São
João Batista tem muitos nomes: é chamado Profeta, Amigo do Esposo,
Luz, Anjo, Voz, Elias, Batista do Salvador, Arauto do Juiz e
Precursor do Rei. Profeta devido ao privilégio do conhecimento;
Amigo do Esposo ao privilégio do amor; Luz ardente ao privilégio da
santidade; Anjo ao privilégio da virgindade; Voz ao privilégio da
humildade; Elias ao privilégio do fervor; Batista ao privilégio de
maravilhosa honra; Arauto ao privilégio da pregação; Precursor ao
privilégio da preparação.
I.
O nascimento de João Batista foi anunciado pelo Arcanjo. De acordo
com a História
Escolástica,
desejando expandir o culto a Deus o rei Davi instituiu 24 sumos
Sacerdotes, um dos quais, superior aos outros, chamado Príncipe do
Sacerdotes. Dos instituídos, dezesseis eram da linhagem de Eleazar e
oito da de Itamar, e a cada um atribuiu por sorteio uma semana de
ministério. A oitava semana coube a Abias, do qual descenderia
Zacarias. Já velhos, Zacarias e sua mulher não tinham filhos. Um
dia, enquanto uma multidão aguardava na porta para entrar no templo,
Zacarias lá dentro oferecia incenso quando lhe apareceu o Arcanjo
Gabriel. Ao vê-lo, Zacarias teve medo, mas o Anjo disse: “Não
tema, Zacarias, porque sua prece foi ouvida”.
É típico dos Anjos bons, diz a Glosa,
consolar bondosamente no mesmo instante aqueles que ficam assustados
ao vê-los, ao passo que os Anjos maus, mesmo assumindo a aparência
de Anjo de luz, não conseguem acalmar quem se assusta com sua
presença e fica horrorizado diante deles.
Gabriel
anuncia então a Zacarias que terá um filho de nome João, que não
beberia nem vinho nem cidra e precederia o Senhor em espírito e
Elias em virtude. João é chamado Elias devido ao lugar em que ambos
moraram, o deserto; devido à parca alimentação que consumiam;
devido à grosseira indumentária que ambos usavam; devido ao
ministério, pois ambos foram precursores, Elias do Juiz, João do
Salvador; devido ao zelo, pois as palavras dos dois queimavam como
tocha ardente.
Considerando
sua velhice e a esterilidade
de sua mulher,
Zacarias duvidou do que ouviu, e de acordo com o costume dos judeus
pediu uma prova ao
Anjo, que então o castigou com a mudez por ele não ter acreditado
nas suas palavras. Muitas vezes existe uma dúvida desculpável pela
grandeza das coisas prometidas, como se vê no caso de Abraão. De
fato, quando Deus prometeu que sua raça possuiria a terra de Canaã,
Abraão perguntou: “Senhor
meu Deus, como posso saber que a possuirei?”.
Deus respondeu: “Pegue
uma vaca de três anos etc.”.
Às vezes a dúvida vem da consideração da própria fragilidade,
como ocorreu com Gedeão, que exclama: “Explique-me,
meu Senhor, como libertarei Israel? Minha família é a mais humilde
em Manassés e eu sou o mais insignificante da casa de meu pai”.
Por isso, ele pediu um sinal, e recebeu. Às vezes a dúvida é
desculpada pela impossibilidade natural do acontecimento, como fica
patente com Sara. Quando o Senhor disse: “Voltarei
para vê-lo [Abraão]
e Sara terá um filho”,
ela, que escutara detrás da porta, riu: “Depois
que fiquei velha e meu marido também,
poderei ter um
filho?”.
Por
que Zacarias foi o único a ser castigado por ter duvidado, quando
também no seu caso havia a grandeza da coisa prometida, a
consideração da fragilidade pessoal que o fazia se ver indigno de
ter um filho, além da impossibilidade natural disso? Pode-se dizer
que foi por várias causas. Primeira, conforme BEDA, ele falou como
incrédulo, e foi condenado ao mutismo para, ficando calado, aprender
a crer. Segunda, ficou mudo para que ao nascer seu filho acontecesse
um grande milagre, pois com o nascimento de João seu pai recobrou a
fala, foi milagre em cima de milagre. Terceira, era conveniente que
ele perdesse a voz quando nascia a Voz que vinha calar a Lei. Quarta,
porque tinha pedido um sinal ao Senhor, e este sinal foi ser privado
da palavra: quando Zacarias saiu do templo e o povo viu seu estado de
mutismo, percebeu por seus gestos que ele tivera uma visão.
