Livre
Pensamento
ou
Liberalismo em
Matéria
de Religião
Pretendem
os livres pensadores, que cada qual tem liberdade de pensar e crer o
que lhe aprouver com referência às questões religiosas; que, em
consequência disto, cada um pode ser ateu, panteísta, materialista,
darwinista, positivista, fatalista ou cético ou qualquer outra
coisa. Vai-se mais adiante, e diz-se, que cada um tem o direito de
dizer o que pensa e crê, podendo manifestar as suas opiniões de
viva voz ou por escrito, e que, em toda a sociedade regularmente
constituída, o direito de liberdade de consciência e de cultos deve
ser reconhecido e garantido pela lei.
Este
sistema vai esbarrar-se com as contradições já apontadas,
mas além disto envolve outras próprias.
§
1º
Contradições
Relativas ao Livre Pensamento
I
Em
uma questão, que interessa a minha felicidade e a de minha família,
a minha felicidade pessoal e a dos que me são caros,
horrorizar-me-ia pensar e dizer que tenho a liberdade de tomar o
partido que me aprouver, sem me importar com a opinião e convicção
dos homens mais sensatos e respeitáveis. Mas sendo livre pensador,
eu poderia em plena independência tomar o partido, que me conviesse,
com referência às questões religiosas, sem me importar com a
opinião e convicção racional dos homens que com maior seriedade a
aprofundaram, os mais competentes para julgá-la. Primeira
contradição.
II
A
minha razão e a minha consciência repelem com toda a energia a
liberdade de fazer tudo, como princípio execrável, o qual tornaria
a terra o receptáculo imundo de todas as malversações.
Mas,
como livre pensador, deveria admitir a liberdade de fazer tudo,
consequência lógica e irresistível da liberdade de pensar. Segunda
contradição.
III
Nas
artes, nas ciências físicas, em literatura, direito, medicina, o
livre pensamento é aos olhos da minha razão verdadeira loucura.
Mas,
sendo livre pensador, eu deveria, nas questões religiosas, que sem
dúvida, são muito mais importantes a todos os respeitos, dar a esse
sistema o nome de verdadeira filosofia. Terceira contradição.
IV
Assim
como a minha vontade não é soberana, porque, quer queira, quer não,
depende mais ou menos dos meus semelhantes, e até dos seres
inanimados, também a minha inteligência o não é, porque em grande
número de ocasiões sou forçado a reconhecer que ela precisa do
auxílio de outrem, ou até que, entregue a si mesma, se enganou.
Mas,
como livre pensador, eu havia de reconhecer-lhe o direito de não
precisar de ninguém para atingir a verdade; e até a declararia
independente de Deus, cuja existência e soberania absoluta eu tenho
demonstrado invencivelmente. É a quarta contradição.
§
2º
Contradições
Relativas à Manifestação do Livre Pensamento
I
Não
posso abster-me de reconhecer que o direito, atribuído a cada um de
manifestar pela palavra e pela pena os seus pensamentos e opiniões
quaisquer, é princípio cuja aplicação daria livre curso a todos
os erros, ainda os mais monstruosos; aos vícios mais abjetos; às
devassidões do espírito, do coração e dos sentidos; destruiria a
sociedade, a família, legitimaria todas as desordens possíveis, e
arrastaria a humanidade à última degradação.
Este
princípio é pois essencialmente falso em si mesmo, e, aplicado às
questões religiosas, fica falso e detestável, como por natureza o
é.
Mas,
sendo livre pensador, deveria sustentá-lo apesar de tudo, e afirmar
que a árvore é sempre boa, embora os frutos sejam essencialmente
maus e pestilentos. Quinta contradição.
II
O
erro é o mal da inteligência, como o vício é o mal da vontade;
não posso pois admitir racionalmente o direito de semear o erro,
como não posso aceitar o direito de fomentar a imoralidade ou a
injustiça; só me cumpre proclamar como absurda e abominável a
liberdade de corromper as inteligências por falsas doutrinas, e de
cometer assim um crime igual ao envenenamento das fontes públicas e
ainda outros mais odiosos; porque, segundo o profundo pensamento de
Santo Agostinho, “a morte das almas pela liberdade do erro é o
pior dos envenenamentos”.
Mas,
como livre pensador, eu só poderia autorizar e preconizar essa
liberdade sacrílega, e chamá-la direito inviolável. Sexta
contradição.
III
Se
algum espírito extravagante se propusesse proclamar o direito
universal de publicar teorias falsas e funestas à indústria, ao
comércio, à agricultura, à economia, à saúde pública, diria
logo, com toda a energia do mais simples bom senso revoltado,
indignado: é absurdo, insensato e criminoso.
Mas,
o livre pensador, seria forçado a dizer, para ser consequente, que é
um direito tão legítimo como o de publicar livremente e sem reserva
em matéria de religião, opiniões quaisquer. Sétima
contradição.
IV
Uma
lei contrária à retidão natural do espírito humano e ao bem
público, longe de merecer este nome, é uma desordem intelectual e
moral, que a razão e a consciência pública repelem como um flagelo
para o povo, condenado a suportá-la. Mas querer que a lei reconheça
e assegure a liberdade de consciência e de cultos, é querer que se
coloque em oposição direta com a sã razão, e que organize a
desordem em matéria de religião na sociedade; é querer que o
legislador proclame oficialmente, que não há erro nem verdade: ou
que ambos tem os mesmos direitos a serem protegidos; e como estas
ideias exercem uma influência incontestável sobre os costumes, é
querer que as ideias más tenham o direito legal de corromper os
costumes.
Todo
o meu ser racional e honesto se insurge contra semelhante doutrina.
Mas,
o livre pensador é arrastado a defender este absurdo frisante e
repugnante. Oitava contradição.
V
Seria
razoável o homem, que admitisse em uma sociedade regularmente
constituída, que a lei deva reconhecer e assegurar a todas as
escolas médicas o direito de praticar indiferentemente todos os
sistemas de terapêutica e de higiene, ainda aqueles que fossem
prejudiciais ao corpo e comprometessem a vida? Não, por certo, e
seria estulta semelhante hipótese.
Mas,
o livre pensador deveria admitir que o mesmo cumpria praticar para
com todos os cultos e sociedades religiosas; e que as que fossem
nocivas à saúde da alma e comprometessem os interesses
incomparavelmente superiores da vida eterna, pelos seus dogmas e
práticas, tem direito para serem reconhecidas e protegidas
exatamente como aquelas cujos efeitos sejam contrários. Nona
contradição.
__________________________
Fonte:
Cônego E. Barthe, “Motivos da Minha Fé Religiosa”,
1ª Parte, Cap. VIII, pp.
137-143. 2ª Edição, J.J. de Mesquita Pimentel – Editor, Porto,
1882.
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