Conselhos
Mui Úteis
Para
os Pais de Família,
pelo
Venerável D. Antônio Maria Claret,
Arcebispo
Demissionário de Santiago de Cuba,
Fundador
da Congregação dos Filhos do Coração de Maria.
Com
Aprovação do Ordinário Barcelona, 1860.
2ª
Edição
Imprimatur.
São
Paulo, 27 de Abril de 1911.
Por
Comissão do Exmo. e Revmo.
Sr.
Arcebispo Metropolitano,
Arcipreste
Ezechias
Galvão da Fontoura.
Introdução
Meu
amado irmão em nosso Senhor Jesus Cristo. Por seres casado e pai de
família, chamas-me a atenção mais do que qualquer outro homem;
pois que, se cumpres bem os teus deveres, não somente serás feliz,
como também farás felizes os teus filhos, e até os teus
compatriotas participarão da tua felicidade; mas, se, pelo
contrário, não cumpres com as tuas obrigações, se és omisso e
descuidado, serás desgraçado com tua família, e muito mais longe
se estenderão as tuas desgraças: - Assim é que São João
Crisóstomo atribui a ruína e a perdição espiritual e temporal dos
povos aos pais de família, por não cumprirem com os seus deveres.
Por isso, do mesmo modo que um hortelão (agricultor) zeloso emprega
todo o sentido e todo cuidado na escolha dos melhores galhos para
enxertá-los, a fim de que suas árvores com o tempo produzam frutos
especiais e saborosos, assim eu procuro com esmero escolher os
melhores conselhos para incuti-los no coração dos pais de família,
a fim de que venham a produzir mais tarde preciosos frutos de
santidade e de bons exemplos, que tomados pelos filhos, tornem-se
estes bem-educados e perfeitos imitadores das virtudes paternas,
donde se forme uma sociedade verdadeiramente cristã, redundando tudo
em proveito próprio e na maior glória de Deus, que é o meu
principal intuito.
1º
Conselho
Qualidades
Excelentes
do
Estado do Matrimônio:
Disposições
para recebê-lo com proveito.
É
um erro, meu irmão, e até uma heresia condenada, dizer-se que o
estado de Matrimônio é mau. Não há dúvida que o de Virgindade e
Continência é o mais perfeito, mas isto não impede que o do
Matrimônio seja santo, justo e perfeito no seu tanto, e que possam
ser perfeitos, justos e santos aqueles que vivem nele com verdadeiro
temor e amor de Deus, como na história se lê de muitos que no dito
estado se têm santificado, cumprindo bem com suas obrigações.
Este
estado é santo por ser obra de Deus; pois Ele o instituiu logo após
ter criado nossos pais Adão e Eva em estado de Inocência;
confirmou-o depois do Dilúvio, e na Lei da Graça o elevou a
Sacramento, fazendo dele um dos sete. Além do mais, vindo o Filho de
Deus para remir o Gênero Humano, quis nascer de uma mulher casada,
posto que a mais pura e a mais casta das virgens; convidado para as
Bodas de Caná da Galileia, longe de recusar-se, assistiu-as, e nelas
fez aquele milagre admirável de converter a água em vinho, o mais
generoso.
E
não só é santificado este estado por sua instituição antiga e
sua elevação a Sacramento, senão também por sua significação;
pois significa a união de Cristo com a Igreja, como disse o Apóstolo
São Paulo.
Ó,
se os contraentes pudessem avaliar bem a significação, a
instituição e a elevação do Matrimônio à categoria de
Sacramento! Decerto eles se preparariam melhor para recebê-lo, pois
é sabido que os Sacramentos dão a Graça segundo as disposições
de quem os recebe.
Ó,
como se preparariam de antemão com uma boa Confissão geral, pedindo
ao Senhor perdão de todas as faltas da juventude! Não se tornariam
indignos da Graça daquele Sacramento, como muitos, infelizmente, se
tornam, cometendo pecados em seus tratos ilícitos. Não Basta dizer:
- nos casaremos depois, não; essa desculpa tem tanto valor como a do
ladrão de uvas, que tirando-as sem serem de sua legítima
propriedade viesse a dizer que já tinha intenção de comprá-las. E
assim como não faria bom vinho aquele que colhesse as uvas antes do
tempo ou sem estarem bem sazonadas, assim tão pouco conseguiriam a
paz, a união e as demais felicidades aqueles que, com promessas de
casamento, não aguardam as coisas para o seu tempo próprio.
Portanto,
todo aquele que deseje alcançar a graça que necessita, disponha-se
a bem recebê-la, pedindo a Deus, que não lhe a recusará, contanto
que, ouça a Missa da bênção nupcial em que se contêm importantes
deprecações a Deus Nosso Senhor, isto é, que o Matrimônio torne
santo os contraentes, que lhes infunda o divino amor, lhes dê forças
para suportar os trabalhos de seu novo estado, lhes abençoe os
frutos do Casamento e lhes encha das bênçãos do Céu.
O
Demônio, desejando a ruína e perdição das almas, procura fazer
com que os fiéis não compreendam a virtude dos Sacramentos, os
recebam em pecado, sem fervor nem devoção, porque ele sabe que
estes benefícios são espirituais, e é preciso recebê-los com
fervor e boa vontade para que deles tirem o maior proveito aqueles
que os recebem. É assim que com astúcia diabólica muitas vezes o
Demônio prepara desordens consideráveis por ocasião da celebração
das bodas, tais como despesas excessivas, deleites repreensíveis e
escandalosos, banquetes onde muitas vezes impera o grande pecado da
intemperança; gracejos e palavras desonestas, e até jogos, danças
e cantos impudicos, que só servem para excitar atos reprováveis,
produzindo verdadeiras ruínas espirituais. Ai daquele edifício em
que Satanás põe a primeira pedra!
A
fábrica mal fundada não tarda a ruir por terra, disse Jesus Cristo
Nosso Senhor, e certamente pode bem edificar uma casa quando os seus
alicerces estão assentes sobre o pecado.
As
desgraças são sem conta, porque sobre elas tem grande poder o
demônio Asmodeo, conforme disse o Arcanjo Rafael; e então, perdidos
estarão também os bens temporais, a saúde, e a própria vida,
tanto para eles como para seus descendentes. E a história nos conta
que 7 maridos morreram nas mãos do demônio, vítimas de suas
paixões libidinosas.
Oxalá,
que os recém-casados se recordassem daqueles santos jovens da Lei
Antiga, Tobias e Sara, que na primeira noite de suas bodas diziam:
“Não é justo que encetemos nossas relações sem consideração
alguma, como os pagãos que ignoram a Deus; façamos primeiramente
uma oração à sua divina Majestade, para que nos livre do demônio”.
E foram livres do demônio, e o Senhor os encheu de graças
espirituais e de bens corporais e temporais, e não só a eles, mas
também aos seus pais. Ditosos aqueles que procuram imitar estes
santos noivos; como eles, também alcançarão as graças do Céu.
Aqueles
que procederem de modo contrário, deixando-se levar por seus desejos
arrebatados, ó, esses se verão estrangulados nas mãos do Espírito
das trevas.
2º
Conselho:
Os
Bens do Matrimônio
Dizem
os teólogos, com Santo Agostinho, que são três os bens do
Matrimônio – Bonum prolis, bonum fidei et bonum Sacramenti.
Bonum
prolis, quer dizer que o bem da prole consiste na procriação e
na educação dos filhos. Este é o fim principal do Matrimônio, e
os casados que contrariam este fim, pecam gravemente. É verdade
que se de comum consentimento, digo de comum acordo, querem
privar-se da liberdade que o estado de casado lhes concede, poderão
se abster, pois ninguém os obriga; mas, se não se abstém e
procedem de qualquer modo contra o dito fim, então tudo quanto
fizeram nesse sentido será ilícito, segundo o princípio: - Non
sunt facienda mala, ut eveniant bona, quer dizer: - não se
devem fazer coisas más, para que daí se obtenham coisas boas. O
fazer isto, já de si é mau; nem procede dizer que os dois se
combinaram, porque tal combinação não podiam fazer. Ambos cometem
falta; e se é um só que a comete, cumpre à outra parte procurar
embaraçá-lo o quanto possa, rogando muito a Deus e à Virgem
Santíssima para que se converta.
O
Demônio estende destas armadilhas, e colhe assim muitas almas de
pessoas casadas; conforme conta São Francisco de Sales, alguém viu
cair no Inferno muitos maridos e mulheres por causa de pecados
cometidos no Matrimônio.
