São Paulo, Apóstolo.
“Aemulamini autem
charismata meliora.
Et adhuc
excellentiorem viam vobis demonstro”
(Iª Epistola ad
Corinthios, Cap. XII, 31).
“Aspirai, pois, aos
dons melhores.
E eu vou mostrar-vos
um caminho ainda mais excelente”
(1ª Epístola aos Coríntios,
Cap. 12, 31).
A Superioridade da Caridade
“Ainda que eu falasse as línguas
dos homens e dos Anjos, se não tiver Caridade, sou como um bronze que soa, ou
como um címbalo que tine. E, ainda que eu tivesse o dom da profecia e
conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e tivesse toda a Fé, até ao
ponto de transportar montes, se não tiver Caridade, não sou nada. E, ainda que
distribuísse todos os meus bens no sustento dos pobres, e entregasse o meu
corpo para ser queimado, se não tiver Caridade, nada (disto) me
aproveita” (vv. 1-3).
As Obras da Caridade
“A Caridade é paciente, é
benigna; a Caridade não é invejosa, não é temerária; não se ensoberbece, não é
ambiciosa, não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não suspeita
mal, não se alegra com a injustiça, mas alegra-se com a verdade; tudo desculpa,
tudo crê, tudo espera, tudo sofre” (vv. 4-7).
Perenidade da Caridade
“A Caridade nunca há de acabar (nem
mesmo no Céu); mas as profecias passarão, e as línguas cessarão, e a
ciência será abolida. Porque imperfeitamente conhecemos, e imperfeitamente
profetizamos. Mas, quando vier o que é perfeito, será abolido o que é
imperfeito.
Quando eu era menino, falava como
menino, apreciava (as coisas) como menino, discorria como menino. Mas,
quando me tornei homem feito, dei de mão às coisas que eram de menino. Nós
agora vemos (a Deus) como por um espelho, em enigma; mas então (O
veremos) face a face. Agora conheço-O em parte; mas então hei de conhecê-lO
como eu mesmo sou (dEle) conhecido.
Agora, pois, permanecem (como
necessários para todos) estas três coisas: a Fé, a Esperança, a Caridade;
porém, a maior delas é a Caridade” (vv. 8-13).
Reflexões
1 – “Não passaria de um
bronze que soa”. O mais eloquente pregador sem a Caridade que deve
animar sua voz e inspirar sua eloquência, não é mais que um bronze que soa ou
um sino que tange. Pode agradar por sua eloquência, como os instrumentos por
seu timbre e som, mas não pode tirar utilidade alguma para si mesmo. Sem a
Caridade, pode-se anunciar a Palavra de Deus, como os trabalhadores que semeiam
o grão, ou que cultivam a vinha, mas que não tem parte na vindima, nem na
colheita. A Caridade é paciente, é cheia de bondade. Em dois traços delineou o
Apóstolo o mais perfeito retrato e o mais acabado da Caridade. A paciência faz
que sofram sem dificuldade os defeitos de nossos irmãos, e a bondade até
previne suas necessidades, isto é, o substancial, o que faz toda a doçura, todo
o exercício e o próprio caráter da Caridade. “A Caridade não é invejosa”.
A quantos pois não falta a Caridade, e por isso, estão apenas possuídos de um
falso zelo! Onde se encontra a inveja, não está a Caridade. “Não obra
mal”. A Caridade é o único laço que une a prudência e a sabedoria com o
ardor e a vivacidade. Qualquer outro amor é cego, quando é ardente; e o
capricho, a indiscrição, a temeridade, algumas vezes a loucura, e sempre alguma
paixão, é o que o guia. “A Caridade não é ambiciosa”. Um
ambicioso não ama a ninguém cristãmente: despreza os inferiores, não cede aos
superiores, senão por interesse: crê ter pelo menos os mesmos, e às vezes mais,
merecimentos do que eles para ocupar o posto que eles ocupam: se seus iguais
podem pretender as mesmas posições do que ele, desconfia e trata de os enganar.
Mas se ele não ama ninguém, será porventura amado de alguém? “Não busca
seus próprios interesses”. Se não há amor sincero que não seja
desinteressado, a honra de formar verdadeiros amigos está reservada à Caridade
Cristã. Que é de fato, a amizade profana, senão um comércio em que o amor
próprio traz no intento algum interesse? Pode asseverar-se que a amizade está
desterrada do que se apelida mundo; cada um busca-se a si mesmo na amizade: se
é amigo, enquanto o amigo pode ser útil. É desgraçado? Caiu em pobreza? Pois
veja agora onde estão os amigos.
“A Caridade não pensa mal
de ninguém”. Esses censores malignos que têem sempre os olhos abertos
sobre os defeitos de seus irmãos e os que julgando dos outros por suas próprias
disposições, suspeitam mal pelas mais ligeiras aparências, terão grande
Caridade para com aqueles, cujas menores faltas ponderam? Que não se enfeita
com o nome especioso de zelo: todo o zelo sem caridade não passa de orgulho
mascarado, uma maligna paixão disfarçada: A Caridade cobre a multidão dos
pecados. Enfim, a Caridade, segundo o Apóstolo, tudo sofre, tudo crê, tudo
espera, tudo suporta. A amizade aligeira os trabalhos, a Caridade chega a
volvê-los amáveis: que humilde e submissa faz a Caridade a Fé do entendimento,
submetido o coração à lei! Que ardor e vivacidade dá a Esperança! Porque amo a
Deus, suspiro pela dita de O possuir e espero-o confiadamente.
