Blog Católico, para os Católicos

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"Uma vez que, como todos os fiéis, são encarregados por Deus do apostolado em virtude do Batismo e da Confirmação, os leigos têm a OBRIGAÇÃO e o DIREITO, individualmente ou agrupados em associações, de trabalhar para que a mensagem divina da salvação seja conhecida e recebida por todos os homens e por toda a terra; esta obrigação é ainda mais presente se levarmos em conta que é somente através deles que os homens podem ouvir o Evangelho e conhecer a Cristo. Nas comunidades eclesiais, a ação deles é tão necessária que, sem ela, o apostolado dos pastores não pode, o mais das vezes, obter seu pleno efeito" (S.S. o Papa Pio XII, Discurso de 20 de fevereiro de 1946: citado por João Paulo II, CL 9; cfr. Catecismo da Igreja Católica, n. 900).

terça-feira, 25 de abril de 2023

QUANDO DEUS PERDOA, ELE REALMENTE SE ESQUECE DOS NOSSOS PECADOS?


SENTENÇA AFIRMADA POR DEUS


Sim! Pois Ele já deixou afirmado esta sentença, quando, falando da salvação gratuita de Israel e sobre a Nova Aliança, determina:

Tu, Jacó, não me invocaste, nem tu, Israel, fizeste caso de mim… Antes me tornaste como que um escravo com os teus pecados, e me causaste pena com as tuas iniquidades. (Apesar disso) sou eu, sou eu mesmo que apago as tuas iniquidades por amor de mim, e não me lembrarei mais dos teus pecados”.1 E em outro lugar:

E ninguém ensinará mais ao seu próximo, nem ao seu irmão, dizendo: Conhece o Senhor; porque todos me conhecerão, desde o mais pequeno até ao maior, diz o Senhor; porque perdoarei a sua maldade, e não me lembrarei mais do seu pecado”.2

E isto faz lembrar, também, daquela messiânica afirmação Divina pelo Profeta Ezequiel, quando diz:

E derramarei sobre vós uma água pura, e vós sereis purificados de todas as vossas imundícies, e eu vos purificarei de todos os vossos ídolos. E dar-vos-ei um coração novo, e porei um novo espírito no meio de vós; e tirarei da vossa carne o coração de pedra, e dar-vos-ei um coração de carne. E porei o meu Espírito no meio de vós, e farei que andeis nos meus Preceitos, e que guardeis as minhas Leis, e que as pratiqueis. E habitareis na terra que eu dei a vossos pais; e vós sereis o meu povo, e eu serei o vosso Deus”.3

Na Nova Aliança, o conhecimento de Deus será mais perfeito e mais íntimo,4 por isso, São Paulo volta a reafirmar esta mesma sentença Divina, quando diz aos Hebreus:5

Porque, depois de ter dito: Esta (é) a Aliança que eu farei com eles depois daqueles dias, diz o Senhor: Porei as minhas leis nos seus corações, e as escreverei nos seus espíritos; e jamais me lembrarei dos seus pecados e das suas iniquidades. Ora, onde há remissão desses (pecados), não é necessária a oblação pelo pecado”.

Então, diante destas sentenças consoladoras que o nosso Bom Deus nos revelou, devemos com o coração cheio de alegria e confiança, cantar os louvores do Profeta-Rei, quando com o coração despedaçado, pelo reconhecimento do seu pecado se expressou assim:

Tende piedade de mim, ó Deus, segundo a tua misericórdia; segundo a multidão das tuas clemências, apaga a minha iniquidade.

Lava-me inteiramente da minha culpa, e purifica-me do meu pecado…

Asperge-me com o hissope, e serei purificado; lavar-me-ás, e me tornarei mais branco que a neve… Aparta o teu rosto dos meus pecados, e apaga todas as minhas culpas…”.6

Com essas piedosas e verdadeiras leituras, afirmamos que, sim, quando Deus perdoa os nossos pecados, as nossas iniquidades, os nossos crimes, sim, Ele não se lembra mais deles.

