JESUS
INSTRUI A NICODEMOS
“1Ora,
havia um homem da seita dos fariseus chamado Nicodemos, um dos
principais entre os Judeus. 2Este
foi ter com Jesus, de noite, e disse-Lhe: Mestre, sabemos que foste
enviado por Deus para ensinar; porque ninguém pode fazer estes
milagres que tu fazes, se Deus não estiver com ele. 3Jesus
respondeu, e disse-lhe: Em verdade, em verdade te digo, que não pode
ver o reino de Deus senão aquele que nascer de novo. 4Nicodemos
disse-lhe: Como pode um homem nascer sendo velho? Porventura pode
tornar a entrar no ventre de sua mãe e renascer? 5Respondeu-lhe
Jesus: Em verdade, em verdade te digo, que quem não renascer por
meio (do Batismo) da
água e do Espírito Santo, não pode entrar no reino de Deus. 6O
que nasceu da carne é carne, e o que nasceu do Espírito, é
espírito. 7Não
te maravilhas de eu te dizer: Importa-vos nascer de novo. 8O
espírito sopra onde quer; e tu ouves a sua voz, mas não sabes donde
Ele vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que nasceu do
Espírito. 9Respondeu
Nicodemos, e disse-Lhe: Como se pode isto fazer? 10Respondeu
Jesus, e disse-lhe: Tu és mestre em Israel e não sabes estas
coisas?
11Em
verdade, em verdade te digo, que nós dizemos o que sabemos, e damos
testemunho do que vimos, e vós (com
tudo isso) não recebeis o nosso testemunho. 12Se
vos tenho falado das coisas terrenas, e não (me)
acreditais, como (me)
acreditareis, se vos falar das celestes? 13E
ninguém subiu ao Céu, senão Aquele que desceu do Céu, o Filho do
homem, que está no Céu. 14E
como Moisés levantou no deserto a serpente, assim também importa
que seja levantado o Filho do homem, 15a
fim de que, todo o que crê n’Ele, não pereça, mas tenha a vida
eterna.
16Porque
Deus amou de tal modo o mundo, que lhe deu seu Filho Unigênito, para
que todo o que crê n’Ele não pereça, mas tenha a vida eterna.
17Porque Deus
não enviou seu Filho ao mundo, para condenar
(julgar)
o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele. 18Quem
n’Ele crê, não é condenado, mas quem não crê, já está
condenado, porque não crê no nome do Filho Unigênito de Deus. 19E
a condenação está nisto: a Luz veio ao mundo, e os homens amaram
mais as trevas do que a Luz, porque as suas obras eram más. 20Porque
todo aquele que faz o mal, aborrece a luz, e não se chega para a
luz, a fim de que, não sejam acusadas as suas obras; 21mas
aquele que pratica a verdade, chega-se para a Luz, a fim de que, as
suas obras sejam manifestas; porque são feitas segundo Deus”.
1ª
Parte
RUMINANDO
O TEXTO EVANGÉLICO
1
… havia um homem da seita dos fariseus
chamado Nicodemos,
era um dos 72
membros do Sinédrio ou
Supremo Tribunal dos Judeus.
Diz a Tradição que, ele se converteu à fé cristã e, por isso,
foi banido do Sinédrio e expulso de Jerusalém.
2
Este foi ter com Jesus, de noite…
Ninguém se deve envergonhar
de ser cristão e professar a doutrina de Jesus Cristo; mas é
preciso também animar aos neoconversos, que ainda têm, como
Nicodemos, certa timidez.
3
… Não pode ver o reino de Deus senão aquele que nascer
de novo. Nosso
Senhor alude expressamente ao Sacramento do Batismo, que nos comunica
uma segunda vida, a vida sobrenatural, pela infusão da água
no corpo e do Espírito
Santo na alma.
É um começo novo de vida
sobrenatural, que deve ser dado ao homem de cima
(ao que
é batizado). O Batismo é
indispensável para alcançar o reino do Céu. Pela água do Batismo
livramo-nos do poder do Demônio, como os Israelitas, passando pelas
águas do Mar Vermelho, escaparam ao cativeiro do Faraó.
(vers. 1-15) Pero Jesucristo
habla de un nascimiento espiritual, en el que el Espíritu Santo
confiere una vida nueva; y le hace ver que se trata de un misterio
sobrenatural, que hay que abrazar con la fe… Jesuscristo ha bajado
del cielo para revelarnos cosas del Padre.
Subirá al cielo
(ascensión), pero sigue estando allí. Esto nos obliga a concluir
sobre la preexistencia del Verbo encarnado, o sea, que la primera
idea hacia fuera de la Trinidad augusta fue la encarnación del
Verbo.
Esta expressão Em
verdade, em verdade, era
uma fórmula solene empregada pelos Judeus, para dar às suas
afirmações toda a força que podiam ter, afora o juramento.
A palavra de Jesus dá a
entender, que o fariseu, na visita noturna, quis informar-se a
respeito do reino de Deus. “Ver”,
isto é, experimentar o reino do Messias, ter parte nas suas graças,
ninguém pode senão aquele que recebeu uma nova vida. O homem
natural e submisso ao domínio do pecado e das paixões tem que ser
transformado em nova criatura, em homem espiritual e sobrenatural.
Este nascimiento espiritual
ha de tener su principio en el cielo, es decir, que deben ser del
cielo los principios que informan esta nueva vida.
4
… pode tornar a entrar no ventre de sua mãe e renascer?
A admiração de Nicodemos,
doutor fariseu, nos revela quanto os judeus eram cegos e carnais,
pois, só compreendiam a letra da Religião, sem alcançar-lhe o
espírito.