Também
Santo Afonso Mª de Ligório refere, segundo diz o Padre Rozz, que
uma mulher casada havia aparecido, depois de morta, a uma filha,
dizendo que estava condenada por pecados cometidos no Matrimônio
que não havia confessado. Acautelem-se os casados que imitam a
Her e Onan, para que não sejam castigados como eles por Deus que
lhes tirou a vida no mesmo momento e os lançou aos Infernos.
Ó,
quantos casados, por esta causa, acarretam para suas casas misérias,
moléstias e até a morte! Assim como o Senhor pôs limites ao
mar, assim também o fez para o Matrimônio; e ir além desses
limites é cometer pecado, e ser castigado, certamente, por Deus.
Bonum
fidei, quer dizer, os casados devem guardar fidelidade mutuamente
sem faltar a ela por pensamentos, palavras e obras: esta é a conduta
que os cristãos devem observar e que com todo escrúpulo foi
observada pelos primitivos fiéis; de modo que o grande Tertuliano em
suas Apologias, atirando em rosto aos gentios os seus vícios, lhes
dizia: - “Os cristãos casados não são como vós outros, uma vez
casados não pensam em outra pessoa do mundo – Christianus uxori
suoe soli masculus nascitur. Mas no dia de hoje, quão mudados
estão os cristãos! Quando vemos casados cometerem os mais horríveis
adultérios, desprezando todas as leis, sem deterem-se diante do
próprio renome, a honra, riquezas e a saúde, atropelando tudo como
se fossem feras; abandonando esposa e filhos e submergindo-se em uma
guerra doméstica profunda.
Acontece
muitas vezes que tem mulheres formosas (das quais são indignos)
dotadas de encantos naturais e sobrenaturais e vão se enchafurdar na
imundície, como disse Jeremias – Qui nutriebantur in croceis,
amplexati sunt Stercora; ou segundo São Pedro: como porcos e
outros animais imundos estão se refocilando na imundície da
estrada, como o Espírito Santo chamou à mulher prostituta. Ó, que
pecado é o adultério!
Deus
Nosso Senhor no Gênesis o chama pecado grande; pela boca de Oseias
disse que é um pecado profundo, e pela boca de Jó classificou-o
como a máxima iniquidade.
E
que castigo não merecerá semelhante pecado? Se Deus infligiu
extraordinários castigos a Faraó, o pagão, por haver desejado a
mulher de Abraão, que castigo não infligirá ao cristão adúltero?!
Até
os próprios idólatras olhavam com horror para esta maldade e a
castigavam tão severamente, que espanta ler-se a história nesse
ponto. Dela consta que alguns povos cortavam a cabeça tanto do
adúltero, como da adúltera, os Árabes por exemplo. Os antigos
Judeus os queimavam vivos, e mais tarde, por Moisés, Deus determinou
que fossem apedrejados. Os Partos a ninguém tratavam com tanto rigor
como aos adúlteros; no antigo Egito o rei Sezostres II também os
fazia queimar vivos, e na Germania tal era a severidade do castigo de
adultério que dificilmente se descobria um delito dessa ordem.
Coisa
estranha! Nações bárbaras e indisciplinadas castigam desse modo os
adúlteros, entretanto que hoje, gente sábia, séria, cristã e que
faz alarde de virtudes, olha sem horror para este monstruoso crime e
não é castigado apesar de cometê-lo por vezes. Será porque faltem
leis e tribunais? Não; bem que temos tribunais e leis. O delito é
tão grande que Deus por si mesmo o quer julgar, como disse o
Apóstolo São Paulo: - adulteros judicabit Deus, e o castigo
será temporal e eterno, como se lê em diversos trechos da Escritura
Sagrada.
Portanto,
é preciso repelir imediatamente as primeiras ameaças da tentação,
e ter bem presente o seguinte conselho de São João Crisóstomo: “Ó,
maridos, se alguma vez intentar manchar-vos o tálamo conjugal alguma
mulher estranha, dizei-lhe incontinente: 'retira-te desgraçada
criatura, eu não sou meu, sou da minha esposa'. E vós, mulheres, se
fordes requisitadas por alguém, dizei-lhe sem demora: 'vai-te
tentador, eu não me pertenço, porém, sim a meu esposo'. Ai, de
qualquer dos cônjuges que faltar à fidelidade!”.
Bonum
Sacramenti, quer dizer que vivam juntos até à morte. Ai, dos
que se divorciam!... Desgraçado daquele que dá causa para isso.
Que
pecados se seguem daí! Que perdas! Perdem-se os filhos com este mau
exemplo dos pais; perdem-se os mais importantes patrimônios, porque
cada um gasta de seu lado.
Em
demandas e litígios veem desaparecer heranças que deveriam
conservar para seus filhos, verificando-se o que diz o Santo
Evangelho – Domus in se divisa desolabitur (S. Mat. 12, 25)
– a casa em que reina semelhante divisão se perderá; e não
somente se perderá a casa, porém, também o renome, a honra, a
castidade e a caridade... E que ódios!
Quão
certo é o adágio que diz: - Casados separados, casados
condenados.
Uma
casa ou uma família pode ser comparada com um barco composto de
diversas madeiras, pinho, cedro, peroba, etc., desde que estejam em
seus competentes lugares e bem colocadas, o barco forma um só todo
que resistirá à fúria das vagas e temporais, e as mercadorias por
ele transportadas chegarão ao porto do destino com segurança e
felicidade; mas, se as tábuas se separam ou se afastam, então as
águas entram e a catástrofe é inevitável: o pobre barco vai ao
fundo com toda a sua carga e tripulação.
O
mesmo dá-se com uma família se todos aqueles que a compõe, ainda
que sejam de diferentes gênios, suportam-se uns aos outros e estão
bem unidos pela caridade, as águas amargas das discórdias evitam-se
cuidadosamente nesse barco doméstico, e, a todos, cônscios de seus
deveres morais e religiosos, como bons cristãos, bonançosos ventos
os conduzirão com felicidade ao porto da Glória. Mas, ó, dor! Se
insistirem em não quererem mutuamente se perdoarem as fraquezas, e
chegam a separar-se, que caudais de amarguras, que desalentos, ao
verem que as águas se alastram, se levantam, fazendo sossobrar o
triste barco! E o pior é que não atingirão ao porto da Glória,
naufragarão, sacrificando assim por um capricho malévolo e
pernicioso o gozo da vida eterna! Afundarão no mar do Inferno e das
suas penas eternas!…
3º
Conselho:
Deveres
dos Casados e dos
Pais
de Família para consigo mesmo
É
dever dos casados amarem-se mutuamente com amor santo e constante;
deste santo amor se formará o vínculo de sua união.
É
de tal importância este amor, que o Apóstolo São Paulo exorta-o,
exigindo-o dos esposos: - Viri, diligite uxores vestras, -
Homens, amai as vossas esposas – e não dissimula a recíproca,
porque diz: - Ut visos suos ament, - para que amem os seus
maridos. Este amor recíproco não deve ser semelhante ao dos brutos
e dos pagãos, porém, santo, regulado pela caridade, ajudando-se
reciprocamente um ao outro para sua santificação com a prática das
virtudes e bons exemplos; deve ser o amor dos casados como o amor de
Jesus Cristo para com a Sua Igreja, o qual ainda não foi abalado,
nem perante todas as perseguições e tribulações pelas quais têm
passado esta Esposa, nem pelos vícios e pecados de seus filhos: -
assim deve ser o amor dos casados, tão constante que nem todas as
moléstias e achaques, nem a ausência nem a própria velhice deve
ser motivo de aborrecimento; pelo contrário, maiores provas de amor
sincero e desinteressado devem dar nessas circunstâncias.
Os
casados devem ter bem presente que Deus os chamou para esse estado do
Matrimônio, para que se auxiliem mutuamente, continuadamente, com
orações, exortações e bons exemplos na santificação um do
outro. Esta é a vontade de Deus, disse o Apóstolo São Paulo.
Os
casados, além de viverem amando-se mutuamente, devem amar, se os
têm, seus pais e seus sogros.
Os
bons filhos devem ser como a terra fértil, que recompensa com
abundantes frutos o trabalho e os suores do lavrador; assim pois, os
bons filhos e as boas filhas devem nobre e generosamente corresponder
com amor e cuidados sinceros o trabalho que com eles tiveram seus
pais e sogros, e isso fazendo sem queixas; seja o verdadeiro arrimo
destes em sua velhice.
Não
há dúvida, que nas casas onde há casamentos entre velhos e moços
é mais difícil viver em paz; quando, aliás, ser-lhe-ia isso
facílimo se reinassem a caridade e o amor entre eles. O amor está
para os casados como o açúcar para as frutas azedas; sim, o amor
adoça os gênios mais ásperos e os conserva em paz, e se todos
viverem com amor, todos se suportarão e se ajudarão mutuamente.
