SOBERBO! 
Por Reinaldo Azevedo
Os seguidores 
de Maomé e os “racialistas” recriam a censura no Brasil, com 
participação da Justiça Ou: O fato de um filme ser um lixo não dá a 
ninguém o direito de matar ou de impor aos outros a sua vontade.
Tenho 51 anos. Integrei a jovem
 geração que lutou por liberdade de pensamento e expressão. E que a 
conquistou, junto com os mais velhos, que se dedicaram à luta 
institucional.
Aqui, abro parênteses para uma 
pequena digressão. Depois retorno ao leito do rio. Dia desses, Lula 
sugeriu que o regime democrático é uma conquista do PT. Uma ova! Tivesse
 o sistema político seguido a sua orientação, o Regime Militar teria 
elegido (e não “eleito” nesse caso…) Paulo Maluf, hoje um aliado dos 
petistas (era premonição?), presidente da República.
 Tivesse o sistema político 
seguido a sua orientação, a Constituição de 1988 teria ficado sob a 
sombra da ilegitimidade, já que os petistas se negaram a participar da 
sessão de homologação da Carta. E muitos foram os outros boicotes do partido à ordem legal.
  
A Lei de Anistia, fundamental para a transição para a democracia, nada deveu ao petismo — o partido só seria fundado em 1980.
Tampouco tem qualquer vínculo 
com o movimento sindical do ABC. Ao contrário até: a pauta do lulismo, 
até ali, tinha pouquíssimo apelo de natureza institucional. O desejo de 
liberdade que a muitos movia, só vim saber depois, só poderia ser 
garantido por uma sociedade democrática, de mercado e laica.
 O
 que me levou, aliás, aos 15 anos, a me ligar a um grupo de esquerda foi
 justamente não me conformar com a possibilidade de que um estado 
onipresente dissesse o que eu poderia ou não fazer. O vocabulário
 era outro. Falávamos então “o sistema”. Éramos contra “o sistema”. É 
claro que, se era liberdade o que eu queria, a esquerda não era o 
caminho, como descobri depois. Mas, já escrevi, não me arrependo dos 
meus impulsos de então nem do meu equívoco. É evidente que a ditadura 
tinha de acabar.
Trinta
 e seis anos depois, pego-me aqui a noticiar que a Justiça determinou 
que o Google, a pedido da União Nacional Islâmica (UNI), retire do 
Youtube, no Brasil, qualquer trailer do filme “Inocência Islâmica”.
 Não vi esse troço nem tentarei. O que li a respeito já me basta. É um 
lixo! Suponho que a UNI, para pedir a censura, o tenha visto. E agora 
pretende impor ao conjunto dos brasileiros — como, parece, boa parte dos
 islâmicos querem impor ao mundo — os seus valores e a sua leitura da 
realidade. A síntese é a seguinte: a UNI já viu o filme por nós todos e 
decidiu que não temos o direito de formular o nosso próprio juízo — 
inclusive constatar que é um lixo.
O
 Departamento Nacional de Censura, durante a ditadura militar, fazia 
rigorosamente isto: via antes os filmes. Se julgasse que eles poderiam 
trazer qualquer ameaça à ordem interna ou à índole pacífica do nosso 
povo, proibia. Nos tempos mais severos, os autores poderiam ser 
perseguidos.
O valor da democracia é outro. 
As maiores conquistas da humanidade se deram num ambiente de liberdade, 
de livre exame dos fatos e da história. Por mais odioso ou errado — no 
sentido de que possa estar em desacordo com os fatos — que seja um 
pensamento, é na liberdade de apontar o erro que reside a nossa grande qualidade.
 Se há mesmo, no tal filme, discriminação de uma religião e incitamento 
ao preconceito, práticas vetadas pela nossa Constituição, é preciso que 
se proceda a um exame objetivo do caso em questão.
 A Constituição aboliu — e isso
 nos custou bastante — a censura prévia. A UNI não pode ter a pretensão,
 não numa democracia, de decidir ela própria, com o concurso de juízes 
brasileiros, o que podemos ou não ver. E isso vale, obviamente, para 
qualquer religião.
