“Porque não sois do mundo e porque vos escolhi do meio do mundo, odeia-vos o mundo”.1
FATOS2
De nenhum dos Apóstolos nos refere o Santo Evangelho menos coisas, do que do Apóstolo São Simão. É verdade que diz bastante só com assegurar-nos que Jesus Cristo o escolheu para que fosse um dos Doze Apóstolos, Ministério, que por si só significa mais que tudo quanto nos podiam referir os historiadores em uma difusa e circunstanciada relação de suas virtudes e proezas, pois basta a mesma eleição para seu elogio. São Mateus sempre chama a Simão o Cananeu para o distinguir de São Pedro, que também se chamava Simão; este apelido vem-lhe da cidade de Caná na província da Galileia, onde São Simão havia nascido. São Lucas chama-lhe Simão o Zelador, Simon Zelotes.
Assegura Teodoreto, que São Simão fora da tribo de Zabulon ou de Neftali, acrescentando Nicéforo, que o nosso Santo fora o esposo das Bodas de Caná, às quais assistiram como convidados o Salvador e a Santíssima Virgem, operando nelas, a rogo desta Senhora, o primeiro milagre, de converter a água em vinho. Este prodígio, realizado em seu favor, fez tanta impressão no noivo, que tudo deixou para seguir a Jesus Cristo, e por consentimento de sua esposa, conservou perpétua virgindade no Matrimônio, servindo de modelo a tantos grandes Santos, que imitaram tão belo exemplo.
Desde que Simão se resolveu a deixar tudo para seguir a Jesus Cristo, não reconheceu a outro mestre; era tão ligado a Seu divino Salvador, que nunca O perdeu de vista. Sempre atento as Suas sublimes instruções, perpétua testemunha de todas as Suas maravilhas, sobressaiu muito depressa entre os demais discípulos; mas o seu amor com especialidade à Pessoa de Jesus Cristo e o ardente zelo, que mostrava pela glória de seu celestial Mestre, o testificaram depressa por um dos primeiros Apóstolos do Salvador.
São Judas, por sobrenome Tadeu, duas palavras que significam a mesma coisa, sendo a primeira hebreia e a segunda siríaca, querendo ambas dizer confissão; São Judas foi irmão de São Tiago, o Menor, filho de Alfeu e de Maria, tão conhecida no Evangelho por seu afeto à Pessoa de Jesus Cristo. Ambos eram conhecidos como irmãos do Senhor, consoante o costume de falar dos judeus, porque eram parentes muito chegados da Santíssima Virgem. São Jerônimo chama também a São Judas Lebeu, que quer dizer, homem sábio e generoso.
É muito verossímil que o nosso Santo fosse dos primeiros chamados ao apostolado, por ter a dita de ser um dos próximos parentes da Virgem Santíssima. Pelo menos parece fora de dúvida, que foi um dos mais queridos do Salvador, daqueles que com mais afetuosa confiança ousava expor-Lhe as dúvidas que se lhe ofereciam. Depois da Instituição da Sagrada Eucaristia, tendo feito o Filho de Deus aos Apóstolos aquele admirável Sermão, que vem referido no capítulo 14 do Evangelho de São João, como São Judas não houvesse compreendido bem o que o Salvador quis dizer naquelas palavras: “O mundo não me verá, mas vós outros me vereis, porque eu estarei vivo, e vós o estareis também”. Senhor, lhe perguntou São Judas, porque Vos haveis de dar a conhecer a nós e não ao mundo? Porventura o vosso reino não se há de estender a toda a terra? Não hão de lograr todas as nações a dita de conhecer-Vos? Pois quê! Israel e Judá serão excluídos do vosso reino? O fruto da vossa vinda ao mundo, a grande obra da Redenção há de limitar-se a um pequeno número de discípulos e de servos vossos? Respondeu-lhe o Senhor com aquela doçura e condescendência que Lhe era tão familiar; tomando ensejo da pergunta que Lhe havia feito, deu a razão porque não se fazia conhecer ao mundo, como prometia deixar-Se conhecer de Seus discípulos, e era porque o mundo não O amava, e para prova disso estava a contínua transgressão dos Mandamentos.
Sendo São Judas inseparável da Pessoa de Jesus Cristo pelo terno amor que Lhe professava, achou-se presente a todos os grandes Mistérios da nossa Redenção, e teve a fortuna de ver muitas vezes a Jesus Cristo depois de ressuscitado, ouvindo da mesma boca do divino Mestre, todas as verdades e todos os secretos Mistérios da Religião. Depois da Sua gloriosa Ascensão aos Céus e da vinda do Espírito Santo sobre os Apóstolos, participou também São Judas Tadeu da satisfação de padecer pelo Nome de seu Mestre celestial, muitos maus-tratos na perseguição que os judeus suscitaram contra a recém-nascida Igreja.
