… Coisa
estranha! Todas as religiões têm inspirado a adoração da
felicidade; só o Cristianismo tem suscitado a adoração do
sofrimento. Os deuses do paganismo se apresentavam ao homem coroados
de flores, circundados de amores e de risos; e eu pergunto a mim
mesmo o que diziam ao pobre no seu casebre, ao escravo no seu
cárcere, à viúva, ao órfão, à todos os que sofrem, à todos os
que choram na terra. Assim, foi uma revolução profunda a que
provocou essa Religião que dizia: “Eis o verdadeiro Deus! Está
pregado numa Cruz. Os Seus pés e as Suas mãos estão transpassadas;
a Sua fronte está torturada, o Seu Coração ferido, e o Seu Corpo
todo não têm outra purpura além da purpura do Seu Sangue. Os
deuses antigos eram os deuses do prazer. Eram os deuses falsos. O
Deus verdadeiro é o Deus da dor!”
Ao
ouvir essa linguagem estranha, a humanidade julgou sonhar. E
disse: “Não é possível; se Ele é verdadeiramente
Deus, como pode sofrer? Como morreu? Por que não fulminou os Seus
inimigos? Por que suportou a dor? Não foi por fraqueza; Ele é Deus.
Foi, pois, por amor. Como! Ele sofreu por amor?”
Isto
causou um deslumbramento, que ainda não cessou.
Ergueram-se
os sofistas e disseram: “É impossível; é
inconveniente. Um deus não podia ter sofrido e morrido pelo homem!”
Mas, a mãe, apertando o filho nos braços, fitou a Cruz e os
sofistas, e lhes respondeu: “Onde está o
impossível? Para a nutrição de meu filho, eu lhe dou o meu leite;
e para o salvar, eu lhe daria seguramente, o meu sangue”.
E o homem jovem, nas castas alegrias do seu primeiro amor, e a mulher
jovem nos seus sonhos de absoluta dedicação, fitaram a Cruz e os
sofistas e disseram: “Causam-vos surpresas as humilhações
e as dores de Jesus Cristo? Nunca amastes! Eu, para provar o meu
amor, se me devesse abaixar, humilhar, sofrer, ser crucificado, não
hesitaria”. Há dezoito
séculos que a todos os sofistas a humanidade responde com esse grito
do coração. Ao amor, ela responde pelo amor.
E
isso foi apenas o começo. Depois de ter fixado o olhar na Cruz do
Mestre, a humanidade contemplou a sua cruz e a achou mais leve. O
escravo, duramente castigado, disse: “Ele foi flagelado!”
O pobre na sua pobre casa, onde morria de fome, murmurou: “Ele
teve sede e só lhe deram fel e vinagre”.
O rei, não mais em seu trono, mas no cadafalso, recordou-se de que
Jesus havia sido amarrado; e impondo silêncio ao sangue de 60 reis,
que se revoltavam em suas veias, estendeu as mãos para ser atado. O
gênio moribundo pediu que ante os seus olhos fosse colocado o
crucifixo, e como lhe dissessem: “Não lhe podeis
falar!”, ele respondeu: “Não,
mas o contemplo!” E o próprio
cético, vendo de repente o
crucifixo, no momento em que, num acesso de ciúme e de cólera, ia
apunhalar, surpreendendo-a em seu sono, aquela que ele julgava
infiel, acalmou-se, atirou a faca, ajoelhou-se, beijou o Cristo e
disse-lhe: “Ó Jesus, perdoai-me. Nasci num século ímpio
e muito tenho a expiar. Pobre filho de Deus tão esquecido, não me
ensinaram a amar-Te. Nunca Te procurei nos templos.
Lembra-Te, porém, de que um desventurado não morreu de sua
amargura, vendo-Te pregado à Cruz. Salvaste do mal esse ímpio; se
ele fosse um crente, Tu o terias consolado!...”
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Fonte:
Mons. Bougaud, Bispo de Laval, “A
Dor”,
Cap. 2º, Art. VI, pp. 114-117.
Extraído
do Cristianismo e
os Tempos Presentes, Tomo
I e Tomo II. H.
Garnier, Livreiro-Editor, Rio de Janeiro/RJ, 1931.
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