Blog Católico, para os Católicos

BLOG CATÓLICO, PARA OS CATÓLICOS.

"Uma vez que, como todos os fiéis, são encarregados por Deus do apostolado em virtude do Batismo e da Confirmação, os leigos têm a OBRIGAÇÃO e o DIREITO, individualmente ou agrupados em associações, de trabalhar para que a mensagem divina da salvação seja conhecida e recebida por todos os homens e por toda a terra; esta obrigação é ainda mais presente se levarmos em conta que é somente através deles que os homens podem ouvir o Evangelho e conhecer a Cristo. Nas comunidades eclesiais, a ação deles é tão necessária que, sem ela, o apostolado dos pastores não pode, o mais das vezes, obter seu pleno efeito" (S.S. o Papa Pio XII, Discurso de 20 de fevereiro de 1946: citado por João Paulo II, CL 9; cfr. Catecismo da Igreja Católica, n. 900).

quinta-feira, 10 de março de 2022

O REAL CAMINHO DO AMOR: "O SOFRIMENTO". 6ª PARTE.


Sexta Meditação


Sexta-feira


O Exemplo de Jesus

Consola na Tribulação


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I – Jesus, padecendo, enobreceu os trabalhos.

Reflete no que era a cruz antes de nela morrer Nosso Senhor, e no que é agora depois que expirou em seus braços. Antes servia de patíbulo aos malfeitores, e quem pendia de uma cruz era maldito; agora não somente se honram com ela as coroas dos príncipes, mas é o trono do divino Redentor, onde ele se ostenta com Majestade infinita, como triunfante dos seus inimigos.

Pois bem; faze tu agora de conta que tudo, com a devida proporção, se verificou também com a Cruz espiritual dos cristãos, que é a tribulação. Todas as penas, antes que martirizassem os membros inocentíssimos de Jesus Cristo e amargurassem o seu divino Coração, eram como uma cicatriz do pecado e traziam consigo necessariamente um caráter de ignomínia.

Mas ao contato das Chagas do nosso amorosíssimo Salvador, como se fossem águas passadas por esta mina do Paraíso, adquiriram um preço imensamente maior do que adquirem as águas desta terra, ao passarem por minas riquíssimas de ouro.1

Quem há que disto possa duvidar, sem renunciar por isso mesmo à sua fé? O Verbo encarnado, tocando as águas do Jordão em seu Batismo, enobreceu-as tanto que, segundo dizem os Santos, imprimiu nelas e em todas as demais águas do mundo virtude divina, para santificarem pelo Sacramento de regeneração as almas dos fiéis. Pois de um modo semelhante, padecendo e morrendo na Cruz, imprimiu em todas as tribulações dos cristãos uma dignidade mais que humana e uma virtude particular, para nos elevar acima das forças da natureza, a um estado como divino.

Por isso, os Apóstolos desde os primeiros tempos da religião cristã, e todos os Santos depois dos Apóstolos, tinham para si que chegavam ao sumo da verdadeira honra, quando sofriam grandes coisas por Deus: Saiam da presença do conselho muito alegres, por terem sido achados dignos de sofrer afrontas pelo Nome de Jesus.2 E na verdade, assim como no Céu, o que está mais perto do trono do divino Redentor glorificado é o que mais participa da sua glória, assim também na terra, quem mais se chega ao trono do mesmo Senhor humilhado, despido e cheio de dores, esse é o mais estimado e honrado; e são tão excelsos em dignidade estes homens, que deles diz o Espírito Santo não ser digno o mundo: Desamparados, angustiados, maltratados, dos quais não era digno o mundo.3

Tanto assim que, estando-nos severamente proibido por outra parte o gloriar-nos de coisa alguma, podemos contudo gloriar-nos, a exemplo de S. Paulo, dos nossos trabalhos; o qual ao mesmo tempo nos ensina que o podemos fazer com segurança: Se algumas coisas existem de que me possa gloriar, gloriar-me-ei daquelas que são próprias da minha fraqueza.4 Que diz o teu coração ao ouvir estas verdades, acostumado a encarar as cruzes com horror e os dons que o Senhor te faz, como se fossem outras tantas feridas? Não acabas de ver que és ainda indigno de vestir a libré de Jesus Cristo e de seguir mais de perto as suas pisadas, imitando-o no sofrimento?

