“Manda
aos ricos deste mundo
que
pratiquem o bem,
que
se façam ricos em boas obras
e
repartam de boa vontade”.
(I
Tim. VI, 18)
Pode
afoitamente dizer-se que a devoção à Santíssima Virgem nasceu com
a mesma Igreja, e os Santos Padres tiveram razão de dizer que fora a
todos os fiéis que Jesus Cristo dissera da Cruz alguns momentos
antes de expirar na pessoa de São João: Eis aí a tua Mãe;
e que eram esses mesmos fiéis que tinha em vista quando disse à
Mãe, falando de São João: Mulher, eis aí teu filho.
É esta doce e consoladora qualidade de mãe em Maria, é este título
tão glorioso e tão interessante de filho nos fiéis, que anima esta
confiança e este amor, que inspira este profundo respeito e este
culto singular para com a Santíssima Virgem, que a Igreja exige de
todos os seus filhos, e que fez dizer a Santo Agostinho: Tu
es spes unica peccatorum, Maria; in te nostrorum est
expectatio premiorum. Vós sois
Virgem Santa, a única esperança dos pecadores; é
de Vós que esperamos o prêmio e a recompensa dos nossos trabalhos.
São Germano, Patriarca de Constantinopla, dizia: “Não
há ninguém, ó Bem-aventurada Virgem, que possa esperar a sua
salvação, senão por Vossa proteção; ninguém que possa obter
misericórdia senão por Vossa poderosa intercessão”.
É
neste mesmo sentido que a Igreja, sempre conduzida pelo Espírito
Santo, não se contenta de honrar a Santíssima Virgem, instituindo
festas particulares para celebrar cada Mistério da Sua santíssima
vida, Sua Conceição Imaculada, Sua Natividade, Sua Apresentação
no templo, Sua Anunciação, Sua Purificação, Sua gloriosa
Assunção; ela ordena hoje uma particular por ocasião da Dedicação
do Seu Templo, sob o título de Santa Maria Maior ou de Nossa Senhora
das Neves, para nos inculcar de todas as maneiras o seu zelo pela
honra de Maria e o seu ardor pela salvação de todos os seus filhos.
Eis o que deu lugar a esta festa singular:
Por
meados do século quarto, no pontificado do Papa Libério e império
de Constâncio, o patrício João, de uma das mais antigas e das
maiores casas de Roma, quis dar um testemunho público da sua devoção
à Virgem, à qual era singularmente dedicado. Como não tinha
filhos, resolveu com o consentimento de sua mulher, que não lhe era
inferior em nobreza e virtude, instituir herdeira de todos os seus
bens Àquela que depois de Deus era tudo para ele. Tendo comunicado o
seu desígnio a sua esposa, acordaram em preces particulares e
esmolas para obter da Santíssima Virgem a graça de conhecerem em
que desejaria Ela que empregassem os bens que lhe tinham consagrado.
Esta Mãe do puro amor, e da santa esperança ouviu os votos destes
pios oferentes, e na noite de cinco de Agosto apareceu a ambos
separadamente e em sonho. Depois de lhes ter declarado quanto lhe
fora grata a sua devoção, disse-lhes que a vontade de Seu Filho e a
Sua era que empregassem os seus bens em edificarem uma igreja em Sua
honra sobre o Monte Esquilino, e que encontrariam aí o lugar
assinalado e o plano do Templo traçado pela neve miraculosa.
Como
a visão foi comum não hesitaram em a reputar por miraculosa. Foram
ter com o Papa Libério, que tivera igual visão, e que, pressentindo
que o Céu falava, quis verificar o fato por si mesmo. Congregou o
seu Clero e acompanhado também do patrício João, da mulher deste e
do povo, dirigiu-se processionalmente ao lugar da maravilha. Tendo
chegado ao Monte Esquilino, encontraram um sítio todo coberto de
neve, posto estivessem na estação dos maiores calores. Um
prodígio tão sensível impressionou todos os assistentes. À
admiração sucederam os mais vivos sentimentos de reconhecimento, de
ternura e de devoção para com a Santíssima Virgem. O projeto foi
logo assentado consoante o plano que a neve miraculosa indicava; a
igreja foi em seguida posta em construção a expensas do patrício.
