Ainda o Novo Testamento.
Os Evangelistas e São Paulo
se esclarecem e se completam.
A nossa herança celeste,
oh! como é magnífica!
“Este cálice é o Novo Testamento por meu Sangue”; é assim que São Lucas e São Paulo exprimem o que referem São Mateus e São Marcos: Isto é o Sangue do Novo Testamento.
Não há razão para duvidar de que as palavras pronunciadas por Jesus Cristo, ao dar o seu Corpo, sejam estas: Isto é meu Corpo; visto que todos aqueles que escreveram essa instituição, São Mateus, São Lucas e São Paulo, o referem nesses mesmos termos.
Não há mais razão para duvidar de que Jesus Cristo tenha consagrado o seu Sangue com o mesmo modo de falar com que consagrou seu Corpo, isto é, como o referem São Mateus e São Marcos: “Isto é meu Sangue do Novo Testamento”. Mas como havia qualquer coisa de particular a considerar nesse Sangue do Novo Testamento, e como era necessário entender que esse Sangue derramado por nós na Cruz, e ainda derramado por nós e transformado num licor na Eucaristia, era aí a confirmação e o testemunho certo da derradeira disposição de nosso Pai, São Lucas e São Paulo o exprimem assim: Esta taça é o Novo Testamento em meu Sangue; como se dissesse: Do mesmo modo que esse papel onde está escrita pela mão de vosso pai a sua última vontade é o seu testamento, assim também essa taça sagrada é o testamento de Jesus Cristo por seu Sangue, que ela encerra, e com o qual a última disposição devia ser escrita.
Não há nada, pois, de mais simples do que as palavras que Jesus Cristo usou: Isto é meu Corpo; isto é meu Sangue do Novo Testamento; não há aí figura alguma, tudo aí é verdadeiro ao pé da letra. Nessas palavras de São Lucas e de São Paulo, ou antes nessas palavras de Jesus Cristo, tal como esses dois escritores sacros as exprimiram: Esta taça é o Novo Testamento por meu Sangue, há um modo de falar um pouco mais torneado, fácil todavia e de linguagem familiar, e semelhante ao que chama de testamento o instrumento onde está declarada a última vontade do testante. Mas ao mesmo tempo a verdade do Sangue é assinalada com força particular; pois é expressamente assinalado que, se a taça que nos apresentam é o testamento de Jesus Cristo, se é o instrumento sagrado onde a sua última disposição é consignada, é pelo Sangue de Jesus Cristo, que ela contém, é porque esse testamento, como acabamos de ver, era de natureza a ser escrito, não de próprio punho, mas com o próprio sangue do testador. E as palavras de São Lucas consignam este sentido evidentemente. Porquanto, a traduzi-las, termo por termo, conforme elas se acham no original, há que referir estas palavras: derramado por vós, não ao sangue, porém, à taça; e devemo-las traduzir assim: esta taça, no mesmo sentido em que se diz todos os dias, quando um licor é derramado, que o vaso em que ele estava foi derramado. Entendamos, pois, também que essa taça é aqui derramada por nós; quer dizer que o Sangue que ela contém não é derramado por nós somente na Cruz, mas que, enquanto corre ainda nessa taça e dela escorre sobre nós, é ainda uma efusão que se faz pela nossa salvação, e uma efusão que se faz pela nossa salvação, e uma oblação verdadeira.
Demos graças a Jesus Cristo, que nos explicou por tantos modos, e de maneira tão expressa, o Sacrifício que ele continua a oferecer por nós na Eucaristia. Vejamos ainda aí correr por nós o Sangue da Redenção em verdade como na Cruz, posto que sob forma estranha. Ele é poderoso para operar tudo o que disse: seu Sangue está aqui: essa taça está cheia dele; ele aí se derrama todos os dias por nós; é com esse Sangue que está escrito o testamento de nosso Pai. E qual é esse testamento, senão esse do qual está escrito: “É este o testamento que farei com eles; porei minha lei nos seus corações, e escreve-lo-ei no seu espírito; e não me lembrarei dos seus pecados”.1
E porque legar-nos por testamento a remissão dos pecados, se não é para levantar o obstáculo que nos impede de entrar no Céu, que é a nossa verdadeira herança? E porque fazer isso por um testamento, se não é para nos fazer lembrar que, para estar em direito de nos legar essa herança celeste, devia isso custar a vida àquele que no-la legava por testamento? E porque dar-nos o Sangue do Novo Testamento selado, confirmado, escrito com o Sangue do testador, senão para firmar a nossa fé e inflamar o nosso amor? Quem não se enterneceria vendo um testamento escrito desse modo? Como é grande a herança que nos é legada por testamento tão augusto, tão precioso! Quem teria o coração tão endurecido, que, vendo correr ainda dessa taça sagrada o Sangue desse testamento, pelo qual nossos pecados são lavados, não teria horror a estes, e não lhes desarraigaria até os melhores restos, à vista e pela virtude desse Sangue”
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Fonte: Jacques-Bénigne Bossuet, Bispo de Meaux, “Meditações sobre o Evangelho” – Opúsculo “A Eucaristia”, Cap. XV, pp. 75-79. Coleção Boa Imprensa, Livraria Boa Imprensa, Rio de Janeiro/RJ, 1942.
1. Jer. XXXI, 31; Heb. VIII, 8 e ss.
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