Anima-te a receber daqui em diante com humildade as ocasiões de sofrer, admirando-te de que Jesus te trate nelas como a companheiro. E, se a natureza grita e protesta, se os sentidos se rebelam, triunfa gloriosamente deles, opondo a seus gritos e rebelião as máximas do Evangelho e confessando em face do mundo ignorante esta verdade, tão certa em si como é certa a Palavra de Deus: – Que não há coisa de tão sublime dignidade na terra como o padecer por Cristo e por amor de Cristo: Alegrai-vos de ser participantes da Paixão de Cristo; porque a honra, a glória e a virtude de Deus, e o seu Espírito repousam sobre vós.5

II – Jesus, padecendo, suavizou os trabalhos.

Considera que a Cruz de Jesus Cristo, além de enobrecer em sumo grau, os nossos trabalhos, também os faz suaves e doces. Os animais bravios já não são tidos como tais, quando com o trato do homem foram domesticados.6 Pois é isto exatamente o que passa com as tribulações, as quais noutro tempo, à maneira de feras indômitas, aterravam tanto o nosso coração; e agora, amansadas com o exemplo de Cristo, nem são chamadas já tribulações pelos Santos nem lhes causam horror nenhum, mas até jogam com elas como com inocentes cordeirinhos: Brincou (Davi) com os leões como se fossem cordeiros.7

Desta maneira, os Mártires chamavam rosas aos carvões acesos, refrigério aos maiores tormentos, dia de bodas ao da sua morte; e todas as penas lhes pareciam tanto mais doces, à vista dos padecimentos do Senhor, quanto eram em si mais cruéis e atrozes; à semelhança do que acontece com as frutas verdes e azedas, as quais, postas em calda, são muito mais saborosas do que as maduras.

Como os Mártires, pensam também todas as almas puras, para quem uma vida sem Cruz seria a maior cruz; nem saberiam, sem a esperança de sofrer alguma coisa a exemplo de Cristo, levar com paciência o desterro desta vida miserável. Até quando, pois, quererás tu ser menino na virtude, não amando senão o que te agrada? Até quando, à maneira das criancinhas, haveis de amar as criancices?8

O nosso divino Redentor teve em suma honra o padecer por amor de ti mais do que homem nenhum jamais padeceu; e quererás tu continuar a ter medo e horror de padecer tão pouco por Jesus? À vista de um Deus apaixonado de amor para contigo e em presença da sua Cruz, não te envergonharás de correr ainda atrás dos prazeres da terra, quando havias de converter em delícias, por meio de amor a Jesus, as tuas penas e trabalhos? Ah! Senhor! Quão poucos são os amigos do sofrimento, apesar de os terdes amado e suavizado tanto com o vosso exemplo!

Confunde-te de teres sido até agora contado no número destes; pede humildemente perdão da tua ignorância e roga ao Senhor, pois se dignou de descer do Céu à terra para te ensinar, com palavras e exemplos, a felicidade dos padecimentos, que te dê a graça de sentir o sabor desta divina ciência, e de achar a doçura encoberta nas tribulações, para que se verifique também em ti a Palavra divina: O coração que chegou a conhecer o preço das suas amarguras, experimenta um gozo puríssimo e livre de todo o prazer estranho.9

III – Jesus, padecendo, tornou necessários os trabalhos.

Considera que o exemplo de Jesus paciente, se enobrece e suaviza as nossas dores, também as tornou necessárias. Aquele excesso de tormentos e humilhações que, desde o primeiro instante da sua vida mortal até ao último suspiro, tomou sobre Si o Filho de Deus humanado, não teve somente por fim a nossa redenção; para isso, bastava um gemido do seu divino Coração. Quis também ser o nosso verdadeiro guia e modelo, e que nós fossemos imitadores seus: Para isto fostes chamados à dignidade de filhos de Deus, pois Cristo padeceu também por nós, dando-nos exemplo para que sigamos os seus passos.10

E assim, quem despreza a cruz ou foge dela, despreza o excesso dos tormentos, dos exemplos e do amor de Jesus Cristo, e nem é digno do nome que tem – soldado que segue a bandeira do Redentor – segundo altamente o declara o mesmo Senhor, dizendo: Quem não toma a sua cruz e Me segue, não é digno de Mim.11 Para que são, pois, tantos discursos? Para quê tanto deliberar! Para quê tantas réplicas? “Podes (diz-te também a ti Jesus Cristo) podes beber o cálice dos sofrimentos que Eu hei de beber.12 Tens ânimo, pelo menos para provar por meu amor esse cálice amargo, que Eu desejo levar até a última gota por amor de ti? Se o não tens volta atrás, que não és digno de te alistares debaixo da Minha bandeira: O que é medroso e covarde, não passe adiante; torne para trás”.13

