas antigas, que a Igreja julga não poder
abandonar, sem faltar à sua missão; negam-se à sociedade moderna
direitos novos,
que esta quer tirar à Igreja e apropriá-los a si, até em matéria
de religião, de cultos, de Sacramentos!
Respondam
pois em boa fé; quem é o provocador? Quem é o usurpador? A Igreja
ou a sociedade moderna? – Deixassem a Igreja tranquila na posse de
seus direitos seculares e divinos, e nunca Ela teria levantado a voz
contra qualquer aspiração da sociedade moderna.
Mas,
acrescentamos, o “Syllabus”
veio perturbar as consciências. – As consciências de quem?
Daqueles que não creem na Igreja? Mas o “Syllabus”
não é dirigido a eles; porque não querem aceitar o ensino desta
Mestra divina, e para eles a Igreja só tem sentimentos de dó,
sentindo não poder fazer chegar até eles a sua benéfica doutrina.
A
consciência dos católicos verdadeiros não se perturba; porque
estes reconhecem no “Syllabus”,
o ensino seguro e salutar da mãe, que amorosamente os previne contra
os males e os perigos que os ameaçam. E se alguém houver entre
eles, fraco na fé e confiado demais em suas vistas humanas, o qual
pelo ensino do “Syllabus”,
fique abalado e perturbado; este abalo e estremecimento é o
princípio da sua salvação. É a voz que o chama do erro para a
verdade, do caminho da perdição para o da felicidade.
Contudo,
quem pode negar que, ao aparecer do “Syllabus”,
levantou-se uma comoção pública, geral e até violenta? – É
verdade; comoção houve; mas quem foi a sua causa? – Foram aqueles
mesmos, que dela fazem uma acusação contra a Igreja. E senão,
vejamos.
A
atitude da Igreja não podia ser mais prudente, calma, suave. Com
efeito, Pio IX via que, apesar de ter já condenado alguns erros,
estes continuavam a penetrar no espírito de pessoas de todas as
classes, com detrimento de muitas almas e ameaçavam perturbação e
ruína à sociedade. Parecia que o caso aconselhasse e até exigisse
uma medida mais enérgica e eficaz. Podia o Papa lançar mão de
peças
mesmo graves; podia revestir o seu ato da maior solenidade, fazendo
ouvir a sua voz do alto do Vaticano. Podia, tinha razões para
fazê-lo; mas não o fez. Em primeiro lugar, sabendo que tinha de
frente inimigos astuciosos, que fazem alarde da ciência, quis que o
seu ato fosse estudado em toda madureza. Daí os estudos que mandou
fazer desde 1852, os quais se prolongaram, como temos visto, por 12
anos. Assentada a matéria do documento, não lhe quis dar uma forma
imperativa, solene, com a sanção de penas. Apenas
redigiu-se um catálogo de erros, que já tinham sido condenados; eis
o “Syllabus”!
E como se fará a promulgação? O Santo Padre, enviando o “Syllabus”
aos Bispos por meio do seu secretário de Estado, nada prescreveu
quanto ao modo e ao tempo de publicá-lo; até nem lhes falou em
publicação. Só lhes mandou dizer, que lho remetia, para
que pudessem ter diante dos olhos os erros e as doutrinas perniciosas
que tinham sido por ele condenadas.
E nada mais!
Ora,
pergunto eu: podia haver, por parte da Santa Sé, um procedimento
mais prudente, circunspecto, suave?
Entretanto,
houve comoção, houve perturbação; mas quem a suscitou? – Os
fatos aí estão para dizê-lo.
Ainda
os Bispos não tinham falado. Eis que se espalham boatos, que Pio IX
ia condenar e excomungar as liberdades e sociedades modernas por meio
do tal “Syllabus”;
nem tardou a ser publicado por jornais liberais adversos à Igreja.
Fizeram do “Syllabus”,
interpretações arbitrárias, errôneas, capciosas. Lançaram-se
injúrias as mais
atrozes contra a doutrina da Igreja e o Papa. Os Governos liberais
proibiram os Bispos de publicar o “Syllabus”.
Ameaçaram processo, desterro, cárceres.
Que
haviam os Bispos de fazer? Podiam deixar de falar ao povo, retificar
as interpretações falsas do “Syllabus”,
defender os direitos da Igreja? É o que fizeram provocados,
obrigados
pelos inimigos da Igreja.
Repetimos:
quem foi o provocador? Quem foi a causa da comoção, da perturbação?
O
juízo aos homens imparciais, de boa fé.
CAPÍTULO
QUINTO
O
SYLLABUS, contendo os
principais erros do nosso tempo, condenados nas Alocuções
Consistoriais, nas Encíclicas e em outras Cartas Apostólicas do
Nosso Santíssimo Padre o Papa Pio IX.
§
I
Panteísmo,
Naturalismo
e
Racionalismo Absoluto
I
Não
existe um Ser divino, Senhor supremo, sapientíssimo e
providentíssimo, distinto da universidade das coisas; e Deus não é
senão a natureza das coisas e por conseguinte está sujeito a
mudanças; e Deus realmente se produz no homem e no mundo; e todas as
coisas são Deus; e Deus e o mundo são uma e a mesma coisa e por
conseguinte também o espírito e a matéria, a necessidade e a
liberdade, a verdade e a falsidade, o bem e o mal, o justo e o
injusto.
Alloc.
Maxima quidem, 9 Junii 1862.
II
Negar-se-á
toda e qualquer ação de Deus no homem e no mundo.
Alloc.
Maxima quidem, 9 Junii 1862.
III
A
razão humana, sem relação alguma a Deus, o único juiz da verdade
e da falsidade, do bem e do mal; ela é a lei de si mesma, e somente
com as suas forças naturais é suficiente para fazer felizes os
homens e as nações.
Alloc.
Maxima quidem, 9 Junii 1862.
IV
Todas
as verdades da Religião derivam da força natural da razão humana;
por isto a razão é a norma principal, pela qual o homem pode e deve
alcançar o conhecimento de qualquer espécie de verdades.
Epist.
Encycl. Qui pluribus, 9 Novembris 1846.
Epist.
Encycl. Singularis quidem, 17 Martii 1856.
Alloc.
Maxima quidem, 9 Junii 1862.
V
A
Revelação divina é imperfeita, e por isto, sujeita a um progresso
contínuo e indefinido, que corresponde ao caminho progressivo da
razão humana.
Epist.
Encycl. Qui pluribus, 9 Novembris 1846.
Alloc.
Maxima quidem, 9 Junii 1862.
VI
A
fé cristã se opõe à razão humana, e a revelação divina não só
é totalmente inútil, mas é também nociva à perfeição do homem.
Epist.
Encycl. Qui pluribus, 9 Novembris 1846.
Alloc.
Maxima quidem, 9 Junii 1862.
VII
As
profecias e os milagres expostos e narrados nas Sagradas Escrituras,
são resultados de investigações filosóficas; os livros de um e
outro Testamento contêm invenções míticas, e mesmo Jesus Cristo é
um mito.
Epist.
Encycl. Qui pluribus, 9 Novembris 1846.
Alloc.
Maxima quidem, 9 Junii 1862.
§
II
Racionalismo
Moderado
VIII
A
razão humana e a Religião sendo da mesma ordem, por isto, as
ciências filosóficas e teológicas hão de ser tratadas da mesma
maneira.
Alloc.
Singulari quadam, 9 Decembris 1854.
IX
Todos
os dogmas da Religião Cristã são indistintamente objeto da ciência
natural, ou da filosofia, e a razão humana cultivada só
historicamente, pode, com as suas forças naturais e os seus
princípios, chegar à verdadeira ciência de todos os dogmas, mesmo
os mais recônditos, conquanto, estes dogmas sejam propostos à
razão.
Epist.
ad Archiep. Frising. Gravissima, 11 Decembris 1862.
Epist.
ad eundem, Tuas libenter, 21 Decembris 1863.
X
Sendo
duas coisas distintas, o filósofo e a filosofia, aquele tem o
direito e o dever de sujeitar-se à autoridade que reconhecer como
verdadeira; mas, a filosofia nem pode nem deve sujeitar-se a
autoridade alguma.
