Por Que a Festa Dedicada
a Nossa Senhora,
no Dia 2 de Fevereiro,
Chama-se “Candelária”?
“… Essa Festa
recebe o nome de Candelária, porque nela se leva na mão uma candeia
[“vela”] acesa. Por quatro razões a Igreja determinou que se levaria na mão uma
vela acesa.
Primeira, para abolir um mau costume. Outrora, de
cinco em cinco anos, nas calendas de Fevereiro que homenageavam Fébrua, mãe de
Marte, deus da guerra, os romanos iluminavam a cidade por toda a noite com
círios e tochas, esperando que graças às homenagens prestadas à sua mãe, aquele
deus lhes concedesse a vitória sobre seus inimigos. A esses intervalos
quinquenais chamavam lustro. Também no mês de Fevereiro os romanos ofereciam
sacrifícios a Fébruo, isto é, a Plutão e a outros deuses infernais, pelas almas
de seus ancestrais. Para que tivessem piedade destes, ofereciam-lhes vítimas
solenes e a noite inteira velavam, cantando louvações e empunhando círios e
tochas acesas. O Papa Inocêncio diz que as mulheres romanas celebravam nesse
dia a festa das luzes, originada das fábulas dos poetas. Estes relatam que
Prosérpina era tão bela que o deus dos infernos, Plutão, ficou enamorado por
ela, raptou-a e transformou-a em deusa. Seus pais procuraram-na por muito tempo
nas florestas e nos bosques com tochas e archotes, e é isso que as mulheres de
Roma evocavam. Como é difícil abandonar costumes arraigados, os cristãos
recém-convertidos não sabiam o que conservar dos costumes pagãos, levando o
Papa Sérgio[1] a
atribuir um sentido melhor à festa. Ele ordenou aos cristãos de todo o mundo
que a cada ano, nessa data, celebrassem uma Festa em homenagem à Santa Mãe do
Senhor, com círios acesos e velas bentas. Desta maneira a solenidade permanecia,
mas sua intenção era outra.
Segunda, para mostrar a pureza da Virgem. Ao ouvir
dizer que a Virgem tinha se purificado, algumas pessoas poderiam pensar que Ela
necessitava de purificação. Para mostrar que Ela era puríssima e esplêndida, a
Igreja determinou que se levassem tochas acesas, como se dissesse: “Ó
Bem-aventurada Virgem, Vós não necessita de purificação, pois é toda brilhante,
toda resplandecente”. De fato, não necessitava de purificação quem tinha
concebido sem sêmen, quem tinha sido purificada e santificada de maneira
perfeitíssima já no ventre materno. Ela tinha sido a tal ponto glorificada e
purificada no ventre da Sua mãe com a vinda do Espírito Santo, que n'Ela não
restou inclinação alguma para o pecado, e as virtudes de Sua santidade
transmitiam-se aos outros, derramavam-se sobre eles, extinguindo em todos
qualquer concupiscência carnal. Daí os judeus dizerem que muito embora Maria
tenha sido de extrema beleza, nunca despertou desejos concupiscente em ninguém.
A razão disso é que a virtude da Sua castidade penetrava em todos que A viam e
repelia neles toda concupiscência. Ela é comparada ao cedro, cujo cheiro faz as
serpentes morrerem, da mesma forma que a santidade irradiada por Ela matava a
serpente dos movimentos da carne. Ela também é comparada à mirra, que mata os
vermes, da mesma forma que a santidade d'Ela destrói toda concupiscência carnal.
Ela possuía essa qualidade mais do outras pessoas que também foram santificadas
no ventre materno ou que permaneceram virgens, mas cuja santidade e castidade
não se transmitiam aos outros, nem extinguia neles os movimentos da carne, ao
passo que a força da castidade da Virgem penetrava até o fundo do coração dos
impudicos, tornando-os imediatamente castos em relação a Ela.
Terceira, para lembrar a procissão que teve lugar
naquele dia, quando Maria, José, Simeão e Ana fizeram uma procissão digna de
honra para apresentar o Menino Jesus no templo. Por isso, ainda hoje se faz uma
procissão até às igrejas, levando na mão um círio aceso, representação de
Jesus. Há três elementos no círio, a cera, a mecha e o fogo, que são a
representação das Três Substâncias que existiram em Cristo: a cera, é
representação da Sua Carne, que nasceu da Virgem Maria sem corrupção da carne,
da mesma maneira que as abelhas fabricam a cera sem impurezas; a mecha
escondida no círio, é representação de Sua Alma cândida escondida em Sua Carne;
o fogo ou a luz, é representação da Divindade, porque nosso Deus é fogo que
consome. Isso levou o poeta a dizer:
Em homenagem à pia Maria,
Levo esta vela
Cuja cera representa
A verdadeira Carne virginal.
A luz significa
A excelência da Majestade,
A mecha é Sua Alma
Escondida na Carne.
Quarta, para nossa instrução. Tudo pode nos
instruir se quisermos ser puros e límpidos, devendo para isso termos três
disposições, uma fé verdadeira, uma conduta santa e uma intenção reta. A vela
acesa na mão é a fé com boas obras, pois
da mesma forma que uma vela sem luz está morta, e que a luz que não pode
brilhar por falta de vela, também parece morta, as obras sem fé e a fé sem boas
obras são como se estivessem mortas. A mecha escondida na cera é a intenção
reta, daí Gregório dizer: “A obra é feita diante do público, mas a intenção
permanece oculta”.
_______________________
Fonte: Jacopo de Varazze,[2]
“Legenda Áurea – Vida de Santos”,[3] Cap.
37 – Purificação da Bem-aventurada Virgem Maria, pp. 243-252; tradução do latim
por Hilário Franco Júnior, Editora Schwarcz Ltda – Companhia das Letras, São
Paulo-SP, 2003.
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