Trata Jesus de regeneração
espiritual, e Nicodemos cuida de renascimento segundo a carne.
Como os fariseus julgassem
que só por serem eles filhos de Abraão, participariam do reino
messiânico, não compreende Nicodemos o sentido figurado da palavra,
e quer, com um dito gracioso, insinuar que a ideia lhe parece
absurda.
5
Quem não renascer…
Este renascimento deve se realizar por dois modos: um externo e
material, que é a água; outro interno e espiritual, que é o
Espírito Santo. Jesus mostra, deste modo, a necessidade do Batismo,
cuja necessidade
é afirmada;
é ser gerado por uma
virtude divina, (portanto)
é ser batizado.
Não pode Entrar no Reino de Deus,
isto é,
pertencer à Igreja que Jesus veio fundar, e gozar a felicidade
eterna a que, a Igreja conduz, aqueles que renascem espiritualmente
pelo Batismo da água e do Espírito Santo.
O Reino de Deus é a vida
eterna no Céu, e a vida da graça na Igreja. É Deus reinando em
nossas almas.
Enfim, Jesus proclama a
necessidade do Batismo para a salvação.
Jesus repete a sua palavra,
indicando o modo ou as causas produtoras do novo nascimento, a água
e o Espírito Divino, os quais constituem o Sacramento do Batismo,
única porta do reino de Deus.
Tal nascimiento tiene su
principio espiritual en la fe; su causa ritual es el bautismo del
agua y del Espíritu Santo, según lo que Juan había ya declarado.
6
O que é nascido da carne…
Estas palavras exprimem a
razão do por que, é absolutamente necessário aquele segundo
nascimento. Entrar no Céu, é um ato
inteiramente sobrenatural, que o homem não pode realizar por sua
carne, isto é, com as forças próprias da natureza humana; é
necessário receber a ação sobrenatural do Espírito Santo, pelo
renascimento no Batismo.
A vida natural nos comunica
inclinações naturais ou carnais, ao passo que a vida sobrenatural
nos comunica inclinações ou aspirações espirituais: a fé, a
esperança e o amor de Deus.
Pelo Batismo, recebemos uma
nova vida, uma vida toda espiritual. Como o corpo vive naturalmente
pela alma, assim, a alma batizada vive sobrenaturalmente pela graça
santificante.
Ainda: O versículo 6 quer
mostrar, a necessidade do nascimento espiritual. Sendo o reino de
Deus vida divina, também o princípio causador deve ser o Espírito
Divino que, unido ao elemento simbólico da água, dá a nova vida.
La vida religiosa de Israel,
inspirada en la interpretación material de la Ley y de las promesas
mesiánicas, no pasaba de una vida material; pero la que Jesús
proponía tenía principios más altos y divinos.
8
O Espírito, o vento.
Assim como o vento sopra onde
quer, isto é, sem
encontrar obstáculos, e não se pode determinar com exatidão o
lugar onde nasce, nem onde
termina, embora se ouça a
sua voz, assim o
Espírito Santo se comunica a quem quer e como quer. E, embora mova
as almas com as Suas ilustrações, todavia, não se pode
naturalmente conhecer com certeza, se Ele está presente nelas pela
Graça Santificante. Pode-se somente inferir com probabilidade esta
presença, dos frutos que produz, os quais estão enumerados na
Epístola de São Paulo aos Gálatas.
Jesus faz uma comparação:
assim como o vento é um ser desconhecido na sua origem e no seu
termo, assim é misteriosa a vida nova comunicada ao homem pelo
Espírito Santo, no momento do Batismo.
Como o vento se faz sentir
pelos seus efeitos, assim o Espírito Santo opera sem cair debaixo
dos nossos sentidos. Nessa conferência (diálogo), o Salvador
insinua claramente a necessidade do Batismo para a salvação.
No entender de São João
Crisóstomo, São Cirilo e da maioria dos Padres Gregos, é do sopro
do vento que trata a primeira parte deste verso; ao Espírito Santo,
dizem que se refere São Agostinho, Santo Ambrósio, São Bernardo.
Explica São Tomás as duas acepções.
O Salvador quer dizer que, a
nova vida é um Mistério que a inteligência natural não
compreende; mas aquele que a recebeu, sente em si o sopro do Espírito
Santo.
9
… Como se pode isto fazer?… a fim de que, todo o que crê
n’Ele não pereça…
(vers. 9-15) Devemos crer em coisas do Céu que ultrapassam a nossa
compreensão. Para poder subir à glorificação, é preciso descer à
humilhação. A serpente desde o Paraíso, é o símbolo do Demônio
e do mal. O Crucificado tomou sobre Si o pecado do mundo e a antiga
Serpente, foi julgada na Cruz. Pela fé em Jesus exaltado no
patíbulo, temos a vitória sobre a morte e recebemos a vida eterna.
A serpente de Núm. 21, 8s,
é tipo do Crucificado.
Mais uma vez opõe o fariseu
o seu cético “Como é
possível?” Aferrado
às suas ideias partidárias, não entende a nova doutrina do
Salvador, de modo que, este não pode deixar de admirar-se da
ignorância deste mestre de Israel.
10
Tu és mestre em Israel…
Estas palavras envolvem uma suave repreensão a Nicodemos, o qual, se
conhecesse certos passos do Antigo Testamento, facilmente
compreenderia o ensinamento de Jesus.
Censura, justamente, o
Salvador a ignorância de um Doutor da Lei, que
devia conhecer as profecias
referentes a esta passagem. Motivo
había para maravillarse de que un doctor no entendiese el lenguaje
de Jesús, y esto es una prueba más de cuán materializados
estaban.
