Gustaf Vasakyrkan, “Os santos triunfam sobre a heresia“, Estocolmo
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Parece que o herege, que não crê em um artigo da fé, pode ter fé informe nos outros artigos:
1. Com
efeito, o intelecto natural do herege não é mais potente que o do
católico. Ora, o intelecto do católico para crer qualquer artigo da fé
deve ser ajudado pelo dom da fé. Logo, parece que nem os hereges podem
crer alguns artigos da fé sem o dom da fé informe.
2. Além
disso, como a fé contém muitos artigos, assim também, uma mesma ciência,
por exemplo, a geometria, contém muitas conclusões. Ora, um homem pode
ter ciência de certas conclusões geométricas, ignorando outras. Logo, o
homem pode ter fé em alguns artigos da fé, não crendo, porém, em outros.
3. Ademais,
assim como o homem obedece a Deus para crer artigos de fé, assim também,
para observar os mandamentos da lei. Ora, o homem pode ser obediente
acerca de alguns mandamentos, mas não acerca de outros. Logo, também
pode ter fé em alguns artigos e não em outros.
EM SENTIDO CONTRÁRIO,
como o pecado mortal contraria a caridade, assim também descrer um
artigo contraria a fé. Mas, a caridade não permanece no homem depois do
pecado mortal. Logo, nem a fé, em quem não crê num artigo.
O
herege que descrê de um artigo de fé não tem o hábito da fé, nem da fé
formada nem da fé informe. E a razão disso é que a espécie de qualquer
hábito depende da razão formal do objeto. Se esta desaparece, desaparece
também a espécie do hábito. O objeto formal da fé é a verdade primeira
manifestada nas Sagradas Escrituras e na doutrina da Igreja. Por isso,
aquele que não adere como a uma regra infalível e divina à doutrina da
Igreja, que procede da verdade primeira revelada nas Sagradas
Escrituras, não tem o hábito da fé, mas aceita as verdades da fé de modo
diferente que pela fé. Como alguém que tivesse em sua mente alguma
conclusão sem conhecer o meio que serve para demonstrá-la; é evidente
que não tem dela ciência, mas somente uma opinião.
Ora, é claro
que quem adere à doutrina da Igreja como à regra infalível, dá seu
assentimento a tudo o que a Igreja ensina. Ao contrário, se do que ela
ensina, aceitasse como lhe apraz, umas coisas e não outras, já não
aderiria à doutrina da Igreja como regra infalível, mas à própria
vontade. E assim é claro que o herético que descrê pertinazmente um
artigo não está disposto a seguir em tudo a
doutrina da Igreja (se, porém, não houver pertinácia, não é herético,
mas apenas errado). Daí ser manifesto que o herético sobre um artigo de
fé não tem fé a respeito de outros artigos, mas uma certa opinião
dependendo de sua vontade própria.
Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se dizer que:
1. O herege
não admite como o fiel os artigos da fé sobre os quais não erra. Este
adere absolutamente à verdade primeira, para o que precisa ser ajudado
pelo hábito da fé. Mas os admite por sua própria vontade e por seu
próprio julgamento.
2. Nas
diversas conclusões de uma ciência há diversos meios pelos quais elas
são provadas, podendo conhecer-se alguns sem que outros o sejam. Por
isso, o homem pode saber algumas conclusões de uma ciência,
desconhecendo outras. Mas, em todos os artigos da fé, ele adere por
causa de um meio, isto é, por causa da verdade primeira que nos é
proposta nas Escrituras, retamente entendida, segundo a doutrina da
Igreja. Portanto, quem se afasta desse meio está totalmente privado de
fé.
3. Os vários
preceitos da lei podem referir-se a diversos motivos próximos; e assim
um pode ser observado sem o outro. Ou então, a um motivo primeiro, que é
obedecer perfeitamente a Deus; do qual se afasta qualquer um que
transgrida um preceito, segundo o dizer da Carta de Tiago: “Quem vier a
faltar num só de seus preceitos torna-se réu de todos”.
Suma Teológica II-II, q. 5, a.3
26 dezembro, 2011.