A boa semente, lançada pelo agricultor laborioso na vinha do Senhor, como acabamos de ver, nasceu ubérrima, desenvolveu-se rapidamente e prometeu uma colheita abundante nas cidades de Vercelli e Bolonha.
Havia já algum tempo, que São Francisco procurava irmãos competentes para mandá-los à França em auxílio dos filhos de São Domingos e de outros Religiosos, ocupados em debelar e extirpar a heresia perniciosa dos Albigenses, que grassava em França, devastando tudo.
Antônio, dentre os discípulos de São Francisco um dos mais humildes e virtuosos, mais erudito e ilustrado, foi portanto, com alguns outros irmãos enviado para este País.
Tríplice e espinhosa missão havia de desempenhar ali: pregar a Palavra de Deus, combater as heresias, difundir e fazer prosperar a Ordem seráfica naquelas regiões. Dentro em brava todos viram, com grande admiração, coroados de um feliz êxito os trabalhos infatigáveis, os esforços sobre-humanos deste homem apostólico. O mais novo em idade recomendou-se sempre pela maturidade do juízo, pela prudência do procedimento.
Sua bondade era extrema para com todos; especialmente, porém, referiu-se aos pobres pecadores mediante um fervor ilimitado nas orações, vigílias e penitências.
Nas suas pregações serviu-se, de preferência, de imagens extraídas espontaneamente do vasto reino da natureza, ou adquiridas da experiência quotidiana; método este, que lhes imprimiu o cunho da popularidade, ao mesmo tempo que as classes mais cultas e científicas se sentiam cativadas e extasiadas pela profundeza do saber inesgotável que patenteava.
Sublime e bela descreveu a virtude; celebrou os seus louvores, enaltecendo o seu mérito, a ponto de muitos, até os hereges e os pecadores, encantados pela sua formosura peregrina, abraçarem-na e praticarem-na. Pintou, pelo contrário, o vício com cores tão vivas, que o mais profundo desprezo, até a abominação contra o pecado, se apoderou de todos os corações.
A austeridade rigorosíssima da sua vida entrelaçada com uma rara candura e inocência de alma, a multidão e importância dos estupendos milagres davam à sua pregação uma unção sobrenatural e celeste.
Eram atrativos, que cativavam e fascinavam! Era uma força misteriosa, que arrebatava tudo consigo, assegurando-lhe quase sempre triunfos os mais completos.
Os pecadores, por mais corrompidos que fossem, ou inveterados em paixões detestáveis, não resistiam.
Renderam-se à palavra apostólica de Santo Antônio, converteram-se e mudaram completamente de vida. A este ministro do Senhor quadra perfeitamente a palavra inspirada do Profeta Isaías:
“Clama, sem interrupção levanta a tua voz como uma trombeta! Anuncia ao meu povo as suas maldades e à casa de Jacó os seus pecados. O Espírito do Senhor repousa sobre mim, porque o Altíssimo me ungiu e me enviou para evangelizar os mansos, para curar os contritos de coração e pregar o perdão aos cativos e a liberdade aos encarcerados”.
É a mesma palavra, que se lê em Jeremias: “Eis que eu te constitui hoje sobre os povos e as nações, para arrancares e destruíres, para arruinares e dissipares, para edificares e plantares. Tu, pois, cinge os teus rins, levanta-te e dize-lhes tudo o que te mando”.
O humilde Frei Antônio, recentemente chegado à França, não procurava senão a salvação das almas e a conversão dos hereges; não ambicionava senão a glória de Deus, só aspirava ampliar o seu reinado aqui na terra; cultivar a sua vinha infelizmente tão abandonada e devastada; motivo pelo qual atraía a admiração dos fiéis sobre si e tornou-se o assombro dos hereges.
Arles, Montpellier, Tolosa, Puy, Bourges, Brive e Limoges foram, sucessivamente, testemunhas das suas pregações, da sua santidade, como da multidão e grandeza dos seus milagres, que lhe asseguraram para sempre o título de Taumaturgo.