Não está bem que tenha honra tão grande quem é para tão pouco que, nem à vista de um Deus abrindo-lhe caminho, se resolve a seguir as suas pisadas. Revertatur: “Para trás”. Sim, torne para trás; mas lembre-se que o juízo da sua vida e ações se há de fazer segundo as aparências que tiver com o seu divino exemplar, Jesus. O nosso adorável Redentor, como Imagem substancial do Seu eterno Pai, quis que os seus escolhidos fossem uma viva imagem da sua vida trabalhosa.

Por conseguinte, que será de ti, se, em vez de achar em tuas ações conformidade de vida, achasse uma total dissemelhança? Se tivesses fugido de tudo o que Ele amou, que são os trabalhos, e amado e abraçado tudo o que Ele fugiu, que são os prazeres e gostos? E ainda hás de continuar a ter por inocente uma delicadeza tal e tão monstruosa?

Confunde-te, pois, de todo o teu coração e faze propósito de não admitir em tuas deliberações, sobre este assunto, o voto do amor-próprio para nada. Jesus é o Anjo do Grande Conselho; e não sabe dar-te outro melhor do que o de seguires ao teu Senhor com a tua cruz às costas. Pede-lhe, pelo preço do Seu Sangue divino, que dê força ao teu coração fraco, e com a memória dos seus merecimentos te faça inexpugnável a todas as acometidas do inimigo. Tendo, pois, Cristo padecido por nós a morte em sua carne, armai-vos também vós desta consideração.14



Oração a Jesus, desamparado na Cruz,

para alcançar a paciência.


Ó verdadeira consolação dos atribulados! Ó esperança da minha alma e meu único bem! Que seria de mim neste momento, se a vossa paciência não tivesse sido infinita? Como teríeis podido sofrer um coração tão vil como o meu, que, por mais que Vos vê caminhar adiante e abrir deste modo a estrada do Céu, não sabe mover um pé para Vos seguir?

Se tivésseis passado a vida entre delícias, teria eu alguma aparente escusa, quando fujo tanto do que me custa. Mas, tendo Vós enobrecido tanto os nossos trabalhos com o Vosso exemplo, tendo-os suavizado e facilitado tanto e, o que é mais, tendo exalado a alma em tão completo desamparo do Céu e da terra, que escusa posso eu alegar em minha defesa para fugir tanto ao sofrimento?

Não acabarei de entender que estou a vilipendiar o excesso do preço dado por meu resgate, quando corro atrás do prazer de que Vós sempre fugistes, e fujo dos padecimentos que Vós sempre abraçastes? Quando me consolais, digo que sou todo Vosso, peço-Vos que me façais semelhante a Vós, faço-Vos grandes oferecimentos e parece-me estar resignado por completo em Vossas divinas mãos.

Porém, se vindes à prova, miserável de mim! Já sou outro muito diferente do que era, já me tenho por deixado de Vós, já tenho por boas as razões do amor-próprio; e já não é pouco, se não me chego a queixar dos meus trabalhos. Que cego sou! Este é o modo de seguir o exemplo de um Deus que morre por mim num patíbulo, desamparado do Seu mesmo Pai? Buscando ao meu Redentor desta maneira, fugindo da Cruz onde O vejo crucificado, pretendo acaso que hei de dar com Ele?

A Vós, Senhor meu e luz da eterna verdade, a Vós toca iluminar esta minha cegueira e inflamar este meu coração em Vosso amor. Se me levais atrás de Vós, com que ligeireza correrei o caminho da virtude! Mas, se me deixais entregue as minhas fraquezas, não serei homem para dar um passo. Esta é a prova que fica ainda por fazer a Vossa divina graça: mudar-me inteiramente noutro homem.

Não Vos peço favores nem consolações; só desejo um coração tão conforme a Vossa divina vontade, que o amargo me seja doce e veja com bons olhos qualquer estado de desamparo e desolação, em que me quiserdes pôr para Vossa maior glória. Que louvores Vos tributarão os Anjos, se me ouvis? Que fruto tão estimado do Vosso preciosíssimo Sangue, que glória do Vosso braço Onipotente será, se de tal sorte fortaleceis este barro do meu ser, que chegue a resistir a todos os ataques dos meus inimigos!