Epist.
ad Archiep. Frising. Gravissima, 11 Decembris 1862.
Epist.
ad eundem, Tuas libenter, 21 Decembris 1863.
XI
A
Igreja não só não deve nunca proferir censuras contra a filosofia,
mas deve tolerar todos os seus erros e deixar que ela corrija a si
mesma.
Epist.
ad Archiep. Frising. Gravissima, 11 Decembris 1862.
XII
Os
decretos da Sé Apostólica e das Congregações Romanas, embaraçam
o progresso livre da ciência.
Epist.
ad Archiep. Frising. Gravissima, 11 Decembris 1862.
XIII
O
método e os princípios com que os antigos Doutores Escolásticos
cultivaram a teologia, não se adaptam às necessidades dos nossos
tempos e ao progresso das ciências.
Epist.
ad Archiep. Frising. Gravissima, 11 Decembris 1862.
XIV
A
filosofia tratar-se-á sem atenção alguma à revelação
sobrenatural.
Epist.
ad Archiep. Frising. Gravissima, 11 Decembris 1862.
N.
B. – Tem grande afinidade com o sistema do racionalismo a maior
parte dos erros de Antônio Gunter, que são condenados na Carta ao
Cardeal Arcebispo de Colônia Eximiam tuam,
de 15 de Junho de 1847; e na carta ao Bispo de Wratislavia, Dolore
haud mediocri, de 30 de Abril
de 1860.
§
III
Indiferentismo,
Latitudinarismo.
XV
Todo
o homem é livre de abraçar e professar a religião, que, guiado
pela luz da razão lhe pareceu verdadeira.
Litt.
Apost. Multiplices inter, 10 Junii 1851.
Alloc.
Maxima quidem, 9 Junii 1862.
XVI
Os
homens podem achar o caminho da salvação eterna e alcançar a
eterna salvação no culto de qualquer religião.
Epist.
Encycl. Qui pluribus, 9 Novembris 1846.
Alloc.
Ubi primum, 17 Decembris 1847.
Epist.
Encycl. Singulari quidem, 17 Martii 1856.
XVII
Deve-se
ao menos esperar o bem da salvação eterna de todos aqueles, que não
se acham na verdadeira Igreja de Jesus Cristo.
Alloc.
Singulari quadam, 9 Decembris 1854.
Epist.
Encycl. Quanto conficiamur, 10 Augusti 1863.
XVIII
O
Protestantismo não é outra coisa, senão uma forma diversa da mesma
verdadeira Religião Cristã, e nela, pode-se agradar a Deus tão
bem, como na Igreja Católica.
Epist.
Encycl. Nostis et Nobiscum, 8 Decembris 1849.
§
IV
Socialismo,
Comunismo,
Sociedades
Secretas,
Sociedades
Bíblicas,
Sociedades
Clérico-Liberais.
Estas
pestes foram reprovadas muitas vezes, e com severíssimas fórmulas,
na Carta Encíclica Qui pluribus, de 9 de Novembro de 1846; na
Alocução Quibus Quantisque, de 20 de Abril de 1849; na Carta
Encíclica Nostis et Nobiscum, de 8 de Dezembro de 1849; na
Alocução Singulari quadam, de 9 de Dezembro de 1854; na
Carta Encíclica Quanto conficiamur moerore, de 10 de Agosto
de 1863.
§
V
Erros
a Respeito da Igreja
e
seus Direitos
XIX
A
Igreja não é uma verdadeira e perfeita sociedade, plenamente livre,
nem é dotada de direitos seus próprios e constantes, que lhe tenham
sido conferidos pelo seu divino Fundador; mas pertence ao poder civil
determinar quais são os direitos da Igreja, bem como os limites
entre os quais os pode excitar.
Alloc.
Singulari quadam, 9 Decembris 1854.
Alloc.
Multis gravibusque, 17 Decembris 1860.
Alloc.
Maxima quidem, 9 Junii 1862.
XX
O
poder eclesiástico não deve exercitar a sua autoridade sem
permissão e consentimento do poder civil.
Alloc.
Meminit unusquisque, 30 Septembris 1861.
XXI
A
Igreja não tem autoridade para definir dogmaticamente, que a
Religião da Igreja Católica é a única Religião verdadeira.
Litt.
Apost. Multiplices inter, 10 Junii 1851.
XXII
O
dever que obriga estritamente os mestres e escritores católicos
limita-se àquelas coisas, somente que pelo juízo infalível da
Igreja, são propostas como dogmas de fé, que todos devem crer.
Epist.
Ad Archiep. Frising. Tuas libenter, 21 Decembris 1863.
XXIII
Os
Pontífices Romanos e os Concílios Ecumênicos se afastaram dos
limites de seu poder, usurparam os direitos dos Príncipes e erraram
também definindo coisas pertencentes à fé e à moral.
Litt.
Apost. Multiplices inter, 10 Junii 1851.
XIV
A
Igreja não tem o poder de empregar a força, nem tem poder algum
temporal direto ou indireto.
Litt.
Apost. Ad Apostolicae Sedis, 22 Augusti 1851.
XXV
Além
do poder inerente ao episcopado, pertence-lhe um outro poder
temporal, que lhe foi concedido, expressa ou tacitamente, pelo poder
civil, e que, por conseguinte, o mesmo poder civil lhe pode retirar
quando lhe aprouver.
Litt.
Apost. Ad Apostolicae Sedis, 22 Augusti 1851.
XXVI
A
Igreja não tem um direito nativo e legítimo de adquirir e possuir.
Alloc.
Nunquam fore, 15 Decembris 1856.
Epist.
Encycl. Incredibili afflictamur, 17 Septembris 1863.
XXVII
Os
Ministros da Igreja e o Pontífice Romano devem ser excluídos
absolutamente de qualquer administração e domínio de coisas
temporais.
Alloc.
Maxima quidem, 9 Junii 1862.
XXVIII
Não
é lícito aos Bispos, sem licença do Governo, promulgar nem se quer
as Letras Apostólicas.
Alloc.
Nunquam fore, 15 Decembris 1856.
XXIX
As
graças concedidas pelo Romano Pontífice julgar-se-ão como nulas,
se não tenham sido impetradas por meio do Governo.
Alloc.
Nunquam fore, 15 Decembris 1856.
XXX
A
imunidade da Igreja e dos poderes eclesiásticos, teve origem do
direito civil.
Litt.
Apost. Multiplices inter, 10 Junii 1851.
XXXI
O
foro eclesiástico para as causas temporais, quer civis, quer
criminais, dos clérigos há de ser absolutamente abolido, mesmo sem
prévia consulta da Igreja e não obstante a sua reclamação.
Alloc.
Acerbissimum, 17 Septembris 1852.
Alloc.
Nunquam fore, 15 Decembris 1856.
XXXII
Sem
violação alguma do direito natural e da equidade, pode-se abrogar a
imunidade pessoal, pela qual os clérigos são isentos do
recrutamento do exercício da malícia; e esta abrogação é exigida
pelo progresso civil, principalmente nas sociedades que são
constituídas na forma de governo mais livre.
Epist.
Ad Episc. Montisregal, Singularis Nobisque, 20 Septembris 1874.
XXXIII
Não
pertence unicamente ao poder da jurisdição eclesiástica, por
direito próprio e natural, dirigir o ensino das matérias
teológicas.
Epist.
ad Arquiepisc. Frising. Tuas libenter, 21 Decembris 1863.
XXXIV
A
doutrina daqueles que consideram o Pontífice Romano como um Príncipe
livre e que exercita a sua ação em toda a Igreja, é uma doutrina
que prevaleceu na Idade Média.
Litt.
Apost. Ad Apostolicae Sedis, 22 Augusti 1851.
XXXV
Nada
proíbe, que por decreto de algum Concílio geral, ou pela ação
comum de todos os povos, o Sumo Pontificado seja transferido do Bispo
e da cidade de Roma para outro Bispo e outra cidade.
Litt.
Apost. Ad Apostolicae Sedis, 22 Augusti 1851.
XXXVI
Um
decreto de um Concílio nacional não admite outra discussão, e a
administração civil pode sem mais proceder conforme os termos desse
decreto.
Litt.
