A
Moral Independente
Os
Partidários deste sistema sustentam que não há outra religião
senão a moral, que é, segundo eles, separada e independente de
dogmas teológicos e até filosóficos. Isto induz a absurdas
contradições.
I
Quando
o homem se contenta com a moral, e que esta não depende de crença
alguma teológica, ou mesmo filosófica, é porque ele pôde
prescindir de todos os dogmas, e ser livre pensador, cético ou
qualquer das outras situações já estudadas;
porque do princípio que lhe basta a moral, segue-se necessariamente
que o seu espírito pode entregar-se a livre carreira para qualquer
sistema.
Mas
nesse caso recairia nas contradições já indicadas, e seria
envolvido nos maiores contrassensos. Primeira contradição.
II
A
evidência me obriga a reconhecer que a moral é um conjunto de
preceitos, que indicam ao homem o seu dever; que não há
prescrição possível sem lei que a imponha; que, por consequência,
os deveres da moral não tem razão de ser se não há princípio
superior ao homem, e que lhe sirva de base.
Mas,
no sistema da moral independente, eu haveria que sustentar que ela é
separada de todo o dogma teológico e até filosófico, e por
consequência, de Deus; isto é, que a moral é lei sem legislador,
efeito sem causa; e portanto, a moral independente é a independência
a respeito da moral. Segunda contradição.
III
Não
posso abster-me de confessar que a lei privada da sanção não tem
eficácia, e lei ineficaz é como se não existisse.
Mas,
no sistema da moral independente, eu afirmaria que não há outra
sanção senão a consciência, a qual, acomodando-se com o hábito,
admite transações; e o código penal, que ataca só os atos
exteriores, deixa curso livre às fantasias do homem e aos artifícios
do interesse e do crime; esse código castiga o mal, mas não cria o
bem, e assim a moral seria uma lei ineficaz, e a um tempo seria e
deixaria de ser lei. Terceira contradição.
IV
Diz-me
a razão, que o dever é invariável; que o bem por natureza é
sempre bem, e o mal sempre mal; que o dever de fazer o bem e de
evitar o mal é por consequência princípio essencial, imutável,
necessário, absoluto.
Mas,
no sistema da moral independente, aos deveres, que a constituem,
tiraria eu toda a base absoluta, e fá-los-ia assentar unicamente no
juízo arbitrário do homem, que produz o direito e o dever. Não
seria, pois, o dever para mim senão o direito reconhecido por mim
em outrem; de onde, se o direito
cessasse de ser
reconhecido em mim, eu poderia legitimamente pagar na mesma moeda;
preterir o meu dever como os outros faltam ao seu; enganar quem me
enganasse; caluniar quem me calunia; desculpar todos os meus crimes,
pelo exemplo alheio. Quarta
contradição.
V
Se
tenho horror ao ateísmo doutrinal, que eu e tudo quanto me rodeia
condena e reprova, como absurdo tão repugnante como palpável,
repilo da mesma sorte e com igual e invencível convicção o ateísmo
prático, que não se importa com Deus, vive e procede como se Ele
não existisse, e não fosse Autor, Conservador e Senhor absoluto das
criaturas; ateísmo que faz caminhar o homem, como sucede
ao animal, para a morte sem temor e sem esperança.
Mas,
no sistema da moral independente, eu admitiria necessariamente esta
detestável incoerência, essa desordem abominável do ateísmo
teórico. Quinta
contradição.
VI
O
princípio inconcusso da existência de Deus Criador, sendo
estabelecido, deduzo filosoficamente a necessidade para o homem de um
culto interior, resultante das faculdades da sua alma e das suas
relações essenciais com o seu Autor; a de um culto exterior que
manifeste os sentimentos da alma, e sem o qual o culto interior
esmorece e definha em breve, como a experiência o prova; a
dispensabilidade, enfim, de um culto público, pelo qual os homens
reunidos manifestem as suas crenças comuns e suas emoções
religiosas, sem o qual o culto interno e externo não podiam
manter-se por muito tempo, e que está por tal modo fundado sobre os
direitos do Deus Autor, Benfeitor
e Senhor Soberano das sociedades como dos indivíduos, que tem a
sanção de todos os séculos e o testemunho de todos os povos.
Mas,
no sistema da moral independente, eu suprimiria todo o culto, toda a
religião, por não haver necessidade alguma destas coisas. Sexta
contradição.
VII
É
fato da história antiga para os pagãos, e da contemporânea para os
povos ainda estranhor ao Cristianismo, que a sua moral tem lacunas,
deficiências e manchas, ao passo que a Moral Cristã é perfeita. É,
pois, fato incontestável aos nossos olhos que esta deve a sua
perfeição às verdades dogmáticas, que lhe servem de base,
princípio e origem, com as quais a sua união é indissolúvel.
Mas,
no sistema da moral independente, eu seria compelido a negar este
fato, esplêndido como o sol. Sétima
contradição.
_________________________
Fonte: Cônego E. Barthe,
“Motivos da Minha Fé Religiosa”,
1ª Parte, Cap. IX,
pp. 145-150.
2ª Edição, J.J. de Mesquita Pimentel – Editor, Porto, 1882.
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