Esta é a graça que espero da Vossa bondade; a qual já desde agora começo a agradecer-Vos com todo o meu coração, confiando que hei de continuar a louvar-Vos por ela para sempre no Céu. Amém.


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1.  Poenam vestivit honore, ipsaque sanctificans in se tormenta beavit.

2.  Ibant gaudentes a conspectu concilii, quoniam digni habiti sunt pro nomine Jesu contumeliam pati (Act., V, 41).

3.  Egentes, angustiati, afflicti, quibus dignus non erat mundus (Heb., XI, 38).

4.  Si gloriari oportet, quae infirmitatis meae sunt, gloriabor (II Cor., XI, 30).

5.  Communicantes Christi passionibus gaudete; quoniam quod est honoris et gloriae et virtutis Dei, et qui est ejus spiritus, super vos requiescit (I Pet., IV, 13).

6.  Ferae non dicuntur ferae, licet ex ferino genere, si sint mansuefactae.

7.  Cum leonibus lusit quasi cum agnis (Eccl., XLVII, 3).

8.  Parvuli, usquequo diligitis infantiam (Prov., I, 12).

9.  Cor quod novit amaritudinem animae suae, in gaudio ejus non miscebitur extraneus (Prov., XIV, 10).

10.  In hoc vocati estis, quia Christus passus est pro nobis, vobis relinquens exemplum ut sequamini vestigia ejus (I Pet., II, 21).

11.  Qui non accipit crucem suam et sequitur me, non est me dignus (Math., III, 38).

12.  Potestis bibere calicem quem ego bibiturus sum? (Marc., X, 38).

13.  Qui formidolosus est et timidus revertatur (Jud., VII, 4).

14.  Christo igitur passo in carne et vos eadem cogitatione armamini (I Pet., IV, 1).


O REAL CAMINHO DO AMOR: "O SOFRIMENTO". 5ª PARTE.

 

Quinta Meditação


Quinta-feira


A Lembrança do Céu

Consola a Alma na Tribulação


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I – O Sofrimento é sinal de predestinação à glória.

Considera que a razão da nossa predestinação à glória é a conformidade com Jesus Cristo, segundo o sentir de São Paulo: Os que Ele viu de antemão que se haviam de salvar, predestinou-os para que se fizessem semelhantes a seu Filho.1 Segundo isto, o nosso divino Redentor despido na Cruz, coberto todo de Chagas, saciado de opróbrios, submergido num mar de penas e, desde o primeiro instante da sua vida mortal, Rei de dores, não só é a razão meritória da nossa eleição à glória, senão também a causa exemplar com que nos devemos conformar no exercício das obras, para a chegar a obter. E assim, quem mais participa da sua Cruz, mais seguro está de participar do seu reino. Se padecemos com Ele, reinaremos também com Ele.2

Este é o decreto estabelecido desde a eternidade no conselho divino: que os membros hão de, por necessidade, ser semelhantes à sua cabeça; e por isso ninguém há de ser admitido no Céu senão pela porta da tribulação, e não de uma só tribulação, mas de muitas e muitas: Temos de passar por muitas tribulações, para entrar no reino dos Céus.3 De sorte que, se não houver sofrimento para ti, também não haverá Paraíso.

Tu crês que a herança de Jesus Cristo consiste só na posse da glória; enganas-te. Porque a herança que deixou a seus escolhidos, é sim a de gozar para sempre na vida futura, mas é também a de chorar antes por alguns dias na vida presente. E nesta herança não é lícito, como nas outras, aceitar em parte, e em parte repudiar; é de obrigação que, em qualquer caso, quem a aceitar no tocante à felicidade eterna no futuro, não rejeite os padecimentos leves e momentâneos da vida presente; pois, como condição indispensável, para ser glorificado é necessário ter padecido: Se somos filhos, seremos também herdeiros; contanto que padeçamos com Jesus, para com Jesus sermos também glorificados.4

Eia pois; acende-te num santo zelo contra a tua delicadeza, que te põe tanto em perigo de perder um bem imenso: Ai daqueles que perderam a paciência.5 Parece-te que o Céu te poderá custar caro de mais? Está bem que te queixes de Cristo Senhor Nosso, porque te vende o seu reino pelo mesmo preço que lhe custou a Ele? Não digo bem. Jesus comprou-o com uma Cruz, cujo peso era proporcionado aos ombros de um Deus feito homem; e a ti vende-te esse seu mesmo reino, por uma cruzinha tão leve e como que de palha.

