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"Uma vez que, como todos os fiéis, são encarregados por Deus do apostolado em virtude do Batismo e da Confirmação, os leigos têm a OBRIGAÇÃO e o DIREITO, individualmente ou agrupados em associações, de trabalhar para que a mensagem divina da salvação seja conhecida e recebida por todos os homens e por toda a terra; esta obrigação é ainda mais presente se levarmos em conta que é somente através deles que os homens podem ouvir o Evangelho e conhecer a Cristo. Nas comunidades eclesiais, a ação deles é tão necessária que, sem ela, o apostolado dos pastores não pode, o mais das vezes, obter seu pleno efeito" (S.S. o Papa Pio XII, Discurso de 20 de fevereiro de 1946: citado por João Paulo II, CL 9; cfr. Catecismo da Igreja Católica, n. 900).

segunda-feira, 30 de agosto de 2021

ALGUNS EXEMPLOS ONDE NÃO HÁ PECADO. 4ª PARTE.


4ª Parte


Segundo a sentença de Deuteronômio 22, 5: “A mulher não se vestirá de homem nem o homem se vestirá de mulher; porque aquele que tal faz é abominável diante de Deus”.1

O Doutor Angélico o confirma: “... em si mesmo, é pecaminoso uma mulher trazer trajes viris, ou inversamente…”.2

Mas, “o Mestre do bem pensar”3 em seguida, também ensinou: “Pode-se, porém, proceder desse modo e sem pecado, se o exigir a necessidade: quer para ocultar-se dos inimigos, quer por falta de outras roupagens, quer por outro motivo semelhante”.4

Seguindo os ensinamentos do “Doctor communis Ecclesiae”, houveram variados exemplos na História da Igreja, dos quais, publico os seguintes:


4º Exemplo



Beata Catarina de Cardona


Não longe da pequenina cidade de Roda, na Espanha, havia, nos princípios do século XVI, um convento dos Padres Mercedários, aqueles religiosos heroicos cuja vida se consumia em aliviar e resgatar os cristãos prisioneiros dos infiéis. Aos Domingos, afluía à igreja do mosteiro grande número de habitantes das aldeias vizinhas, os quais aí notavam um eremita cujo recolhimento e fervor edificavam a todos.

Entretanto, ninguém o conhecia, ninguém sabia o lugar da sua morada. Este misterioso personagem despertou e excitou a curiosidade. Puseram-se, portanto, a espiar seus passos ao sair da igreja. Em breve, porém, percebeu ele de que se tratava, e fazia por se demorar muito tempo na igreja até cansar a paciência dos curiosos.

Por vezes, todavia, os mais intrépidos esperavam, os mais astutos escondiam-se; mas o eremita tomava, umas vezes, um caminho, outras vezes, outro. Além disso, caminhava tão depressa que ninguém podia segui-lo. Perdiam-no de vista nos atalhos que se cruzavam ou nas espessas matas onde não temia embrenhar-se, posto que, descalço e com os pés ensanguentados. Toda a espécie de conjecturas e comentários circulava na multidão.

A morada do pobre ermitão não era, todavia, senão a meia légua do convento. Constava ela de uma gruta cavada pela natureza numa rocha cercada de espessas sarças e matagais cuja entrada era fechada por giestas. Aí se escondia o solitário e se entregava aos exercícios da mais austera penitência. O seu alimento eram raízes, ervas e frutos silvestres.

Aí passava os seus dias a louvar ao Senhor, a rezar, a meditar suas grandezas e seu amor, a implorar misericórdia para o mundo, cheio de pecados e corrupção.

Um pastor, perseguindo um dia um rebanho de cabras vagabundas, chegou a descobrir a gruta do piedoso solitário, o qual suplicou ao seu fortuito visitante que não descobrisse o seu asilo a ninguém. ‘Não posso prometer-vos isto, meu irmão’, disse o pastor, ‘eu sirvo um senhor que é muito bom cristão e que há muito tempo deseja saber o vosso paradeiro. Ele será feliz em vos conhecer. Vós careceis de tudo; ele, porém, não permitirá que vos falte nada’. Em vão o ermitão se desculpava; viu-se obrigado a aceitar uma parte do pão que o bom do pastor levara para sua viagem e receber em seguida o que seu amo lhe enviava. Não tinha sido isto o mais desagradável da descoberta.