2 – “… A Caridade faz-nos
professar, para com o próximo, o mesmo amor que tributamos a Deus, amá-lo
em Deus, como a um filho, amigo e esposo de Deus; une-nos a ele por um laço tão
íntimo, tão forte, tão doce e tão santo, que a natureza não poderia conhecer
nem suspeitar igual...
Uma vez mais agradeçamos a Deus
sua graça que produz semelhantes frutos de doçura e santidade. O melhor modo de
o fazer será considerar este amor, não como um jugo pesado, imposto pela lei,
mas como das mais gloriosas coroas que nos pode preparar sua infinita bondade.
Prefiramo-la aos bens materiais e ainda a todas as graças e virtudes
sobrenaturais, como no-lo ensina o Apóstolo quando diz: Embora falasse as
línguas dos Anjos e dos homens, se me faltasse a Caridade, não passaria de um
bronze que soa ou um címbalo que tine. Ainda quando tivesse o dom das
profecias, e conhecesse todos os segredos e todas as ciências, e minha Fé
pudesse transportar os montes, sem a Caridade, eu nada seria. E se repartisse
todos os meus bens para alimentar os pobres, e entregasse meu corpo às chamas,
não tendo eu a Caridade, tudo isto de nada me serviria.
Por esta Caridade possuímos
tudo; se a perdemos, tudo estará perdido. Quando está presente, também o estão
todas as outras virtudes sobrenaturais; quando se ausenta, perdem as outras sua
vida e força, incapazes de levar-nos à vida eterna. Embora não
baste qualquer pecado mortal, para fazer-nos perder a Fé e a Esperança, é
ele contudo suficiente para fazer-nos perder a Caridade e com ela a Graça
Santificante, sem a qual a Fé e a Esperança são mortas, e mal merecem o nome de
virtude, porquanto não nos habilitam para merecermos o Céu, nem para vivermos a
vida dos filhos de Deus. Somente
a Caridade, diz S. Agostinho, distingue os filhos de Deus dos filhos do
Demônio.
Importa-nos, portanto, adquiri-la e conservá-la neste mundo, a
qualquer preço, ainda a custo da própria vida. Assim poderemos gozar, um dia,
de suas delícias, no seio do Pai celeste, por toda a eternidade”.
3 – “A oração do justo
penetra o Céu, e as suas obras sobem, como o fumo do incenso, até o trono do
Senhor, para aplacar sua ira. Ah! Que seria dos pecadores sem a proteção dos
justos? Quantas vezes teria acabado o Senhor com o ingrato Israel, se o
justo Moisés não se tivesse prostrado na Sua presença, intercedendo por ele?
Porém, que digo! O mundo inteiro não subsiste senão em atenção aos justos, e
acabados estes acabar-se-ia o mundo. É admirável a passagem que acerca
deste ponto nos referem os livros santos...
Nesta memorável passagem, vemos
que dez justos teriam sido suficientes para salvar uma cidade tão populosa e
criminosa como Sodoma, e se Abraão
tivesse descido a cinco, talvez teríamos visto que bastavam cinco justos
para salvá-la. Ó cristãos! Quanto pode na estimação de Deus a presença dos
justos! Quanto interessa aos homens, aos povos e aos reinos o abrigarem justos
no seu seio! Quanto deveríamos todos desejar que se aumentassem este precioso
número! E quanto não deveríamos trabalhar cada um de nós por pertencermos a
ele! Os justos cobrem, como escudo, os pecadores e os povos em que habitam;
suspendem os raios da Divina Justiça que os seus delitos provocam, e isto
quer dizer que as obras dos justos, ou dos que estavam na graça de Deus,
são propiciatórias e pertencem à Comunhão dos Santos”.
4 – “Para o conhecimento
sobrenatural de Deus deparamos duas etapas: a Fé e a Eterna Visão. Não assim
para o amor: a Caridade, levando em seu dinamismo interno, em seu mais profundo
movimento, todo nosso ser para Deus em Sua plena Realidade divina, é sempre a
mesma, quer permaneça Deus oculto e somente aceito pela Fé, quer se manifeste
pela visão. Esteja o Amado na obscuridade ou na luz, o amor autêntico vai a Ele
num movimento direto que não se desvia e O atinge em cheio. Quer seja Deus para
nós obscuridade ou Luz, a maneira de conhecê-lO muda, mas não assim a maneira
de nos darmos a Ele. A Caridade não tem, pois, a imperfeição da Fé: é perfeita
desde esta vida. A Fé cessará para dar lugar à visão, a Esperança cessará para
dar lugar à plena posse, a Caridade não cessará e durará eternamente, jorrando
da Visão como jorra hoje da Fé. A Caridade estabelece portanto continuidade
entre a vida da Graça neste mundo e a vida da Eterna Glória: por ela o Céu, que
é Deus possuído e possuindo-nos, já está em nós. Vale aqui a citada palavra de
Santo Agostinho: 'Se bem que sobre a terra, estás no Céu se amas a Deus'”. Esse amor
que jorra da Graça é a Caridade.
“O preço da Graça
(mesmo mínima) – diz S. Tomás – de um só justo,
por exemplo, de
uma criança apenas batizada,
é maior do que
todos os dons naturais do mundo inteiro”.
“A Graça outra
coisa não é
senão o começo da
Glória em nós”.
[2] Bíblia Sagrada, traduzida da Vulgata e
anotada pelo Pe. Matos Soares; 10ª Edição; Edições Paulinas, 1955.
[3] Pe. Croiset, S.J., “Ano Cristão”, traduzido
do Francês e adaptado às últimas reformas litúrgicas pelo Pe. Matos Soares,
professor do Seminário do Porto, Vol. XIII – Próprio do Tempo, pp. 125-126;
Seminário do Porto, Porto, 1923.
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