A Verdade Eterna se encarnou e tomou a nossa natureza humana, e pela Sua sagrada boca proferiu esta espantosa sentença, que só o verdadeiro e único Deus poderia afirmar:

Não julgueis que vim destruir a lei ou os profetas; não vim (para os) destruir, mas sim (para os) cumprir. Porque em verdade vos digo que, enquanto não passar o céu e a terra, não desaparecerá da lei um só jota ou um só ápice, sem que tudo seja cumprido”.7 

E com mais ênfase, ainda, afirma:

Na verdade vos digo que, não passará esta geração, sem que se cumpram todas estas coisas. O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão”.

E as palavras de Cristo são estas, referindo-se ao procedimento de Deus com a alma arrependida de seus pecados:

“… E, levantando-se, foi para seu pai. E, quando ele estava ainda longe, seu pai viu-o, e (esquecendo-se dos seus erros) ficou movido de compaixão, e, correndo, lançou-lhe os braços ao pescoço (do filho pródigo), e beijou-o… E o pai (esquecendo de toda a ingratidão de seu filho) disse aos seus servos: Tirai depressa o vestido mais precioso, e vesti-lhe, e metei-lhe um anel no dedo e os sapatos nos pés; trazei também um vitelo gordo, e matai-o, e comamos e banqueteemo-nos, porque este meu filho estava morto, e reviveu; tinha-se perdido, e foi encontrado… era, porém, justo que houvesse banquete e festa, porque este teu irmão estava morto (pelo pecado), e reviveu (pelo arrependimento sincero e pela força da graça divina), tinha-se perdido (pela tentação da ilusão dos prazeres do mundo) e foi encontrado (pela infinita misericórdia de Deus).8



Talvez, para nós, seja um pouco difícil de entender o incompreensível amor de Deus por nós, mas, como Ele disse ao Profeta Samuel: “não julgo o homem pelo que aparece à vista; porque o homem vê o que está patente, mas o Senhor olha para o coração”.9 E externando ainda mais a sua bondade, afirma: “Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos; nem os vossos caminhos são os meus caminhos, diz o Senhor. Porque, quanto os céus estão elevados acima da terra, assim se acham elevados os meus caminhos acima dos vossos caminhos, e os meus pensamentos acima dos vossos pensamentos”.10 Sois Vós “que julgas segundo a equidade, e que sondas os afetos e os corações”, porque se “o Inferno e a perdição estão (patentes) diante do Senhor; quanto mais o estarão os corações dos filhos dos homens!” Eis aí a incompreensibilidade do Amor de Deus, que esquece inteiramente de todos os pecados que, arrependidos, são lançados na infinita fornalha da Misericórdia divina, que se acha escancarada no Sacramento da Penitência. Arrependidos, peçamos perdão a Deus, que de Sua parte esquecerá definitivamente os nossos numerosos pecados.

Mas, agora, falando do Sacramento da Penitência, ensina o Reverendíssimo Padre Fr. Frutuoso Hockenmaier, O.F.M.:11 “suponhamos, caro amigo, que tenhais gravemente ofendido a Deus e que, por causa dos vossos pecados, Deus vos deixe a escolha: ou fazerdes a mais rigorosa penitência durante toda a vida ou serdes entregue aos tormentos eternos do Inferno. Dizei-me qual seria a vossa escolha? Se refletirdes bem, mais suportáveis sempre vos parecerão os rigores da penitência do que o Inferno; pois, antes sofrer por algum tempo que penar por toda a eternidade!

Ora, a infinita misericórdia de Deus não exige tanto de vós. Por causa dos merecimentos de Cristo, Ele se contenta com pequenos sacrifícios. Não requer de vós senão a Confissão contrita e sincera de vossos pecados, feita a um Sacerdote obrigado ao mais absoluto sigilo, para purificar-vos da alma todas as suas máculas.

Mal havia o filho pródigo começado a humilde confissão de seus erros, e já o pai não se lembra mais da sua ingratidão. Abraça-o e lhe dá o ósculo da paz12Assim procede Deus também convosco, quando vos aproximais arrependido do Tribunal da Penitência.