Tendo os Apóstolos resolvido sair da Judeia, para irem anunciar o Evangelho a toda a terra, São Simão dirigiu-se ao Egito, onde, semeando a divina semente, que com o tempo havia de converter aquela ditosa região em um terreno prodigiosamente fecundo de inumeráveis Santos, como habitação predileta de tantos milhares de anacoretas. Mas, não bastando ao seu ardente zelo os imensos espaços daquele vastíssimo país, percorreu as dilatadas províncias da África, cultivando-as com tanta eficácia, que a breve prazo foram uma das mais floridas e abundantes regiões da Cristandade. Diz-se que também penetrara na Grã-Bretanha, tão insaciável era o seu zelo de conquistas e de trabalhos por amor de Jesus Cristo, parecendo que não lhe bastava todo o universo, e que ele só, para assim dizer, queria converter toda a terra. Segundo a opinião mais antiga, transportou-se igualmente à Pérsia, onde, depois de inexplicáveis trabalhos, de incríveis frutos e de inumeráveis conquistas, depois de ter levado o facho da fé às três partes do mundo, teve a dita de coroar o seu apostolado com a glória do martírio, como adiante diremos.
São Judas Tadeu, segundo o Martirológio Romano, foi levar o Evangelho à Mesopotâmia, onde fez inumeráveis conversões. São Paulino afirma que, também evangelizara na Líbia. Achando-se em uma destas duas províncias, não contente de trabalhar tão felizmente na conversão dos gentios, quis estender seu zelo a todos os fiéis, dirigindo-lhes aquela Epístola que é a última das católicas, por não ter sido endereçada a qualquer igreja em particular, mas a todos em geral. Começa protestando que já havia tempo que tinha intenção de escrever aos judeus convertidos e dispersos por todo o Oriente; mas que afinal, se via agora como que forçado a pô-lo em execução pela necessidade de se opôr a certos falsos doutores, que corrompiam a Santa Doutrina e enchiam a Igreja de perturbações. Tem-se por certo que falava principalmente dos Simonianos, dos Nicolaítas e dos outros hereges, conhecidos na história pelo nome geral de gnósticos, cujos extravagantes erros e estragados costumes são descritos por São Epifânio, Santo Irineu e outros Padres antigos. No princípio da Epístola faz deles São Judas uma pintura que de nenhum modo os lisonjeia; mas como o verdadeiro zelo é sem fel e amargura, não tendo outra mira que a da conversão e salvação dos maiores inimigos de Jesus Cristo, exorta o Santo Apóstolo aos fiéis, para que com suas orações e bons exemplos trabalhem com humildade na conversão daqueles miseráveis, retirando-os do fogo eterno, para onde os arrastava a sua loucura. Louva Orígenes esta Epístola, dizendo que em poucas linhas que contém, encerrou São Judas discursos repassados de força e de graça celestial; e Santo Epifânio diz estar persuadido de que o Espírito Santo inspirou a São Judas o pensamento de escrever contra os gnósticos a Epístola que temos dele.
Ainda que não há coisa certa acerca do lugar e do gênero de martírio que padeceram estes dois grandes Apóstolos, diremos o que se lê em algumas Atas muito antigas, e que parece estar autorizado pelo Martirológio Romano, ao menos quanto ao lugar do martírio.
Depois de haverem percorrido os dois Santos Apóstolos Simão e Judas Tadeu grandes e vastíssimos espaços pelo decurso de quase trinta anos, aumentando por toda a parte o rebanho de Jesus Cristo com crescido número de fiéis, sentiram-se inspirados do Céu para irem pregar a fé ao reino da Pérsia. Ao entrarem nele, encontraram-se com um exército comandado pelo general Baradach, que marchava contra os índios, a quem o rei da Pérsia havia declarado guerra. Logo que os Santos entraram no acampamento, todos os Demônios que falavam antes pelo órgão dos adivinhos e dos magos, emudeceram de repente sem darem já resposta alguma. Este repentino silêncio causou estranheza e temor em todo o exército; tendo consultado a este respeito com um famoso ídolo, que distava algumas léguas do acampamento, respondeu que a presença dos estrangeiros Simão e Judas, Apóstolos de Jesus Cristo, havia fechado a boca aos deuses do império, acrescentando que era tão formidável o Seu poder, que nenhum destes se atrevia a aparecer em Sua Presença.
