Edith Stein
Mas, porque será tão
importante raciocinar e aprofundar as nossas crenças? Perguntará algum de meus
leitores. Mais ainda. Não será perigoso indagar, pretender conhecer
demasiadamente as razões da nossa Fé?
“A minha Fé! Também eu sou
católico, e todos os meus antepassados o foram. Aprendi o Credo dos lábios de
minha mãe, e desde então, guardo-o com piedoso amor, como uma herança que me
legaram meus pais. Rezo-o com frequência, não nego um só artigo do Símbolo...
Mas, temo! Temo, que se faço dele um estudo crítico, se o examino com toda a
minuciosidade, se desfaço e analiso todos os seus ensinamentos, temo, que se
desmorone! Os móveis que herdamos de nossos maiores colocamo-los com cuidado
num canto da sala e guardamo-los piedosamente, sem os usar, sem nos sentarmos
sobre eles...”
Creio que a muitos de meus
leitores, especialmente aos homens, lhes veio o mesmo pensamento, ao ver que
íamos ocupar-nos longamente do Credo. Seus escrúpulos vem dum fundo certamente
respeitável, mas – não vos surpreendais se o digo de um modo claro e alto – ninguém
tem mais necessidade de estudar o Credo, que, precisamente, os que assim
objetam.
Por que necessitamos
conhecer melhor a nossa Fé?
1º – Em primeiro lugar,
porque não havemos de considerá-la como móvel velho herdado de nossos maiores,
como jóia que guardamos esquecida, como carga que levamos sem alma, só por
sentimento de piedade... Infelizmente, para muitos católicos, não significa
outra coisa a Fé... Para nós, deve ser mais alguma coisa: devemos cultivá-la
– ainda que herdada de nossos maiores – com esforçado trabalho espiritual,
transformá-la em riqueza própria, pessoal, consciente. Sou católico não
somente porque meu pai também o foi e porque o foram também meus antepassados,
senão também, porque conheço os Dogmas da minha Religião, e sei que estes ainda
hoje são belos e encerram a Verdade, e sinto-me orgulhoso de poder chamar-me
católico.
Mas, será possível, hoje,
tanta convicção a respeito do Credo antigo? Não correrá perigo de fenecer?
Estes e semelhantes
pensamentos podem ocorrer a qualquer homem instruído, que siga com espírito
observador o caminhar da humanidade; e estes pensamentos, que se convertem em
espinhos, não podemos deixá-los cravados nas almas.
Apresenta-se-nos esta
questão. Podemos ainda hoje ser cristãos? - Não só “podemos”
senão que devemos sê-lo! Ou seremos cristãos – e não só
oficialmente, de palavra, senão também na vida real – ou deixaremos de ser
homens. Ou Cristianismo, ou manicômio. Ou Cristianismo, ou então veremos
mulheres, que assassinam seus maridos com arsênico tirado do papel de apanhar
moscas; ou Cristianismo, ou filhos que levantam mão assassina contra seus
próprios pais.
Não haverá nada a mudar na
Fé de nossos pais? Não. O Cristianismo ainda hoje é capaz de dar
satisfação completa a todos os espíritos necessitados. As formas exteriores
da nossa vida mudaram, mas não mudou a alma humana. Antigamente
os homens benziam-se ao empreender uma longa viagem, hoje ainda há pilotos que
antes de levantar voo se benzem. Há diretores de fábricas que vão com a mesma
pontualidade à Missa Dominical, com que foram seus avós, com a única diferença
que estes iam a pé e aqueles vão agora de automóvel. Há dramaturgos
modernos que querem ser sepultados com o hábito franciscano, como Hugo von
Hoffmanstal, morto ainda há pouco. Há operários que permanecem fiéis a
Cristo, mesmo no meio das mais veemente agitação vermelha.
Mas isto devemos sabê-lo
todos de um modo consciente, e com uma consciência real devemos fazer mais e
mais cristã a nossa alma e a nossa vida. Esta época clama por homens cristãos tão
conscientes como o foi Estevão Széchenyi que
escreveu a seu filho bela as seguintes linhas: “Cumpri estritamente todas as
práticas da Religião Católica, não para dar bom exemplo aos aldeões, ó não,
porque tal proceder seria hipocrisia. Fui à Missa, confessei-me... porque sou
deveras católico”.