“Pão e paz”, são palavras que se parecem; observando-se
como se faz o pão, compreender-se-á como se forma a paz na casa de
um casal de idades desiguais. Para se fazer o pão há necessidade de
farinha, fermento, água, sal, e para que estas quatro substâncias
se transformem em uma só – o pão, é indispensável que cada uma
delas se irmane e se adapte a natureza das outras; do mesmo modo
acontece com os velhos que casam com moças, se não se irmanam, se
não se adaptam ao gênio do outro, jamais terão paz; entretanto,
ainda que de gênios opostos se unem, se suportam-se mutuamente, se
desculpam os seus defeitos, em uma palavra, se existe o amor entre
eles, então haverá paz e felicidade, tanto neste como no outro
mundo. E ai deles, se não se amam! Só terão a guerra, viverão
sempre com raiva, como cães a latir para o Inferno, pois está
escrito que os cães não entrarão no Céu: - Foris canes,
disse São João.
4º
Conselho:
Deveres
dos Pais para com seus Filhos
Por
certo, meu irmão, não há ninguém que possa fazer tanto bem e
tanto mal como os pais de família.
A
razão é evidente, pois nós todos os mortais somos como as águas
dos rios, que vão correndo até misturarem-se às do mar, e às
águas passadas vão se sucedendo outras, conservando-se sempre cheio
o leito do rio; o mesmo acontecerá conosco, tamquam aqua
dilabimur, que como às águas, corremos a misturarmo-nos com o
mar da eternidade, ao passo que estes pequeninos que vão crescendo
nos sucederão, encherão o leito do rio deste mundo que nós vamos
deixando vazio; por conseguinte, se eles são bem-criados pelos seus
pais, serão filhos e filhas, outros tantos bons pais e boas mães de
família; serão a felicidade não só da casa, como da nação
inteira.
Pelo
contrário, se os pais não cumprem seus deveres para com seus
filhos, estes se tornar-se-ão tão maus que suas casas serão
habitadas por feras e a nação inteira parece antes um covil de
feras do que uma sociedade de homem, tal como disse Aristóteles: que
não há fera pior do que o homem sem princípio, sem instrução e
observância da lei. E com efeito, a experiência nos ensina, que
são mais de temer-se estes homens assim indisciplinados do que as
mais terríveis feras; pelo menos as feras vivem retiradas no
deserto, e os homens maus entre a gente de bem. As feras não roubam
a fama, a honra e as riquezas; os homens maus fazem tudo isso e ainda
mais. Está nas mãos dos pais de família o remediar tamanho mal,
que ninguém poderá impedir se eles não o fizerem, pois, conforme
disse Platão: - “Nada aproveitam as leis, de nada servem os
decretos, são em vão todos os castigos, nada reformam os desterros,
e nada remediam as forças”. Sim, nas mãos dos pais de família
está o remédio; se o quiserem, reformarão o mundo.
Lembra-me
haver lido, que a República de Atenas se achava cheia de vícios e
de desgraças, pelo que os mais sensatos se reuniram para tratar do
remédio. Iam aqueles pais discorrendo sobre o assunto; este propunha
um castigo como meio, de arrancar tantas maldades; aquele propunha
outro meio, outro castigo; e assim, iam todos discorrendo e propondo
o que melhor entendiam, até que um dos mais sisudos, depois de todos
terem falado, atirou no meio da sala uma maçã podre, e disse: -
“Que remédio vos parece poderá existir para fazer com que esta
maçã podre torne-se outra vez sã, bonita e doce?”
Difícil
a pergunta. Como fazer que a maçã podre fique perfeita? Todos se
calaram. Então o proponente prosseguiu: - “Pois olhem:
arranquem-se-lhe as pevides (sementes) que estão em seu
âmago, tratem delas, cultivem-nas, e dentro em poucos anos, dessa
maçã tão podre nos advirão muitas outras, formosas, doces, sãs e
frescas”. “É verdade”, disseram todos os pais reunidos no
congresso. “Pois, se é verdade, acrescentou, empreguemos
todos os nossos cuidados na criação dos filhos, que dentro em
poucos anos teremos reformada toda a República”.
Vede,
pais e mães de família, em que estado está a nossa nação, -
talvez pior do que a República de Atenas: - a cada passo só se veem
e ouvem escândalos, escândalos nas ruas, nas praças, nas casas,
nas vendas, nas fábricas, nas estradas e caminhos, nos templos
sagrados, em terra, no mar, escândalos, vícios e pecados por toda
parte. Demos uma volta pela cidade, a mais populosa até a menor
aldeia, o que veremos e ouviremos? Ai de mim!... Não se ouve, não
se vê senão apostasias, maldições, blasfêmias; os domingos e
dias de festas (de guarda) parecem antes, festas de pagãos, do que
festas de cristãos!
Que
insolência dos filhos para com seus pais, pagando-lhes do modo como
bem o mereceram pelos seus descuidos e mau exemplo! Que ódios entre
parentes, os mais próximos, patrícios e conhecidos, que tem por
mestre um Deus que manda amar até os próprios inimigos!
Que
impudicícia! Parece que nos achamos em Sodoma e Gomorra, ou no tempo
do Dilúvio, quando toda a carne se havia corrompido! Que faltas, que
cantigas, que conversas se ouvem! Que ações! Que vestimentas! Que
pecados contra a castidade em todos os estados, sexos e condições,
desde os mais jovens até os mais velhos!
Sim,
os nossos tempos estão parecidos com os de Noé! E que injustiças
estamos vendo, que roubos, que fraudes, que...
Já
não se olham os meios, contanto, que venha o dinheiro... Que
críticas e murmurações! Que males e desgraças! E não haverá
remédio para tão grande mal? Sim, há; o remédio está em vós
senhores pais de família.
Vós
tendes a medicina necessária, basta que queirais aplicá-la; ela
está no criar bem as vossas famílias. E o não fareis?!...
Olhem
que não só servirá para o bem comum, senão também, para o nosso
bem particular.
Se
tiverdes criado bem os vossos filhos, eles depois corresponderão,
como a terra bem cultivada que, agradecida, recompensa o lavrador:
assim o farão vossos filhos cultivados com os vossos desvelos; eles
vos descansarão, vos consolarão e vos manterão na vossa velhice, e
depois de passardes felizes vossos dias neste mundo, ireis gozar das
felicidades eternas.
5º
Conselho:
Primeiro
Dever dos Pais
para
com seus Filhos:
sustentá-los
e vigiá-los.
Pouco
há a dizer sobre este dever de sustentar os filhos, tão claro e
natural ele é, que os próprios animais o cumprem com a maior
exatidão, alimentando seus filhos. As próprias feras não se
esquecem dos cuidados de que devem cercar os seus filhos pequenos.
Dos animais irracionais, só a avestruz abandona seus filhos, por
isso, é tido como animal torpe e estúpido pela própria Escritura.
E se alguém se admira que um irracional, como a avestruz se esquece
de sustentar seus filhos, qual não será a admiração vendo-se um
homem abandonar a sua prole sem sustento para atirar-se às casas de
jogos, aos botequins, tabernas e casas de perdição, onde gasta
inútil e criminosamente todo o dinheiro de seu ordenado, soldo e
patrimônio que deve empregar na manutenção de sua família! E
quantos males não provém daí? Um filho ladrão, uma filha
prostituta e a mulher... Que sei eu!
Se
eu me encontrasse com esses pais que se esquecem de tão essencial
dever, lhes diria: - Vinde cá remissos e descuidados; vinde
preguiçosos e delinquentes, e aprendei, não somente com a formiga,
de que faz particular menção o Espírito Santo, mas com todos os
animais que povoam o ar e a terra; vede, que esforços e
diligências para apanhar a caça, uma vez apreendida, dela se privam
logo e a entregam a seus filhos para seu sustento”.
E
os pais de família não hão de trabalhar, e sim, gastarão os seus
salários em vícios e pecados com prejuízo de seus próprios filhos
que ficam sem pão e sem roupa para vestir? Que crueldade! E o pior
de tudo isso, é que não só matam os filhos no corpo pela miséria,
como os matam no espírito pelos escândalos que dão. Com efeito,
vendo-se eles fora de si, das casas de jogos e de vícios, maltratam
as esposas; com tudo se impacientam, blasfemam, maldizem a si e a
tudo; e como é que com isso a família não há de sobressaltar-se,
chorar e escandalizar-se recebendo tão mau exemplo?!...