Apost. Ad Apostolicae Sedis, 22 Augusti 1851.
XXXVII
Podem
instituir-se Igrejas nacionais, que não sejam sujeitas à autoridade
do Pontífice Romano e completamente separadas.
Alloc.
Multis gravibusque, 17 Decembris 1860.
Alloc.
Jamdudum cernimus, 18 Martii 1861.
XXXVIII
Os
arbítrios excessivos dos Romanos Pontífices contribuíram para
divisão da Igreja em Oriental e Ocidental.
Litt.
Apost. Ad Apostolicae Sedis, 22 Augusti 1851.
§
VI
Erros
a Respeito da Sociedade Civil,
quer
Considerada em si,
quer
nas suas Relações com a Igreja.
XXXIX
O
Estado, sendo a origem e a fonte de todos os direitos, goza de um
direito seu próprio e sem limites.
Alloc.
Maxima quidem, 9 Junii 1862.
XL
A
doutrina da Igreja Católica é contrária ao bem e aos interesses da
Sociedade Humana.
Epist.
Qui pluribus, 8 Novembris 1846.
Alloc.
Quibus quantisque, 20 Aprillis 1849.
XLI
Ao
poder civil, ainda que seja exercitado por um soberano infiel,
compete um poder indireto negativo sobre as coisas sagradas; por
conseguinte, lhe compete não só o direito que chamam do Exequatur,
mas também o que chamam Apelação por abuso.
Litt.
Ad Apostolicae Sedis, 22 Augusti 1851.
XLII
No
conflito entre as leis dos dois poderes, prevalece o direito civil.
Litt.
Ad Apostolicae Sedis, 22 Augusti 1851.
XLIII
O
poder leigo tem autoridade de rescindir, declarar e anular os
tratados solenes (as Concordatas) celebradas com a Sé Apostólica,
sobre o uso dos direitos pertencentes à imunidade eclesiástica, e
isto sem o consentimento da mesma Sé Apostólica e não obstante as
suas reclamações.
Alloc.
In Consistoriali, 1 Novembris 1850.
Alloc.
Multis gravibusque, 17 Decembris 1860.
XLIV
A
autoridade civil pode intrometer-se nas coisas que pertencem à
Religião, aos Costumes e ao governo espiritual. Por conseguinte,
pode julgar das instruções que os Pastores da Igreja, em virtude do
seu cargo, dão aos fiéis por norma da sua consciência; e até pode
dar decretos sobre a administração dos Sacramentos e as disposições
necessárias para recebê-los.
Alloc.
In Consistoriali, 1 Novembris 1850.
Alloc.
Maxima quidem, 9 Junii 1862.
XLV
Todo
o regulamento das escolas públicas, nas quais se educa a mocidade de
um Estado cristão, excetuados somente de algum modo os Seminários
episcopais, pode e deve ser atribuído à autoridade civil, e de tal
maneira, que não se admita em qualquer autoridade o direito de
intrometer-se na disciplina das aulas, na direção dos estudos, na
colação dos graus, na escolha ou na aprovação dos mestres.
Alloc.
In Consistoriali, 1 Novembris 1850.
Alloc.
Quibus luctuosissimis, 5 Septembris 1851.
XLVI
Também
nos Seminários dos Clérigos, o método que se há de seguir nos
estudos, está sujeito à autoridade civil.
Alloc.
Nunquam fore, 15 Decembris 1856.
XLVII
A
forma mais perfeita da Sociedade Civil exige, que as escolas
populares, que estão abertas a todos os meninos de qualquer classe
do povo, e geralmente, os Institutos públicos, que são destinados
ao ensino das letras e às disciplinas mais elevadas e à educação
da mocidade, sejam livres de toda autoridade, direção e ingerência
da Igreja, e sujeitos inteiramente ao arbítrio da autoridade civil e
política, conforme o juízo dos soberanos e à norma das opiniões
comuns da época.
Epist.
ad Archiepisc. Friburg. Quum non sine, 14 Julii 1864.
XLVIII
Pode
ser aprovado pelos católicos o sistema de educar a mocidade,
separado da fé católica e da Igreja, e que se ocupa somente da
ciência das coisas naturais e tem em vista só, ou principalmente,
os fins da vida terrena e social.
Epist.
ad Archiepisc. Friburg. Quum non sine, 14 Julii 1864.
XLIX
A
autoridade civil pode impedir, que os Bispos e os povos fiéis,
tenham livre e mútua comunicação com o Romano Pontífice.
Alloc.
Maxima quidem, 9 Junii 1862.
L
O
poder leigo tem por si o direito de apresentar os Bispos, e pode
exigir deles que entrem na administração da Diocese antes de
receber da Santa Sé a instituição canônica e as Letras
Apostólicas.
Alloc.
Nunquam fore, 15 Decembris 1856.
LI
O
governo leigo tem mesmo o direito de depôr os Bispos do exercício
do Ministério Pastoral, nem tem obrigação de obedecer ao Romano
Pontífice nas coisas que pertencem à instituição dos Bispados e
dos Bispos.
Litt.
Apost Multiplices inter, 10 Junii 1851.
Alloc.
Acerbissimum, 27 Septembris 1852.
LII
O
governo pode, por direito seu, mudar a idade prescrita pela Igreja
para a profissão religiosa, tanto dos homens, como das mulheres, e
de ordenar a todas as famílias religiosas, que, sem sua licença,
não admitam ninguém a fazer os votos solenes.
Alloc.
Nunquam fore, 15 Decembris 1856.
LIII
Abrogar-se-ão
as leis que pertencem à tutela do estado das famílias religiosas, e
dos seus direitos e deveres, e o Governo civil pode mesmo prestar
auxílio a todos aqueles que quiserem abandonar o estado religioso
que abraçaram e quebrar os votos solenes, pode até destruir
totalmente as mesmas famílias religiosas, bem como as Igrejas
Colegiadas e os Benefícios simples ainda que sejam de jus-patronato,
e sujeitar e apropriar os bens e rendimentos dos mesmos à
administração e ao arbítrio do poder civil.
Alloc.
Acerbissimum, 27 Septembris 1852.
Alloc.
Probe memineritis, 22 Januarii 1855.
Alloc.
Cum saepe, 26 Junii 1855.
LIV
Os
Reis e os Príncipes não somente são isentos da jurisdição da
Igreja, mas também na decisão das questões de jurisdição são
superiores à Igreja.
Litt.
Apost. Multiplices inter, 10 Junii 1851.
LV
Separar-se-á
a Igreja do Estado, e o Estado da Igreja.
Alloc.
Acerbissimum, 27 Septembris 1852.
§
VII
Erros
a Respeito
da
Ética Natural e Cristã
LVI
As
leis morais não precisam da sanção divina, nem é necessário que
as leis humanas sejam conformes ao direito natural, ou que recebam de
Deus a força de obrigar.
Alloc.
Maxima quidem, 9 Junii 1862.
LVII
A
ciência das coisas filosóficas e da moral, bem como as leis civis,
podem e devem declinar da autoridade divina e eclesiástica.
Alloc.
Maxima quidem, 9 Junii 1862.
LVIII
Não
se devem admitir outras forças senão as que residem na matéria, e
toda disciplina e honestidade dos costumes colocar-se-á em acumular
e aumentar de qualquer maneira as riquezas e satisfazer as próprias
inclinações.
Alloc.
Maxima quidem, 9 Junii 1862.
Epist.
Encycl. Quanto conficiamur, 10 Augusti 1863.
LIX
O
direito consiste no fato material, e todos os deveres dos homens são
nomes vãos, e todos os fatos humanos têm valor de direito.
Alloc.
Maxima quidem, 9 Junii 1862.
LX
A
autoridade não é outra coisa, senão a soma do número e das forças
naturais.
Alloc.
Maxima quidem, 9 Junii 1862.
LXI
A
injustiça feliz de um fato não traz detrimento algum à santidade
do direito.
Alloc.
Jamdudum cernimus, 18 Martii 1861.
LXII
Há
de ser proclamado e observado o princípio que chamam de
Não-intervenção.
Alloc.
Novos et ante, 28 Septembris 1860.
LXIII
É
lícito negar obediência aos soberanos legítimos e até mesmo
rebelar-se.