11
Nós dizemos o que sabemos…
Jesus emprega o plural para significar, que fala como Deus e em nome
das Três Pessoas Divinas;
ou, associa a Seu testemunho
os primeiros Apóstolos.
Jesus desiste de dar mais
explicações; à vista das curtas ideias do interlocutor, não vale
a pena falar mais. Mas, para confirmar a sua palavra, apela, com
grande solenidade, para a absoluta certeza de Sua ciência, baseada
na experiência própria.
12
Coisas terrenas… Jesus
refere-se às coisas que a Seu respeito se passam na terra,
particularmente o Mistério da Regeneração que estava a revelar a
Nicodemos.
Nas celestes,
na Sua Divindade, no Mistério da Santíssima Trindade, nos desígnios
de Deus relativos à Redenção, etc.
Fala das operações divinas
do Espírito Santo nas almas.
É celeste o Mistério da
Redenção em seu princípio, terrestre em suas manifestações, ao
passo que é exclusivamente celeste o Mistério da Santíssima
Trindade e da eterna geração do Verbo.
Ele indica a razão por que
deixa de instruir mais o fariseu. As “coisas
terrenas”, designam as
verdades da nova vida de que acaba de falar, as quais se realizam
nesta vida mortal, e têm o seu exemplo nos acontecimentos naturais;
“as celestiais”,
são os Mistérios mais altos e mais escondidos.
La oposición de que habla
Jesús, entre las cosas celestiales y las terrenas, debe entenderse,
de una parte, del nascimiento espiritual, que de alguna manera es
objeto de nuestro conocimiento experimental, y de outra, de su causa
misma, que es el Espíritu Santo.
13-21:
Reflexões do evangelista. Os
vv. seguintes ligam-se, imediatamente, com os antecedentes, de modo
que parecem ser ainda palavras do Salvador. Considerando, porém,
que, nos vv. 11ss., o Mestre desiste de persuadir ao fariseu, e que
daí em diante se fala de Jesus somente na terceira pessoa, muitos
teólogos opinam que, nos vv. 13-21, o próprio evangelista continue
explicando, em seu nome, o Mistério do Salvador.
13
E ninguém subiu ao Céu…
Esse versículo contém uma prova bem segura da Divindade de Jesus.
Senão... o Filho do homem, que está no Céu.
Jesus Cristo veio do Céu à
terra, e está ao mesmo tempo na terra e no Céu.
Os homens não querem
aceitar o testemunho de Jesus sobre os segredos de
Deus, v. 12, apesar de ser Ele o único Mestre capaz de nos instruir.
Pois, “ninguém
jamais subiu ao Céu”,
para de lá trazer a verdade divina; e portanto, ninguém senão o
Filho do homem que veio do Céu e, depois de ressuscitado, já está
de novo no Céu, no-la pode revelar: v. 14, 6; Mat. 11, 27; luc. 10,
22.
14
Como Moisés… levantou a serpente.
Assim como eram curados da enfermidade aqueles que olhassem para a
serpente de bronze,
assim também, aquele que olha para Cristo crucificado é libertado
da culpa.
Todos os homens serão
salvos, se olharem com fé e com amor para Jesus elevado na Cruz;
basta olhar com fé, para o
pecador ficar salvo das mordeduras da Serpente infernal, isto é, dos
pecados.
Passa o Evangelista a
indicar a substância dos desígnios divinos, o Mistério da Cruz, o
qual, mais que tudo melindrando o orgulho judaico, nos planos de Deus
se tornou, efetivamente, a fonte da nova vida; I Cor. 1, 22ss. Assim
como no deserto a serpente foi levantada, para que os israelitas,
olhando para ela com confiança, fossem salvos da morte corporal, v.
Núm. 21, 8ss, do mesmo modo quis a Providência divina que o Filho
do homem fosse exaltado na Cruz, e pela Cruz glorificado no Céu, v.
Luc. 24, 26, a fim de dar a vida divina a todos os que têm fé no
Salvador; v. I Cor. 1, 30.
Mirando a la serpiente de
bronce levantada en el
desierto sanaban los israelitas picados de las serpientes venenosas;
mirando con fe a Jesucristo levantado em la cruz se alcanza la salud
eterna. Es un segundo aspecto del tema propuesto.
16
Porque Deus amou de tal modo o mundo…
Jesus afirma o grande amor de Deus pelo gênero humano, amor tão
grande que Lhe deu o seu Filho Único, o dom que Lhe era mais caro.
(vers. 16-21) Deus tem a
iniciativa no amor, e a maior prova de amor é a doação do Filho,
para termos a vida. Nem o pecado pode tirar ao Pai o carinho para com
os filhos ingratos. Mas o homem, pode fechar-se ao amor pela
incredulidade. É o juízo com que ele mesmo se julga. A razão desta
decisão livre do homem contra si próprio, é o apego as más
obras.
Jesucristo sacrificado trae
la salvación para todos los hombres, pero exige en ellos una fe
confiada, que supone una entrega de la vida al cumplimiento de sus
preceptos.
Para que todo o que crê n’Ele não pereça…
Crê em Jesus Cristo, é
aceitar os Seus ensinos e praticar a Sua doutrina. Sem isto, não há
salvação possível.
A Cruz que parece ao mundo
um escândalo ou uma estultícia, v. I Cor. 1, 18, é de fato, o
grandioso monumento do amor do Pai, o qual sacrificou nela o próprio
Filho pela salvação do mundo; v. Rom. 3, 25; 5, 8; 8, 32; II Cor.
5, 19; I Jo. 4, 10.
Estos versículos son
reflexiones del evangelista sobre lo dicho por Jesús acerca de la fe
en su persona.