Os
bons pais de família devem fugir dos vícios e das casas de
perdição; sua preocupação e diversão deve ser a sua família;
para ela devem trabalhar, proporcionando-lhe o sustento e
ensinando-lhe a procurá-lo. Neste ponto os próprios irracionais dão
lição a muitos homens, trazendo para seus ninhos o sustento de seus
filhotes; a galinha que dá vida a seus ovos inanimados pelo seu
calor natural, ela mesma ensina a seus pintinhos onde devem encontrar
a comida, chama-os, reúne-os, de vez em quando abriga-os sob suas
asas para aquecê-los e vivificá-los, e a maior prova de amor
materno ela o dá quando vê o gavião que quer arrebatar-lhe os
pintinhos, - então esquecendo-se do seu natural estado de timidez e
pusilanimidade, atira-se como uma leoa contra o gavião.
Eis
aí o que devem fazer os bons pais: - todo seu desvelo e alegria deve
ser para sua família; todo o seu prazer deve ser o estar junto de
seus filhos; devem mostrar-lhes a maneira de adquirir-se a
subsistência, ensinando-lhes os meios de evitar a ociosidade que é
mãe de todos os vícios; de vez em quando, após as refeições, à
noite nos dias de festas, reunidos todos, devem entretê-los com
sábios conselhos, em que devem fazer sobressair o amor,
principalmente, quando observem que o gavião infernal está dando
voltas para arrebatar-lhes algum de seus filhos. Se observarem que um
filho se separa dos outros, que se recolhe tarde, que frequenta más
companhias, tavolagem (casas de
jogos), casas suspeitas, então, não devem fugir a fadigas
nem perder tempo com covardia e pusilanimidades; pelo contrário,
leões destemidos, devem procurar arrancá-lo do mal que o ameaça.
Ó,
se os pais soubessem, como se lê na história da Mística Cidade de
Deus, a contínua guerra que os demônios fazem à criatura racional,
com certeza vigiariam mais seus filhos! Pois, saibam que, desde
que se foi gerado no ventre materno até que se finalize a missão
perante o Divino Tribunal, é uma guerra contínua sobre a terra.
O
Maligno inimigo dos pais, observa sua situação especial, se estão
em graça ou em pecado, se eles se excederam ou não, em qualquer
coisa; ele observa também a disposição de humores com que a
criatura foi concebida e formada; e com a larga experiência que tem
apercebe-se das indicações futuras da criatura, e daí, sabe tirar
grandes prognósticos para mais tarde.
Desde
o começo que o Inimigo infernal começa sua luta contra esta
criatura, excitando as mães ao aborto por meio de excessos e
movimentos extraordinários com a finalidade de privar a nova
criatura dos benefícios do Santo Batismo. Se não obstante, todos os
seus estratagemas, nasce a criatura e é batizada, imediatamente
prepara-lhe armadilhas, à proporção que vai crescendo, investindo
contra a criança, aproveitando-se de suas inclinações de intriga,
de soberba, de cólera, de vingança, de desobediência, de
libidinagem, de ladroeira, de gula, etc. É por estes pontos que a
vai atacando e sugerindo o vício para o qual a vê mais inclinada;
servindo-se o Maligno tentador, muitas vezes, de outra criatura para
ensinar-lhe isso mesmo. Ó, quão mais fácil se torna o seu ardil!
Faz, então, como o astuto caçador, que se vale de um pássaro para
apanhar outros inocentes e descuidados. Deste modo, a pobre criança,
sem saber que coisa seja o vício, já se acha tão viciada que,
quando abre os olhos da razão, tão presa está nas malhas do mau
hábito, que não sabe mais como se desenvencilhar delas.
Velem,
pois, os pais, e especialmente as mães, quando se sintam grávidas;
desejem com o maior fervor que o fruto de suas entranhas nasça bem e
receba o Santo Batismo. Ao apresentarem seu filho no templo, deem
graças ao Altíssimo e à Virgem Santíssima pelos grandes
benefícios do bom sucesso e da graça do Santo Batismo; ponham sob a
proteção de tão grande Senhora, o filho recém-nascido para que,
como Rainha que é dos Santos Anjos, se digne fazer com que eles o
defendam e tenham sob sua tutela; depois, é preciso que observem o
comportamento das pessoas que cuidam de seus filhos, e à medida que
estes vão crescendo, prestem atenção aos companheiros com quem se
familiarizam; que brinquedos (e brincadeiras) escolhem e onde
brincam, como fazia a admirável Sara com seu filhinho Isaac; e
igualmente, não deixem de observar as infantis inclinações de seus
filhos, para corrigi-los logo no começo, sendo
preciso, fechar assim, a porta ao Inimigo.
Devem
saber os pais, que o Senhor os fez pastores dessas ovelhinhas remidas
com o Sangue de Cristo; assim como incorreria na indignação de seu
patrão, o pastor que deixasse o lobo arrebatar as ovelhas que lhe
deu para vigiar, assim também incorrerão em não menor indignação
aqueles pais omissos, negligentes e descuidados que não vigiam nem
guardam seus filhos do lobo infernal. E, pois, se querem ser servos
bons e fiéis, devem não somente livrar estas ovelhas do referido
lobo, mas também, conduzi-las aos bons pastos da instrução, e
afastá-las dos maus por meio de suas convenientes admoestações.
6º
Conselho:
Segundo
Dever dos Pais
para
com seus Filhos: Instruí-los.
Logo
que a filha do rei Faraó fez tirar do rio o menino Moisés,
entregou-o à sua mãe para que o criasse para ela: - Accipe
puerum istum, et nutri mihi.
A
mesma coisa parece que faz o Filho do Rei dos Céus e da Terra, logo
que por meio das águas do Santo Batismo liberta o vosso filho ou
filha e vo-lo entregar a fim de que alimenteis para Ele e para Sua
maior honra e glória, prometendo-vos paga temporal e eterna.
Ó,
que motivos mais poderosos do que este para obrigar-vos, pais de
família, a ter todo o cuidado na criação de vossos filhos!
Se
um grande rei vos entregasse seu filho para que o criásseis e o
instruísses, qual não seriam os esforços e os cuidados que poríeis
para corresponder a tamanha confiança desse monarca? Pois, maior é
a confiança que em nós deposita, não um rei terreno, porém, sim,
um Rei celestial, quando nos entrega esses filhos que Ele criou e
remiu, não com ouro e prata, mas com o sangue de Suas veias; filhos
que são herdeiros de grande patrimônio – o Reino celeste -, e que
nos entrega com o maior empenho para que os nutrais com o leite da sã
Doutrina e os alimenteis com o pão das virtudes cristãs.
Cumpri,
pais, tão santo quanto sagrado dever: - apenas saibam vossos filhos
pronunciar a primeira palavra, ensinai-lhes que existe um Deus; que
são três as Pessoas da Santíssima Trindade; que a Segunda se fez
homem, e o que fez Ele para nos remir; para o que lhes ensinareis o
Símbolo dos Apóstolos (o Credo), e tudo o mais que devem crer. Mas,
como a Fé sem obras tende a morrer, logo em seguida lhes ensinareis
os Preceitos da Lei de Deus e da Santa Igreja, as orações com que
devem pedir, e os Sacramentos que, a seu tempo, devem receber. Deveis
fazer conhecer a vossos filhos que, sem a observância dos Preceitos
Divinos, não conseguirão o Céu, que é o fim para que fomos
criados; e que, se não cumprem com estes Preceitos, pecarão, e se
morrerem em pecado, estarão condenados às penas eternas. Devem os
pais inspirar a seus filhos, grande horror ao pecado, mostrando-o
como uma serpente, como um monstro horrendo e prejudicial, tal assim
o fez a rainha D. Branca a seu filho São Luís, a quem ela dizia:
“Muito te amo, meu Luizinho; entretanto, antes queria verte
morto do que em pecado”. Estas palavras ficaram de tal modo
gravadas no espírito e no coração deste menino, que toda a vida as
teve presentes e as transmitiu por herança na hora da morte à seu
filho, chamando-o e dizendo-lhe: “Meu querido filho, a primeira
coisa que te recomendo, é que ames a Deus de todo o teu coração,
que sofras os mais cruéis tormentos antes que cometas um só pecado
mortal. Sê paciente nas adversidades, humilde e reconhecido na
prosperidade. Confessa-te com frequência; escolhe
Confessor virtuoso e sábio, e faze com que ele e teus amigos te
advirtam e corrijam com liberdade. Assiste com devoção às festas
da Igreja. Seja o teu coração compassivo para com os pobres. Não
se veja a teu lado senão gente de bem. Ninguém se atreva em tua
presença a murmurar, a dizer palavras desonestas nem a blasfemar”.