Epist.
Encycl. Qui pluribus, 9 Novembris 1846.
Alloc.
Quisque vestrum, 4 Octobris 1847.
Epist.
Encycl. Noscitis et Nobiscum, 8 Decembris 1847.
Litt.
Apost. Cum catholica Ecclesia, 26 Martii 1860.
LXIV
Tanto
a violação de qualquer juramento santíssimo, como qualquer ação
má e criminosa, contrária à Lei eterna, não só não há de ser
reprovada, mas é totalmente lícita e digna do maior louvor, quando
seja feita pelo amor da pátria.
Alloc.
Quibus quantisque, 20 Aprilis 1849.
§
VIII
Erros
a Respeito do Matrimônio Cristão
LXV
Não
se pode admitir de modo algum, que Cristo tenha elevado o Matrimônio
à dignidade de Sacramento.
Litt.
Apost. Ad Apostolicae Sedis, 22 Augusti 1851.
LXVI
O
Sacramento do Matrimônio não é senão um acessório do contrato e
separável dele, e o mesmo Sacramento consiste somente na bênção
nupcial.
Litt.
Apost. Ad Apostolicae Sedis, 22 Augusti 1851.
LXVII
O
vínculo do Matrimônio não é indissolúvel por direito natural, e
em vários casos, o divórcio propriamente dito, pode ser sancionado
pela autoridade civil.
Litt.
Apost. Ad Apostolicae Sedis, 22 Augusti 1851.
Alloc.
Acerbissimum, 27 Septembris 1852.
LXVIII
A
Igreja não tem o poder de estabelecer impedimentos dirimentes do
Matrimônio, mas este poder compete à autoridade civil, a qual deve
abolir os impedimentos que existem.
Litt.
Apost. Multiplices inter, 10 Junii 1851.
LXIX
A
Igreja começou a introduzir os impedimentos dirimentes nos últimos
séculos, não por direito próprio, mas usando do direito que tinha
recebido do poder civil.
Litt.
Apost. Ad Apostolicae Sedis, 22 Augusti 1851.
LXX
Os
Cânones do Concílio Tridentino, que lançam a excomunhão naqueles
que se atrevem a negar à Igreja o poder de estabelecer impedimentos
dirimentes, ou não são dogmáticos, ou entender-se-ão do sobredito
poder recebido.
Litt.
Apost. Ad Apostolicae Sedis, 22 Augusti 1851.
LXXI
A
forma do Concílio Tridentino não obriga sob pena de nulidade, nos
lugares onde a lei civil prescreve outra forma, querendo que o
Matrimônio celebrado com esta nova forma seja válido.
Litt.
Apost. Ad Apostolicae Sedis, 22 Augusti 1851.
LXXII
Bonifácio
VIII foi o primeiro que afirmou, que o voto de castidade feito na
Ordenação, torna nulo o Matrimônio.
Litt.
Apostolicae Sedis, 22 Augusti 1851.
LXXIII
Pode
haver verdadeiro Matrimônio entre cristãos em virtude do contrato
puramente civil, e é falso, ou que o contrato matrimonial entre
cristãos seja sempre Sacramento, ou que o contrato seja nulo se
excluir o Sacramento.
Litt.
Ad Apostolicae Sedis, 22 Augusti 1851.
Lettera
di S. P. Pio IX al Re di Sardegna, 9 Settembre1852.
Alloc.
Acerbissimum, 27 Septembris 1852.
Alloc.
Multis gravibusque, 17 Decembris 1860.
LXXIV
As
causas matrimoniais e os esponsais por sua natureza pertencem ao foro
civil.
Litt.
Apostolicae Ad Apostolicae Sedis, 22 Augusti 1851.
Alloc.
Acerbissimum, 27 Septembris 1852.
N.
B. – Podem referir-se aqui
dois outros erros, a saber, que abolir-se-á o celibato clerical, e
que o estado matrimonial preferir-se-á ao estado de virgindade. São
condenados, o primeiro na Carta Encícl. Qui pluribus,
de 9 de Novembro de 1846; o segundo nas Letras Apostólicas
Multiplices inter, de
19 de Junho de 1851.
§
IX
Erros
a Respeito do Principado do Romano Pontífice
LXXV
Sobre
a compatibilidade do reino temporal com o espiritual, disputam entre
si os filhos da Igreja cristã e católica.
Litt.
Apost. Ad Apostolicae Sedis, 22 Augusti 1851.
LXXVI
A
abolição do império civil que a Sé Apostólica possui, seria de
grandíssimo proveito para a liberdade e a prosperidade da Igreja.
Alloc.
Quibus quantisque, 20 Aprilis 1849.
Alloc.
Si semper antea, 20 Maii 1850.
N.
B. – Além destes erros
censurados explicitamente, muitos outros são reprovados
implicitamente onde é proposta e estabelecida a doutrina, que todos
os católicos são obrigados a ter firmemente, sobre o principado
civil do Romano Pontífice. Esta dotrina é ensinada luminosamente na
Alocução Quibus quantisque,
de 20 de Abril de 1849; na Alocução Si semper antea,
de 20 de Maio de 1850; nas Letras Apostólicas Cum
Catholica Ecclesia, de 26 de
Março de 1860; na Alocução Novos et antea,
de 28 de Setembro de 1860;
na Alocução Jamdudum,
de 18 de Março de 1861; na Alocução Maxima quidem,
de 9 de Junho de 1862.
§
X
Erros
que se Referem ao Liberalismo Moderno
LXXVII
Nesta
nossa idade não convém mais, que a Religião Católica seja tida
como a Religião única do Estado, com exclusão de quaisquer outros
cultos.
Alloc.
Nemo vestrum, 26 Julii 1855.
LXXVIII
São
pois dignos de louvor os Estados católicos, nos quais foi
estabelecido por lei, que a todos que neles se transferirem, seja
lícito o exercício público do culto de cada um.
Alloc.
Acerbissimum, 27 Septembris 1852.
LXXIX
É
absolutamente falso, que a liberdade civil de qualquer culto, bem
como o poder ilimitado concedido a todos, de manifestar aberta e
publicamente quaisquer opiniões e pensamentos, contribua para
corromper mais facilmente os costumes e o espírito dos povos e
propagar a peste do indiferentismo.
Alloc.
Nunquam fore, 15 Decembris 1856.
LXXX
O
Pontífice Romano pode e deve reconciliar-se e acomodar-se com o
progresso, com o liberalismo e com a civilização moderna.
Alloc.
Jamdudum cernimus, 18 Martii 1861.
CAPÍTULO
SEXTO
Complemento
do “Syllabus”
ou
A
Encíclica “Quanta Cura”
_____________
§
1
RELAÇÃO
ENTRE
A
ENCÍCLICA E O “SYLLABUS”
O
Sumo Pontífice Pio IX, quando mandou o “Syllabus” aos
Bispos do orbe católico, lhes mandou juntamente a célebre Encíclica
Quanta cura, a qual pode e deve ser considerada como o
complemento do “Syllabus”, um só corpo de doutrina; tendo
o mesmo objeto e o mesmo fim. Isto aparece manifesto, se se
considerar quer o conteúdo da Encíclica, quer a maneira com que o
Papa a comunicou aos Bispos, quer enfim, o modo como foi acolhida e
entendida pelos mesmos Bispos e por toda a Igreja. Vejamos.
I.
Pio IX na Encíclica lembra, em primeiro lugar, como ele, desde o
princípio do seu Pontificado, vendo o aluvião de erros que invadia
a sociedade com gravíssimos danos das almas, nunca deixou, em suas
Alocuções, Encíclicas e outras Cartas Apostólicas, de denunciar e
condenar os erros principais da nossa época, para precaver
e livrar deles os fiéis. Depois acrescenta, que agora pelos mesmos
motivos, vê-se obrigado a lançar mão do mesmo meio, para profligar
outros erros não menos perniciosos. Declara mais, que os erros que
vai enumerar e expor são conexos com aqueles
que já condenava, antes são consequências, que derivaram deles
como de sua fonte. Por isso, os denuncia e condena da mesma maneira,
chamando para eles a atenção dos Bispos, para que, juntamente, com
os primeiros (os declarados no “Syllabus”)
os façam conhecer ao povo e o exortem a evitá-los. É pois
evidente, que os erros condenados na Encíclica são intimamente
conexos com os do “Syllabus”,
e a condenação de uns e de outros tem o mesmo objeto, o mesmo
caráter, o mesmo fim.