Portanto, se és prudente, em vez de fugires daqui em diante da tribulação, deves sair-lhe ao encontro sempre que ela não te buscar; e, logo que a achares, alegra-te, dá-te o parabéns e recebe-o dos que te amam, como se encontrasses um grande tesouro. Graças sejam dadas ao Senhor, pois achei por fim a tribulação e a dor.6 Alegrai-vos, pois, comigo, porque dei com a minha felicidade. Este estado de desamparo, de pobreza, de desolação, de angústia, promete-me tanto mais segura esperança de chegar a ser na glória semelhante ao meu divino Mestre, quanto mais me parecer a Ele na terra.

E, se estas verdades são agora escuras, não deixam contudo de ser certas, e tão certas como é certa a nossa fé. São escuras no tempo desta vida; serão claríssimas no dia da eternidade: A tribulação exercita a paciência, a paciência serve de prova à nossa fé, a prova fomenta a esperança e a esperança não sairá baldada.7

II – O Sofrimento acumula méritos para a glória.

Considera que o sofrimento, além de ser sinal de predestinação para a glória, ganha também méritos para a obter. Quis a divina Bondade que os escolhidos não chegassem ao seu reino senão da maneira mais gloriosa, que é ganhando-o por via de conquista: Preparo-Vos o prêmio do reino celestial, como Meu Pai mo preparou a Mim.8

E assim como este reino, que consiste na glorificação do Corpo Bem-aventurado de Nosso Senhor Jesus Cristo e na exaltação do seu Santo Nome, não foi concedido pelo eterno Pai ao nosso divino Redentor (ainda que por tantos títulos lhe era devido, como Filho de Deus), senão em atenção ao mérito de ter levado a Cruz; da mesma maneira, e ainda com muito maior razão, não te será concedido a ti, se o não mereceres levando também a tua cruz: Não será coroado senão o que bem pelejar.9

Não há triunfo sem vitória, nem vitória sem combate, nem combate sem trabalho; por isso, a maior desventura que te pode sobrevir, é que não te venha nenhuma tribulação. Este estado de paz e tranquilidade era o que causava pavor aos Santos: A paz é para mim a mais amarga de todas as aflições.10 Porque sabiam muito bem que quem não sofre, ou, pelo menos, não deseja sofrer, traz consigo um sinal de reprovação; e que a vida presente nenhum outro bem melhor tem do que o padecer alguma coisa por Deus.

Assim que, por perdido se pode ter todo aquele tempo em que não se padece. Padecer e não morrer, dizia Santa Maria Madalena de Pazzi, verdadeiro serafim de amor. Só desejava que se lhe prolongasse a vida, para padecer por mais tempo; só se queixava da morte, por não ter podido padecer mais. Por conseguinte, pouca coisa é sofrer com paciência os teus contratempos, as trevas do espírito, as desolações; deves levá-los também com alegria e com ação de graças.

Não sabes porventura que os trabalhos são um especial dom da divina liberalidade? O Apóstolo olha para as tribulações como para uma graça quase tão preciosa como a graça da fé; e para a merecermos, quer que interponhamos todos os merecimentos do nosso amorosíssimo Redentor: Pelos merecimentos de Cristo se vos fez a graça, não só de crer n’Ele mas também de padecer por seu amor.11

E nós havemos de fazer tão pouco-caso da nossa cruz, que nos contentemos apenas com a levar sem impaciência? Se é verdade, então a linguagem do Evangelho veio a ser para nós uma linguagem estranha ou bárbara; fazemos profissão de ser discípulos de Cristo e não nos envergonhamos de pôr em dúvida a sua doutrina.

Não merece o nome de cristão, quem não confessa diante do mundo, enlouquecido no meio dos seus prazeres, esta grande verdade: Bem-aventurado o que padece; mais Bem-aventurado o que mais padece; sobremaneira Bem-aventurado o que padece tanto que fica submergido nos mesmos padecimentos. Todavia, confortado com a virtude da esperança e da caridade, recebe aquele mar de amargura como se fosse um saborosíssimo leite.12

III – Os padecimentos são a medida do gozo na glória.