É
obrigação dos pais afastar seus filhos do mal e ensinar-lhes as
virtudes que devem praticar. Assim o fizeram os pais da Lei da Graça
e também os da Antiga Lei, como Tobias, que dizia a seu filho:
“Escuta estas minhas palavras e faz com que elas fiquem
impressas no teu coração: Em todos os dias de tua vida nunca te
esqueças do teu Senhor, livra-te de cometer pecado algum e de
transgredir os Preceitos do teu Deus; dá esmolas segundo as tuas
posses, se tens pouco dá pouco, se tens muito dá muito; nunca
afastes os teus olhos do pobre, para que Deus não se afaste de ti, -
a esmola é fonte de grandes bens para a outra vida.
Vela
sobre ti mesmo, meu filho para que não te sujes em alguma impureza;
que a soberba, causa de todo o pecado, se conserve sempre longe de
tuas palavras e obras; não retenhas o salário dos trabalhadores,
pelo contrário, paga-lhes imediatamente, não faças a outrem o que
não queres que outrem faça a ti; nas tuas dúvidas toma o conselho
de homens sábios; louva e bendize ao Senhor, continuadamente, e
suplica sem cessar que dirija os teus passos, e que se digne dar Sua
santa bênção a todas as tuas obras. Não te incomodes, meu filho,
pelo fato de passarmos uma vida pobre; muitos bens teremos se tememos
a Deus, se nos afastamos do pecado, e se praticamos o bem”.
Assim,
Tobias doutrinava e instruía a seu filho, que pondo em prática tão
santos conselhos alcançou favores do Senhor, tais como, a presença
do Arcanjo São Rafael que o acompanhou em uma viagem, o livrou de um
peixe que tentou devorá-lo, e lhe proporcionou um admirável
casamento, que trouxe riqueza e alegria para ele e para a casa de
seus pais.
Vede,
pais de família, como frutifica a semente da doutrina e dos
conselhos espirituais. Este pequeno trabalho a que se dão os pais,
ó, como o recompensa Deus no Céu e neste mundo mesmo, enchendo de
alegria e felicidade suas casas e as de seus filhos!
E
após todas estas evidentes verdades e exemplos palpáveis, ainda há
pais que queiram contestar sua criminosa omissão, dizendo que não
tem tempo?!
Valha-me
Deus! Encontram tempo para passear, para jogar, para seus vícios e
não encontram tempo para a educação de seus filhos?!...
Outros
dirão: - Temos muitas ocupações. Acredito; mas, a educação
dos filhos é um dever dos pais, pois, como diz São Tomás, o pai
e a mãe são não só a base da geração e da criação desses
entes que lhes foram confiados pelo Eterno, como também, da educação
e ensino dos mesmos. E assim como teriam escrúpulos de deixar morrer
de fome um filho, do mesmo modo terão escrúpulos de deixá-lo
morrer nos braços do vício pela falta da instrução, - vítima
da ignorância e do erro.
Sabeis,
ó pais, que vossa família é como uma horta, que se deve cultivar
continuadamente, lançando à terra, boas sementes e, inutilizando as
ervas daninhas; pois que, se assim não o fizerdes, não colhereis
boas plantas, e, tereis sim, um campo de abrolhos e espinhos. O mesmo
acontecerá em vossas casas; onde, se cuidadosamente não instruirdes
os vossos filhos na prática das virtudes cristãs, não lhes
inspirardes o horror ao pecado, tereis em vosso lar um bosque de
vícios e de perdição.
Alguns
outros, talvez dirão: Não temos instrução para instruir os
nossos filhos. Que criminosa desculpa! Suponhamos que assim seja;
que não haja preguiça, mas, falta de ciência; não é razão o
deixar-se morrer de fome uma criança porque sua mãe não tenha
leite, pois nesse caso procura-se-lhe uma ama; assim também, se não
tendo o leite da ciência necessário para instruir cristãmente a
família, deveis procurar para ele uma ama espiritual. Fazei com que
não lhe faltem pelo menos as instruções paroquiais,
acompanhando-as vós mesmos; e assim alcançareis duas coisas ao
mesmo tempo: - vossa família usufruirá esse benefício da instrução
religiosa, e vós pagareis o débito proveniente de vossa criminosa
ignorância. Se tal não fizerdes, isto é, se não acompanhardes
vossos filhos ao templo, eles lá não irão sozinhos, por mais que
os aconselheis, e sim, com outros companheiros tomarão a direção
de outros lugares, Deus sabe para onde. Ó, quão repreensíveis
sereis então!
Disse
o Apóstolo São Paulo: Si quis autem suorum, et maxime
domesticorum curam non habet, fidem negavit, et est infideli
deterior. Piores sereis do que os infiéis, e parece que teríeis
perdido a Fé, que vos ensina que há um Deus que vos há de intimar
a comparecer perante o seu tribunal e que vos dirá à cada um: Redde
rationem villicationis tuae; dai-me conta da família que te
confiei. Ai, se por vossa culpa se perde algum deles, é certo que
por ele pagareis! A fim de que eles não se percam, pais, deveis
procurar infundir em seus espíritos os benefícios e salutares
Preceitos da Doutrina Cristã, desde as suas infâncias. Por último,
não vos esqueçais de criá-los no santo temor e amor de Deus, e
recomendá-los ao Senhor, de manhã e de noite, para que sejam
devotos da Santíssima Virgem, dos Santos Padroeiros e Anjo da
Guarda, recebam os Santos Sacramentos com frequência, e afastando-se
dos vícios, sigam e pratiquem as virtudes cristãs.
7º
Conselho:
Terceiro
Dever dos Pais
para
com seus Filhos: Corrigi-los.
O
Apóstolo São Paulo escrevendo aos Efésios, exorta-os à que
eduquem seus filhos na disciplina e correção do Senhor: “Educate
filios vestros in disciplina et correctione Domini”.
Certamente,
que não é bastante instruir os filhos nas coisas santas, na piedade
e na virtude, mas sim também, é indispensável corrigi-los de seus
defeitos. Não pensem os pais que seus filhos não tem defeitos;
têm-nos, sim; e posto que muitos dos que hoje veneramos como
Santos tiveram os seus, alguns, não meras faltas, porém, pecados
graves, em sua juventude, eles se emendaram mais tarde. Para exemplo,
está Santo André Corsino, que na juventude deixou-se levar pelos
vícios, mas, corrigido pela própria mãe, se emendou, e tornou-se
um grande Santo.
Deveis
saber, pais de família, que a Graça do Batismo tira o pecado, mas,
não destrói a sensualidade ou concupiscência; deixa a alma limpa,
é verdade, mas não impecável. Por conseguinte, a vós outros
compete vigiar, instruir a vossos filhos, e também corrigi-los
em seus defeitos.
O
fim da correção dos pais, deve ser para maior glória de Deus e bem
dos seus filhos, nunca, porém, para fins terrenos ou interesseiros,
como fazem alguns que, se o filho ou a filha faz uma mancha no
vestido ou quebra um vaso, são logo todo gritos e pancadas,
entretanto, que se ouvem-nos pronunciar alguma palavra má, ou os
percebem fazer alguma coisa desonesta, etc., dissimulam, e nada
dizem. Eu não digo que não se repreendam aquelas primeiras faltas,
mas estas últimas muito mais.
Muitos
pais se portam para com seus filhos, como o pai de Santo Agostinho
para com ele; pouco se importava que o filho fosse casto, contanto,
que fosse eloquente: “Non satagebat quam castus essem, dummodo
essem dissertus”, como o próprio Santo Agostinho exclama em
suas Confissões. Já assim não faria sua mãe, Santa Mônica, que o
repreendia asperamente; e sentia mais dores em vê-lo pecar do que as
sentiu quando o deu à luz, como o mesmo santo diz, e por isso,
continuadamente o corrigia.
A
correção não deve ser só espiritual, porém, também deve ser
geral e igual, quer dizer, que se a estenda igualmente a todos os
filhos.
Há
pais tão inconsiderados, que às vezes são para uns todo rigor e
para outros todo desculpas; entretanto, assim como o amor deve ser
comum a todos os filhos, do mesmo modo deve ser a correção. Além
do mais, os pais devem procurar não terem os mesmos defeitos que
repreendem ou castigam nos filhos, pois de contrário, expõem-se a
que estes lhe digam: “Medice, cura te ipsum”, médico,
cura-te a ti próprio.