2º – Portanto, se me perguntarem
porque devemos conhecer a nossa Fé, aí vai a resposta: A minha Fé não deve
ser um móvel piedosamente guardado, como pano velho em que não se pode tocar.
Devo examinar a minha Fé de
perto, com diligência, em seus fundamentos; não devo ter dela uma só dúvida, um
só “quiçá” ou “talvez”. A minha Fé há de resistir com a firmeza de uma rocha a
todos os críticos... Porquê? Porque a minha Fé exige-me muitos e grandes
sacrifícios. Exige, que meu entendimento se incline ante a Verdade divina e
minha vontade ante os Preceitos de Deus. Pois bem, não poderei cumprir com
estas exigências, se não souber de ciência certa, que cada frase, cada palavra
do Credo é uma verdade santa, inconcussa.
A nossa Religião não se
contenta com que recitemos o Credo, sem que tiremos do Credo graves
consequências. A nossa Religião, quer orientar nossa vida diária, nossos
assuntos mais insignificantes e orientá-los com seus preceitos, que às vezes
são muito difíceis, e penetram até ao mais íntimo de nossos particulares
interesses.
A minha Fé, não só me
acompanha na igreja, quando me concentro na oração, senão que está presente no
escritório da minha oficina, no balcão da minha loja, no fogão da minha
cozinha, no meio de meus negócios, no meio de meus prazeres, penetra no
santuário mais íntimo da família, em tudo quer dispor e mandar.
E, como poderei cumprir
esses preceitos rígidos, se não estou convencido da sua verdade completa, se
não vejo que minha Fé tem realmente direito de exigir-me todos estes
sacrifícios? Com uma Fé tímida, vacilante, débil, não podemos corresponder às
severas exigências da Moral Cristã.
Sabes, que Fé necessitamos?
Uma Fé vigorosa como a que vive hoje – para mencionar só um exemplo dos mais
modernos – no peito de um dos escritores mais célebres, o atual embaixador de
França em Washington, Paulo Claudel, que em sua juventude, era completamente incrédulo
e levava uma vida frívola, mas depois de ouvir o chamamento da graça,
converteu-se e agora escreve de si mesmo: “Tenho mil vezes mais certeza da
verdade da Religião Católica que do sol que vejo no Céu”.
A confissão de fé deste
célebre escritor, as palavras deste homem completamente moderno e profundamente
instruído, devem ressoar em nossa alma: “Tenho mais certeza da minha Fé, que do
sol que vejo no Céu!”
Certamente, podemo-nos
queixar do mundo atual, mas também, não nos faltam motivos para nos
alegrarmos. Queixarmo-nos de que no último século, foram tantos os que perderam
o laço espiritual da Fé de nossos pais; mas, alegrarmo-nos também de que nos
últimos lustros dos século atual foram tantos, os que a conheceram e a amaram.
Podem entristecer-nos os pagãos modernos, que fecham os olhos ao sol do Cristianismo;
mas, deve encher-nos de júbilo, que a nossa Fé não tenha rival, ainda hoje,
nos seus valores morais, educativos e culturais. Que seja ela que salva para a
humanidade todos aqueles tesouros mais valiosos que o diamante, e sem ela
pereceriam irremediavelmente, como, por exemplo, o Matrimônio, a Família, a
Vida da Criança, a Propriedade, o Princípio de Autoridade, a Honradez, o
Domínio de si mesmo.
Pois bem, desta Fé Cristã
trataremos nos capítulos seguintes.
Bem-aventurado aquele em
quem vive com vigor a Fé Cristã! Este quando sorri, sabe que chegará um tempo,
em que o seu sorriso será eterno; e quando chora sabe, também, que virá tempo
em que jamais chorará.
Portanto, ainda que o mundo
atual se transformou por completo e já não se pareça ao de nossos maiores, eu,
não obstante, persevero na Fé de meus pais!
Zune o avião... buzina o
automóvel... atordoa com estrépido o rádio... Quanto mudou o mundo! E eu
levanto a minha cabeça e exclamo no meio deste ruído caótico: Creio!
Creio! Creio!
Fonte: “Creio em Deus – Fé e Existência de Deus”, Mons.
Tihamer Tóth, pp. 15-20; Livraria Apostolado da Imprensa, Porto, 1952.