O milagre era muito visível para não excitar a devoção do
público. Todo o mundo considera essa igreja um lugar singularmente
privilegiado pela escolha que dela fez a Santíssima Virgem.
Posto
haver já em Roma e por muitas outras partes do Orbe Cristão,
oratórios consagrados e dedicados em honra da Virgem, foi esta a
primeira igreja edificada em Roma sob o título da Mãe de Deus.
A
princípio foi conhecida pelo nome de Basílica Liberiana, porque
começou a ser no tempo do Papa Libério.
Depois
teve ainda o nome de Santa Maria ad Praesepe,
ou da Creche, porque o
Presépio que serviu de berço ao Salvador do mundo para aí foi
transportado de Belém e aí se conserva como preciosa relíquia. O
Papa São Sisto III, um dos mais zelosos defensores da Maternidade
divina da Santíssima Virgem, mandou reparar magnificamente esta
igreja pelo ano 435; ofereceu-lhe presentes riquíssimos, um altar de
prata, cálices, copos, coroas, candelabros, um turíbulo e vasos
batismais do mesmo metal, além dos prédios que assinou para sua
sustentação, e para subsistência dos Padres que nela celebravam
Ofícios divinos.
Foi
como um troféu que erigiu este Santo Papa depois do célebre
Concílio de Éfeso sobre a heresia de Nestório em honra da Mãe de
Deus, como no-lo diz uma inscrição em verso que mandou gravar em
uma pedra e que se conservou até nós. O Papa Adriano em uma
Epístola a Carlos Magno observa que o Papa Sisto colocou nesta
Basílica muitas imagens e pinturas sagradas de grande preço. Tudo
isto faz ver que a devoção à Santíssima Virgem é de todas as
idades da Igreja e que a prática desta Igreja desde a sua origem tem
sido levantar altares a Deus e edificar templos magníficos em honra
de sua Divina Mãe, como o prova o que havia em Éfeso, quando lá
celebrou aquele famoso Concílio, e que tinha sido construído muitos
anos antes da heresia de Nestório.
Por
haver reparado São Sisto a igreja de Nossa Senhora das Neves,
chamou-se a Basílica de São Sisto, até
que, multiplicando-se as igrejas consagradas em Roma à Santíssima
Virgem, para distinguir esta das demais, se lhe deu o nome de Santa
Maria Maior, e este é o que
conserva ainda hoje.
A
esta Basílica dirigiu o Papa São Gregório Magno a procissão
composta de todo o Clero e de todo o povo romano para conseguir de
Deus que soltasse da mão o triste açoite da peste que assolava a
Itália. A ela se dirigiu também uma outra no tempo do Papa Leão IV
para que o Senhor livrasse o país de um famoso dragão que o
assolava. No ano de 653, depois que o imperador Constante tirou
cruelmente a vida aos generosos defensores da fé católica no
Oriente, mandou ordem ao exarca de Ravena para que prendesse o Santo
Papa Martinho, açoite dos hereges.
Achava-se
o Santo Pontífice celebrando o Sacrifício da Missa na igreja de
Santa Maria Maior, quando entrou nela o assassino enviado para lhe
tirar a vida; mas, logo que pôs os pés na igreja, ficou
repentinamente cego. Esta e outras maravilhas que obra continuamente
o Senhor por intercessão da Virgem naquele templo que Ela mesma
escolheu para ser nele reverenciada, tem-no tornado tão célebre na
Cristandade, que de toda a parte se concorre a ele para lhe render
cultos e oferecer-lhe fervorosos votos, pelo que não se deve
estranhar, que depois da igreja de São Pedro seja reputada a de
Santa Maria Maior, pela mais rica e magnífica de Roma.