Não se guardou segredo sobre o caso, e, em breve, a gruta do solitário foi conhecida de toda a gente. A afluência era considerável. Todos desejavam ver este homem de Deus, este anjo da solidão, esta maravilha da penitência.

Um dia que o solitário estava ausente − para ir à igreja, sem dúvida, − um curioso penetrou na gruta para visitar e revistar o mobiliário.

Um crucifixo, entre os instrumentos de penitência, um livro de Horas; eis tudo o que se encontrou.

Este livro não deixou também de ser examinado; aí se encontrou a seguinte inscrição: ‘Dado a Catarina de Cardona pela Princesa d’Eboli’. Era, pois, uma mulher que habitava aquela gruta, que levava uma tão austera vida, e esta mulher era da família dos Duques de Cardona, uma das mais ilustres da Espanha.

Desde a idade de oito anos, Catarina sentia-se impelida à prática dos Conselhos Evangélicos. Longe de secundá-la, porém, seus pais sonharam em casá-la, logo que ela chegou à idade própria. A humilde rapariga submeteu-se como verdadeira vítima da obediência filial e tudo se preparou para as núpcias. Mas Deus que lia no fundo seu coração libertou-a das mãos daqueles que violentavam sua liberdade; o mancebo que lhe estava destinado para esposo morreu neste intervalo. Depois desta catástrofe ninguém se admirava de vê-la entrar na casa das Franciscanas. Sua família retirou-a, em breve, deste piedoso asilo para conduzi-la à corte de Espanha onde foi sucessivamente dama de honra da Princesa de Salerne e da Princesa d’Eboli. Sua alma, porém, experimentava neste meio mundano e buliçoso sofrimentos indizíveis. Uma manhã, foi encontrada no seu quarto uma carta dirigida à Princesa d’Eboli, em que Catarina agradecia a esta dama todas as suas bondades e lhe anunciava a resolução de ir viver na solidão.

Depois de 20 anos passados na caverna aonde a vimos no começo da narração, recebeu a nossa ermitã tantas visitas importunas que cedeu a gruta aos Carmelitas e entrou numa reclusão que estes religiosos lhe prepararam perto do seu convento.

Aí viveu ainda 5 anos. Catarina terminou sua carreira mortal em 1577, com 63 anos”.5


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1.  Bíblia Sagrada – Traduzida da Vulgata Sixto-Clementina e anotada pelo Pe. Matos Soares, p. 222. 9ª Edição, Ed. Paulinas, 1957.

2.  São Tomás de Aquino, “Suma Teológica”, II-IIae. q. 169 a.2, ad 3.

3.  São Paulo VI, Discurso pronunciado no Congresso Internacional Tomista, a 20 de abril de 1974.

4.  São Tomás de Aquino, “Suma Teológica”, II-IIae. q. 169 a.2, ad 3.

5.  Rev. Pe. Croiset, "Ano Cristão", Vol. V, 21 de Maio, pp. 335-337, Porto, 1923.


ALGUNS EXEMPLOS ONDE NÃO HÁ PECADO. 3ª PARTE.


Segundo a sentença de Deuteronômio 22, 5: “A mulher não se vestirá de homem nem o homem se vestirá de mulher; porque aquele que tal faz é abominável diante de Deus”.1

O Doutor Angélico o confirma: “... em si mesmo, é pecaminoso uma mulher trazer trajes viris, ou inversamente…”.2

Mas, “o Mestre do bem pensar”3 em seguida, também ensinou: “Pode-se, porém, proceder desse modo e sem pecado, se o exigir a necessidade: quer para ocultar-se dos inimigos, quer por falta de outras roupagens, quer por outro motivo semelhante”.4

Seguindo os ensinamentos do “Doctor communis Ecclesiae”, houveram variados exemplos na História da Igreja, dos quais, publico os seguintes:


3º Exemplo



Santa Pelágia, a Penitente.