O
Pontífice indica uma razão especial, que o move e obriga a condenar
estas novas opiniões; e é, que elas tendem a abalar os alicerces de
todo o edifício religioso e social. Pois,
diz ele, – “o que têm
principalmente em mira é 1º.
Impedir e remover
aquela força salutar, que a Igreja Católica, por disposição e
mandato de seu divino Autor, deve exercitar livremente, até o fim
dos séculos, não menos sobre cada um dos homens, que sobre as
nações, os povos e seus supremos regedores; bem como 2º.
tirar aquela união e concórdia mútua entre o Sacerdócio e o
império, que foi sempre proveitosa e salutar tanto às coisas
religiosas, como às sociais”.
– Ora estes erros fundamentais são na maior parte, prenunciados e
predatados nas proposições do “Syllabus”,
das quais, como o mesmo Pontífice afirma, eles derivaram; e pode-se
averiguar, lendo as proposições dos parágrafos V e VI do
“Syllabus”.
Isto mostra ainda uma vez, que a Encíclica é uma consequência,
declaração e confirmação do “Syllabus”.
O
que dissemos é confirmado admiravelmente pela história dos estudos
preparatórios do “Syllabus”.
Deles resulta, que Pio IX, querendo propor aos fiéis um elenco dos
erros principais que se espalhavam na sociedade, a fim de que todos
os conhecessem e evitassem, desde o ano de 1852 mandou fazer sobre
este assunto longos e aturados estudos. Completados esses estudos e
assentados os erros que queria por diante dos olhos dos fiéis,
determinou que primeiro se redigisse e formulasse o catálogo
daqueles que já tinham sido por ele condenados em suas Alocuções e
Letras Apostólicas.
Este catálogo é o que foi
denominado “Syllabus”.
Os outros erros apontados, que julgou serem igualmente dignos de
condenação, condenou-os na Encíclica Quanta
cura, que mandou a todos
os Bispos, juntamente, com o “Syllabus”.
Portanto, a Encíclica, considerada também historicamente, não é
senão uma continuação e um complemento natural e necessário do
“Syllabus”.
II.
Vejamos agora a maneira, com que a Encíclica foi comunicada aos
Bispos. Pio IX serviu-se para isto do Cardeal Secretário de Estado;
e este, cumprindo a ordem do Papa, enviou a todos os Bispos,
juntamente, a Encíclica e o “Syllabus”.
No mesmo tempo lhes
declarava que o “Syllabus”
ser-vir-lhes-ia para ter
diante dos olhos os principais erros dos nossos tempos até então
condenados pelo Sumo Pontífice em Documentos publicados em várias
épocas; e na Encíclica encontrariam outros erros, que o Papa julgou
dever ainda condenar. Vê-se pois claramente, que Pio IX, enviando
aos Bispos o “Syllabus”
e a Encíclica, considerava esta, como uma continuação e
complemento do primeiro.
É
também digna de nota a forma adotada por Pio IX, nesta Encíclica,
na condenação dos erros. Pois, nela os erros condenados não só
são formulados em proposições precisas, mas estas no texto são
marcadas e grifadas; coisa que nunca fizera nos Documentos
anteriores, dos quais foram extraídas as proposições enunciadas no
“Syllabus”.
Portanto, também pela forma especial da redação da Encíclica se
faz manifesto, que nela são propostas proposições condenadas, que
hão de formar como uma continuação e complemento do “Syllabus”.
III.
Enfim, todos os Bispos,
recebendo o “Syllabus”
e a Encíclica, consideraram um e outra como Documento da mesma
categoria e do mesmo valor, contendo a enumeração dos erros da
época, condenados por Pio IX, e por ele mandados coligir e enumerar,
para que sirvam de normas na instrução dos fiéis. Neste sentido
falam os Bispos quer em suas Pastorais, quer nos protestos que
dirigiram aos Governos, declarando e defendendo o procedimento e os
direitos do Sumo Pontífice na publicação destes dois Documentos. O
mesmo Pio IX, falando da condenação feita por ele dos erros
modernos, enumera juntamente o “Syllabus”
e a Encíclica. Por exemplo, em um Breve de 22 de Julho de 1875,
dirigido aos membros da Assembleia geral dos comitados católicos,
assim se exprime: – “Sendo
certo, que nada se pode estabelecer, que seja de firme e vantajoso ao
verdadeiro progresso das almas, se não for estribado na sã
doutrina, ou se em qualquer ponto se afastar da verdade, vós que
tivestes em vista o bem sólido de vossos irmãos, resolvestes com
grande sabedoria, de seguir fielmente e com plena obediência os
ensinos desta Cadeira de verdade, e, tomando-o por guia, de evitar
cuidadosamente todos os erros e opiniões perigosas, sobretudo
aquelas que foram proscritas na Carta Apostólica ‘Quanta cura’ e
no ‘Syllabus’ que está junto com ela”.
Podemos
pois concluir, afirmando, que a Encíclica “Quanta
cura”, em si mesma, e
na mente do Papa, reconhecida também por todos os Bispos, é uma
continuação e complemento do “Syllabus”,
formando com ele um só corpo de doutrina e como um código oficial,
autorizado, sobre os erros modernos, que o Sumo Pontífice Pio IX
julgou dever condenar, estimulando e exortando os fiéis a
detestá-los e evitá-los.
Damos
em seguida as proposições condenadas na Encíclica, com a
condenação grave e solene que
contra todas elas pronunciou o Sumo Pontífice. A algumas
acrescentamos em nota o julgamento especial, que delas fez o Papa na
mesma Encíclica.
Texto
das Proposições
da
Encíclica “Quanta Cura”
ERROS
CONDENADOS NA ENCÍCLICA
I.
A forma mais perfeita da Sociedade pública e o progresso civil
exigem absolutamente, que a sociedade humana seja constituída e
governada, não tendo em conta a Religião, como se ela não
existisse, ou pelo menos, sem fazer diferença alguma entre a
Religião verdadeira e as falsas.
II.
A melhor condição da sociedade é aquela, em que não se reconhece
no poder a obrigação de reprimir, por meio de penas estabelecidas
por lei, os violadores da Religião Católica, senão enquanto a
tranquilidade pública o exija.
III.
A liberdade de consciência e de cultos é um direito próprio de
cada um, que deve ser proclamado e estabelecido por lei em toda
sociedade bem constituída; e os cidadãos têm direito à liberdade
plena (que não pode ser restrita por nenhuma autoridade eclesiástica
ou civil) de manifestar e declarar aberta e publicamente, quer por
palavras, quer pela imprensa, quer de outro modo, todos e quaisquer
seus pensamentos.
IV.
A vontade do povo, manifestada pelo que chamam opinião pública, ou
de outra maneira, constitui a lei suprema, independente de todo
direito divino e humano; e na ordem política os fatos consumados, só
pela razão de serem consumados, têm valor de direito.
V.
Tirar-se-á quer aos cristãos, quer à Igreja, a faculdade de
distribuir publicamente esmolas, a título de caridade cristã; e
abolir-se-á a lei, pela qual, em certos dias, são proibidas, por
motivos do culto divino, as obras servis.
VI.
A sociedade doméstica ou a família, deriva toda a razão, de sua
existência somente do direito civil; e por conseguinte, só do poder
civil derivam e dependem todos os direitos dos pais sobre os filhos,
e sobretudo o direito de procurar a sua instrução e educação.
VII.
O Clero, sendo inimigo do verdadeiro e proveitoso progresso da
ciência e da civilização, há de ser excluído do cargo e do
ministério da formação e educação da mocidade.
VIII.