Limitar-nos-emos a citar um ou outro, pois querer enumerá-los todos, seria tão difícil como querer esgotar o imenso mar.
Desde o doce retiro do Monte Paulo, começou Santo Antônio a redigir os comentários sobre os Salmos de Davi, escrevendo-os em pergaminho até formar um belo livro, que o Santo muito estimava, por lhe servirem para sobre eles delinear os planos de seus sermões populares e tecer os discursos, que havia de proferir nas aulas.
Era um livro primoroso e de subido valor científico.
Aconteceu, porém, que um noviço, aborrecido da vida religiosa, fugiu do Convento, em que estava também Santo Antônio, e levou consigo aquele livro tão caro ao nosso Santo, deixando-lhe na alma mais sentimento pelo indigno ato do furto do que pela perda do livro. Retira-se logo e dirige uma oração fervorosa ao Todo-Poderoso, suplicando a conversão do infeliz noviço e a restituição daquele tesouro, com tanto trabalho adquirido. Mal acaba a sua oração, aquele apresenta-se, lançá-se-lhe arrependido aos pés e, restituindo-lhe o livro, pede humildemente perdão por ter dado passo tão errado. Profundamente consternado, confessou depois que, no meio do caminho, encontrou um homem de formidável aspecto, que o ameaçou, se não restituísse imediatamente o livro ao seu dono. Isso foi suficiente para decidi-lo a entregar o livro ao Santo e logo despertar-lhe no coração a mais profunda contrição. Este pobre noviço, pedindo de novo para ser admitido na Ordem, foi aceito e viveu em seguida de um modo exemplar.
É sabido que muitos invocam a intercessão de Santo Antônio para descobrirem coisas perdidas e quase sempre com ótimos resultados. É de supor que este costume louvável, esta confiança nunca iludida se originasse deste fato milagroso.
Na cidade de Bourges, ou, como afirmam os Bolandistas, em Tolosa, residia Guialdo, um dos mais pertinazes e prestigiosos chefes dos hereges albigenses, os quais negavam, entre outros dogmas da nossa santa Religião, o da Presença Real de Jesus Cristo no Augustíssimo Sacramento do Altar. Este herege resistiu inabalável, incrédulo e impertinente às discussões de Santo Antônio sobre o assunto.
“Deixemo-nos de palavras” – respondeu Guialdo. “Prove-se por um milagre público a Presença Real de Jesus Cristo no Sacramento do Altar e eu renunciarei às minhas doutrinas. Tenho um animal; encerrá-lo-ei durante três dias, privando-o de qualquer alimento; decorrido este tempo, conduzi-lo-ei, à vista de todos, à praça pública, onde só, então, lhe darei comida e, ao mesmo tempo, vós lhe apresentareis a Eucaristia. Se o animal, com fome de três dias, deixar de lado o alimento, para se prostrar ante a Eucaristia, eu, desde esse momento, convencer-me-ei de que estou no erro”.
Santo Antônio, apesar da grosseria da proposta, por inspiração especial do Céu, aceitou-a.
Chegado o dia determinado, Guialdo, seguido de numerosos adeptos, aparece na praça com o animal faminto.
Santo Antônio, depois de ter celebrado, com íntima devoção a Santa Missa, aproxima-se, cercado de uma multidão enorme de fiéis e de curiosos, que ansiosos esperavam. Trazendo nas suas mãos sagradas a Eucaristia, volta-se para o animal irracional e assim fala: “Em virtude e em nome do teu Criador, que trago nas mãos, ainda que indignamente, mando-te e ordeno-te que venhas, imediatamente prostrar-te diante d’Ele, a fim de que, por este fato, os hereges reconheçam que todas as criaturas estão submetidas ao seu Criador, o qual diariamente se imola sobre os altares”.