17
Para condenar (julgar) o
mundo… A palavra julgar
(condenar), é empregada aqui no sentido de condenar.
Na Sua primeira vinda, o Filho de Deus veio para salvar, na Sua
segunda vinda, no fim do mundo, virá para julgar aos homens.
Deus enviou seu Filho com o
intuito de salvar o mundo; de fato, porém, a Sua vinda se torna
condenação de grande parte dos homens, que não querem aceitar a
luz do Evangelho; v. Luc. 2, 34.
Juzgar aquí equivale a
condenar, y se opone a salvar.
18
Quem n’Ele crê…
Quem crê com fé viva, isto é, animada pela caridade e boas obras.
Mas quem não crê, já está julgado,
isto é, condenado, porque a incredulidade é, por si mesma, uma
sentença de condenação, por ser a fé essencial à salvação.
19
Os homens (os
Judeus)
amaram mais as trevas… É
a triste resposta dos homens, especialmente dos judeus, ao amor de
Deus. Pela palavra trevas, entende-se o mundo e as suas tendências
pecaminosas. O motivo da incredulidade, eram as más obras dos
judeus, pois a conduta moral exerce uma grande influência sobre a
fé.
Do que a Luz…
A Luz, a que Jesus se refere
aqui, é o Verbo divino feito homem, é Ele próprio.
He aquí explicado el
misterio de la incredulidad de tantos hombres. Como sus
obras son malas y su alma impura, temen que la luz descubra lo que
son.
20
Porque todo aquele que faz o mal, aborrece a luz…
Do sentido metafórico,
Nosso Senhor passa agora para o sentido literal, e refere-se à luz
material, dando a entender que, tudo o que diz da luz material tem
aplicação à Si próprio, que é a Luz eterna.
21
Mas aquele que pratica a verdade,
isto é, aquele que se conduz em harmonia com a Lei Moral.
Chega-se para a Luz…
É provável que Jesus quis aludir aqui discretamente ao respeito
humano de Nicodemos, que o impedia de procurar a Nosso Senhor em
pleno dia.
São feitas segundo Deus,
ou segundo a Sua vontade e a Sua inspiração.
(Vers. 20-21) No fim do
mundo, todas as nossas obras, boas ou más, serão conhecidas. Então
voltará Nosso Senhor ao mundo, e desta vez para julgá-lo.
Quantas
almas se condenam, cada dia, por sua culpa, por não seguirem a
Religião, que é a luz. Os inimigos da Igreja não amam esta luz,
porque ela impõe deveres
que lhes pesam. Mas os que praticam sinceramente a virtude, nada têm
a temer nem de Deus nem da Religião. A incredulidade vem muito mais
do coração, que da inteligência.
Concluindo
“Tornar-se
criança”
em relação a Deus, é a condição para entrar no Reino;
para isto, é preciso humilhar-se,
tornar-se pequeno; mais ainda: é
preciso “nascer do alto”,
“nascer de Deus”,
para
tornar-nos filhos de Deus…
“O Reino de Cristo já está misteriosamente presente na Igreja”,
“germe e início deste Reino na terra”…
A
pessoa torna-se membro
deste povo não pelo nascimento físico, mas pelo “nascimento
do alto”,
“da água e do
Espírito”,
isto é, pela fé em Cristo e pelo Batismo.
2ª
Parte
MELÍFLUAS
MEDITAÇÕES
SOBRE
O TEMA
Jesus
revela a Nicodemos,
a
Regeneração da Alma
pelo
Santo
Batismo.
Após
a conturbada expulsão dos vendilhões do templo,
ficou
Jesus na cidade santa os oito dias das festas pascais, e operou
diante do povo todo, milagres
tão estupendos que muitos O reconheceram como o Messias prometido a
Israel. Mas, Ele apreciava muito bem as paixões e preconceitos dos
Judeus; e por isso, não confiava na duração dessas primeiras
impressões.
Ainda
assim, alguns chefes da Sinagoga, como enleados por aquele poderoso
Taumaturgo, tinham ardentes desejos de se instruir sobre a sua Pessoa
e Doutrina. Um deles, por nome Nicodemos, fariseu, doutor, membro do
supremo Conselho, e personagem respeitadíssimo em Jerusalém, tanto
pela sua posição como pelo seu saber, procurava ocasião de falar
com o Homem de Deus; mas como não se atrevia, por temor dos colegas,
a ir descoberto a casa d’Ele,
visitou-O de noite. Tendo ouvido falar do Reino de Deus, que o
Messias devia restabelecer, pediu ao novo Profeta que o instruísse
sobre a natureza desse reino e das condições que se requeriam para
nele entrar.
“Mestre,
disse Nicodemos, havei por bem de esclarecer-me, pois
sabemos que vindes da parte de Deus; porque ninguém pode operar os
prodígios que Vós operais sem que Deus lhe comunique o seu poder.
– Em
verdade, em verdade, vos digo,
respondeu Jesus, que ninguém pode entrar no Reino de Deus,
sem primeiro nascer uma segunda vez.
– Nascer
uma segunda vez! Diz o doutor
sorrindo; então, há de um velho reentrar no seio materno
para vir de novo à luz?
– Em
verdade, em verdade, volveu
Cristo, ninguém pode entrar no Reino de Deus sem nascer da
água e do Espírito Santo”.
E
explicou àquele Judeu, que se tratava de um nascimento espiritual.
Despojada da vida divina pelo Pecado Original, renasce a alma para a
vida mediante a graça do Espírito Santo e a virtude da água do
Batismo. “O homem, nascido de outro homem, não possui
mais que a vida natural; mas a alma, penetrada do Espírito de Deus,
possui uma vida espiritual e divina. Portanto,
acrescentou Jesus, não te admires, de me ouvir dizer que é
preciso nascer uma segunda vez”.
