Roma
– Itália (Terça-feira, 07-06-2016, Gaudium
Press) O
Cardeal Carlo Caffarra, Arcebispo emérito de Bolonha e fundador do
Instituto João Paulo II para Estudos sobre o Matrimônio e a
Família, falou com Marco Ferraresi de ‘La Nuova Bussola
Quotidiana’ sobre diversos temas, entre eles os de sua
especialidade. Entre outras revelações, o purpurado italiano falou
sobre a carta que a Irmã Lúcia, vidente de Fátima, lhe enviou em
resposta a uma sua na qual pedia orações pelo Instituto que estava
se consolidando. A seguir reproduzimos alguns trechos da entrevista:
–
Eminência, o que é a família?
–
É a sociedade que tem origem no
matrimônio, pacto indissolúvel entre um homem e uma mulher, que tem
a finalidade de unir aos cônjuges e transmitir a vida humana.
–
De uma união civil, segundo a
lei Cirinnà, nasce uma família? [Ndr. A lei Cirinnà, promulgada
recentemente na Itália, reconhece uniões de fato sem distinção de
sexo]
–
Não. O presidente da República
Sergio Mattarella, ao assinar esta lei, apoiou a redefinição de
matrimônio. Mas uma medida normativa não muda a realidade das
coisas. Temos que dizer claramente: os prefeitos (sobretudo,
naturalmente, os católicos) devem fazer objeção de consciência.
Ao celebrar uma união civil seriam, de fato, corresponsáveis de um
ato ilícito grave no plano moral.
–
Por que há esta crise de
identidade da família no Ocidente?
–
Me pergunto aos poucos, mas não
tenho uma resposta exaustiva. No entanto, uma causa é um processo de
“desbiologização” segundo o qual já não se considera que o
corpo tem uma linguagem - e, por conseguinte, um significado -
objetivo. Este significado está, portanto, determinado pela
liberdade da pessoa. Na consciência ocidental se fraturou o vínculo
entre bios e logos.
–
Em uma perspectiva de Fé, não
há também causas sobrenaturais?
–
Em 1981 estava fundado, pela
vontade de João Paulo II, o Instituto para Estudos sobre o
Matrimônio e a Família. A fundação estava prevista para o dia 13
de maio, data da primeira aparição da Virgem de Fátima. O Papa,
esse dia, foi vítima do atentado do qual saiu milagrosamente vivo
pela graça - segundo palavras do próprio Pontífice - da Virgem.
Uns anos depois de fundar o Instituto escrevi à Irmã Lúcia, a
vidente de Fátima, para pedir-lhe que rezasse pela obra e
acrescentando que não esperava uma resposta por sua parte. Mas a
resposta chegou.
–
O que lhe respondeu?
–
Irmã Lúcia escreveu - e quero
sublinhar que estamos falando de princípios dos anos 80 - que
chegaria o tempo de uma “luta final” entre o Senhor e Satanás. E
que o terreno desta luta seria o matrimônio e a família. Acrescenta
que todos os que estariam envolvidos combatendo a favor do matrimônio
e da família seriam perseguidos, mas que não deviam ter medo porque
a Virgem já havia esmagado a cabeça da serpente infernal.
–
Palavras proféticas: é o que
está sucedendo?
–
Vivemos uma situação inédita.
Nunca havia acontecido que se redefinisse o matrimônio. É Satanás,
que desafia a Deus, como dizendo: “Estais vendo? Tu propões tua
criação. Mas eu te demonstro que constituo uma criação
alternativa. E verás que os homens dirão: estamos melhor assim”.
Todo o arco da criação se sustenta, segundo a Escritura, em dois
pilares: o matrimônio e o trabalho humano. Este segundo pilar não é
agora nosso tema, ainda que está sendo submetido a uma “crise
definidora”; no que concerne o matrimônio, em troca, este tem sido
institucionalmente destruído.
–
A Igreja pode responder a este
desafio?
–
Tem que responder, por razões
que chamaria estruturais. A Igreja se interessa pelo matrimônio
porque o Senhor o elevou a sacramento. Cristo mesmo une aos esposos.
Cuidado, não é uma metáfora: segundo as palavras de São Paulo, no
matrimônio o vínculo entre os esposos se enxerta no vínculo
esponsal entre Cristo e a Igreja, e vice-versa. A indissolubilidade
não é antes de tudo uma questão moral (“os esposos não devem
separar-se”), mas ontológica: o sacramento obra uma transformação
nos cônjuges. De modo que, como diz a Escritura, já não são dois,
mas um. Isto está expressado claramente na ‘Amoris Laetitia’
(parágrafos 71-75). O sacramento, ainda, infunde nos esposos a
caridade conjugal. E disto falam claramente os capítulos IV e V da
Exortação. Além disso, o sacramento constitui aos esposos em um
Estado de vida pública na Igreja e na sociedade. Como qualquer
Estado de vida na Igreja, também o estado conjugal tem uma missão:
o dom da vida, que continua na educação dos filhos. Aqui o capítulo
VII da ‘Amoris Laetitia’ preenche, na minha opinião, uma lacuna
que havia no debate dos Bispos durante o Sínodo.
–
Na prática, o que deveria fazer
a Igreja?
–
Somente uma coisa: comunicar o
Evangelho do matrimônio. Tenho dito “comunicar” porque não se
trata somente de um acontecimento linguístico. A comunicação do
Evangelho significa sanar ao homem e a mulher de sua incapacidade de
amar-se, e introduzir-lhes no grande Mistério de Cristo e da Igreja.
Esta comunicação tem lugar através do Anúncio e da catequese. E
através dos sacramentos. Têm tido pessoas que depois de uma
catequese sobre o sacramento do matrimônio se aproximaram para
dizer-me: “Por que ninguém me falou destas maravilhosas
realidades?”. Os jovens devem ser, principalmente, o centro de
nossa preocupação. A questão educativa nesta matéria é “a”
questão decisiva. O Papa fala disso extensamente nos parágrafos
205-211. (GPE/EPC)