As leis da Igreja não obrigam em consciência, senão quando são
promulgadas pelo poder civil; – os atos e decretos dos Pontífices
Romanos, que dizem respeito à Religião e à Igreja, precisam da
sanção e da aprovação, ou pelo menos, do consentimento do poder
civil; – as Constituições Apostólicas, que condenam as
sociedades secretas,
quer nelas se exija o juramento de guardar o segredo, quer não, e
excomungam os seus adeptos e os seus fautores, não têm vigor algum
nos países, em que essas associações são toleradas pelo Governo
civil; a excomunhão fulminada pelo Concílio de Trento e pelos
Pontífices Romanos contra
os invasores e usurpadores dos direitos e propriedades da Igreja,
fundam-se na confusão da ordem espiritual e da ordem civil e
política, para promover unicamente interesses temporais; – a
Igreja não deve decretar coisa alguma, que possa ligar a consciência
dos fiéis relativamente ao uso dos bens temporais; –
a Igreja não tem o direito de reprimir, por meio de penas temporais,
os violadores das suas leis; – é conforme aos princípios da
teologia e do direito público, atribuir e adjudicar ao Governo civil
a propriedade dos bens possuídos pela Igreja, pelas Congregações
religiosas e pelos outros pios institutos.
IX.
O poder eclesiástico não é, por direito divino, distinto e
independente do poder civil, e esta distinção e esta independência
não se podem manter, sem que a Igreja invada e usurpe os direitos
essenciais do poder civil.
X.
Pode-se, sem pecado e sem quebra alguma da profissão católica,
negar o consentimento e a obediência aos juízes e decretos da Sé
Apostólica, cujo objeto declara-se, que pertence ao bem geral da
Igreja, a seus direitos, à sua disciplina, conquanto, não se trate
dos dogmas da fé e dos costumes.
Sobre
estas proposições, o Sumo Pontífice profere nestes termos a sua
sentença:
“Todas
e cada uma das más opiniões e doutrinas expressamente mencionadas
nas presentes Letras, Nós, pela Nossa Autoridade Apostólica, as
reprovamos, proscrevemos, as condenamos, e queremos e ordenamos a
todos os filhos da Igreja Católica que, as tenham como reprovadas,
proscritas e condenadas”.
Depois
da condenação desses erros, Pio IX conclui a parte doutrinal da
Encíclica, indicando aos Bispos o que devem ensinar aos fiéis, para
precavê-los do pasto envenenado das más doutrinas. Transcrevemos
algumas das palavras do Pontífice, porque contém doutrinas e
ensinos de maior importância para os nossos tempos e para a
sociedade atual.
– “Não
deixeis,
diz Pio IX aos Bispos, inculcar
aos fiéis, que toda a verdadeira felicidade para os homens dimana da
nossa augusta Religião, da sua doutrina e da sua prática, e
que é feliz aquele povo, de quem Deus é o Senhor.
Ensinai,
que os reinos se apoiam no fundamento da fé católica;
e que nada há tão
mortífero e tão arriscado, e tão exposto a todos os perigos, como
acreditar, que nos basta o livre arbítrio que recebemos à nascença,
sem termos que pedir a Deus outra coisa, isto é, que esquecendo-nos
do nosso Autor, nos atrevamos a renegar o seu poder, para nos
mostrarmos livres.
Não
deixeis também de ensinar, que o poder real não é conferido
somente para o governo deste mundo, mas sobretudo, para proteger a
Igreja;
e que nada pode
haver mais vantajoso e mais glorioso para os chefes dos Estados e
para os Reis, do que conformarem-se com as palavras, que o
sapientíssimo e corajoso
Predecessor S. Félix escrevia ao Imperador Zeno, isto é: – Deixar
à Igreja Católica governar-se pelas suas próprias leis, e não
permitir a pessoa alguma pôr embaraço a sua liberdade”.
Carta
Encíclica
Quanta
Cura
do
Sumo Pontífice
PIO
IX
Aos
Veneráveis Irmãos Patriarcas,
Primazes,
Arcebispos e Bispos
em
graça e comunhão com a Sé Apostólica:
Sobre
os erros modernos
do
Naturalismo e Liberalismo.
Veneráveis
Irmãos: Saudação e Bênção Apostólica.
TRADIÇÃO
APOSTÓLICA
1.
Quanta cura e vigilância pastoral os Romanos Pontífices,
predecessores Nossos, dispensaram em todos os tempos em cumprir a
missão a eles confiada pelo mesmo Cristo Nosso Senhor, na pessoa de
São Pedro, Príncipe dos Apóstolos, de apascentar as ovelhas e os
cordeiros, já nutrindo toda a grei do Senhor com os ensinamentos da
fé, já embebendo-a em doutrinas sãs, já apartando-a dos pastos
envenenados, de todos, mas mui em especial de vós, Veneráveis
Irmãos, é perfeitamente conhecido e sabido. Porque, em verdade, o
que em seus corações mais profundamente gravaram Nossos
predecessores, defensores e vindicadores de nossa Sacrossanta
Religião Católica, solícitos como eram de modo extraordinário
pelo bem das almas, foi condenar e destruir todas as heresias e
erros, que, combatendo nossa fé divina, a doutrina católica da
Igreja, a honestidade dos costumes e a salvação eterna dos homens,
suscitaram graves tormentas e acarretaram danos à sociedade civil
cristã, de maneira lamentável. Em virtude disso, Nossos
predecessores, refertos da
fortaleza apostólica, contrapuseram contínua resistência às
iníquas tramas dos homens que, espumejando suas confusões como as
ondas encapeladas do mar e prometendo liberdade, quando na realidade
eram escravos do mal, trataram de destruir, com suas opiniões
capciosas e escritos perniciosos, os fundamentos da Religião
Católica e da sociedade civil; de arrancar do seu meio toda virtude
e justiça; de depravar todos os corações; de separar os incautos,
sobretudo a juventude pouco experiente, da reta norma dos costumes
são, prendê-los nas malhas do erro, e arrancá-los, desta forma, ao
seio da Igreja Católica.
A
IGREJA EM ALERTA
2.
Assim, pois, Veneráveis Irmãos, como vós bem o sabeis, apenas Nós,
por secretos desígnios da Divina Providência, sem méritos de Nossa
parte, fomos elevado a esta Cátedra de Pedro, ao deparar a horrorosa
tormenta suscitada por tantas opiniões perversas, ao examinar os
danos gravíssimos e nunca suficientemente deplorados, que de tais
erros redundam para o povo cristão, conhecendo qual era o nosso
dever, seguindo as pegadas de Nossos Predecessores, elevamos a Nossa
voz e, pela publicação de Encíclicas e Alocuções proferidas em
Consistório, e por outros Documentos Apostólicos, condenamos os
erros principais de nossos tempos infelicitados, excitamos vossa
vigilância episcopal e uma que outra vez admoestamos os nossos
filhos caríssimos a que, atemorizados, evitassem o contágio de
peste tão horrível de doutrina. E sobretudo, em Nossa primeira
Encíclica, de 9 de Novembro de 1846, dirigida a vós,
e em duas Alocuções
consistoriais, de 9 de Dezembro de 1854 e de 9 de Julho de 1862,
condenamos as horrendas opiniões que, com grande prejuízo das almas
e detrimento da sociedade civil, hoje em dia imperam, erros que não
só se opõem à Igreja Católica, à sua doutrina de salvação e
direitos venerados, mas também à lei natural e eterna de Deus,
inscrita em todos os corações, da mesma forma que à reta razão;
erros dos quais derivam quase todos os demais.
LIBERDADES
DE PERDIÇÃO
3.
E embora jamais tenhamos omitido a proscrição e condenação desses
erros, contudo a causa da Igreja Católica e o bem das almas, que nos
foram confiados por voz do alto, a par do bem-estar comum, pedem em
absoluto que de novo despertemos vossa atenção e cuidado, por força
de outras opiniões que deles, como fonte, nascem e derivam. Opiniões
essas falsas e perversas, que tanto mais se hão de detestar,
porquanto tendem a diminuir e impedir a força salutar que a Igreja
Católica tem a exercer por sua própria instituição divina e por
mandato de Cristo, até à consumação dos séculos, não menos
sobre os homens em particular que sobre as nações, povos e reis;
visam desfazer a concórdia e união entre a Igreja e o Estado, que
sempre foram próvidas em bens, tanto para a própria sociedade civil
como a eclesiástica.
4.