Assombrado
por tão sublime revelação, bem quereria Nicodemos compreender,
como influi o Espírito Santo sobre as almas.
“Como
o vento cicia onde bem lhe apraz,
disse Jesus, e assinala a sua presença com os seus
murmúrios surdos, sem que saibas donde vem nem para onde vai, assim
transforma o Espírito Santo a uma alma, sem lhe poderes perceber a
misteriosa influência.
– Mas
afinal, perguntou Nicodemos, é
possível essa regeneração da alma pelo Espírito Santo?
– Como!
Replicou Jesus, tu és mestre em Israel e ignoras esta
maravilha, tantas vezes anunciada pelos Profetas?
Então não leste em Ezequiel
este prenúncio formal: ‘Eu derramarei sobre vós uma água
purificadora, que vos lavará de todas as manchas; dar-vos-ei um
coração novo e verterei sobre vós o meu Espírito?’ – Em
verdade, em verdade, te afirmo,
acrescenta o Salvador, que o que vos dizemo-lo de de
ciência certa e atestamos o que vimos com os nossos olhos. Se não
prestais fé ao meu testemunho quando vos falo do Mistério das
almas, como podereis crer-me, se vos revelar os Mistérios de Deus?”
Subjugado
pela autoridade do Mestre, cessou Nicodemos de discutir, pronto a
receber com docilidade os oráculos que lhe iam brotar do peito.
Antes de mais nada, observou-lhe o Salvador, que só o Filho do
Homem, descido do Céu, pode conhecer e comunicar aos homens os
segredos de Deus, que lhe descobriu todo o plano da Redenção.
“Quando
os Israelita andavam errantes pelo deserto,
disse Jesus, levantou Moisés ao ar uma serpente de bronze,
para curar as mordeduras das serpentes; ora, assim convém que seja
levantado o Filho do Homem entre o Céu e a terra, para sarar a
ferida do pecado. Todos os que para Ele erguerem os olhos da fé, não
perecerão, mas possuirão a vida eterna. A tal ponto amou Deus ao
mundo, que lhe deu o seu Filho Unigênito, a fim de que, todos os que
n’Ele crerem não pereçam, mas gozem da vida eterna. Não enviou
Deus o seu Filho ao mundo para julgar o mundo, mas para o salvar.
Quem acredita no Filho Unigênito de Deus, não tem que temer o
juízo, mas quem Lhe recusa a fé, condena-se por si mesmo; porque,
se rejeita a luz e lhe prefere as trevas, é por serem más as suas
obras. O malfeitor aborrece a luz e foge ao brilho dos seus raios,
porque a luz põe-lhe a descoberto as iniquidades. O homem de bem, ao
contrário, ama a luz, porque a luz faz resplandecer as obras pelas
quais não têm de que se envergonhar diante de Deus”.
Com
um santo arroubamento estava Nicodemos escutando ao Profeta de
Nazaré, que assim lhe revelava a verdade sobre a Sua divina Pessoa,
sobre a Sua obra redentora e sobre a salvação do mundo. Sem
compreender ainda todo o alcance destas celestiais comunicações,
como que via já a sombra da Cruz desenhada ao longe, e ao Filho do
homem que lhe falava, curando do alto dessa Cruz as vítimas da
Serpente infernal. Desde aquele momento considerou a Jesus como o
Mestre Supremo, e permaneceu-Lhe fiel.
Era
do número dos que praticam o bem e não tem interesse em fugir da
luz. Quando os homens das trevas conspirarem contra o Salvador, há
de se lembrar Nicodemos da noite memorável que passou junto ao Filho
do homem, e não temerá proclamar-se às claras Seu discípulo e
defensor.
Nicodemos,
a
Serpente e a Cruz.
Não
tendo sido bem recebido na casa de seu Pai, que era o templo, Jesus
não força a saída. Este templo material estava condenado a
desaparecer, enquanto Ele, o Templo onde Deus habita, levantar-se-ia
de novo em glória. Limitou-se, por então, a
provar que era o Messias, por meio do ensino e dos milagres. Durante
estes poucos dias operou muitos mais milagres do que aqueles de que
temos relação; o Evangelho afirma que muitos acreditaram n’Ele
por causa dos seus milagres. Um dos membros do Sinédrio admitiu não
somente que os milagres eram autênticos, mas também que Deus tinha
de estar com um Homem que fazia tais sinais.
“Um
Fariseu, príncipe dos Judeus,
Veio
ter com Jesus de noite”.
Segundo
todos os critérios mundanos, Nicodemos era um homem douto; versado
nas Escrituras, muito religioso, tanto mais que pertencia a uma
seita, a dos Fariseus, que insistia nas minudências dos ritos
externos. Mas não era homem intemerato, ao menos no começo, porque
escolheu, para falar com Nosso Senhor, uma hora em que o manto das
trevas o ocultasse da vista dos homens.
Nicodemos
é o “personagem
noturno”
do Evangelho, pois sempre que o encontramos é na escuridão. Da
primeira visita, diz-se
expressamente que foi feita de noite. Como membro do Sanedrim, foi
ele que falou, mais tarde, de noite, em defesa de Nosso Senhor,
dizendo que nenhum homem devia ser julgado sem ser ouvido. Na
Sexta-feira Santa, pelo escuro, depois da Crucifixão, veio José de
Arimateia:
E
com
ele Nicodemos
Que
já antes tinha visitado a Jesus, de noite,
Trazendo
uma mistura de quase cem libras
De
mirra e aloés.