Como
sua semana de ministério tinha acabado, foi para casa e Isabel
concebeu, mas ficou escondida por cinco meses porque, conforme diz
Ambrósio, estava envergonhada de uma gravidez na sua idade, o que
poderia parecer que se entregava a ações libidinosas. Apesar disso,
ela estava feliz por ter se livrado do opróbrio da esterilidade,
que atingia as mulheres que não tinham fruto de seu casamento, ato
muito celebrado e no qual as relações carnais eram bem aceitas.
Seis
meses depois, a Bem-aventurada Maria, que já havia concebido o
Senhor como Virgem fecunda, foi felicitar sua prima pelo fim da
esterilidade dela e ajudá-la no que precisasse, porque era velha.
Logo que Ela saudou Isabel, o Bem-aventurado João, pleno do Espírito
Santo, sentiu o Filho de Deus vir até ele e estremeceu de alegria no
ventre de sua mãe, com esse movimento saudando Aquele a quem não
podia saudar com palavras. De fato, ele se mexeu daquela forma como
gesto de saudação ao seu Senhor. A Bem-aventurada Virgem ficou três
meses ajudando sua prima, foi Ela que com Suas santas mãos recebeu o
menino que vinha ao mundo e com empenho cuidou da criança, conforme
testemunha a História
Escolástica.
O
Bem-aventurado Precursor do Senhor foi especial e singularmente
enobrecido por nove privilégios: ele foi anunciado pelo mesmo Anjo
que anunciou o Salvador; ele estremeceu no ventre da mãe; foi a mãe
do Senhor que o recebeu quando veio ao mundo; ele destravou a língua
do pai; foi o primeiro a conferir um batismo; ele apontou Cristo; ele
batizou o próprio Cristo; ele foi louvado mais do que todos por
Cristo; ele anunciou aos que estão no Limbo a vinda próxima de
Cristo.
É
por esses nove privilégios que
foi chamado pelo Senhor de “profeta
e mais que profeta”.
Sobre o fato de ser chamado “mais
que profeta”,
Crisóstomo comenta:
“Um
profeta é aquele que recebe de Deus o dom de profetizar; mas um
profeta recebe o dom de batizar a Deus? Um profeta tem por missão
predizer as coisas de Deus, mas algum profeta é profetizado pelo
próprio Deus? Todos os profetas tinham profetizado sobre Cristo,
enquanto João não apenas profetizou sobre Cristo como também
outros profetas profetizaram sobre ele. Todos foram portadores da
palavra, mas ele é a própria voz. Tanto quanto a voz se aproxima da
palavra sem, no entanto, ser a palavra, João aproxima-se de Cristo
sem porém ser Cristo”.
De
Acordo com Ambrósio, a glória de João decorre de cinco causas, de
seus pais, de seus milagres, de seus costumes, dos dons que recebeu,
de sua pregação.
Primeira
causa, a glória que recebe dos pais manifesta-se, conforme Ambrósio,
de cinco formas: “O
elogio é perfeito quando compreende um nascimento distinto, uma
conduta íntegra, um ministério sacerdotal, a obediência à Lei e
obras cheias de justiça”.
Segunda
causa, os milagres. Alguns foram anteriores à sua concepção, como
a Anunciação do Anjo, a designação de seu nome e a perda da fala
de seu pai. Outro foi sua concepção sobrenatural, sua santificação
ainda no ventre materno e nele o pleno dom da profecia. Outro ainda
foi relativo a seu nascimento, o dom da profecia concedido a seus
pais, a mãe sabendo seu nome e o pai entoando um cântico com a
língua destravada pelo Espírito Santo que o preencheu. Sobre as
palavras “Seu
pai, Zacarias, ficou cheio do Espírito Santo”,
Ambrósio comenta:
“Vejam
João, cujo nome tem força e restitui a fala a um mudo, a dedicação
a um pai, um sacerdote ao povo. Pouco antes aquela língua estava
muda, aquele pai estéril, aquele sacerdote sem função, mas assim
que João nasce, no mesmo instante recobra o uso da palavra, recebe
do Espírito Santo um filho, torna-se um profeta e sacerdote
reconhecido pelas suas funções”.
Terceira
causa, os costumes de sua vida foram de grande santidade, sobre os
quais fala Crisóstomo: “O
comportamento de João foi tão perfeito, que todas as outras vidas
parecem culposas, da mesma forma que quando se vê uma roupa que
parece branca, e ao ser colocada ao lado da neve parece suja, mesmo
que não esteja, assim também comparado com João qualquer homem
parece imundo”.