Considera que o sofrimento não só é um sinal de predestinação e uma obra meritória da eterna Bem-aventurança; é também a medida da glória que nela teremos: À proporção das muitas dores que atormentaram o meu coração, as tuas consolações encheram de alegria a minha alma.13 Deste teor é a regra, que Nosso Senhor segue com os seus escolhidos: contrapõe número a número, peso a peso, medida a medida.

Mas com que vantagem e desproporção da nossa parte! Pois a um tão pequeno número de aflições, a um peso tão leve, a uma medida tão pequena de penalidades, contrapõe um número sem número de bens celestiais, um peso imenso de felicidade, um cúmulo de prazeres digno da divina magnificência: As aflições tão leves e tão breves da vida presente produzem-nos o eterno peso de uma sublime e incomparável glória.14

E, se esta mesma regra se há de observar também com os réprobos, que serão castigados à proporção dos seus deleites neste mundo: Dai-lhes tão grande tormento e pranto, quanta foi a soberba e prazeres que tiveram;15 julga tu, se não há de ser guardada ainda mais exatidão, na retribuição dos predestinados.

Dirás que a cidade do Paraíso se mede com a cana de ouro da caridade e não com o palmo de ferro da paciência. É verdade. Mas que caridade mais fina se pode dar do que a que resiste a toda a prova? O ouro que não perde no fogo nada do seu peso, é puro; assim é perfeita a caridade que, em vez de se esfriar nas aflições, cresce e aumenta com elas. A caridade é paciente… tudo sofre.16 Quão verdadeiramente amam a Deus aquelas almas, que acodem logo aonde sabem que há alguma coisa que padecer por seu amor, nem sabem o que é viver sem cruz!

De maneira que o amor natural foge das penas, mas o amor sobrenatural vai buscá-las; porque sabe que, quanto mais sofre pelo seu Senhor na terra, melhor se dispõe para o amar no Céu e gozar eternamente da sua posse como prêmio dos seus trabalhos, conforme aquela promessa: Eu serei teu galardão sobremaneira grande.17 E, se isto é verdade, que coisa mais digna de compaixão aos olhos da fé do que um homem do mundo rodeado de aplausos, de prazeres e de grandezas! Os verdadeiros servos de Deus choram por Ele como por um morto que é levado com grande pompa ao sepulcro.

Essas que o mundo chama fortunas são verdadeiras desgraças e verdadeiras maldições: Ai de vós os que agora rides!18 Pelo contrário, as verdadeiras fortunas são as perseguições, as enfermidades, a pobreza, as angústias, as desolações; pois esta é a verdadeira semente do Paraíso que, quanto mais abundante for, maior colheita dará de bens celestiais na glória.

Eia pois, enxuga as tuas lágrimas, muda as tuas queixas em ações de graças: Cessem teus lábios de prorromper em vozes de pranto e teus olhos de derramar de lágrimas.19 Não está perdido o fruto dos teus trabalhos, o teu choro não foi em vão: As tuas obras terão o seu prêmio.20 Uns padecimentos momentâneos preparam-te um bem eterno e tão grande, que o gozar dele, somente por um abrir e fechar de olhos, mereceria que o comprasses com todos os tormentos dos Mártires.

Daqui a pouco, quando já estiveres naquele excelso posto da eterna Bem-aventurança, voltando a vista para tornares a ver as tribulações que passaste, também tu pasmarás de ti mesmo por lhes teres chamado tribulações; e, se naquele estado de glória pudesse haver vergonha, muito te haverias de envergonhar, por não teres agradecido a Deus Nosso Senhor um dom tão assinalado.

Também nesse feliz estado não poderás desejar nada; mas, se pudesses, tem a certeza de que o teu maior desejo seria passares por novos trabalhos, para mereceres novos graus de glória. Pelo menos, dispõe-te agora antecipadamente para estes afetos; e pede ao Senhor que, pois te assegura com a sua divina palavra serem Bem-aventurados os que padecem, te dê uma tal fortaleza nas tribulações que, assim como agora és feliz com a esperança, sejas depois eternamente felicíssimo na posse do bem infinito do Céu. Amém.



Oração a Jesus crucificado,

para alcançar a paciência.