Solícita
sempre a Igreja Católica em render à Santíssima Virgem o culto que
se deve à Augusta qualidade de Mãe de Deus, Mediadora entre Jesus
Cristo e os homens, Rainha do Céu e da terra, Refúgio dos
pecadores, Mãe da graça e da misericórdia, não é maravilha que
em todas as partes se veja tanta multidão de templos consagrados a
Deus debaixo da invocação e honra desta Senhora.
Só
em Roma contam-se mais de 60 igrejas dedicadas em seu nome.
Não
se mostrou menos magnífica Constantinopla tanto na suntuosidade,
como na multidão de templos que lhe consagrou, pois por seu grande
número chamou-se em algum tempo a cidade da Virgem. Não havia rua
onde não se levantasse alguma, não havia palácio ou casa de
consideração sem capela ou oratório consagrado à Virgem. O templo
mais célebre de todos era o que se edificou extra-muros
da cidade no sítio chamado Balquerna, à custa da imperatriz
Pulquéria. As igrejas que se contavam no Oriente e na África em
honra desta Senhora, antes de os turcos e sarracenos serem senhores
destas vastas províncias, eram inumeráveis. São-no igualmente as
que se veneram no Ocidente. Além das muitas que se veem em toda a
Itália, quase todas as catedrais de Espanha e Portugal, veneram como
Padroeira a Rainha dos Anjos. Em França passam de quarenta as
matrizes e são oito as metrópoles consagradas à
mesma Soberana Rainha, entre as quais a de Paris e a de Ruão cedem a
poucas em antiguidade. Na Alemanha, nos Países Baixos, na Sicília,
na Inglaterra, na Polônia, na Dinamarca e na Suécia, ainda hoje se
registram frequentes monumentos, ilustres memórias da antiga devoção
daqueles tempos à Mãe de Deus, sem que a guerra que lhe declarou
sempre a heresia tenha podido apagar de todo aqueles brilhantes
testemunhos que acreditam a piedade dos verdadeiros fiéis.
Mas,
como entre todas as igrejas dedicadas em Sua honra, nenhuma há mais
excelente que a de Nossa Senhora das Neves, quer por haver merecido a
singular eleição, quer pelo milagre que autenticou a sua
edificação, todos os anos se celebra a memória e a festa da sua
Dedicação neste dia 5 de Agosto, assim como no dia nove de Novembro
se celebra a Dedicação da Basílica do Salvador.
Está
tão autorizada na Igreja a devoção para com a Santíssima Virgem,
que todo o verdadeiro católico reconhece a sua utilidade e a
grandíssima importância, considerando-se todos obrigados a
considerar-se humildes e dedicados servos
da Rainha dos Céus. Neste ponto são conformes as Igrejas grega e
latina sem que o prejudicassem as divisões do Cisma.
Tanto
no Oriente como no Ocidente, fazem-se orações públicas à Virgem,
celebram-se festas em Sua honra, dedicam-se templos a Deus debaixo do
Seu nome, expôem-se as Suas imagens nos altares, invoca-se
incessantemente no Ofício divino e no Santo Sacrifício da Missa.
Não obstante a decidida tendência para se separarem dos nossos
dogmas e dos nossos ritos.
Eles
e nós recebemos esta doutrina de nossos pais
pela constante Tradição dos séculos, derivada dos Apóstolos.