Há três testemunhos de sua santidade.
Primeiro
deles, dado por Aqueles que estão acima do Céu, isto é, pelas
Pessoas da Trindade.
O
Pai chama-o de Anjo, conforme Malaquias,
3: “Eis que envio meu Anjo, que preparará meu caminho diante de
mim”.
Ele recebeu o nome de Anjo para indicar que exerceu o ministério de
todos os Anjos.
Exerceu
o dos Serafins, porque serafim quer dizer “ardente”,
já que eles nos tornam ardentes e queimam mais que outros de amor a
Deus. Por isso está dito no Eclesiástico
que “Elias
elevou-se como um fogo etc.”,
o que se aplica a João que veio com o espírito e a virtude de
Elias. Exerceu o ministério dos Querubins, porque querubim quer
dizer “plenitude
de ciência”,
e João é chamado estrela da manhã porque foi o anoitecer da
ignorância e o amanhecer da luz da graça. Exerceu o ministério dos
Tronos, que têm a missão de julgar, o que João fez com Herodes ao
dizer: “Você
não pode tomar a mulher de seu irmão”.
Exerceu
o ministério das Dominações, que nos ensinam a governar, e João
era amado por seus inferiores e temido pelos reis. Exerceu o
ministério dos Principados, que nos ensinam a respeitar nossos
superiores, e João dizia falando de si próprio: “Quem
tem suas origens na terra é da terra, e suas palavras são da
terra”,
e falando de Cristo acrescentou: “Quem
veio do Céu está acima de todos”.
Afirmou ainda que: “Não
sou digno de desamarrar os cordões do Seu calçado”.
Exerceu
o ministério das Potestades, que são encarregadas de afastar as
forças malignas que podem comprometer a santidade, pois ele
manteve-as afastadas de nós, estimulando-nos a receber o batismo da
penitência. Exerceu o ministério das Virtudes, pelas quais se
realizam os milagres, pois o Bem-aventurado João realizou muitas
maravilhas, como comer mel selvagem e gafanhotos, cobrir-se com pele
de camelo e outras semelhantes. Exerceu o ministério dos Arcanjos,
revelando mistérios que não se podia alcançar, por exemplo, o
concernente à nossa Redenção, quando disse: “Eis
o Cordeiro de Deus, aquele que tira os pecados do mundo”.
Exerceu o ministério dos Anjos, ao anunciar coisas de importância
menor, como as concernentes aos costumes, como: “Façam
penitência”
ou “Não
pratiquem violência nem fraude com ninguém”.
O
Filho,
como se pode ler em Mateus,
II, elogia-o muitas vezes e de maneira admirável, dizendo por
exemplo que “dentre
os filhos dos homens, não há maior que João Batista”.
PEDRO DAMIÃO observa que “essas
palavras sobre João foram proferidas por Aquele que lançou os
fundamentos da Terra, que faz mover os astros e que criou todos os
elementos”.
O
Espírito Santo diz pela boca de seu pai, Zacarias: “Menino,
você será chamado profeta do Altíssimo”.
Segundo
testemunho, dado pelos Anjos e pelos Espíritos celestes. No primeiro
capítulo de Lucas,
o Anjo testemunha por ele grande consideração, quando mostra sua
dignidade em relação a Deus (“Ele
será grande diante do Senhor”),
sua santidade (“Não
beberá vinho nem licor embriagante, e será cheio do Espírito Santo
desde o ventre de sua mãe”),
os grandes serviços que prestará ao próximo (“Ele
converterá muitos filhos de Israel”).
Terceiro
testemunho, dado por
aqueles que estão abaixo do Céu, isto é, os homens, seu pai e seus
vizinhos, que diziam: “Quem
vai ser este menino?”.
Quarta
causa, a glória de João provém dos dons que recebeu no ventre de
sua mãe, no nascimento, na vida e na morte.
No
ventre de sua mãe, foi beneficiado por três admiráveis dons da
graça.
Primeiro,
com a graça pela qual foi santificado desde aquele momento, pois foi
Santo antes de ter nascido, conforme Jeremias,
1: “Eu conheci
você antes que tivesse sido formado nas entranhas de sua mãe”.
Segundo,
com a graça de ser profeta, quando por seu estremecimento no ventre
de Isabel soube que Deus estava diante dele. É por isso, que
Crisóstomo quer mostrar que ele foi mais do que profeta, dizendo:
“Um profeta
profetiza pelos méritos da sua vida e da sua fé, mas como se pode
ser profeta antes de ser homem?”.