A
despeito dos obstáculos sociais que podiam desanimá-lo a mostrar
interesse por Nosso Divino Senhor, foi contudo visitá-Lo quando o
soube em Jerusalém, para a festa da Páscoa. Vinha reverenciar a
Cristo, mas aprendeu imediatamente que não bastava essa espécie de
reverência. Nicodemos disse-Lhe:
“Mestre,
sabemos que vieste de Deus
Para
nos ensinar; pois ninguém podia fazer os milagres
Que
tu fazes, se Deus não estivesse com ele”.
Apesar
de ter visto os milagres, Nicodemos não estava, contudo, disposto a
confessar a Divindade d’Aquele que os fazia. Mostrava-se ainda um
pouco hesitante, pois velava a sua personalidade sob o oficioso
“nós”.
É este o estratagema empregado algumas vezes pelos intelectuais,
para
escaparem à responsabilidade pessoal; querem dar a entender que, no
caso de se impor uma reforma, essa diz respeito mais à sociedade em
geral do que aos seus corações. Durante aquela conversação
noturna, Nosso Senhor estranhou a Nicodemos que, sendo “mestre”,
ainda ignorasse as Escrituras; e nisso se mostrou Ele também Mestre.
Na longa discussão que se estendeu até ao romper da alva, Jesus
explicou que, sem deixar de ser Mestre, era alguma coisa mais que
isso: era primeira e principalmente Redentor. Afirmou que para se
alcançar a união com Ele era essencial, não a verdade humana na
mente, mas o renascimento da alma adquirido por meio da Sua morte.
Nicodemos tinha começado por chamar-Lhe mestre; Nosso Senhor
encerrava aquele encontro proclamando-Se Salvador.
A
Cruz refletiu-se em cada episódio da Vida de Cristo, mas nunca tão
intensamente, para quem conhecia o Antigo Testamento, como nesta
noite. Este Fariseu julgava-O apenas Mestre ou Rabi, mas no fim
descobriu que havia salvação no que eles tinham sempre considerado
maldição, isto é, a Crucifixão.
Nosso
Senhor exortou-o então a abandonar a ordem da pura natureza.
“Em
verdade te digo:
Ninguém
pode ver o Reino de Deus
Se
não nascer de novo”.
A
ideia predominante no começo da discussão entre Nicodemos e Nosso
Senhor, era que a vida espiritual, se diferenciava da vida física e
intelectual. Essa diferença, explicava Jesus, era maior do que a que
existe entre um cristal e uma célula viva. A vida espiritual não é
um impulso que vem de baixo; é um dom que vem de cima. O homem não
se torna, na realidade, menos egoísta e mais compreensivo enquanto
não se fizer seguidor de Cristo. É necessário um novo nascimento
gerado do alto. O primeiro nascimento de cada qual, no mundo, vem da
carne. Mas Jesus afirmou, que é preciso um segundo nascimento, do
alto, para a vida espiritual. E é tão indispensável, que sem ele o
homem “não
pode”,
entrar no Reino do Céu; Cristo não se limitou a dizer “não
entrará”,
porque a impossibilidade é real. Assim como ninguém pode ter uma
vida física sem nascer para ela, assim não pode ter uma vida Divina
sem nascer de Deus. O primeiro nascimento faz-nos filhos de nossos
pais; o segundo faz-nos filhos de Deus. Não é questão de
desenvolvimento próprio, mas de regeneração; não de aperfeiçoar
o nosso estado presente, mas de transformar completamente a nossa
situação.
Subjugado
pela sublimidade da ideia que lhe era sugerida, Nicodemos
pediu uma explicação mais clara. Podia compreender que um homem
fosse
aquilo que é, mas não podia compreender que um homem se
tornasse
aquilo que não é. Compreendia que o homem velho fosse retocado de
novo, mas não que se criasse inteiramente um novo homem. Daí a
pergunta:
“Como
é possível que um homem nasça
Depois
de velho?
Acaso
pode entrar outra vez no ventre de sua mãe,
para
tornar a nascer?”
Nicodemos
não nega a doutrina do novo nascimento; era um homem que aceitava as
coisas literalmente. A sua dúvida versava sobre a exatidão do termo
“nascido”.
Nosso
Senhor respondeu à dificuldade:
“Em
verdade te digo: Ninguém pode entrar no Reino do Céu
Se
não nascer de novo da água e do Espírito Santo.
O
que nasce da carne é carne;
E
o que nasce do Espírito é Espírito.
Não
te admires, pois, por eu te dizer:
É
preciso que nasçais de novo”.
A
ilustração de Nicodemos era inadequada; aplicava-se apenas ao
domínio da carne. É certo que não podia entrar segunda vez no
ventre materno para tornar a nascer. Mas o que é impossível à
carne, é possível ao espírito. Vinha procurar instrução e
doutrina e, em vez disso, ofereciam-lhe regeneração e renascimento.
O Reino do Céu era apresentado como uma nova criação. Quando um
homem sai do ventre de sua mãe, é apenas uma criatura
de Deus, como uma mesa é criação, em grau inferior, do
carpinteiro. Ninguém, na ordem natural, pode chamar a Deus “Pai”;
para alguém o poder fazer, tem de tornar-se em alguma coisa que não
é. Tem de participar, por meio de um dom Divino, na natureza de
Deus, como participa, presentemente, da natureza de seus pais. O
homem faz aquilo que é dissemelhante dele; mas gera aquilo que é
semelhante a ele. O artista pinta um quadro, o qual é dissemelhante
do artista em natureza; a mãe gera um filho e o filho é semelhante
a ela em natureza. Nosso Senhor ensina aqui que, além e acima da
ordem da produção e criação, existe a ordem da geração,
regeneração e renascimento, por meio da qual Deus se torna nosso
Pai.