Quanto à devoção à Santíssima Virgem, os gregos dos nossos dias,
seguem as mesmas opiniões que seguiram Santo Atanásio, São João
Crisóstomo e São Cirilo. Da mesma maneira no-la transmitiu São
Bernardo, tendo recebido de Santo Ambrósio, São Jerônimo, Santo
Agostinho e dos primeiros Padres da Igreja Latina. Ainda que outra
prova não tivéssemos, diz este servo de Maria, do que esta Tradição
vinda dos Apóstolos, além da muita autoridade que já tinha quando
se celebrou o Concílio de Éfeso, quem poderia racionalmente duvidar
dela? Aquela unânime conspiração dos sábios, do povo, dos Santos,
da Cabeça visível da Igreja, de todos os Bispos católicos; aquele
ardor de todos os ortodoxos, em exaltar mais e mais as grandezas e
excelências da Virgem, quando o erro e a malignidade mais se
empenhavam em abatê-las; em pronunciar cada dia mais frequentes
panegíricos e em edificar-lhe novos templos até na própria Capital
do império; todo esse vivo, eficaz, ardente e universalismo zelo,
que outro fundamento poderia ter senão o da estabelecida e
permanente Tradição? E como poderíamos hoje pô-la em dúvida,
ainda mesmo que ignorássemos os canais por onde derivou até nós?
Devotum tibi esse, diz
São João Damasceno, est arma quaedam habere, quae Deus
iis dat, quos vult salvos fieri.
Professar-Vos, ó Bem-aventurada Virgem, uma particular e
terna devoção, é ter já certas as armas defensivas que Deus só
cinge aos seus predestinados.
Que seria de nós,
exclama São Germano, Bispo de Constantinopla, se Vós, ó
Santíssima Mãe de Deus, nos desamparasseis, Vós, alma e vida de
todos os cristãos! Si
tu nos deserueris, quidnam de nobis fieret, ó sanctissima Deipara,
spiritus et vita christianorum!
Dediquemo-nos ao serviço desta Soberana Rainha,
diz o Venerável Beda, que nunca abandona os que depois de
Deus colocam Nela toda a sua confiança.
___________________
Fonte:
Rev. Pe. Croiset, “Ano
Cristão”, Vol. VIII,
5 de Agosto, pp. 70-74. Traduzido do Francês pelo Rev. Pe. Matos
Soares; Tipografia “Porto
Médico” Ltda, Porto,
1923.
Meditação
Sobre
o
Bom Uso das Riquezas
I.
Se Deus nos deu riquezas, precisamos de fazer dela bom uso.
Permite-nos empregar uma parte dessa riqueza para nos manter, segundo
a nossa condição, e conforme às regras do Evangelho. Não a
dissipemos em loucas despesas; não a empreguemos em satisfazer a
vaidade, em alimentar o luxo, em satisfazer prazeres criminosos.
Seria ir de encontro ao fim que Deus se propôs quando no-la deu.
II.
Deus quer que consagremos uma parte dessa riqueza ao adorno dos
templos e ao alívio dos pobres. Que melhor uso podemos fazer da
riqueza, principalmente, se não tivermos filhos? E tendo filhos, não
será justo que destinemos uma parte desses bens, amontoados com
tanto trabalho, ao alívio da nossa alma, resgatando os pecados por
meio da esmola? Estranha cegueira! Afadigamo-nos para deixar bens
sobre a terra e não pensamos em fazer frutificar estes bens para a
eternidade!
III.
O apego aos bens da terra dá causa ao mau uso que deles se faz. Será
preciso deixá-los na primeira ocasião; porque nos condenarão a ser
infelizes até neste mundo, para favorecer herdeiros ingratos, que
impacientemente esperam a nossa morte? Hão de rejubilar, enquanto
nós estaremos ardendo por os ter enriquecidos; e
se estivermos no Purgatório, hão de preferir deixar-nos ali, a
sacrificar ao alívio das nossas almas, a mais pequena parte das
riquezas, que tivermos a loucura de lhes deixar.
Oração:
Dignai-Vos, Senhor, dar-nos saúde a alma e ao corpo e concedei-nos,
pela intercessão da Bem-aventurada Maria, sempre Virgem, a graça de
sermos livres dos males da vida presente e chegarmos a gozar da
eterna felicidade do Céu. Por Nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.
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Fonte:
Rev. Pe. João Estevam Grossez, S.J., “Vida
dos Santos com uma Meditação”,
2ª Parte, 5 de Agosto, pp. 77-78. Edição Portuguesa, União
Gráfica, Lisboa, 1928.