Adota-vos de novo, dá-vos o vestido nupcial da graça santificante, restituindo-vos o direito ao Céu. Não se lembra mais das vossas culpas. Todos os vossos pecados mortais são perdoados, e outrossim os veniais, se deles vos arrependeis. Deus os apaga do Livro das Dívidas; estão para Ele como que sepultados para sempre no esquecimento: “Se o ímpio se converter de todos os pecados que cometeu… certamente viverá, não morrerá. De todas as transgressões que cometeu, não haverá lembrança contra ele”.13

Mas é preciso também lembrar que, “Separando-vos de Deus,14 embora por um só pecado mortal, perdeis todas as boas obras e todos os merecimentos adquiridos até então. Talvez tenhais servido a Deus fielmente por muitos anos, ajuntando assim um riquíssimo tesouro de méritos para o Céu; se, porém, cairdes num pecado mortal e, permanecendo neste estado de desgraça, sairdes desta vida, Deus não se lembrará de todas as vossas boas obras: uma vida sem alegria e consolo, uma vida cheia de tormentos inauditos, a morte eterna, serão vosso quinhão”.

Essa realidade, do perdão definitivo de Deus, é crido e obedecido tanto no Céu, como na terra e mesmo no Inferno. Esses pecados remidos na Confissão sacramental, não serão levados em conta no Juízo Particular e nem no Juízo Final, porque são extintos definitivamente por Deus. Depois de perdoados, nem o Demônio pode usá-los como matéria de acusação, como veremos no exemplo à seguir.

E para ilustrar essas linhas, vai aqui narrado um horroroso caso, mas que, muito instrutivo e edificante, para finalizarmos com chave de ouro este brevíssimo ensinamento.



Exemplo15

Vicêncio, Bispo belovacense, refere o seguinte caso, cuja admiração parece dificultar, de algum modo, a sua veracidade.

Em Roma – diz – viviam debaixo do santo jugo do Matrimônio duas pessoas principais e de virtude afamada, as quais, havendo alcançado de Deus, por orações, um filho, se afastaram com mútuo consentimento. O marido se retirou a fazer vida monástica. Ficou a mulher criando o filho, e com tão demasiado mimo, que não ousava afastá-lo de seus peitos. Como cresceu, degenerou ou torceu o amor natural em carnal. Foge a consideração de deter-se neste passo. Enfim, aquela matrona, tida geralmente por exemplar de virtudes, pariu um neto. E, por tapar um crime com outro, o sepultou em um lugar imundo de sua casa. E logo, por não perder o crédito que imaginava ter para o seu Confessor, foi continuando como antes com ele, cometendo outros tantos sacrilégios quantos Sacramentos recebia.

Naquele tempo, apareceu em Roma um clérigo, que se deu a conhecer nela brevemente por homem insigne em todas as ciências. Era oráculo continuamente consultado em questões árduas, especialmente para descobrir furtos, levantar figuras, prognosticar futuros e outras coisas semelhantes. Estando um dia em presença do imperador e outros muitos príncipes, e ocorrendo na prática louvar-se a vida exemplar daquela senhora, começou ele a gracejar, e logo a escurecer, e, finalmente, declarou o engano em que estavam, contando o sucesso de que ela presumia não serem sabedores, mais que Deus e a própria consciência.

Todos se admiraram, muitos não creram, outros se escandalizaram. Então ele, com segurança e ousadia, disse: “Acenda-se na praça uma fogueira. Venha essa mulher à minha presença. Se a convencer do seu crime, arda ela na fogueira; senão, arda eu”.

Pareceu importante ao bem público e crédito da virtude, aceitar esta proposta. Chamada a matrona, veio. E, como ouviu em presença de tantos a enormidade do seu pecado, o coração e os olhos se cobriam a si mesmos, estes de lágrimas, aquele de pavor e confusão. Porém, mandada satisfazer e falar em sua defesa, respondeu brevemente que, em caso tão grave, devendo com razão faltar-lhe o espírito e se atar-lhe a língua, pedia prazo, para desafogar com Deus a sua dor e constituí-Lo protetor da sua inocência; e, acabado o prazo, responderia.