Naturalmente,
Nicodemos ficou surpreendido na sua compreensão religiosa puramente
intelectual, porque Nosso Senhor disse-lhe: “Não
te admires”.
Perguntava a si mesmo como se podia efetuar esta regeneração. Nosso
Senhor explicou-lhe que a razão por que não compreendia este
segundo nascimento, era por ignorar a ação do Espírito Santo.
Assim como a sua morte reconciliaria a humanidade com o Pai,
continuou o Senhor pouco depois, assim a humanidade seria regenerada
pela intervenção do Espírito Santo. O novo nascimento, a que o
Senhor se referia, escapa aos sentidos e só é conhecido pelos seus
efeitos na alma.
Vai,
pois, esclarecer este Mistério com uma comparação: “Tu
não podes compreender o soprar do vento, mas obedeces às suas leis
e assim aproveitas a sua força; o mesmo sucede com o Espírito.
Obedece à lei do vento e ele encherá as tuas velas e te
impulsionará para a frente. Obedece à lei do Espírito e conhecerás
o novo nascimento. Não adies o estabelecimento de relações com
esta lei pelo simples fato de te reconheceres incapaz de sondar
intelectualmente o seu Mistério”.
“O
vento sopra por onde quer;
Tu
ouves a sua voz, mas não sabes
Por
onde vem ou por onde vai.
Assim
é todo aquele que nasce do Espírito”.
O
Espírito de Deus é livre e atua sempre livremente. Os seus
movimentos não podem ser previstos por cálculos humanos. Ninguém
pode determinar a vinda da graça ou o modo como atua numa alma; nem
se virá como resultado do aborrecimento do pecado ou da aspiração
a um mais alto grau de bondade. A voz do Espírito está dentro da
alma; a paz que traz, a luz que espalha e a força que dá estão lá
indubitavelmente. A regeneração do homem não é discernível pela
vista humana.
Apesar
de Nicodemos ser um hábil sofista e erudito, sentiu-se, contudo,
perplexo ante a sublimidade da doutrina exposta por Aquele a quem
chamava Mestre. Como Fariseu, não lhe interessava a santidade
pessoal, mas a glória de um reino terreno. Agora pergunta:
“Como
pode se fazer isso?”
Nicodemos
percebeu que a vida Divina no homem não era propriamente uma questão
de ser, mas envolvia também o problema de tornar-se,
com o auxílio de uma força que não existe no homem, mas somente em
Deus.
Nosso
Senhor explica que a Sua doutrina era de tal ordem que nunca poderia
sequer vir ao pensamento de alguém. Havia, pois, uma certa desculpa
na ignorância dos Fariseus. Afinal, nunca homem algum tinha subido
ao Céu para aprender os segredos celestes e voltar depois à terra a
torná-los conhecidos. O único que os podia conhecer era Aquele que
desceu do Céu, Aquele que, sendo Deus, se fez homem e conversava
agora com Nicodemos. Pela primeira vez, Nosso Senhor refere-se a Si
mesmo como o Filho do Homem, deixando perceber, ao mesmo tempo, que
era algo mais que isso; era simultaneamente o Filho Divino Unigênito
do Pai Celeste. Estava, na realidade, a afirmar a Sua natureza Divina
e humana.
“Ninguém
subiu ao Céu,
Senão
Aquele que desceu do Céu.
O
Filho do homem que está no Céu”.
Não
foi esta a única vez que Nosso Senhor falou da Sua nova ascensão ao
Céu e da Sua descida do Céu. A um dos Apóstolos disse:
“Em
verdade vos digo: Vereis o Céu aberto,
E
os Anjos subindo e descendo
Sobre
o Filho do Homem”.
“Porque
eu desci do Céu,
Não
para fazer a minha vontade,
Mas
a vontade d’Aquele que me enviou”.
“Aquele
que vem do alto
Está
acima de todos;
O
que está na terra, é da terra e fala da terra.
O
que vem do Céu,
Está
acima de todos”.
“E
diziam: Porventura não é este Jesus,
Filho
de José, cujo pai e mãe
Nós
bem conhecemos? Como logo diz ele:
Eu
desci do Céu?”
“Pois
que será, se virdes o Filho do Homem
Subir
ao lugar onde antes esteve?”
Nosso
Senhor nunca falava da Sua Glória Celeste, ou Glória de
Ressuscitado, sem introduzir a ignomínia da Cruz. Às vezes
referia-se primeiro à glória, como sucedeu com Nicodemos, mas a
Crucifixão aprecia como condição dela. Jesus Cristo vivia duas
vidas: uma vida celeste, como Filho de Deus, e uma vida terrestre,
como Filho do Homem. Continuando a ser Uno com seu Pai no Céu,
entregou-se pelos homens na terra. Afirmou a Nicodemos que a condição
da qual dependia a salvação do homem seria a Sua Paixão e Morte. E
para esclarecer esta ideia, citou a mais famosa prefiguração da
Cruz no Antigo Testamento:
“E
assim como Moisés levantou a serpente no deserto,
Assim
importa que seja levantado o Filho do Homem,
Para
que todos os que creem n’Ele não pereçam,
Mas
tenham a vida eterna”.