Que pretendeis Vós, Senhor, da minha alma, em Vos deixardes pregar numa Cruz e no meio de dois ladrões? Se fazeis isto para me remir e tornar participante da Vossa glória, basta um só dos Vossos suspiros. Para que derramais o Vosso preciosíssimo Sangue? E, se apenas com uma gota podíeis salvar a mil mundos, para que dá-lo todo entre tantas dores? Ah! Todo este excesso tem por fim, animar a minha grande fraqueza e covardia e ensinar-me que, se não padecer Convosco também não poderei reinar Convosco.

Eis quanto Vos custa, Mestre divino, esta importantíssima lição que me destes; e contudo, depois de tanto tempo que ando em Vossa escola, ainda não acabo de a entender bem. Se confesso que somente Vós sois o meu guia, daí a pouco tenho medo de Vos seguir. Se Vos chamo a minha verdadeira luz, não me decido a admitir a Vossa doutrina. Se creio que sois toda a minha saúde, parece que não sei fiar-me inteiramente de Vós, parece que me espanto de me pôr todo em Vossas divinas mãos.

Nos outros considero as tribulações como um dom muito grande; mas se Vos dignais de me fazer a mim o mesmo favor, acho logo mil razões para me desculpar ou não as receber de boa vontade. Queria que a santidade não tivesse dificuldade nenhuma, queria que a virtude não se opusesse em nada ao meu gênio.

Ó que abismo de misérias é sempre este meu pobre coração! Que abismo de trevas! Mas por isso mesmo é que eu recorro a Vós, Senhor, que sois um abismo de misericórdia e de todo o bem. Criai em mim um coração limpo, que me sirva de espelho onde fielmente se retrate a verdade que me ensinais. Renovai o meu espírito, de maneira que se conforme com o Vosso e abrace os trabalhos como um grande bem.

Esta é a graça que me haveis de fazer, benigníssimo Jesus, tão amoroso em sofrer a minha ignorância como poderoso para me livrar dela. É verdade que não a mereço; mas também é verdade, que não posso desmerecer tanto o Vosso auxílio, quanto é grande o Vosso poder e bondade para me fazerdes mercês.

Eu bem sei, ó meu Jesus, a quem acudo; bem sei que, se em todas as coisas sois grande e magnificentíssimo, não haveis de ser agora apertado com este Vosso pobre servo; o qual Vos invoca e pede aqui remédio para suas fraquezas, a fim de merecer aquela coroa que desde a eternidade tendes preparada a Vossos escolhidos, e que eles hão de ganhar por meio das tribulações neste mundo. Assim seja.


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1.  Quos praescivit et praedestinavit conformes fieri imaginis Filii sui (Rom. VIII, 29).

2.  Si sustinemus, et conregnabimus (II Tim., II, 12).

3.  Oportet per multas tribulationes nos intrare in regnum Dei (Act., XIV, 21).

4.  Si filii et haeredes; si tamen compatimur ut et conglorificemur (Rom., VIII, 17).

5.  Vae iis qui perdiderunt sustinentiam (Eccl. II, 16).

6.  Tribulationem et dolorem inveni (Ps., CIV, 3).

7.  Tribulatio patientiam operatur, patientia probationem, probatio vero spem, spes autem non confundit Rom., V, 3).

8.  Dispono vobis, sicut disposuit mihi Pater meus regnum (Luc., XXII, 29).

9.  Non coronabitur nisi qui legitime certaverit (II Tim., II, 5).

10.  Ecce in pace amaritudo mea amarissima (Is., XXXVIII, 17).

11.  Vobis datum est pro Christo, non solum ut in eum credatis, sed etiam ut pro illo patiamini (Thess., I, 26).

12.  Inundationem maris quasi lac sugent (Deut., XXXIII, 19).

13.  Secundum multitudinem dolorum meorum… consolationes tuae laetificaverunt animam meam (Ps., XCIII, 19).

14.  Momentaneum et leve tribulationis nostrae aeternum gloriae pondus operatur in nobis (II Cor., IV, 17).

15.  Quantum glorificavit se et in deliciis fuit, tantum date ilIi tormentum et luctum (Apoc., XVIII, 7).

16.  Caritas patiens est… caritas omnia suffert (I Cor., XIII, 7).

17.  Ego erro merces tua magna nimis (Gen., XVI, 1).

18.  Vae vobis qui ridetis nunc (Luc., VII, 25).

19.  Quiescat vox tua a ploratu et oculi tui a lacrymis (Jer., XXXI, 16).

20.  Est merces operi tuo (Jer., XXXI, 16).


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