Duas das novelas que estão no 
ar, na Globo, ridicularizam impiedosamente personagens católicos — 
avançando para a caricatura grotesca. Carminha, a Megera de “Avenida 
Brasil”, diz-se uma católica fervorosa. Tem uma ONG, que administra em 
parceria com um padre idiota e comilão, só para roubar dinheiro de 
Tufão, o Cornão. Em público, exibe seus dotes de carola, persignando-se,
 fazendo tábula rasa de valores que são caros a milhões de pessoas. É 
evidente que essa história acaba tendo uma moral: o católico fervoroso é
 sempre um santarrão do pau oco, alguém que, no escurinho, pratica o 
contrário da fé que prodigaliza.
Em Gabriela, um padre 
afrescalhado, que gosta de virar os olhinhos quando fala, é só um 
contínuo idiota dos coronéis: nega-se a casar Gabriela porque já vivia 
com o noivo, mas celebra o casamento de um assassino confesso. As beatas
 que vivem ao redor do altar são exemplos notáveis de hipocrisia, 
vigarice moral e parvoíce. Sim, como católico, confesso, ofendem-me as 
duas reduções grosseiras da religião. Não é a crítica em si, não — eu 
sou apaixonado, por exemplo, por “O Vermelho e O Negro”, de Stendhal —, 
mas a simplificação rasteira. Mas vou fazer o quê? Os católicos farão o 
quê?
Podem
 protestar, fazer abaixo-assinados, mandar cartinhas à emissora, essas 
coisas muito próprias das democracias. E só! Não se concebe que, vendo 
ofendidos seus valores ou sua igreja, saiam por aí a botar fogo no 
mundo, a matar pessoas, a impor aos não católicos a sua visão de mundo.
Lembram-se da campanha antiaborto em 2010
 Não precisamos ir muito longe, não. Recuemos modestos dois anos. Este país — e a maior parte de sua imprensa —
 assistiu calado a uma clara agressão à liberdade religiosa e à 
liberdade de expressão quando foram apreendidos panfletos impressos por 
católicos pregando a seus fiéis que não votassem em candidatos 
favoráveis ao aborto. O PT recorreu à Justiça, e o TSE determinou
 que a Polícia Federal os recolhesse. Pessoas foram detidas por portar o
 papel. O texto não citava o PT. O texto não citava Dilma. O texto 
tratava apenas de valores. Fazia uma recomendação pacífica — VOTO!!! — a
 seus fiéis. Nada mais do que isso.
A imprensa assistiu calada àquele absurdo e,
 em muitos aspectos, até estimulou a decisão, na medida em que passou a 
considerar a expressão de uma opinião de uma parcela da Igreja uma 
interferência indevida no processo eleitoral. Como se a manifestação de 
religiosos trouxesse, em si mesma, o mal. A questão alcançou 2012. E de 
maneira dramática. Antes mesmo que o PSDB ensaiasse os seus primeiros 
passos eleitorais, o “jornalismo independente” arrancou do partido uma 
espécie de promessa de que jamais se tocaria nesse assunto — ou no kit 
gay. Esses setores do jornalismo só se esqueceram de combinar com Celso 
Russomanno e com a Igreja Universal. Mas não vou tomar o atalho. Volto 
ao meu leito.
Uma carta de uma página — 
pacífica, respeitosa, decente — foi tratada como manifestação do 
obscurantismo, das trevas, da religiosidade tacanha.
Agora, a censura imposta pelos 
islâmicos — mundo afora, na pancadaria; entre nós, com o auxílio da 
Justiça — é recebida sob um silêncio reverencial, com medo. São os 
setores que adoram odiar os cristãos, que não ameaçam ninguém, mas que 
reconhecem aos muçulmanos uma espécie de “direito natural” de impor 
mundo afora os seus valores e as suas crenças. A ironia perversa é que, 
no dia em que a Justiça brasileira volta a aplicar a censura prévia, a 
presidente brasileira, na ONU (ver posts abaixo), acusou a existência de
 “islamofobia” no Ocidente, como se os crentes dessa religião estivessem
 impedidos de exercer livremente as suas convicções.