Com esta notícia todos os sacerdotes e adivinhos do exército concorreram tumultuosamente à tenda do general, pedindo em altos gritos a morte dos dois estrangeiros, ameaçando-o com uma revolta geral se não aceitasse. Baradach, homem cordato e circunspecto, não queria andar com precipitação; mandou chamar os dois Santos, fez-lhes várias perguntas, e ficou tão satisfeito com suas respostas, que os olhou com consideração e muito respeito, convidando-os para uma conferência particular e reservada. Nela lhe explicaram a santidade e a verdade da nossa Religião; fizeram-lhe sentir as imposturas e embustes de todos aqueles encantadores, e igualmente a fraqueza e a imbecilidade de todos os ídolos; e para acabarem de o convencer, acrescentaram que convidasse aqueles adivinhos a pronunciarem-se sobre o resultado da guerra. Responderam todos depois de haverem consultado com o Demônio, que a guerra seria longa, perigosa e sanguinolenta. Tomando então os Apóstolos a palavra, e voltando-se para o general lhe disseram: “Agora conhecereis, senhor, a falsidade e a impostura de vossos oráculos. É tão falso o propósito destes vossos adivinhos, que amanhã a esta hora, em que vos estamos falando hão de chegar ao acampamento os embaixadores dos índios e vos pedirão a paz com as condições que quiserdes impor-lhes sem a mínima resistência”. Todo o exército esteve em impaciente expectação até ver o efeito da profecia. Chegaram os embaixadores à hora aprazada, e concluiu-se a paz, como se quis. Diante de tão maravilhoso sucesso, não só se converteram o general, os oficiais e a maior parte do exército, mas informado do rei que estava em Babilônia, quis ver os Santos Apóstolos, e converteu-se ele e toda a família real.
A este primeiro milagre seguiram-se outros, que contribuíram para a conversão de quase todo o reino, mediante as excursões que os nossos Santos fizeram pelas principais cidades e povoações. Somente permaneceram obstinados os magos e sacerdotes dos ídolos, os quais, pelo despeito de se verem esquecidos e desconsiderados, determinaram acabar com os dois Santos Apóstolos. Levantaram contra eles o povo de uma cidade distante da corte, na ocasião em que os Apóstolos se dispunham para lhes anunciarem o Evangelho, arrolou-se sobre eles o populacho, e arrastando um diante de uma estátua do sol, e o outro de um ídolo da lua, lhes mandaram oferecer incenso a estas imaginárias divindades.
“As imagens do sol e da lua quebraram-se, a uma ordem sua, os Demônios saíram dos templos e fugiram sob a forma de negros etíopes”.3
Mostraram os Santos Apóstolos o horror que lhes causava tão execrável impiedade. No mesmo instante foram condenados à morte. São Simão, consoante a tradição, foi serrado ao meio; e a São Judas Tadeu cortaram a cabeça. Em virtude desta tradição pintam São Simão com uma serra, e São Judas com uma acha4 na mão, como símbolo do gênero do martírio que sofreram.
Tardou pouco o Senhor em castigar a sua gloriosa morte, pois diz-se que no mesmo instante se desencadeou uma horrível tempestade, que destruiu os templos dos falsos deuses, fez em pedaços os ídolos e ficaram sepultados nas ruínas todos os que tomaram parte nela.
Brevíssima Meditação
sobre S. Simão e S. Judas Tadeu.5
I. Deus chama ao Seu serviço os que ama; separa-os do mundo, como fez a estes dois Apóstolos, filhos de Maria de Cléofas, prima de Nossa Senhora. Jesus tinha predileção especial por estes dois irmãos, graças sem dúvida à intercessão de Maria Santíssima em seu favor. Só Deus nos chama ao Seu serviço, mas quantas almas devem a vocação a Nossa Senhora! “Renunciemos ao mundo, e seremos superiores a todas as honras e a todas as glórias do mundo” (São Cipriano).
II. O mundo perseguiu estes dois Apóstolos e matou-os, porque lhe dissipavam as trevas com a luz do Evangelho. Homens apostólicos, a perseguição há de ser sempre a vossa partilha. Odiais o mundo, não deveis admirar-vos que ele vos pague na mesma moeda. Alegrai-vos, porque, quanto mais desagradardes aos homens, mais agradáveis sereis a Deus. O mundo só ama os que com ele se parecem.
III. As ameaças, as calúnias, os tormentos e até a morte, não conseguiram deter o zelo destes dois irmãos ilustres. O mundo há de fazer todo o possível por deitar por terra tudo quanto empreendermos por amor de Deus; mas não nos devemos deixar abater; caminhemos avante, Deus nos fará triunfar de todos os obstáculos. “Não procuremos agradar aos homens: rejubilemos antes por desagradar a quem o próprio Deus não agradou” (São Paulino).
Oremos: Ó Deus, que por meio dos Bem-aventurados Apóstolos S. Simão e S. Judas nos trouxestes ao conhecimento do vosso Santo Nome, fazei que mereçamos celebrar a sua eterna glória, progredindo na fé, e que façamos novos progressos celebrando-a. Por Nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.
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1. Jo. XV, 19.
2. Pe. Croiset, “Ano Cristão”, Vol. X, dia 28 de Outubro, pp. 345-349. Traduzido do Francês e adaptado às últimas reformas litúrgicas pelo Pe. Matos Soares, professor do Seminário do Porto. Tip. “Porto Medico”, Ltda. Porto. 1923.
3. “Vida dos Santos – com uma Meditação para cada dia do ano”, pelo Pe. João Estevam Grossez, S.J., Segunda Parte, 28 de Outubro, pp. 251-252. Edição Portuguesa. “União Gráfica”. Lisboa. 1928.
4. Arma antiga com a forma de machado.
5. Pe. João Estevam Grossez, S.J., ob. cit.