Por meado do V século, deu o Senhor à sua Igreja um dos mais insignes exemplos de sua infinita misericórdia com os pecadores, na pessoa de Pelágia, uma das mais notáveis pecadoras que se viram no mundo.

Tendo convocado em Antioquia o Patriarca Maximiano um Concílio Provincial de todos os Bispos seus sufragâneos, a ele concorreu Nono um dos Prelados mais santos do seu século. Foi monge do célebre mosteiro de Tabenas na Tebaida, donde o tiraram pela fama de sua iminente virtude para o fazerem Bispo de Edessa na Mesopotâmia, e daqui o transferiram para a Sé de Heliópolis, na Síria, próximo do monte Líbano, onde converteu à Fé inumeráveis nações idólatras. Em toda a parte frutificavam maravilhosamente os seus sermões, porque nele tudo pregava: a sua compostura, modéstia, semblante extenuado por suas contínuas penitências, a sua humildade e até os seus modos lhanos e sinceros, mas sempre respeitáveis.

Um dia, em que estavam sentados à porta da igreja do Mártir São Julião, o Patriarca, o Bispo Nono e outros oito Prelados dos que haviam concorrido ao Concílio, rogou o Patriarca a São Nono que fizesse ao povo uma prática espiritual. Fê-lo assim o Santo; falou com tanta eloquência e unção que a todos tinha suspenso. A este tempo passava perto deles uma célebre cortesã chamada Pelágia.

Era a primeira comediante de Alexandria, famosa por sua extraordinária formosura; mas muito mais pelas desordens de sua desgraçada vida. Chamavam-lhe a Margarida, o que na língua do país quer dizer Perola, ou fosse por sua rara beleza, ou porque sempre se apresentava coberta de pedrarias. Aquele dia havia-se adornado com todo o esmero e arte, que lhe pode inspirar o desejo de parecer bem. Vinha soberbamente vestida, mas com tanta imodéstia, como ostentação: o cabelo artificiosamente frisado, levantada a coifa com estudado desalinho, um véu pela cabeça, e tudo o mais com desprezo que lhe sugeria a falta de pudor. Seguia acompanhada de comitiva numerosa, composta de donzelas e de pajens. Escandalizaram-se com isto os Prelados, afastando os olhos de um espetáculo tão perigoso como profano. Só o Santo Bispo nono, contra o seu costume, a esteve olhando fixamente todo o tempo, em que a pôde a vista alcançar, e logo que se lhe ocultou, exclamou desfeito em lágrimas: ‘Ah! Irmãos meus, quanto temo que esta mulher, que tanto cuidado põe em agradar aos homens, haja de ser algum dia nossa condenação pelo pouco cuidado, que nós empregamos em agradar a Deus!’

Retirou-se depois à pousada com seu Diácono, que escreveu toda esta história, prostrou-se, e chorando, e gemendo, e ferindo o peito, dizia: ‘Senhor, tende misericórdia deste pobre pecador. Eis ali uma miserável criatura que gasta os dias inteiros a compor-se, que emprega o que a arte tem de mais sedutor, brilhante e especioso para se tornar agradável aos olhos dos homens, para se fazer amar deles; e eu Sacerdote, e Bispo, que cuidado ponho em adornar a minha alma com a gala das virtudes? Que tempo gasto em purificar o meu coração para vo-lo apresentar, e para que mereça o vosso agrado? Será possível que aquela infeliz mulher tenha mais indústria para se tornar amada dos homens, que eu para merecer ser amado de Deus?’ Passou o Santo Bispo o resto da noite na dor e na compunção, mostrando-se inconsolável por sua imaginária indolência, descuido e frieza.