Sabeis muito bem, Veneráveis Irmãos, que em nossos dias não poucos
há que, aplicando à sociedade civil o ímpio e absurdo naturalismo,
se atrevem a ensinar “que
a razão de ser da vida pública e o próprio progresso civil
requerem que a sociedade humana se constitua e governe sem
preocupar-se em nada com a religião, como
se ela nem existisse, ou, pelo menos, sem fazer distinção alguma
entre as religiões falsas e a verdadeira”.
E, indo de encontro à doutrina das Sagradas Escrituras e dos Santos
Padres, não duvidam em afirmar que “a
melhor condição da sociedade civil é aquela em que não se
reconhece ao poder civil autoridade para coarctar com sanções os
violadores da Religião Católica, sempre que a paz pública o não
exija”. E
partindo dessa falsa ideia social, seus propagadores não temem em
fomentar a opinião, desastrosa para a Igreja Católica e a salvação
das almas, denominada por Nosso Predecessor, de feliz memória, de
“loucura”,
de que “a liberdade de
consciência e de culto é direito próprio e inalienável do
indivíduo, que há de proclamar-se nas leis e estabelecer-se em
todas as sociedades retamente constituídas; de que aos cidadãos
assiste o direito de toda liberdade sem que a lei eclesiástica ou
civil a possa reprimir, liberdade para manifestar ou declarar
publicamente qualquer ideia, já pela palavra, já pela imprensa, ou
por outra via qualquer”.
E não se apercebem de que, enquanto pensam e excogitam todas estas
coisas, estão pregando as “liberdades
de perdição”,
e que, “se é sempre
livre disputar das coisas humanas, nunca hão de faltar os que irão
além da verdadeira sabedoria,
confiados em sua loquacidade natural, cônscios, como se sabe, de que
modo se há de evitar, para o bem da fé e da sabedoria cristã, essa
perniciosíssima maneira de sentir, segundo determinou o mesmo Cristo
Senhor Nosso”.
NOVOS
ERROS
5.
E como com tirar a religião da sociedade civil se repudia a doutrina
mesma da divina Revelação, perde-se e nimba-se também a própria
noção, irmã sua, da justiça e do legítimo direito,
substituindo-o, em seu lugar, a força material, explica-se como
alguns, pondo de lado os santíssimos e certíssimos princípios da
razão, ousam dizer que “a
vontade do povo, manifestada na chamada opinião pública ou por
outro modo, é a suprema lei, livre de todo direito divino ou humano;
que na ordem pública os fatos consumados, pelo mesmo feito por que
se hão consumado, possuem força de lei”.
Mas quem não prevê e não percebe que a sociedade, livre de todo
laço de religião e justiça, outro ideal não pode mirar que o de
conquistar e acumular riquezas e que outra lei não seguirá senão a
infrene concupiscência do coração, posta ao serviço de suas
próprias comodidades e caprichos? Por isso mesmo, esses
tais votam ódio às Ordens religiosas, tão beneméritas à
sociedade cristã, civil e mesmo à literária, e proclamam
blasfemamente que tais Ordens não possuem razão legítima de
existir, fazendo eco, assim, aos erros dos hereges. Como sabiamente
ensina Nosso Predecessor de feliz e recente memória Pio VI, a
abolição das
religiões
prejudica o Estado de pública profissão dos Conselhos Evangélicos,
tão recomendada na vida da Igreja, em consonância com a doutrina
apostólica, e condena os próprios fundadores que veneramos nos
altares, os quais, inspirados por Deus, formaram suas próprias
religiões”.
Também proclamam impiamente
que se há de subtrair à Igreja e aos fiéis a faculdade “de
distribuir caritativamente esmolas em público”;
que se hão de anular as leis, pelas quais “em
determinados dias de festa se proíbem os trabalhos, para cultuar a
Deus”, assegurando,
falazmente, que tal lei e tal poder estão em oposição aos
princípios da melhor economia pública.
E, não contentes com tirar a religião da vida pública, querem até
arrancá-la da própria vida familiar. E, apoiando-se nos
funestíssimos erros do comunismo e do socialismo, afirmam que “a
sociedade doméstica tem razão de existir somente no direito civil”
e que da mesma forma “somente
do direito civil se originam e dependem os direitos dos pais sobre os
filhos, sobretudo os referentes à formação e educação dos
mesmos”. Esses homens
falacíssimos, com opiniões tão ímpias, pretendem eliminar
totalmente a influência da Igreja na formação e educação cristã
da juventude, para que as fléxeis
almas juvenis se vejam obrigadas a depravar-se e macular-se com todos
os erros e vícios. Pois, quantos sempre pretenderam perturbar a
sociedade, tanto sagrada como civil, destruir a reta ordem social e
acabar com todos os direitos humanos e divinos, dirigiram seu empenho
e esforços no intuito de enganar e depravar, como já fizemos
anotar, a juventude, em cuja corrupção depuseram toda a sua
esperança. Por isso, nunca cessam de difamar ambos os Cleros, dos
quais defluíram tantíssimos bens à sociedade cristã, civil
e mesmo literária, como o está a depor brilhantemente a história
em todos os seus monumentos; e não se calam de proclamar que o
Clero, “como inimigo do
progresso, da ciência e da civilização, tem de ser arredado da
formação e educação da juventude”.
6.
Outros, em contrabalanço, renovando os sonhos tantas vezes
condenados dos Protestantes, ousam dizer, com suma desfaçatez, que a
suprema autoridade da Igreja e desta Sé Apostólica, fundada pelo
próprio Cristo, depende absolutamente do poder civil, ao qual deve
submeter-se; e para quanto respeita à ordem externa, negam todo
direito a esta mesma Sede Apostólica e à Igreja. Nem se pejam de
afirmar que “as leis da
Igreja não obrigam em consciência, se não se promulgarem pela
autoridade civil; que os atos e decretos dos Romanos Pontífices,
mesmo referentes à Igreja, necessitam da sanção e aprovação –
ou ao menos do
assentimento – do poder civil; que as Constituições Apostólicas,
nas quais se condenam as sociedades clandestinas, exijam ou não o
segredo, se anatematizam os sócios ou propagadores, não têm força
nas regiões em que essas
sociedades são toleradas pela autoridade civil: que a excomunhão
lançada pelo Concílio de Trento e pelos Romanos Pontífices contra
os que invadem e usurpam os direitos e bens da Igreja, arrimam-se na
confusão da ordem espiritual com a civil e política, visando o bem
comum; que a Igreja nada deve ordenar que restrinja as consciências
dos fiéis, com respeito ao uso das coisas temporais; que à Igreja
não assiste o direito de punir com penas temporais os infratores de
suas leis; que é conforma à Sagrada Teologia e os princípios do
Direito Público que a propriedade dos bens possuídos pelas
igrejas, Ordens religiosas e outras obras pias se submetam à
autoridade civil. Nem lhes peja confessar publicamente o herético
princípio de que nascem tais erros e opiniões. Pois dizem que “o
poder da Igreja não é por direito divino distinto e independente do
civil, e que tal distinção e independência não se podem observar,
sem que a Igreja invada e usurpe os direitos essenciais da autoridade
civil”. E não podemos
silenciar a audácia dos que, não sofrendo os princípios da sã
doutrina, defendem “que
aos juízos e decretos da Sé Apostólica, que miram o bem geral da
Igreja e de seus direitos, e que se referem à sua disciplina,
enquanto não tocam
os dogmas da fé e dos costumes, se podem negar o assentimento e a
obediência sem pecado e sem infração alguma da profissão
católica”. Não há
quem veja e entenda clara e abertamente até que ponto tal opinião
contrasta com o dogma católico do pleno poder divinamente conferido
pelo mesmo Cristo Nosso Senhor ao Romano Pontífice, de apascentar,
reger e governar a Igreja.
CONDENAÇÃO
DESTES ERROS
7.
No meio de tamanha perversidade de opiniões depravadas, Nós,
trazendo viva em Nossa mente a missão apostólica, solícito pela sã
doutrina, pela salvação das almas a Nós divinamente confiadas e
pelo próprio bem-estar da sociedade humana, pensamos novamente em
fazer ouvir Nossa voz apostólica. Portanto, todas e cada uma das
opiniões e perversas doutrinas, explicitamente especificadas neste
Documento, por Nossa autoridade apostólica, reprovamos, proscrevemos
e condenamos; queremos e mandamos que os filhos da Igreja as tenham,
todas, por reprovadas, proscritas e totalmente condenadas.
