João Batista
mostrou o Cordeiro, Pedro estabeleceu o seu trono, Paulo preparou a Esposa:
obra comum cuja unidade foi a razão que devia relacioná-los tão intimamente no
Ciclo litúrgico.
Estando, pois,
garantida a Aliança, todos entram na penumbra e só a Esposa nos aparece no
apogeu a que A guindaram, tendo nas mãos a taça sagrada do festim das núpcias.
Tal é o segredo da Festa deste dia. O seu despontar no céu da santa Liturgia,
na estação presente, é cheio de mistério. Já, e mais solenemente, a Igreja
patenteou aos filhos da Nova Aliança o preço do Sangue com que foram
resgatados, a sua virtude nutritiva e as honras de adoração que merece. Na
Sexta-feira Santa, a terra e os Céus contemplaram todos os crimes abafados
pelas águas do rio de salvação, cujos diques eternos se tinham, enfim, rompido
sob o esforço combinado da violência dos homens e do amor do Coração divino. Na
Festa do Ss. Sacramento viu-nos prostrados diante dos altares em que se
perpetua a imolação do Calvário e a efusão do Sangue precioso tornado bebida
dos humildes e objeto das homenagens dos poderosos do século. A Igreja, porém,
convida-nos de novo a celebrar os caudais que dimanam da Fonte sagrada, como
quem quer significar que as solenidades anteriores não esgotaram o mistério. A
paz trazida por este Sangue à terra, a corrente das suas ondas reconduzindo dos
abismos os filhos de Adão, purificados e renovados, a Mesa Santa levantada por
eles nas margens da corrente e o Cálice cujo licor é inebriante; todos estes
adereços seriam incompreensíveis, se o homem não visse aí as finezas do amor
que não é excedido por outro amor.
O Sangue de
Jesus deve ser para nós nesta hora o Sangue do Testamento, o penhor da
Aliança que Deus nos propõe.
“Tenhamos,
pois confiança, amados irmãos,
nos diz o Apóstolo e, pelo Sangue de Cristo, entremos no Santo dos Santos.
Sigamos o caminho novo cujo segredo se tornou nosso, o caminho vivo que Ele nos
traçou através do véu da Sua Carne. Aproximemo-nos com um coração puro, com uma
fé viva, mantendo firme a profissão da nossa inquebrantável esperança.
Excitemo-nos todos à porfia, ao crescimento do amor. E que o Deus de paz que
ressuscitou dos mortos, Nosso Senhor Jesus Cristo, o grande Pastor das ovelhas
no Sangue da Aliança eterna, vos disponha para operardes em tudo conforme a Sua
vontade…!”
Não devemos
deixar de recordar aqui que esta Festa é o monumento vivo e perpétuo de uma das
mais estrondosas vitórias da Santa Igreja no último século. Pio IX tinha sido
expulso de Roma pela Revolução triunfante em 1848. No ano seguinte, via
restabelecido o seu poder.
Nos dias 28, 29
e 30 de junho, sob a égide dos Apóstolos, a filha mais velha da Igreja, fiel ao
seu glorioso passado, forçava e entrava as muralhas da cidade eterna; a 2 de
julho acabava a conquista. Em breve um duplo Decreto notificava à cidade e ao
mundo o reconhecimento do Pontífice e a maneira como Ele desejava perpetuar por
meio da Santa Liturgia a memória de tais acontecimentos. A 10 de agosto, de
Gaëta mesmo, lugar do seu refúgio durante a tormenta, Pio IX, antes de retomar
o governo do seu Estado, dirigia-se ao Chefe invisível da Igreja e lha
consagrava, estabelecendo a Festa deste dia e recordando-Lhe que por esta mesma
Igreja Ele derramara todo o seu sangue.
Pouco depois,
entrando na sua Capital, o Santo Pontífice dirigia-se a Maria, como em
circunstâncias idênticas o tinham feito Pio V e Pio VII; o Vigário do
Homem-Deus reivindicava para aquela que é o Socorro dos Cristãos, a
honra da vitória alcançada no dia da sua gloriosa Visitação, e estatuía que a
Festa de 2 de julho seria elevada do Rito duples majus ao de Segunda
Classe em todas as igrejas: prelúdio da definição do Dogma da Imaculada
Conceição projetado desde aí pelo imortal Pontífice, acabando assim de ser
esmagada a cabeça da Serpente infernal.
Oremos: Deus Eterno e Onipotente, que constituístes o vosso Filho Unigênito Redentor do mundo, e Vos dignastes aplacar-Vos com o Seu Sangue, fazei que veneremos de tal modo o preço da nossa Redenção e sejamos defendidos por ele dos males desta vida, que mereçamos fruir da Bem-aventurança nos Céus. Pelo mesmo Nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.
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Fonte: Rev. Pe. Croiset, “Ano Cristão”, Vol. VII, 1º de Julho, pp. 11-12.
Traduzido do Francês pelo Rev. Pe. Matos Soares, Professor do Seminário do
Porto, Tipografia “Porto Médico”, Porto, 1923.