Na noite seguinte teve o Santo uma misteriosa visão que referiu a seu Diácono, a qual teve o cuidado de a transmitir à posteridade: ‘Pareceu-me, lhe disse, que estando a celebrar ao altar se revoluteava ao redor de mim uma pomba coberta de asquerosa imundície, despedindo de si cheiro insuportável; e por mais que a afugentasse, ela sempre voltava a inquietar-me, até que o Diácono disse que saíssem os catecúmenos, e então saiu também a pomba e depois da Missa, dadas as graças, dispondo-me para voltar a casa, encontrei a mesma pomba sobre o umbral da porta; pareceu que a tomei na mão, e que, mergulhando-a em uma grande taça cheia de água, ficou tão branca como a neve, sem o mais leve resquício de mancha, e tomando rapidamente voo para o Céu, desapareceu de meus olhos. Queira o Senhor, acrescentou o Santo, declarar-nos o que isto significa’.

O dia seguinte era um Domingo; tendo-se reunido todos os Bispos na igreja para celebrar os Divinos Mistérios, acabado o Evangelho, apresentou-se o Patriarca a São Nono, e rogou-lhe que repartisse ao povo a palavra de Deus, explicando-lhe o Sagrado Texto que acabava de ler. Era prodigiosa a concorrência, porque à Solenidade do dia e à celebridade do Concílio, e com a notícia de que pregava São Nono, haviam concorrido todos os fiéis e todos os catecúmenos da cidade.

Subiu ao púlpito o Santo Bispo, e pregou com tanta força sobre as grandes verdades da Religião, sobre o mal sumo do pecado e o infinito tesouro da misericórdia de Deus, que todo aquele imenso auditório se desfazia em pranto. Achava-se felizmente entre os ouvintes a famosa cortesã Pelágia, que em tempos se alistara no número dos catecúmenos; mas, sufocados nela por uma vida licenciosa todos os sentimentos de Religião, só havia concorrido à igreja por mera curiosidade. Mas, quis a Graça fazer aquela ilustre conquista, e tocou eficazmente o seu coração. Tanto a moveu quanto acabava de ouvir, que não pôde reprimir as lágrimas; e logo que o pregador se recolheu a casa escreveu-lhe um bilhete nestes termos:

Ao santo discípulo de Jesus Cristo a pecadora e escrava do Demônio. Ouvi dizer que o vosso Deus baixou do Céu à terra para salvação dos homens, e Aquele, a quem os Querubins não se atrevem a fitar pelo respeito, se dignou conversar com os pecadores e com os publicanos sem se dedignar de falar com uma samaritana e com uma insigne pecadora. Se sois discípulo de tal Mestre, não desprezeis a uma infame cortesã, como eu sou, e não me negueis o bem e a consolação de ter convosco uma conferência, para poder achar graça por vosso intermédio junto de Jesus, Nosso Salvador’.

Ficou pasmado o Santo ao ler esta carta; temendo algum laço, pelo artifício de mulher tão perigosa, respondeu-lhe que Jesus Cristo, seu Divino Mestre, não ignorava o que ele era, e conhecia perfeitamente o interior de seu coração; que de resto não pretendesse tentá-lo, pois ainda que fosse servo de Deus, era pecador, e tinha por muito certa a sua miséria; se a sua intenção era santa, o poderia encontrar quando quisesse, não a sós, mas em presença de todos os Bispos.

Logo que Pelágia recebeu esta resposta, voou à igreja de São Julião, e encontrando-o no meio dos outros Prelados do Concílio, lançou-se a seus pés na presença de todos, rogou-lhes com lágrimas que derramava a torrentes, e com voz interrompida de soluços e suspiros, lhe pediu o Batismo. Representou-lhe o Santo Prelado que os Cânones Eclesiásticos proibiam que se administrasse este Sacramento aos pecadores públicos, e especialmente a uma famosa cortesã, como ela era, enquanto não renunciassem a sua vida licenciosa, e não dessem provas suficientes de não voltarem a mergulhar-se em suas antigas desordens. Pelágia, que se conservava sempre prostrada aos pés do Santo Bispo, respondeu-lhe: ‘Padre, minhas lágrimas são as melhores fiadoras da sinceridade da minha conversão; e, pois, que Deus me conduziu a vossos pés, querendo servir-se de vós para me purificar de meus pecados, olhai que não vos peça conta de dilatardes por mais tempo o admitir-me no número de suas servas’.