8.
A par disso sabeis muito bem, Veneráveis Irmãos, como nestes tempos
os inimigos acérrimos de nossa religião e solapadores de toda
verdade e justiça, iludindo e mentindo maliciosamente ao povo, por
meio de livros, folhetos e periódicos disseminados por todo o orbe,
espalham também outras doutrinas ímpias.
9.
Não ignorais que em nossos tempos há também os que, movidos e
incitados do espírito de Satanás, chegam à afoites de atacar a
Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei absoluto, e a sua divindade, com
frases insolentes e criminosas. E aqui não podemos deixar de louvar
egregiamente, Veneráveis Irmãos, vosso zelo, pois contínua e
esforçadamente haveis alçado vossa voz contra tanta impiedade.
ORAÇÕES
E PETIÇÕES
10.
Assim, pois, nesta Nossa carta vos falamos de novo com tanto amor,
que, chamados a tomar parte em nossa solicitude,
Nos servis de sumo alívio, alegria e consolo, pela magnífica
religiosidade e piedade em que vos manifestais e pelo admirável
amor, fidelidade e observância com que estais ligados, em plena
conformidade de ânimo, a Nós e a esta Sé Apostólica, e tratais de
cumprir o vosso ministério episcopal, gravíssimo por certo, com
fortaleza e cuidado. Esperamos, pois, de vosso egrégio zelo pastoral
que, empunhando o gládio do espírito, que é a Palavra de Deus, e
confortados na graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, olheis dia a dia
desveladamente por todos os fiéis entregues ao vosso cuidado, “para
que se abstenham das ervas daninhas, que Jesus Cristo não cultiva e
não são plantação do Pai”.
E não deixeis de inculcar aos mesmos fiéis que toda verdadeira
felicidade humana provém de nossa augusta
religião e de sua doutrina e exercício, e que só é feliz o povo,
cujo Senhor é seu Deus.
Ensinai que “os reinos
subsistem,
sustentados no fundamento da fé católica; que nada há tão
mortífero e tão propício à ruína, tão exposto a todos os
perigos, como o pensamento de que, podendo bastar-nos a nós mesmo
pelo livre alvedrio(arbítrio) que recebemos ao nascer, nada mais
temos que pedir a Deus; ou, por outras, esquecidos de nosso Criador,
renunciemos ao seu império, para emancipar-nos”.
E não omitais tampouco, de
ensinar que o poder real não se concede somente para reger o mundo,
mas também e precipuamente para defender a Igreja;
e que nada há que possa
trazer fruto mais abundante e glória maior aos reis e príncipes da
sociedade, que deixar à Igreja Católica o uso de suas próprias
leis e não permitir que se lhe
anteponham entraves à liberdade da mesma, conforme ensinamentos
emanados do sapientíssimo e mui valoroso Predecessor Nosso S. Félix,
ao escrever ao imperador Zenão. Pois é certo que, ao se tratar das
causas de Deus, é bom que em tudo isso a vontade régia se esforce
em submeter-se aos Sacerdotes de Cristo e não antepor-se aos mesmos,
segundo o que o próprio Deus há determinado”.
11.
Se sempre, Veneráveis Irmãos, mas sobretudo agora, em meio às
graves calamidades da Igreja e da sociedade civil; em meio à
conspiração dos inimigos contra o Catolicismo e esta Sé
Apostólica; em meio a erros tão abundantes, urge necessariamente
que acorramos confiados ao trono da graça para alcançarmos
misericórdia e acharmos graça no auxílio oportuno. Pelo que
pensamos em excitar a piedade de todos os fiéis a fim de que, unidos
a Nós e a vós, orem e peçam ao Pai Clementíssimo das luzes e das
misericórdias, com preces fervorosíssimas e humilíssimas; acorram
sempre com inteira fé a Nosso Senhor Jesus Cristo que nos remiu com
seu Sangue; e peçam incessantemente e com força ao Coração
dulcíssimo de Jesus, Vítima do mais ardente amor para com os
homens, para que com os elos do seu amor atraia
todas as coisas a Si e para que todos os homens, inflamados em seu
amor santíssimo, procedam segundo o seu Coração, agradando a Deus
em todas as coisas e produzindo frutos em todo gênero de boas obras.
E como a Deus sempre agradam mais as orações que se lhe dirigem com
coração limpo de toda impureza, resolvemos abrir, com liberalidade
apostólica, aos fiéis cristãos os tesouros celestiais da Igreja,
confiados à Nossa dispensação, a fim de que os mesmos fiéis, mais
abrasados na verdadeira piedade e purificados das nódoas dos pecados
no Sacramento da Penitência, façam derramar diante de Deus suas
orações e alcancem sua graça e misericórdia.
12.
Por meio destas cartas, pois, por Nossa autoridade apostólica, a
todos e a cada um dos fiéis do orbe concedemos indulgência
plenária, à maneira de jubileu, por espaço de um mês, até o ano
vindouro de 1865, deixando a vós, Veneráveis Irmãos, e aos
Ordinários legítimos a determinação
do modo, sob a mesma forma que concedemos no início de Nosso supremo
Pontificado, em nosso breve de 20 de Novembro de 1846, dirigido a
todos os Bispos, breve que começava com as palavras: “Arcano
Divinae Providentiae consilio”
e com as mesmas facilidades que concedemos naquelas cartas. Queremos,
contudo, que se observem todas as prescrições do breve mencionado,
exceto o que já foi dito. Concedemos tudo isto, sem que outros
obstáculos se oponham, ainda que fossem dignos de especial e
individual menção e derrogação. E para que desapareça toda
dúvida e dificuldade, ordenamos sejam remetidos a todos vós
exemplares do citado Documento.
13.
“Roguemos, Veneráveis
Irmãos, do íntimo de nosso coração e de nossas almas à
misericórdia de Deus, já que Ele mesmo disse: Não afastarei deles
a minha misericórdia. Peçamos e receberemos; e se o auxílio se
fizer esperar, pensemos que temos ofendido gravemente; tornemos a
chamar, porque a quem chama se lhe abre, contanto que se bata à
porta com preces, gemidos e lágrimas, insistente
e perseverantemente; para que nossa oração seja unânime… cada
qual rogue a Deus, não somente por si, mas por todos os irmãos,
segundo Deus nos tem ensinado a orar”.
14.
Porém, para que Deus mais facilmente aceite nossas preces e desejos,
com toda confiança ponhamos por intercessora a Imaculada e
Santíssima Virgem Maria, Mãe de Deus, que destruiu todas as
heresias no mundo e que, sendo Mãe nossa amantíssima, “é
toda doce… e cheia de misericórdia…, se mostra a todos
clementíssima e propícia, e se compadece de nossas necessidades com
amplíssimo coração”,
pois Ela é a Rainha que
está à direita de seu Unigênito Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo,
adornada de vestes douradas e variegadas,
e nada há que não consiga do Senhor. Peçamos também os sufrágios
de S. Pedro, Príncipe dos Apóstolos, e de seu Co-apóstolo S.
Paulo, e de todos os Santos da corte celeste, os quais, amigos que
são de Deus, chegaram aos reinos celestiais e, coroados, possuem a
palma e, certos de sua imortalidade, se mostram solícitos pela nossa
salvação.
Finalmente,
pedindo para vós a Deus, do íntimo, a abundância de todos os dons
celestiais, em penhor de Nossa singular caridade, Veneráveis Irmãos,
a vós e a todos os clérigos e fiéis confiados à vossa solicitude,
brotada do fundo do coração, damo-vos a Bênção Apostólica.
Dado
em Roma, em S. Pedro, aos 8 de Dezembro de 1864, décimo ano após a
definição dogmática da Imaculada Conceição da Virgem Maria, Mãe
de Deus, e décimo nono de Nosso Pontificado.
PIO
PAPA IX
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Um comentário:
Magnífico post.
Obrigado.
Continuem.
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