Imaginem, reitero, se católicos
 tivessem tentando impor quaisquer limites ao catolicismo vigarista da 
Carminha ou à moral torta e saltitante do padre de “Gabriela”. Ainda que
 tivessem se manifestado apenas por intermédio de um texto, ouviríamos a
 gritaria: “Censura!”.  Uma ação judicial, então, não teria chance de 
prosperar — e é bom que assim seja. Os 
católicos têm de aprender a defender os seus valores sem esperar que o 
estado ou os meios de comunicação façam isso por eles. Até porque
 o que está realmente em curso no Ocidente e, desde sempre, em vários 
países islâmicos é outra fobia: a “Cristofobia”, que é título de um dos 
capítulos de “O País dos Petralhas II – O inimigo agora é o mesmo”.
Já escrevi posts aqui tratando 
de suas situações curiosas. O New York Times publicou um anúncio 
conclamando as pessoas a abandonar o catolicismo, apontando as suas 
mazelas. Uma leitora teve uma ideia: fez peça idêntica, mas convidando 
fiéis a abandonar o islamismo. O anúncio foi recusado. Mark Thompson, 
então chefão da BBC, admitiu no começo deste ano que a rede jamais 
zombaria de Maomé como zombava de Cristo e explicou as razões: os 
muçulmanos consideram isso uma ofensa. Já os cristãos não se importavam 
muito. Entendo. No mês passado, Thompson mudou de continente e foi ser 
CEO do New York Times. Pelo visto, o jornal continuará a publicar 
anúncios incitando católicos a abandonar a sua religião e continuará a 
não publicar os que conclamam os islâmicos a fazer o mesmo. Pelo visto, quem tem o argumento da força a utiliza como força do argumento.
 Não,
 não vi o filme e não vou ver. Aliás, o mundo o teria ignorado não 
tivesse sido ele transformado numa causa pelo radicalismo islâmico, que 
agora faz a sua pauta chegar ao Brasil.
 Uma entrevistado presidente do Egito
No domingo, o New York Times, 
aquele de que Thompson é agora o chefão, publicou uma entrevista com o 
presidente do Egito, Mohamed Mursi, um dos líderes da Irmandade 
Muçulmana. Mais do que apoiado, ele tem incentivado manifestações de 
protesto contra o tal filme. Para provar a sua notável compreensão sobre
 o mundo moderno, afirmou esta maravilha:
 “Se
 você quer avaliar as ações do povo egípcio segundo o padrão cultural 
alemão, chinês ou americano, então não há o que fazer. Quando os 
egípcios decidem alguma coisa, provavelmente isso não é apropriado para 
os Estados Unidos. Quando os americanos decidem alguma coisa, isso, 
evidentemente, não é apropriado para o Egito”.
 Certo!
 Os povos têm, segundo ele, sua identidade, suas necessidades, sua visão
 de mundo. Isso não pode servir de pretexto, claro!, para que tiranias 
sanguinolentas se imponham ao arrepio de qualquer ordem internacional, mas é fato que um povo não pode dizer ao outro o que fazer. Ora, no Ocidente — nos Estados Unidos e nos demais países compreendidos sob essa designação —, a liberdade de expressão, de pensamento e de crítica é um valor, um fundamento. Que
 se note: não é a crítica aos muçulmanos ou a ironia com Maomé que têm 
ser protegidos, mas a possibilidade de expressar um ponto de vista.
 Se os egípcios podem e devem viver sob seus valores, por que seria 
diferente nas democracias ocidentais? O New York Times não lhe fez essa 
pergunta. Vai ver era para não ofender o entrevistado.
 O mal está entre nós
O mal da censura está entre 
nós. Por incrível que possa parecer, por mais estúpido que isso se nos 
afigure, Monteiro Lobato, um dos maiores escritores brasileiros de todos
 os tempos — e era mesmo, acreditem! —, estará sob julgamento no STF.
 Terminou sem acordo ontem uma reunião entre o Ministério da Educação e 
representantes de um tal Instituto Advocacia Racial e Ambiental (Iara), 
que quer impedir a distribuição do livro “Caçadas de Pedrinho” em 
escolas públicas. O Iara submeteu a obra a um tribunal racial e exige 
que se acrescente a ela um adendo apontando os trechos considerados 
racistas.