Como era costume ungir os profetas, foi quando a Bem-aventurada
Virgem saudou Isabel que Cristo ungiu profeta a João, ainda nas
entranhas da mãe, segundo estas palavras de Crisóstomo: “Cristo
fez Maria saudar Isabel para que Sua palavra, saída do ventre de Sua
Mãe, morada do Senhor, fosse recebida pelo ouvido de Isabel e
descesse até João, ungindo-o assim como profeta”.
Terceiro,
com a graça pela qual mereceu, por meio de sua mãe, receber o
espírito de profecia. Querendo mostrar que ele foi mais que profeta,
Crisóstomo diz: “Quem
é aquele profeta que sendo profeta, pôde fazer um profeta?”.
Elias ungiu Eliseu como profeta, mas não lhe conferiu a graça de
profetizar. João, porém, ainda no ventre materno introduziu sua mãe
na ciência divina, abrindo-lhe a boca para reconhecer a dignidade
Daquela que não via: “De
onde me vem a felicidade de receber a visita da Mãe do meu
Senhor?”.
No
nascimento, recebeu três tipos de graça: ser milagroso, Santo e
alegre. Milagroso, devido à idade da mãe; Santo, devido à ausência
de culpa; alegre, devido à isenção de lamentos e dores. De acordo
com mestre GUILHERME DE AUXERRE, o
nascimento de João merece ser celebrado por três motivos: primeiro,
sua santificação no ventre materno; segundo, a dignidade de seu
ministério que, como uma estrela da manhã, foi o primeiro a
anunciar as alegrias eternas; terceiro, cumprir o que o Anjo dissera
– “Muitos se
regozijarão quando do seu nascimento”
– por isso, é justo nos rejubilarmos nesse dia.
Na
vida ele também recebeu grande número de graças, como prova o fato
de ter tido todas as perfeições. Ele foi profeta quando disse:
“Aquele que há
de vir depois de mim é maior do que eu”.
Foi
mais do que profeta quando apontou Cristo. Foi apóstolo por ter sido
enviado de Deus, daí se dizer dele: “Houve
um homem enviado de Deus que se chamava João”.
Foi Mártir porque morreu pela justiça. Foi Confessor porque
confessou e não negou. Foi Virgem, e por sua virgindade é chamado
de Anjo em Malaquias,
2: “Eis o Anjo
que envio”.
Na
morte recebeu três graças: a palma do martírio, pois foi Mártir
invicto; a descida ao Limbo onde foi mensageiro precioso que levou
aos que lá estavam a notícia da vinda de Cristo e da Redenção
deles; a veneração dos que estavam no Limbo, o que se tornou objeto
de gloriosa e especial solenidade da Igreja.
Quinta
causa, a glória de João provém da sua pregação. Quatro foram os
motivos desta, pelo que disse o Anjo: ele converterá muitos filhos
de Israel ao Senhor Deus, caminhará diante Dele em espírito e na
virtude de Elias para reunir o coração dos pais ao de seus filhos,
chamará os incrédulos à prudência dos justos, preparará um povo
perfeito para o Senhor. O que fica patente neste texto é que ele
toca assim em quatro pontos: o fruto, a ordem, a virtude e a meta.
A
pregação de João foi triplamente recomendável, por ser fervorosa,
eficaz e prudente. Fervorosa quando disse: “Raça
de víboras, quem os livrará da cólera divina etc.”.
Fervor inflamado pela caridade porque era uma luz ardente, que fala
na pessoa de Isaías,
49: “Minha boca
é uma espada afiada”.
Fervor que vinha da verdade, que expunha como uma lâmpada ardente. A
esse respeito está dito em João,
5: “Vocês
enviaram João e ele testemunhou a verdade”.
Fervor dirigido pelo discernimento ou pela ciência, por isso ao
falar à multidão, aos publicanos e aos soldados, ensinava a Lei de
acordo com a condição de cada um. Fervor firme e constante, cuja
pregação levou-o a perder a vida. São estas as quatro qualidades
do zelo segundo Bernardo, que diz: “Que
o zelo seja inflamado pela caridade, formado pela verdade, regido
pela ciência e fortalecido pela constância”.
Eficaz,
pois sua pregação converteu a muitos. Pregou com palavras, de forma
assídua. Pregou com exemplos porque sua vida foi santa. Pregou e
converteu por seus méritos e suas preces fervorosas.