Narra
o Livro dos Números, que quando o povo murmurou revoltado contra
Deus, foi castigado com uma praga de furiosas serpentes, de modo que,
muitos perderam a vida. Tendo-se arrependido, mandou Deus a Moisés,
que fizesse uma serpente de bronze e a levantasse como sinal; e todos
os mordidos das serpentes que olhassem para aquele sinal, seriam
curados. Nosso Senhor declarava, agora, que também Ele havia de ser
levantado como a serpente bronze; e assim como esta tinha a aparência
de uma serpente, mas não tinha veneno, assim também, quando Ele
fosse suspenso nos braços da Cruz, teria a aparência de pecador, e
contudo, não teria pecados. E assim como todos os que olharam para a
serpente de bronze ficaram curados da mordedura das serpentes, assim
também, todos os que olhassem para Ele, com amor e fé, seriam
curados da mordedura da Serpente do Mal.
Não
bastava que o Filho de Deus descesse do Céu e aparecesse como Filho
do Homem, pois nesse caso teria sido um grande mestre e um grande
exemplo, mas não Redentor. O mais importante para Ele, era cumprir a
missão que O trouxe ao mundo, que era a de remir o homem, enquanto
estava revestido de carne humana. Os mestres mudam os homens por meio
das suas vidas; Cristo mudaria os homens por meio da Sua morte. O
veneno do ódio, da sensualidade e da inveja, que está nos corações
dos homens, não podia ser curado simplesmente por meio de sábias
exortações e reformas sociais. O salário do pecado é a morte e,
por isso, só com a morte o pecado seria expiado. Como nos antigos
sacrifícios, em que o fogo queimava simbolicamente o pecado
juntamente com a vítima à qual eram imputados, assim na Cruz, o
pecado do mundo seria destruído nos sofrimentos de Cristo, porque
Ele estaria direito como Sacerdote e prostrado como Vítima.
As
duas maiores bandeiras jamais desfraldadas foram, a serpente
levantada e o Salvador levantado. E, contudo, havia uma infinita
diferença entre as duas. O Teatro de uma foi o deserto e a audiência
dalguns milhares de Israelitas; o teatro da outra foi o universo e a
audiência da humanidade inteira. De uma veio a cura do corpo,
destruída de novo pela morte; da outra dimanou a cura da alma até a
vida eterna. E, contudo, uma era a prefiguração da outra.
Mas
não obstante ter vindo para morrer, Cristo insistiu em que O fazia
voluntariamente e não por ser impotente, para se defender dos
inimigos. O amor seria a única causa da Sua morte, como disse a
Nicodemos:
“De
tal modo amou Deus o mundo,
Que
entregou o seu Filho Unigênito,
Para
que todos os que creem n’Ele
Não
pereçam, mas tenham vida eterna”.
Nessa
noite, ao ser visitado por um homem já avançado em idade, o Divino
Mestre, que tinha maravilhado o mundo com Seus milagres, contou a
história da Sua vida, de uma vida que não tinha começado em Belém,
mas que existia desde toda a eternidade em Deus. O Filho de Deus
fez-Se Filho do Homem, porque o Pai O enviou com a missão de remir o
homem pelo amor.
Se
há coisa que todo o bom mestre deseja, é uma vida longa, que lhe
permita tornar conhecida a sua doutrina e adquirir sabedoria e
experiência. A morte é sempre uma tragédia para um grande mestre.
No dia em que Sócrates tomou a sicuta, a sua mensagem terminou de
uma vez para sempre. A morte foi a pedra onde Buda tropeçou com
todas as suas teorias sobre a oitava via. O último suspiro de
Lao-tze anunciou o descer do pano sobre a sua doutrina relativa ao
Tao ou ao “nada fazer”, em oposição à agressiva
autodeterminação. Segundo Sócrates, o pecado era fruto da
ignorância e, por isso, o conhecimento tornaria o mundo bom e
perfeito. Para os mestres do Oriente, o homem tinha sido apanhado
pela grande roda do destino. Daí, a recomendação de Buda, de que
os homens devem ser instruídos sobre o modo de esmagar os seus
desejos e alcançar, por esse meio, a paz. Ao morrer, com oitenta
anos, Buda não apontou para si, mas para a lei que tinha dado. A
morte cortou a Confúcio as suas dissertações morais sobre o modo
de aperfeiçoar um Estado, por meio de suaves relações recíprocas
entre príncipe e súdito, pai e filho, irmãos, marido e mulher,
amigo e amiga.
Nosso
Senhor, na Sua conversa com Nicodemos, proclamou-Se a Si mesmo a Luz
do Mundo. Mas a mais espantosa das Suas afirmações, foi que ninguém
compreenderia a Sua doutrina enquanto Ele fosse vivo e que eram
essenciais a Sua Morte e Ressurreição, para a compreensão dela.
Nunca mestre algum do mundo ensinou que tinha de sofrer morte
violenta, para tornar clara a sua doutrina. Aqui estava um Mestre que
punha num lugar tão secundário os Seus ensinamentos que podia
afirmar que, o único meio para atrair os homens a Si seria, não
a Sua doutrina, não as Suas palavras, mas a Sua Crucifixão.
“Quando
exaltardes o Filho do Homem,
Então
conhecereis que sou Eu”.
Não
disse que compreenderiam a Sua doutrina; seria antes a Sua
Personalidade que eles apreenderiam. Só então, depois de O
condenarem à morte, conheceriam que tinha falado Verdade. A morte,
pois, em vez de ser a última de uma série de fracassos,
converter-se-ia num glorioso êxito, no clímax da Sua missão na
terra.
Daí,
a grande diferença entre as estátuas e pinturas de Buda e Cristo. O
primeiro está sempre sentado, olhos fechados, mãos cruzadas sobre o
ventre gordo. Cristo nunca se vê sentado; ou levantado ou
entronizado. A Sua Pessoa e a Sua morte, são o coração e a alma
das Suas lições. A Cruz, com tudo o que ela encerra, torna-se uma
vez mais, central na Sua vida.
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