Fato admirável, que só podia realizar o Todo-Poderoso!
O animal, dócil à voz do Altíssimo, embora faminto, deixa de lado o alimento, que o dono lhe mandou apresentar, prostra-se reverente por terra e, deste modo, atesta evidentemente a Presença Real de Jesus Cristo na Hóstia consagrada.
Quem será capaz de descrever o assombro, a confusão, que se apoderou dos hereges, as torrentes de jubilo celestial, que inundaram o coração do Santo e dos fiéis?
Unanimemente louvaram e glorificaram todos a Deus, por haver manifestado, por um testemunho tão claro, o Seu poder incomensurável e a Sua glória incomparável.
A fim de perpetuar este fato, único e singular, Guialdo e sua família construíram um templo magnífico neste lugar abençoado.
Ele, os membros de sua família e milhares de outros se convenceram da verdade; abandonaram as doutrinas falsas e mortíferas e incorporaram-se às fileiras dos discípulos do Divino Mestre.
Depois desta maravilha inaudita, Santo Antônio foi por todos denominado e aclamado – “o Martelo dos hereges”.
Decorridos poucos dias, o Apóstolo da Fé dirige os passos para a cidade de Puy, onde vai presidir aos destinos materiais e espirituais do Convento ali fundado.
A sua fronte juvenil já estava adornada da aureola da sabedoria. Deus lhe conferiu tão profusamente o dom dos milagres, que já gozava o título decoroso de “vencedor, esmagador e martelo dos hereges”.
Quis também o Espírito Santo agraciá-lo, além disso, com o dom de profecia.
Uma senhora ilustre, que estava sem esperanças, se recomenda um dia às suas orações e teve em resposta: “Tende confiança, Senhora! Consolai-vos e alegrai-vos! O Senhor conceder-vos-á um filho, que será grande na Igreja de Deus, figurará na Ordem Seráfica e, depois de ter conduzido muitos à palma da vitória, ele mesmo será coroado com o santo martírio”. Literalmente se cumpriu esta profecia.
O filho desta senhora, mais tarde, abraçou a Ordem de São Francisco, tomou parte saliente na cruzada e, depois de haver inflamado muitos a morrer por amor da Santa Fé, terminou a sua carreira gloriosa pelo martírio.
Numa outra ocasião, durante o sermão pregado perante um auditório numeroso, aproxima-se, de repente, um portador e entrega a uma mulher, que, com grande atenção, ouvia a Palavra de Deus, uma carta, anunciando-lhe um triste acontecimento: o seu filho acabava de expirar.
A mãe, deixando-se levar pela dor do seu coração, rompe em soluços e lamentações, causando, por isso, confusão e desordem entre os assistentes. O Santo pregador, penetrando, com seu espírito profético, a tentação diabólica, fez sinal, impondo silêncio a todos e disse à mãe aflita: “Consolai-vos, o vosso filho vive, está são, o portador desta carta não é senão um enviado do Inimigo, para anular a salvação das almas; é um simples fantasma, confiai em Deus e na minha palavra”. Dizendo isto, aquele portador do príncipe das trevas desapareceu imediatamente, como fumaça nos ares.
Este fato, longe de diminuir e destruir os frutos da pregação, os aumentou e, ao mesmo tempo, serviu de testemunho, para salientar a santidade do servo de Deus, vendo todos que o Senhor lhe havia concedido a graça de penetrar o íntimo dos corações com o poder de romper o véu misterioso, que nos vela o futuro.
Todos louvaram e glorificaram unanimemente o Altíssimo, que deu ao seu servo fiel tanto poder.
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Fonte: “A Vida e o Culto de Santo Antônio”, por Fr. Luiz, O.F.M., 1ª Parte, Cap. XIV, pp. 154-165; 3ª Edição, Kevelaer Butzon e Bercker Editores Pontifícios, 1907.
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