Foi a desculpa não só aceita, mas louvada. E a matrona, aproveitando-se da dilação em que a sua causa estava posta, correu à oração e alcançou uma inspiração que, a ensinou e conduziu a escolher por meio de encobrir a Roma o que estava público, e revelar ao Confessor o que tinha encoberto. Luciano, Sacerdote de letras e virtude, a ouviu, quase não ouvindo, pois mais chorava e soluçava. Tão profunda contrição alcançou, que a penitência sacramental foi um Pai Nosso, e a repreensão consistiu em lhe aconselhar que recorresse ao amparo da Mãe de Deus.

Os dias que restaram para o cumprimento do fatal prazo, gastou em bater às portas da divina clemência, por meio de Maria Santíssima, com quanta força pode. E lhe alcançou, para isso, esta mesma Senhora, que não está na Sua mão, não condoer-Se dos aflitos, não agraciar aos atribulados.

Chegou o tempo. Ajuntou-se o consistório. Saiu a matrona em público. O temor lhe derrubava os olhos em terra, a fé lhe levantava o coração ao Céu. Estava presente o acusador e, mandado propor de novo o seu libelo, saiu dizendo que não estava ali o réu. E, mostrando-lhe a mulher, olhou uma e outra vez e afirmou que não era aquela, antes começou a dar-lhe muitos elogios, abonando sua virtude. Logo, como desesperado e confuso, espumava pela boca, torcia os olhos e fazia outros medonhos gestos.

Os circunstantes, não só pasmados, senão também amedrontados, se benzeram. E, neste momento, o acusador, soltando um ar de cheiro pestilencial, conheceram todos que era o Demônio, adversário comum e acusador de nossas almas. Que assombro ficou em todas as almas, que alegria e agradecimento no coração da matrona, que honra para Deus, que crédito para a virtude, deixa-se à consideração dos que lerem.



Notas Explicativas

do referido caso.16

I – Quando estes dois consortes pediam a Deus com lágrimas o bem da fecundidade, longe estavam de considerar que a esterilidade era para eles maior bem. Não olharam os lavradores tanto para as mudanças do céu e influências das estrelas, se viram que a terra, em lugar de frutos, lhes produzia espinhos. Pedir a Deus filhos – arriscada petição que no seu despacho pode ter o seu castigo: quem sabe se serão frutos que deleitam, se espinhos que magoam? Muitos Santos têm a Igreja por filhos que foram filhos da oração. Porém, nem sempre desta nascem Batistas e Samuéis. Importa pedirmos em nome de Cristo, conforme Ele mesmo nos ensinou. E, sendo o Seu nome Jesus ou Salvador, não pede em nome do Salvador quem não pede coisa ordenada para a salvação. Que importava que estes casados carecessem de fruto? Eram nobres e ricos? Fizeram-se pais dos pobres e titulares na casa de Deus. Deixaram por herdeira a piedade, como fizeram também, em Roma, João, patrício romano, e sua mulher, fundando a igreja de Santa Maria Maior.

II – Então, desembaraçados do peso dos bens da fortuna, e livres ainda do novo vínculo da natureza, podiam ambos caminhar mais depressa ao retiro para servirem a Deus. Depois escassamente o pode fazer um só: o outro fica no século, entre poucos anos e perigos muitos. Não sei se acho que louvar neste afastamento, tanto que não foi de ambas as partes. Doutro modo, o que fica, mais parece que pretende a liberdade própria do que a perfeição alheia. Os sagrados Cânones não permitem voar um dos casados à religião e ficar outro no século, salvo se se atar ao voto de castidade, ou a mulher passar de cinquenta anos e o varão de sessenta, sem suspeita de incontinência. Mas não seria a religião o deserto para onde este homem fugiu, senão outro qualquer retiro voluntário, que não é por isso nem o mais seguro, nem o mais meritório.