Finalmente,
a correção deve ser presidida pelo amor e desejo de emenda, e não
impelida pela impaciência e ira, pois deste modo, não produzirá
fruto algum, como nunca produz, sempre que se repreende com paixão.
Seria o mesmo que, se pretendesse alguém lavar o rosto com tinta,
para tirar qualquer mancha, pois, longe de tirá-la, o que
aconteceria, é que mais sujo ficaria o rosto. Por isso, devem os
pais não estar zangados quando corrigem seus filhos; é preferível
deixar passar alguns defeitos, quando não são de transcendência, a
fazer como certos pais imprudentes e impacientes, que sempre estão
aos gritos e ameaçando de pancadas aos filhos: - isto só serve
para provocar e não corrigir, indo aliás, de encontro ao
conselho do Apóstolo que disse: “Patres nolite provocare ad
iram filios vestros”. O que se deve fazer é, primeiramente,
adverti-los e corrigi-los por brandas palavras; quando isto não
basta, se é um menino, privá-lo dos brinquedos que são os
idolozinhos das crianças, fechando-o por algumas horas em um quarto,
ou impondo-lhe uma outra qualquer privação, ditada pela prudência
e pelo amor de seu bem espiritual. Se é uma menina, privá-la de um
vestido bom no dia de festa, porque (como as mulheres desde mui
pequenas tem tendência à vaidade) quem sabe, será o melhor para
impressioná-la vivamente em seu sentimento, e fazê-la emendar-se
com mais facilidade. Por último, quando lhes ordenardes alguma coisa
deveis procurar fazer com que vossas ordens sejam cumpridas; do mesmo
modo, quando os ameaçardes com algum castigo, nunca deixeis de fazer
com que eles os experimentem, do contrário, rir-se-hão de vossas
ameaças e intimações.
Se
depois destas correções os filhos não se emendarem, é forçoso
passar às outras mais sérias: - fazei como o sábio e experimentado
cirurgião que, quando vê que com emplastros não cura a ferida que,
pelo contrário, tende a tornar-se cancerosa, lança mão do ferro e
do fogo para conseguir a cura, vós deveis fazer assim, logo desde a
primeira infância; também como procede o sábio jardineiro, que
arranca a erva rasteira e corta os ramos inúteis, ou prejudiciais.
Além do mais, é a razão natural das coisas que vos está
evidenciando que tendes de o fazer agora, enquanto são pequenos os
vossos filhos: - vede o que acontece com uma árvore; enquanto
pequena e tenra, facilmente se endireita e educa, mas, se a deixa-se
crescer demais, torna-se impossível corrigi-la. A mesma coisa nos
exorta o Espírito Santo nas seguintes palavras: - “Filii tibi
sunt? Erudi illos et curva illos á pueritia illorum”(Eccli.
VII, 25): se teus filhos, instrui-os e corrige-os desde sua primeira
infância; e no Capitulo XXX, 12, diz: - “Curva cervicem ejus
dum infans est, ne forte induret et non credat tibi dolor animae”
- inclina-lhe a cabeça na juventude, e castiga-o enquanto pequeno,
para que não se endureça demais e te falte à obediência, o que
será para ti uma dor de alma.
Se
é certo, que hoje em dia vemos tantos filhos e filhas desobedientes,
verdadeiros tiranos e verdugos de seus pais, a verdade é que estes
são os únicos culpados por se terem esquecido deste conselho do
Espírito Santo. Talvez um amor correspondido lhes tivesse detido a
mão, mas, se amassem verdadeiramente a seus filhos, não teriam
deixado de castigá-los: - Qui diligit filium suum assiduat, illi
flagela (quem ama seu filho, amiúda-lhe as pancadas). Esta
opinião não vos parece amor, pais, não, mas sim ódio: - Qui
parcit virga, odiit filium (quem poupa a vara, odeia o filho).
Pois
bem, se amais verdadeiramente os vossos filhos, castigai-os quando
merecem, e só assim se corrigirão e suas almas não se perderão: -
Tu virga percuties eum, animam ejus de inferno liberabis (tu
lhe baterás com a vara e terás libertado sua alma do Inferno).
Vigiai,
corrigi e castigai vossos filhos sempre que for de necessidade; mas,
observai bem que, se fordes omissos, eles se condenarão e vós
outros igualmente, tal como Heli. Este era um Sumo Pontífice e Juiz
da nação hebreia; tinha dois filhos chamados Ophni e Phiné, que
eram ladrões e impudicos; o Senhor castigou-os, fazendo com que
ainda jovens morressem desgraçadamente no campo da batalha nas mãos
do inimigo, e seu pai, por não tê-los corrigido – non conipuit
eos – caiu morto do alto da cadeira em que se achava assentado,
e suas almas desceram para os infernos, como dizem São Cesário, São
João Crisóstomo e São Pedro Damião – por não havê-los
corrigidos.
A
Escritura diz que os corrigiu, pois, lê-se que eles lhes dissera: -
Quare fecistis res hujus modi?... Nolite filii mei, non enin est
bona fama, quam ego audis? (porque fareis isto?... Vede, meus
filhos, que não é boa a fama que ouço de vós...). Correção
fraquíssima para crimes tão graves! Por essa razão, o Senhor não
a levou em conta, - et non correpuit eos, e, por omisso, foi esse pai
condenado e não por outros pecados que cometesse; por si, era um
homem de bem, mas, os pecados dos filhos, que ele não conteve,
determinaram a sua condenação.
Ó,
quantos pais não experimentarão o mesmo que Heli, porque
consentem que seus filhos andem à noite por casas de jogo, casas de
tolerância, com maus companheiros, etc.; que suas filhas vistam-se
indecentemente, que saiam sozinhas para as ruas e casas, que se
relacionem com más companhias, que frequentem bailes e saraus, que
façam maquinação para prejudicar outrem, que tenham conversas
longas e a sós... e quiçá às ocultas... Ai deles, disse São
Jerônimo: - Quira solus ad solam, vel lupus ad oviculum (o
procedimento de quem está só com um inocente, compara-se ao que tem
o lobo para com a ovelha abandonada)...
Pais,
quando souberdes o que de mau fazem os vossos ou vossas filhas, não
vos contenteis de dizer-lhes simplesmente, com Heli – por que
fizestes isso? Ai de vós! Digo, quando souberdes, porque
muitas vezes sois os últimos a ter conhecimento dos males que se dão
em vossa casa. São Jerônimo também disse: - Já se falam nas
ruas os vícios de vossos filhos, e vós ainda ignorais. Por
conseguinte, se quereis salvar as vossas almas e as de vossos filhos,
é preciso corrigi-los com firmeza quando for conveniente: Irascimini
et nolite peccare, enraivecer-se de acordo com a razão
é louvável, e não é paixão, pelo que assim devem às vezes
proceder os pais, e as mães não os devem embaraçar, como algumas
imprudentes e ignorantes o tem feito.
Pela
história do casto José, sabemos que o sol e lua representam o pai e
a mãe. A lua resplandece na ausência do sol; mas, quando ela se
coloca entre o sol e a terra, produz um eclipse do sol e uma grande
obscuridade na terra. Eis o que acontece com a boa mãe: como lua
deve resplandecer com a luz de saudável correção em sua família;
mas, quando o pai que, como sol, castiga com luz severa e eficaz de
correção a seus filhos, não deve a mãe interpor-se entre o pai e
a família, censurando-o, chamando-o às vezes de cruel, de
inconsiderado, etc. Ah, que fatal eclipse não produzirá esta
imprudente interpretação! O pai perderá a sua autoridade e bom
conceito, a família se revoltará e se tornará indomável e
insolente.
Dirão,
talvez, que as mães não tem coração para verem castigar seus
filhos e vê-los chorar; creio-o bem, mas, é conveniente; e do
contrário, se perderão. Se alguém tivesse uma parreira muito
estimada e, ao ver o podador, cortar-lhes os ramos inúteis e ela à
chorar dissesse: - não cortes mais, deixai-os ficar assim mesmo;
o que aconteceria? O que? A parreira se perderia. Pois, o mesmo
acontecerá em vossa família; se com uma caridade imprudente, só
porque ela chora, quereis impedir o ferro da correção, então, ela
estará perdida e vós com ela.
8º
Conselho:
Quarto
dever dos Pais para com seus Filhos:
Dar-lhes
Bom Exemplo e
não
escandalizá-los.