Conheceu o Santo por suas instâncias a sinceridade da sua mudança; sendo de parecer todos os Bispos que não devia negar-se-lhe o que pedia com tais mostras de contrição e com tão exemplar perseverança, não pode fazer mais resistência a conceder-lhe. No entrementes se deu parte ao Patriarca do que se tinha passado, e se lhe pediu a autorização para lhe administrar os Sacramentos, rogando-se-lhe ao mesmo tempo que escolhesse alguma virtuosa matrona para que cuidasse de tão ilustre neófita. Admirado o Patriarca de tão inesperada conversão, deu mil graças ao Senhor, e rogou a uma virtuosa dama, chamada Romana, muito conhecida de toda a cidade por um continuado de boas obras, que tomasse a seu cargo aquela nova ovelhinha que ia entrar no aprisco, querendo ser sua madrinha. A virtuosa senhora, fora de si pelo contentamento que lhe causava a ocasião de poder concorrer para uma obra tão meritória, correu à igreja de São Julião e abraçou ternamente a ditosa pecadora.

Depois de São Nono lhe haver explicado os principais Mistérios da nossa Religião, nos quais já se achava suficientemente instruída, perguntou-lhe como se chamava: ‘Meus pais, respondeu-lhe, puseram-me o nome de Pelágia; depois, ou por minha vaidade ou pelas riquezas de minhas galas, deram em me chamar Margarida; vós, Padre, podereis pôr-me o nome que melhor vos parecer’.

Fez-lhe São Nono os exorcismos costumados, e tendo-a Batizado com o nome de Pelágia, a confirmou e lhe deu a Sagrada Comunhão. Diz o historiador de sua vida que, quando o Santo Bispo voltou a casa depois de uma festa tão cheia de consolação, não lhe cabendo no peito a alegria, disse ao seu Diácono: Irmão caríssimo, este dia é muito solene para nós; não o tive em toda a vida de mais gosto, e assim é preciso que tudo diga festa; hoje contra o costumado hás de preparar os legumes com azeite, e havemos de beber um pouco de vinho’. Logo que se assentaram à mesa, fez o Demônio um espantoso ruído na pousada; ouviram-se uivos, gritos formidáveis, e entre eles uma triste e pavorosa voz que dizia: ‘Oh! Quanto me faz padecer este maldito velho! Não bastava haver convertido e batizado a trinta mil sarracenos, e depois a toda a cidade de Heliópolis? Não contente de todas estas conquistas que fizeste para teu Deus à minha custa, vens-me agora arrebatar uma cortesã, que ela só à sua parte me indenizava de todas as minhas perdas; não arrebentares, maldito velho!’ Conhecendo o Santo o artifício do Demônio, não fez mais que rir-se e fazer o Sinal da Cruz, com que o calou e o expulsou dali.

Neste entrementes, regressando Pelágia a sua casa, como uma nova criatura, repartiu pelos pobres todas as suas joias e bens, sem nada reservar para si, e deu a liberdade a todos os seus escravos. Nas primeiras noites teve muito que padecer do espírito das trevas; mas, instruída por seu Santo diretor, com o Sinal da Cruz e com os dulcíssimos Nomes de Jesus e Maria pôs em fuga todo aquele exército infernal.

Oito dias depois deixou a túnica branca, trocando-a por um cilício; coberta com um manto que lhe deu o Santo Prelado, saiu secretamente da cidade de Antioquia, tomou o caminho de Jerusalém, e foi-se sepultar em uma gruta do Monte das Oliveiras, onde todos a tiveram por um mancebo solitário, chamado Pelágio, e debaixo deste pseudônimo fez vida muito penitente, entregue às maiores austeridades, passando-a em contínua oração. Concluído o Concílio de Antioquia, retirou-se São Nono a Heliópolis, sem descobrir a ninguém o paradeiro da sua penitente, posto sabê-lo muito bem por meio de Revelação Divina. Seu Diácono Tiago, que o acompanhou ao Concílio, e nos deixou escrita toda esta história, desejou ir em peregrinação a Jerusalém, para o que pediu autorização ao Santo Bispo.