III – Tratava a mãe a este filho com demasiada carícia e neste descuido o foi levando da idade da inocência à da razão, e desta à da malícia. Não se acautelava como aquele monge que, estranhado de outra pessoa pelo desvio que mostrava a sua própria mãe, respondeu perguntando-lhe que estudava. Disse ele que Lógica. E o monge continuou: “Pois sabe que o Demônio também é lógico e, como lógico, ensina a fazer esta precisão: ‘mulher e não mãe’. Ainda mal que outras vezes a tem já ensinado”.

Santo Albano, Mártir, foi havido de um rei das partes setentrionais em uma filha do mesmo rei, ficando, com perversa monstruosidade, ele avô de seu filho, e ela mãe de seu irmão. Mandemos ao fogo que reconheça diferença de pólvora prendendo nesta e naquela outra não, quando ambas estão próximas. Nos pais de famílias e nos superiores já nenhuma malícia é mal fundada, sendo em ordem à cautela. A lei de Deus proíbe-lhes o juízo temerário, mas a obrigação do ofício lhes impõe a vigia cuidadosa. Do amor lascivo mais dista o amor espiritual do que o natural, e, contudo, quantos corações que, se pegava o fogo do espírito e caridade, vieram depois a pegar-se o fogo infernal da concupiscência?

IV – Sepultou o filho incestuoso em um lugar imundo… e o segredo também, porque o sepultou em seu coração. Fiou-se do Demônio para o pecado, não se fia de Deus para o perdão. O incesto tapou com o parricídio, o parricídio com o sacrilégio, muitas vezes repetido. Isto é o que, na exposição de São Gregório, disse Isaías: que um vício chamaria por outro vício (pilosus clamabit alter ad alterum). Oh, cega, buscas escuridade onde tuas fealdades não apareçam? Esconde-as no peito de um Confessor e fecha-as com o selo inviolável de um Sacramento: Pro anima tua ne confundaris dicere uerum: est enim confusio adducens peccatum, et est confusio adducens gloriam et gratiam. Quando o negócio não topa em menos que na salvação da tua alma, porque te hás de envergonhar de descobrir a verdade nos ouvidos de um Confessor? Adverte que, assim como o pecado cometido causa vergonha, assim a vergonhar de confessar o pecado causa outro pecado. Logo, se por causa da vergonha não te confessas, e não te confessando incorres em maior pecado e, por conseguinte, maior vergonha, por amor da mesma vergonha devias confessar-te. E esta mesma confusão que, vencendo-te, causa em ti novos pecados e maior Inferno, vencendo-a tu, causará graça e glória maior: graça como fruto do Sacramento, glória como fruto da graça (est confusio adducens gloriam et gratiam).

V – Quem duvida que estas e outras muitas razões proporia o Anjo para render aquele coração? Mas estava nele empolgada a mão de um forte inimigo e a opinião boa em que se considerava no conceito dos Confessores. Que dirão de mim? Em que conta ficarei com eles? Que razão tão grosseira e por desbastar! Que haviam de dizer os Confessores? Que não era mais valente que Sansão, nem mais sábia que Salomão, nem mais justa que Davi, nem mais amante de Cristo que Pedro. E todos estes caíram miseravelmente. Que haviam de dizer? Que a estátua da sua virtude se arruinou, porque, enfim, tinha os pés de barro; porém, que de novo podia levantar-se e crescer mediante a virtude de Cristo, não em forma de estátua fantástica, senão de monte firme e assentado. Diriam que a sua natureza era frágil, pois caíra; porém, que a sua contrição era sólida, pois se levantava. Diriam que buscava a virtude verdadeira e não a suposta, pois, a troco de parecer bem a Deus, não reparava em parecer mal aos homens. E, dado que a prudência lhes faltasse para o julgar assim, mais barato lhe saía o Céu comprado por afrontas, do que a honra pelo Inferno. Mas o mesmo pecado gera trevas que escurecem a razão.