Os
Filhos e as filhas são como outros tantos espelhos que estão diante
dos pais. Agora se puserdes diante de um espelho a imagem de
Jesus, decerto a vereis representada diante dele, quero dizer, pais
de família, se vós sois a imagem de Jesus pelas virtudes da
humildade, paciência e amor, vosso filho, como um espelho, refletirá
a imagem de Jesus; se vós outras, mães de família, com as virtudes
da humildade, pureza e amor sois uma imagem de Maria Santíssima,
vossa filha será uma cópia de Maria. Mas se, pelo contrário, pais
e mães, vós sois com vossa soberba, leviandade, impiedade e demais
vícios, uma imagem do Demônio, vossos filhos e filhas serão cópia
viva desse Inimigo de nossas almas. Muito importa o bom exemplo de
vossa parte, para que os vossos filhos se acostumem ao que ouvem e
veem em vós. Assim como insensivelmente aprendemos o
idioma pátrio, do mesmo modo aprendemos o idioma da virtude ou do
vício; por isso, disse São João Crisóstomo que, os lábios
dos pais são os livros em que estudam os filhos: Libri sunt labia
parentum, e neles aprenderão o bem ou o mal. Se os filhos só
lerem nos lábios paternos o horror ao vício e a estima à virtude;
se só ouvem de suas bocas a excelência da humildade, da pureza, da
esmola, do amor ao próximo, da devoção a Maria Santíssima, à
Santa Missa e à frequência dos Santos Sacramentos,
eles falarão essa mesma linguagem, serão humildes, castos,
esmoleres; terão amor a seus semelhantes; serão devotos da
Santíssima Virgem e da Santa Missa, e frequentarão os
Sacramentos, principalmente, quando os pais se adiantam com o bom
exemplo, a imitação do Divino Mestre que começou, primeiramente,
por praticar e depois ensinou: Cepit facere et docere.
Nisto
devem, principalmente, insistir os pais, porque os filhos se
impressionam mais pela vista do que pelo ouvido; e, eis porque São
Jerônimo dando regras a uma grande senhora, mãe de família, para
ensinar bem sua filha, disse-lhe: te habeat magistram, te rudis
imitetur injantia, - ser mestra e exemplar a um tempo.
Vós
haveis de convir pais, disse um sábio, que instruireis mais
os vossos filhos com os exemplos do que com as palavras. Causa-me
compaixão, ver alguns pais e mães andarem todo o dia a gritar com
os filhos e filhas, porque não são devotos, porque não rezam,
porque não frequentam os Sacramentos, etc.
Crede-me,
não façais tanto barulho com palavras; falai pelo exemplo, e o
vosso movimento será muito mais eficaz. Quereis que vossos
filhos e filhas façam as orações que todo o bom cristão deve
fazer pela manhã e à noite? Exemplo: fazei-o com eles.
Quereis que vão assistir à Doutrina Cristã, ao Sermão, que
frequentem os Sacramentos? Exemplo: assisti com eles. Quereis
que sejam caridosos, pacientes, resignados à vontade de Deus?
Exemplo: crede-me, daí o exemplo e tudo conseguireis. Vede,
que até os passarinhos dão o exemplo; com os seus gorjeios ensinam
os filhotes a cantar; saltando adiante deles de um ramo a outro,
batendo as asas, ensinam-lhes à voar; e pois, procurai vós
outros fazer com que tudo quanto vossos filhos vejam ou ouçam de
vós, tudo seja edificante e nada escandaloso – as primeiras
impressões dificilmente se apagam em uma alma jovem. Assim como
a lã dificilmente perde a primeira tinta que se lhe dá, assim a
vossa família conservará aquilo que em vós tiver observado desde o
princípio; sejam coisas boas ou coisas más: mas, se são más, quê
de escândalos não se seguirão!
O
próprio Deus, não é só com palavras que exorta os pais para o bom
exemplo, senão também com a evidência; pois, no Livro dos Juízes
se lê que, tendo destinado Sansão para libertar o povo da
escravidão dos filisteus, diz que ele fosse nazareno. Era
obrigação entre os nazarenos não beber vinho outro qualquer licor
que embriagasse. Então, Deus manda um Anjo anunciar o desejo à mãe
de Sansão, e ao mesmo tempo dizer-lhe que ela mesmo não devia
beber... Cave ergo ne bibas vinum.
Alguém
poderá dizer: O que tem a ver a abstinência da mãe com a do filho?
A mãe não é nazarena, mas sim o filho.
O
que tem que ver? Repito. Tem muito, e o dizem sagrados intérpretes;
pois, se o filho vê a mãe beber, também quererá beber e não
quererá abster-se; o mesmo farão os demais filhos e filhas, se veem
que seus pais se abstêm do mal e praticam o bem, os imitarão; eis
porque as mães devem andar com toda a cautela possível na presença
de seus filhos, e até devem-se privar de algumas coisas, que, apesar
de lhes serem lícitas ou toleráveis, para os filhos seriam
reprováveis ao pecado, tal como bem dizia São Jerônimo à Leta: -
Nihil in te et patre suo videat, quod si fecerit, peccet. Às
vezes, uma falta de cautela dos pais é causa de perdição de seus
filhos.
Devem,
pois, os pais ter todo cuidado em suas palavras e obras, para
edificar e não escandalizar a seus filhos, como, infelizmente, fazem
alguns pais com doutrinas anti-evangélicas, exaltando as riquezas,
as honras e aqueles que as possuem, mesmo adquiridas por meios
injustos; acompanhando os prazeres; não querendo sofrer a menor
mortificação; queixando-se de tudo, da comida, da roupa, das
pessoas; maldizendo, renegando, blasfemando, tomando tudo com
impaciência. Ó, que escândalos não se seguem! Além de tudo isto,
quando estão de bom humor, ainda chegam a referir com alarde
loucuras que praticavam quando moços: - tal pai contará suas
excursões noturnas, suas companhias, seus divertimentos, seus
desafios, seus bailes, suas diversões, quem sabe até criminosas; -
tal mãe referirá suas vaidades, seus namoros, seu luxo no baile, no
vestir, no... Oh!... Quanto melhor seria que se deixassem ficar
calados, e chorassem os pecados da mocidade, como o fazia Davi, que
suplicava ao Senhor que o fizesse esquecer os seus: - Delicta
juventutis meae et ignorantias meas ne memineris, Domine! Davi
pedia ao Senhor para não lhe recordar os seus pecados, e estes pais
querem se recordar dos seus para escandalizar!...
Se
os pais não temem seus pecados da mocidade, ao menos que se
arreceiem dos escândalos que com eles dão a seus filhos; pois, que
se aquele que escandaliza uma criança merece, segundo o Santo
Evangelho, que se lhe ate uma mó de moinho ao pescoço e com ela
seja lançado no fundo do mar, que castigo merecerá esse outro, não
um qualquer, mas um pai que escandaliza, não a um, mas a todos os
filhos que tem?! Só um Inferno eterno onde se queimarão, e onde,
com ele, irão parar os filhos, para, raivosos, se maldizerem
eternamente.
Se
o sangue de Abel grita vingança contra Caim seu irmão, ó, como não
gritarão tantos filhos condenados, contra seus pais culposos!
Ouvi,
pais, as palavras de São Cassiano, que faz falar os filhos
condenados no Inferno: - Estamos perdidos para sempre!... mas a
nossa perdição, não deve ser atribuída tanto a nós, como a
nossos pais... Sim; a perfídia de nossos pais e mães nos
precipitaram no Inferno (perdit nos paterna perfídia).
Em
lugar de olharem para o nosso bem, foram nossos assassinos, carrascos
e parricidas. Ó, Divina Justiça! Não nos queixamos, não, de Vossa
sentença; ela é justíssima, nós a merecemos.
Ó,
demônios! Não nos queixamos, não, do furor e raios com que
atormentais; sois instrumentos da Divina Justiça, e deveis cumprir o
vosso dever. É de nossos pais e mães que nos queixamos; sim, foram
eles que nos perderam (perdit nos paterna perfídia)... foram
eles os nossos assassinos (parentes sensibus parricidas).
Eia,
pois, pais; temei os perigos que vos ameaçam, se sois omissos.
Cumpri bem os vossos deveres para com vossos filhos, vigiai-os,
alimentai-os, instrui-os, corrigi-os, castigai-os, e dai-lhes o bom
exemplo, sem o mais pequeno escândalo. Deus Nosso Senhor bendirá os
vossos esforços e cuidados, e vos fará gozar das delícias dos
Céus, acompanhados de vossos filhos. Qual não será a vossa
alegria, a vossa consolação, o vosso contentamento, em poder dizer
como Jesus Cristo: - Pater, quos dedisti mihi, non perdi ex eis
quemquam: de tantos e filhas que me haveis dado, nem um só se
perdeu! A todos ensinei a temer-Vos e a amar-Vos, e eles aprenderam e
praticaram; quando cometiam faltas, eu os castigava e eles se
corrigiram; dei-lhes bom exemplo, de que eles se aproveitaram; ei-los
aqui, Divino Pai, prontos a louvar-Vos e a bendizer-Vos por toda a
eternidade.