 Em
 2010, depois de denúncia da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial,
 o Conselho Nacional de Educação (CNE) determinou o banimento do livro 
das escolas. O MEC pediu reconsideração, e o veto foi anulado. A Iara 
impetrou um mandado de segurança em nome do, calculem!,  técnico em 
gestão educacional Antônio Gomes Neto. No dia 11, o ministro Luiz Fux 
convocou uma audiência entre as partes, mas não houve acordo. A matéria 
agora deve ser analisada pelo plenário.
 Adami
 já deixou claro que só aceita um resultado. Promete recorrer a “cortes 
internacionais” — como se a elas o STF fosse subordinado — caso não 
consiga o seu intento. Animado com a sua compulsão para censor, já pôs 
outro livro de Lobato na mira: “Negrinha”, que reúne 22 contos do autor.
 O Iara protocolou na manhã desta terça uma ação administrativa na 
Controladoria Geral da União (CGU) questionando a distribuição da obra 
em escolas públicas.
 Vamos ver
Meu primeiro livro, “Contra o 
Consenso”, traz um pequeno ensaio sobre Monteiro Lobato. Noto ali o 
óbvio (embora o tema do meu texto seja outro): Lobato não é, com efeito,
 uma referência para o debate racial, nos termos em que as pessoas 
civilizadas entendem hoje a questão. Era um homem com todas as deformações do seu tempo — como todos nós.
 Por isso existem os professores. Por isso existem as escolas. Aliás, 
quem dera Lobato fosse hoje um autor trabalhado em sala de aula! Não é, 
com ou sem distribuição de livros pelo MEC. Seu vocabulário, mesmo na 
obra infantil, se tornou dramaticamente distante da indigência de nossas
 escolas. Que Lobato o quê! Hoje o que se leva à sala de aula, não raro,
 são as referências do que Paulo Freire (Deus meu!) chamava “educando”: 
RAP e funk! Trinta e dois por cento dos nossos universitários não são 
plenamente alfabetizados. Quatro por cento são analfabetos. O Jeca Tatu 
de Lobato era só um coitado! Os nossos Jecas estão no poder.
Imaginem se a Itália ousaria 
acrescentar à Divina Comédia, de Dante, uma advertência, chamando a 
atenção para o caráter anti-islâmico e antissemita da obra — porque há 
passagens que permitem essa leitura. Ou se a Inglaterra faria o mesmo 
com peças de Shakespeare, proibindo Otelo (o escuro incontido) ou “O 
Mercador de Veneza” (por antissemitismo). Ou se os EUA acrescentariam um
 “cuidado” por causa das inclinações fascistas de Ezra Pound! Ou se 
Portugal deveria censurar Alexandre Herculano em razão de “Eurico, o 
Presbítero”, para não mexer com susceptibilidades da Espanha (que apanha
 na obra) e dos muçulmanos.
 O
 que é a educação numa sociedade livre senão a aquisição do pensamento 
científico e a formação do espírito crítico e de convicções no confronto
 livre de ideias? A ser como querem esses do tal Iara, toda obra deveria
 estar sempre em constante reescritura para adaptá-la aos valores 
contemporâneos. Não posso imaginar delírio totalitário maior do que esse
 — porque isso significaria, de fato, o fim da história.
Encerrando
Volto aos meus 15 anos, ao meu inconformismo com o “sistema”, o tal que ousava dizer o que eu podia ou não fazer, o que eu podia ou não ler, o que eu podia ou não pensar.
 Ao alcance do braço, em razão da disposição da estante em que estão 
estes livros, pego aqui “Trotski – Escritos Sobre Sindicato”. É uma 
publicação de outubro de 1978. Foi impresso antes ainda do fim do AI-5, 
que foi extinto no dia 13 daquele mês. Duas prateleiras abaixo, “Gramsci
 e o Bloco Histórico”, da Editora Paz e Terra. Ano de publicação: 1977 —
 na vigência ainda da ditadura, com todos os seus instrumentos.
Em 2012, os “novos iluminados”,
 agora divididos  em corporações do ofício do pensamento, resolvem impor
 a censura prévia ao país e tirar livros de circulação. Tudo em nome da 
democracia! É a fobia da liberdade!