VI – Pro esta e outras muitas causas importa que os Confessores não mostrem fazer conceito da virtude dos seus penitentes, principalmente mulheres, nem estranhem as suas faltas ordinárias, nem lhes demandem maior perfeição do que o Espírito Santo lhes comunica… Que os frutos de uma alma boa são como os de uma árvore, que, não se maduram a puro amassar com os dedos, senão com os raios do sol, lenta e eficazmente.

VII – Estando, pois, esta mulher enferma e inchada de hipocrisia, como outros o estão de hidropisia, e não lhe aproveitando os remédios mais brandos, ordenou o Médico celestial outro remédio mais forte: mandou que o abrissem para vazar o humor corrupto, isto é, permitiu ao Demônio que descobrisse o seu pecado.

VIII – Apareceu este em figura de eclesiástico para fundar melhor a opinião de douto e verdadeiro. Ostentava-se universal nas ciências, porque, havendo perdido todos os dons da graça, que pertencem a fazer a vontade reta, lhe ficaram somente os da natureza, que pertencem ao entendimento sutil. E, pelo apetite natural que o homem tem de saber, engana o inimigo por esta via a grande parte do mundo, desde que, no princípio dele, lhe saiu bem aquela tentação: Eritis sicut Dii scientes bonum et malum. Mas, com toda a sua ciência, ignorou um ponto que a mais vil criatura lhe pode ensinar, como lhe lançou em rosto São Miguel: Quis sicut Deus (quem pode comparar-se a Deus).

IX – Descobriu-lhe os pecados publicamente. Justa pena, que a confusão que recusou padecer para com um Sacerdote que se havia de calar, por meio de outro fingido Sacerdote a padeça em presença de tantas pessoas. O que o inimigo pretendia com isto era infamar a virtude e desesperar a pecadora e abreviar-lhe a vida, temendo da sua emenda. Por isso, apressa tanto a acusação e logo a sentença, e esta de fogo, para que aquela alma passe de um incêndio temporal a outro eterno.

X – Sujeita-se ao talião, se não provar o delito. Mas não era o partido igual, porque o espírito réprobo já não podia deixar de arder para sempre. E esta pecadora, com um pêsame de coração e um Pai Nosso de penitência, certamente se livra da culpa e facilmente se podia livrar da pena.

XI – Prudentíssima eleição foi a de tomar tempo para resolver-se. O mesmo Deus, para fazer todas as coisas, fez primeiro o tempo; e, quando houver de castigar o mundo sem misericórdia, jurará um Anjo em Seu nome de não haver mais tempo (quia tempus non erit ultra).

Perguntemos aos moradores do Céu e aos encarcerados do Inferno, quanto vale o tempo. E todos responderão, que tanto como a eternidade. Quantas almas, por um instante mais ou menos de vida, vêm ou não vêm a Deus, enquanto for Deus!

XII – Recorre à Virgem Mãe? Grande sinal de salvação!…, porque esta Senhora é sinal grande que não aparece no Céu, senão para nos guiar para o Céu (signum magnum apparuit in Caelo, mulier amicta sole). Se não houvesse criminosos, inútil era haver cidade de refúgio.

Mais fácil parece ao pecador desconfiar de Deus do que de Maria Santíssima, porque, suposto que das enchentes de misericórdia, esta é somente o cano e Deus a Fonte, todavia, em deus consideramos mão direita e mão esquerda, mansidão de cordeiro e sanha de leão. A Maria está cometido só o reino da clemência. In manibus eius – diz São Pedro Damião – sunt thesauri miserationum Domini. Todos cabem debaixo do Seu manto, desde que coube o imenso Deus. E quem não terá confiança com a Pomba, se a pomba não tem fel, e até no bico, porque não se presuma ser arma, traz um ramo de oliveira – anúncio da paz, símbolo da misericórdia? Ó Senhor, se a devoção com vossa Mãe Santíssima é sinal de salvação, dai-me este sinal, fazendo-me filho da que se nomeou por vossa Escrava, e escravo da que nomeastes por vossa Mãe! Dai-me este sinal para o bem da minha alma e confusão dos inimigos que me aborrecem! Saluum fac filium ancillae tuae. Fac mecum signum in bonum ut uideant qui oderunt me et confundantur.