Prudente
na pregação em três pontos. Em fazer ameaças para amedrontar os
malvados, quando diz: “O
machado já está sobre a raiz da árvore”.
Em
fazer promessas para ganhar os bons, quando diz: “Façam
penitência, porque o reino dos Céus está próximo”.
Em usar de moderação para atrair pouco a pouco os fracos à
perfeição. Por isso, inicialmente impunha à multidão e aos
soldados obrigações leves, depois outras mais duras. À multidão
aconselhava obras de misericórdia, aos publicanos recomendava não
desejar os bens alheios, aos soldados não empregar violência contra
ninguém, não caluniar e contentar-se com seu soldo.
Observe-se
que São João Evangelista morreu na data de hoje comemorada, mas a
Igreja celebra sua festa três dias depois do Nascimento de Cristo,
para coincidir com a consagração da primeira igreja àquele
apóstolo
e para manter a solenidade do Nascimento do Bem-aventurado João
Batista, dia declarado de alegria pelo Anjo. Não se deve, contudo,
concluir dogmaticamente que o Evangelista tenha cedido lugar ao
Batista, como um inferior ao seu superior, porque não convém
discutir qual deles é o maior. Um exemplo divino mostra isso. Está
escrito em um livro, que havia dois doutores em Teologia, um que
preferia João Batista, o outro João Evangelista. Marcaram então um
dia para um solene debate a respeito. Cada um buscava autoridade e
argumentos poderosos em favor do João que preferia, quando em dia
próximo da disputa cada um dos Santos apareceu para seu defensor
dizendo: “Vivemos
em concórdia no Céu, não discutam a nosso respeito na terra”.
Um comunicou ao outro sua visão, levaram-nas ao conhecimento de todo
o povo e bendisseram o Senhor.
2.
PAULO,
historiador dos lombardos, diácono da Igreja de Roma e monge de
Monte Cassino, devia certa vez cantar a consagração do círio, mas
ficou rouco, e para recuperar sua bela voz compôs em homenagem ao
Bem-aventurado João um hino no qual pede que sua voz seja
restituída, como fora a Zacarias.
Na
data de hoje algumas pessoas recolhem por toda parte ossos de animais
mortos para queimar, o que segundo JOÃO BELETH acontece por duas
razões. A primeira decorre de antiga prática de combater uns
animais chamados dragões, que voam, nadam e correm. Quando estão
nos ares, eles provocam a luxúria, jogando esperma nos poços e nos
rios, após o que ocorre naquele ano uma grande mortandade. Contra
isso, as pessoas descobriram um remédio, fazer com ossos de animais
uma fogueira cuja fumaça afugenta os dragões, costume generalizado
que se observa ainda
hoje em alguns lugares. A outra razão é recordar que os ossos de
São João foram queimados pelos infiéis na cidade de Sebasta.
Nesta
data também se usam tochas acesas porque João foi uma tocha acesa e
ardente. Ou costuma-se girar uma roda porque nesta época do ano o
sol começa a declinar, lembrando o testemunho de João: “Ele
tem de crescer e eu, diminuir”.
Este significado aparece, segundo Agostinho, na Natividade e na morte
de ambos: por volta da natividade de João, a duração dos dias
começa a diminuir, por volta da natividade de Cristo ela começa a
aumentar, daí se falar que o solstício ocorre cerca de dias antes
da Natividade de Cristo e dez dias antes da natividade de
João. Algo semelhante acontece quando da morte de ambos. O Corpo de
Cristo foi elevado na Cruz e o de João abaixado ao perder a cabeça.
3.
Paulo conta na História
dos lombardos,
que Rocarith, rei dos lombardos, foi sepultado com muitos adereços
preciosos numa igreja de São João Batista, mas alguém, movido pela
cupidez, abriu certa noite o túmulo e levou tudo. O Bem-aventurado
João apareceu a ele e disse: “Como
você teve a ousadia de pegar coisas que me tinham sido confiadas,
não poderá mais entrar na minha igreja”.
Isso de fato aconteceu, porque cada vez que o ladrão queria entrar
naquela igreja, era derrubado por um golpe na garganta, que parecia
dado por vigoroso atleta.
_________________________
Fonte:
Beato Jacopo de Varazze, Arcebispo de Gênova (1229-1298),
Dominicano, “Legendae
sanctorum, vulgo historia lombardica dicta
– Legenda Áurea, Vidas de Santos”, Cap. 81, pp. 484-493.
Companhia das Letras, Editora Schwarcz Ltda, São Paulo/SP, 2003.
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