Ó Jesus, que quisestes
calar-Vos diante daqueles que Vos condenavam à morte, ensinai-me a arte de não
me desculpar.
1 – Em presença de qualquer
defeito, culpa ou erro pessoal, o nosso eu busca instintivamente uma desculpa;
é a tática do orgulho, que não quer reconhecer as suas culpas e se engenha por
as encobrir sob um pretexto mais ou menos falso, encontrando sempre maneira de
as atribuir a outras pessoas ou às circunstâncias. Tal foi a conduta de Adão e
Eva depois do pecado e tal é o comportamento instintivo de todo o homem quando
cai nalguma falta. Mas isto traz um grande dano à alma, porque é impossível
corrigir-se de defeitos que não se querem reconhecer; é necessário, por isso,
ter coragem para derrubar as engenhosas mas inconsistentes construções do amor
próprio, para pôr a nu nossos próprios defeitos e enfrentá-los tal como são,
sem os atribuir aos outros mas sim a nós próprios. “Quando caímos em alguma
falta – dizia Santa Teresa do Menino Jesus – não devemos atribuí-las às
causas físicas, como à doença ou ao mau tempo, mas reconhecer que esta queda
provém da nossa imperfeição, sem nunca desanimarmos. Não são as ocasiões que
tornam o homem fraco, mas descobrem o que ele é” (CL.).
Desculpar as próprias faltas
pode satisfazer o orgulho, mas na realidade, é cegar-se voluntariamente, é
tornar-se incapaz de entender a verdade da própria situação e assim a pobre
alma não só não pode avançar, mas está condenada a andar às apalpadelas na
escuridão, sem possibilidade de saída. Pelo contrário, reconhecer sinceramente
as próprias culpas é já dar o primeiro passo para se corrigir. Todavia, não
basta não se desculpar diante dos outros, quer dizer, depois de ter reconhecido
diante de Deus as nossas culpas, é necessário também reconhecê-las diante dos
homens, para aceitar humildemente a correção e reparar o mau exemplo que
porventura se deu. Por outro lado, bem pouco valeria aceitar em silêncio uma
acusação, uma repreensão, se a alma não renunciasse, mesmo à custa de lutas e
esforços, a desculpar-se interiormente.
2 – Muitas vezes te
ressentes com as correções, porque não as achas inteiramente proporcionadas aos
teus defeitos, às tuas faltas. E não pensas que isto é uma consequência
inevitável das limitações humanas; só Deus que lê no coração, pode julgar com
perfeita justiça as nossas ações; os homens só veem o exterior e, ainda quando
têm a obrigação de nos corrigir, nem sempre chegam a conhecer exatamente a
nossa falta, podendo enganar-se por excesso ou por defeito. Se apenas queres
aceitar as observações que correspondem perfeitamente aos teus defeitos,
estarás exposto muitas vezes a desculpar-te, a protestar, a apresentar as tuas
razões, e se não puderes fazê-lo exteriormente, fá-lo-ás sem dúvida no teu
interior, perdendo assim todo o benefício que poderias tirar das correções que
então recebesses. Santa Teresa de Jesus convida as almas que querem chegar à
união com Deus, a uma grande generosidade neste ponto, isto é, a aceitar sem se
desculpar, qualquer correção ou repreensão, mesmo que não seja de todo merecida
ou até completamente injusta. “É uma grande humildade – diz a Santa – ver-se
condenar sem culpa e calar; é a perfeita imitação do Senhor que tomou sobre Si
as nossas culpas. O verdadeiro humilde deve desejar ser tido em pouco,
perseguido e condenado sem culpa, ainda em coisas graves. Porque, se quer
imitar o Senhor, em que melhor o pode fazer do que nisto? Aqui não são
necessárias forças corporais nem ajuda de ninguém, senão de Deus”. E
acrescenta com muito acerto: “Bem vistas as coisas, nunca nos culpam sem
razão e seria mentira dizer que não temos pecado... Ainda que não seja naquilo
em que nos culpam, nunca estamos de todo sem culpa como estava o bom Jesus”
(Cam. 15, 1-4).
“Jesus calava-se” (Mat. 26, 63), diz o
Evangelista, apresentando-nos o Senhor acusado nos tribunais. A alma que aspira
à união íntima com Jesus deve saber unir-se ao Seu silêncio diante das
acusações, mesmo as mais injustas. E se motivos particulares – como evitar o
escândalo ou desgostar o próximo – exigem que se desculpe, fá-lo-á somente
quanto é necessário, com muita medida e ponderação, para não perder a graça da
humilhação.
Fonte: “Vivendo a Quaresma”, pp. 231 – 233, Administração
Apostólica Pessoal São João Maria Vianney, Edições Apostólica, Campos – RJ,
2010.
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