Deu-lhe São Nono; mas encarregou-o de, logo que chegasse à Santa Cidade, perguntar por um solitário, chamado Pelágio, que habitava no Monte das Oliveiras, e que não voltasse sem lhe trazer notícias dele. Não se esqueceu Tiago do recado, e por isso, logo que chegou a Jerusalém, perguntou pelo solitário Pelágio. Disseram-lhe que era um anjo em carne mortal, assombro de todo o país por sua eminente santidade, e reputação por um prodígio de penitência; que havia quatro anos que se havia encerrado em uma espécie de sepultura, só se alimentava de raízes insípidas que brotavam espontâneas.

Partiu Tiago a ver o santo solitário, encontrou-o em uma celazinha aberta no mesmo penhasco, sem outra abertura que uma janelinha, a qual estava quase sempre fechada.

Como ia com o pensamento de achar um homem, não lhe passou pela mente que pudesse ser Pelágia. Por outro lado estava a santa tão desfigurada, os olhos tão encovados e tão apagados pelas muitas lágrimas, o semblante tão descarnado pelo rigor das penitências, a tez e a figura tão mudada, que lhe seria impossível conhecê-la, ainda quando a não tivesse ido ver com a preocupação de que era um homem. Disse-lhe Tiago que vinha da parte do Bispo Nono, do qual ele era Diácono: ‘Nono é um Santo, respondeu ela, diz-lhe que me encomende a Deus’. Com o que fechou logo a janela, e Tiago ouviu que começou a rezar a Tércia.

Regressou a Jerusalém, cheio de regozijo e admiração por ter visto aquele prodígio. Depois de ter visitado os Santos Lugares, e muitos mosteiros, onde não havia outra coisa a louvar do que a santidade do solitário Pelágio, não quis voltar à Síria, sem o ter visitado uma segunda vez. Chegou à cela, fez ruído para que ouvisse, e vendo que ninguém aparecia, exclamou: ‘Servo de Deus, faze-me a caridade de te deixar ver’.

Como ninguém respondesse, voltou ao outro dia, no qual, repetindo-se o mesmo silêncio, teve a curiosidade de meter a cabeça pela janelinha que estava entreaberta, e então viu que estava sem vida o suposto solitário.

Correu prontamente a dar parte do sucedido aos ermitões dos contornos, vindo todos para prestar ao sagrado corpo os últimos deveres. Arrombaram a porta, e de lá tiraram o cadáver para o embalsamarem, mas todos ficaram estranhamente surpreendidos, quando notaram que era mulher a que criam ser homem, e logo se ouviu de todas as partes exclamar: ‘Sede eternamente louvado, meu Deus, que tendes tantos tesouros escondidos na terra não só entre os homens, mas também no sexo mais débil e mais delicado’.

Divulgada a notícia daquela maravilha por toda a comarca, correu de tropel gente de Jerusalém, bem como inumeráveis religiosas que estavam nos mosteiros das planícies de Jericó e às margens do Jordão, todas com velas acesas, cantando hinos, e assistindo às suas Exéquias, as quais correram com a maior solenidade; e desde aquele tempo ficou muito célebre em toda a Igreja o nome de Santa Pelágia.

Sucedeu esta morte tão preciosa aos olhos do Senhor no mês de Outubro do ano de 460”.5


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1.  Bíblia Sagrada – Traduzida da Vulgata Sixto-Clementina e anotada pelo Pe. Matos Soares, p. 222. 9ª Edição, Ed. Paulinas, 1957.

2.  São Tomás de Aquino, “Suma Teológica”, II-IIae. q. 169 a.2, ad 3.

3.  São Paulo VI, Discurso pronunciado no Congresso Internacional Tomista, a 20 de abril de 1974.

4.  São Tomás de Aquino, “Suma Teológica”, II-IIae. q. 169 a.2, ad 3.

5.  Rev. Pe. Croiset, “Ano Cristão”, Vol. X, dia 8 de Outubro – Festa de Santa Pelágia, a Penitente, pp. 103-107, Porto, 1923.


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