XIII – Para encobrir esta mulher seus pecados ao mundo, os descobriu ao Sacerdote. Mal os poderia desmentir em público, se não os confessasse em segredo, porque as Chaves da Igreja, abrindo a boca do réu, fecham as do acusador; e o mesmo Cristo que recebe a Confissão de Madalena, reprime a murmuração dos Fariseus.

XIV – Tanto que mudou de consciência, mudou também de rosto. Desconhece o mesmo lince, porque já não era filha sua. Caiu-lhe a lepra, porque se mostrou ao Sacerdote: era monstro, já é formosíssima. E qual foi a causa da mudança? Confessionem et decorem induisti. Despindo as culpas pela Confissão delas, vestiu-a Cristo, e logrou efetuada aquela promessa divina: Si fuerint peccata uestra ut coccinum quasi nix dealbabuntur. Para haver formosura diante de Deus, diante do mesmo Deus há de haver primeiro Confissão: Confessio et pulchritudo in conspectu eius. Ama confessionem – diz São Bernardo sobre estas palavras – si affectas decorem. Re uera ubi confessio, ibi pulchritudo, ibi decor. Se desejas, alma – diz o Santo –, parecer formosa aos olhos de Deus, não receies parecer feia aos olhos do Confessor: não há formosura, não há graça onde não há Confissão.

XV – É verdade que cada mudança da mulher foi espiritual, e mais da consciência que do rosto. Mas, ainda falando da mudança exterior, alguma sai ao rosto participada do espírito.

Recusava um penitente fazer Confissão Geral com meu pai São Filipe Néri, e, por orações suas, e ilustrado, se moveu a fazê-la com outro Sacerdote. Vindo logo à presença do Santo, que não o sabia, este lhe disse: “Filho, tu estás mudado de cara”.

É o rosto espelho da alma, e a alma o é de Deus. E assim, da luz de Deus reverberam alguns reflexos na alma, e da alma no rosto. E os varões ilustrados têm aguçada a vista para perceber mudanças a nós outros insensíveis.

XVI – Os avisos principais que este caso nos ensina, são os seguintes:

Primeiro, que peçamos a Deus com resignação, se for para honra Sua e salvação nossa.

Segundo, que nas matérias de castidade tenhamos suma cautela.

Terceiro, que nos envergonhemos dos pecados da Confissão e não da Confissão dos pecados.

Quarto, que, no patrocínio da Virgem, cresça em nós a confiança, quanto crescer a tribulação.


_______________________

1.  Is. 43, 22-25.

2.  Jer. 31, 34.

3.  Ez. 36, 25-29.

4.  Comentário feito pelo Pe. Matos Soares em nota de rodapé, ao versículo 34 de Jeremias 31.

5.  Hb. 10, 15-18

6.  Salm. 50, 3-21.

7.  Mat. 5, 17-18.

8.  Luc. 15, 11-32.

9.  I Sam. 16, 7.

10.  Is. 55, 8-9. Cfr. Jó 10, 4.

11.  O Cristão Prático – ou Exposição Prática da Moral Cristã, Notas Preliminares, pp. 15-17. Tipografia de São Francisco, Bahia, 1925.

12.  Luc. 15, 11.

13.  Ez. 15, 21.23.

14.  Ez. 18, 24.

15.  “Leituras Piedosas e Prodigiosas” (textos escolhidos), do Pe. Manuel Bernardes, Oratoriano, 4ª Parte, Exemplos Vários, Exemplo VII, pp. 333-342. Seleção, introdução, cronologia, bibliografia e notas por Antônio Coimbra Martins; Livraria Bertrand, Lisboa.

16.  “Leituras Piedosas e Prodigiosas”, ob. cit.


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