9º
Conselho:
Quinto
Dever dos Pais para com seus Filhos:
Colocá-los
em estado.
Os
Pais, tem obrigação de dar a seus filhos, o estado que não seja
contrário à vontade de cada um; os filhos escolherão o estado que
quiserem e os pais lho consentirão.
Os
filhos são livres nessa escolha, porém, atendendo ao respeito,
veneração e carinho que devem a seus pais para um bom acerto na
escolha; e, não havendo razões justas em contrário, é dever dos
pais procurar observar as inclinações dos filhos. Os atenienses
tinham o seguinte costume a respeito: quando os filhos atingiam a
idade conveniente, traziam para casa toda sorte de instrumentos das
artes liberais, que entretanto serviam de brinquedos à rapaziada, e
por aí, iam observando para quais desses instrumentos um ou outro
filho se afeiçoava, e procuravam assim facilitar sua inclinação.
Por essa razão, havia naquela República antiga, homens tão
eminentes nas artes; pois, guiados pela sua natural inclinação,
aperfeiçoados pelo estudo, pelo gosto e aplicação, tornaram-se
adiantadíssimos em sua faculdade especial.
Para
que esta verdade se torne mais evidente, vamos a uma comparação.
A
águia, o cavalo e o peixe – cada um destes animais tem sua natural
inclinação; a águia a devassar os ares, o cavalo a andar sobre a
terra, o peixe a percorrer o seio das águas. Se algum temerário e
imprudente qualquer, quisesse transtornar essa ordem e dissesse, eu
quero que a águia vá para a água, o cavalo para o ar e o peixe
para a terra, valha-lhe Deus, que despropósito, tudo estaria
perdido... Pois, do mesmo modo infelicitarão a sua família aqueles
pais inconsiderados que, sem deterem-se na observação das
inclinações dos filhos, os destinassem ou colocassem em um estado
que lhes repugnasse. Dificilmente se resignarão, não cumprirão
seus deveres por mais que se esforcem, porque sempre lhes repugnará
esse estado, em que sempre contrariados jamais progredirão.
Eis,
porque os pais devem investigar a vontade de cada um de seus filhos,
e se verificarem que este tem gênio perspicaz, que como a águia ama
o retiro e a solidão e, como ela, se remonta à divina contemplação,
devem a este dar o estado sacerdotal, mesmo que seja o primogênito;
se veem que aquele outro tem um gênio fogoso como o cavalo, que vá
para a carreira militar; finalmente, se veem que este outro tem gênio
linfático do peixe, que siga alguma das outras carreiras ou ofícios.
Vede,
pois, disse o doutíssimo Léssio, que não se trata de coisa
insignificante, porém, sim, da mais importante de todas, qual a
salvação ou condenação eterna. É doutrina de todas as doutrinas,
que aquele que acerta na escolha de seu estado, seguindo a vocação
de Deus, consegue a alegria de sua alma, a paz de consciência, os
proveitos do espírito, a boa ordem da vida, a perseverança na
virtude, e, em uma palavra, a salvação eterna; pelo contrário,
aquele que erra o seu estado, por ter seguido o interesse, a vaidade
ou a paixão, torna-se repugnante à vontade, violento à inclinação,
oposto à seu gênio, e daí vem os desgostos, as amarguras, os
pecados, que fazem com que tenha uma vida miserável e eterna após
uma condenação.
Ó,
quantos, exclama o mesmo Léssio, estarão no Inferno por se
terem feito eclesiásticos, quando estariam no Céu se houvessem sido
seculares! E quantos casados estarão ardendo nas chamas eternas,
quando poderiam estar na glória se tivessem sido eclesiásticos!
De
modo que a questão não está em que se tome este ou aquele estado,
pois que, em todos que a Cristandade oferece há salvação, o que
convém, é que se escolha aquele estado que Deus quer, para o qual
Deus chama e inspira.
Para
este fim, os pais devem inculcar a seus filhos as seguintes regras: -
Para conhecer-se a vontade de Deus na escolha do estado, é preciso
colocar-se no ponto em que, calando-se todas as paixões, só Deus
fale, - esse ponto é a da morte: trasladar-se por um momento para
aquela hora, e observar, então, que estado se deveria ter querido
escolher...
Além
do mais, considerando que Deus é o nosso fim e que os estados são
meios para servir a Deus, como que caminhos por onde temos de dirigir
os nossos passos, vê-se logo a necessidade que há de consultar, com
a natural inclinação – se de águia, cavalo ou peixe – quero
dizer – se de eclesiástico, se de militar, se de alguma arte ou
ofício – não fiando-nos de nós mesmos em negócio de tanta
monta, mas, pedindo confiadamente a Deus que nos dê a conhecer qual
o caminho que devemos trilhar. Ao mesmo tempo, devemos suplicar à
Santíssima Virgem, como Mãe que é do bom conselho, que nos inspire
qual seja a vontade de Deus, e logo que essa vontade seja conhecida
não se fazer de surdo, nem escusar-se. Se Deus chama, por exemplo,
para o estado eclesiástico, como aqueles dois que Jesus Cristo
chamou para o seu apostolado, é obedecer com prontidão e não
alegar desculpas; se escusarem-se, se condenarão, segundo opina
Santo Agostinho. Depois, é preciso serem fiéis à vocação com
boas obras, como disse São Pedro, pois, ainda que a vocação seja
verdadeira, se não se corresponde com obras meritórias, pode bem se
perder: - boa e verdadeira era a vocação de Judas, de Saul e
outros, e se perderam.
Portanto,
é necessário e indispensável procurar com boas obras fazer certa e
escolhida a nossa vocação, e assim não pecaremos e nem nos
perderemos.
Mas,
se Deus chama para o estado do Matrimônio, deve-se obedecer também,
e pedir-lhe uma boa esposa ou um bom esposo. Deus é quem há de unir
no Matrimônio, e não o interesse, a formosura, a paixão, etc.,
pois, disse o Espírito Santo: Os pais darão as riquezas e a
casa, porém, Deus dará a consorte prudente, como, por
intermédio dos Anjos, a deu a Isaac, a Tobias, e a tantos outros,
que para escolher a consorte se tem valido da oração e do conselho,
que são os melhores meios de acertar nos casamentos; e não os
namoros e conversas livres que afugentam os Anjos e só abrem a porta
ao Demônio, às desgraças, às brigas, às moléstias e tantos
outros males. São Rafael dizia a Tobias que, o poder que o espírito
maligno tem sobre os que assim se casam é grande, enorme.
Por
estas razões, os pais devem observar dia e noite os seus filhos; ver
com quem se relacionam, aonde vão, e o que fazem, devendo saber que
lhes é lícito duvidar de seus filhos; se não os vigiarem, coitados
dos jovens, eles virão a enamorar-se talvez de quem menos os mereça;
e quando este fogo tiver se apossado de um coração terno e novo é
quase impossível apagá-lo, e nem remediá-lo: quase sempre é
preciso deixá-los casar, seguindo-se milhares de desordens,
desgraças, até mortes.
Conta
Súrio, que em Soissous, de França, um nobre cavalheiro tratou o
casamento de uma sua filha com um mancebo nobre e de belas prendas;
mas, como ela estava tomada de amores por outrem, não quis concordar
com o pai e, resolvida de vez, disse que antes preferia morrer do que
casar-se com quem ela não queria. Para decidir este pleito entre pai
e filha, foram ambos à presença do Bispo, que era Santo Arnolfo. O
pai alegava sua autoridade, a filha a sua liberdade. O Bispo,
voltando-se para o pai, disse: - Não é justo que caseis a vossa
filha contra sua vontade, nem que lhe negueis também o marido que
ela quer.
E
tu, disse, voltando-se para a filha, casa-te com o teu
escolhido, mas, não gozarás de sua companhia. Assim aconteceu,
pois, o seu tão desejado marido morreu; e ela mal se casara e já se
tornara viúva.
Aprendam
com este caso os filhos e as filhas, a consultar com seus pais, antes
de dedicarem afeição a alguém para se casarem; e os pais, tratem
de ver que os noivos que pretendam para suas filhas, sejam, de
preferência, bons cristãos. Isto é que lhe deve chamar a atenção,
e não as riquezas, a beleza, e outros alvos mundanos. Procedendo
deste modo, terão paz e felicidade neste mundo, e, depois, a glória
no outro, que é o que eu lhes desejo.