A
Pia Instrução
Pedro
tinha prometido às duas donzelas narrar-lhes o heroísmo de uma
jovem Grega, cumpriu a promessa. Em primeiro lugar referiu
circunstanciadamente a viagem que tinha feito, e os sucessos
ocorridos durante o ano que ele esteve ausente de Roma. Pedro disse
que em Jerusalém soube pelos Apóstolos, que o Evangelho era
atualmente pregado em todo o mundo, e que se faziam grandes
conversões, não somente de povos, mas de monarcas, de reis, de
nações inteiras. Onde dantes reinava a idolatria, eleva-se agora a
Cruz; o Augusto nome do Salvador do mundo, felizmente ressoa de um
polo a outro, de um mar a outro mar. Toda esta multidão convertida
ao Cristianismo já fala de Roma,
e espontânea e facilmente se submete a Roma, a reconhece como
Metrópole e Capital.
O
império romano que, se orgulhava de submeter tantos povos com a
força da espada, e os tinha unido a seu trono com grilhões de
ferro, os oprimia com pesado jugo, agora pode descansar. O império
não se estendeu para longe, não passou além das Índias, não
atravessou o oceano, não pensou que houvesse uma quarta parte do
mundo, muito mais vasta do que a Europa toda, com a Ásia também.
Tomé guiado pelo Espírito Santo, refletiu e descobriu aquelas
remotas praias até agora desconhecidas.*
*Por
São Gregório Nazianzeno sabemos que São Tomé foi pregar às mais
remotas Índias;
também o afirma Orígenes;
da Etiópia o escreve São João Crisóstomo;
aos Medos, Persas, Brachmanes, e outras nações vizinhas, o diz
Theodoreto, Clemente;
à ilha da Taprobana, Nicéforo o assegura.
Que São Tomé evangelizasse a América, nos afirmam os Missionários
daquela quarta parte do mundo, os quais descobriram em muitos
lugares, antiquíssimos monumentos cristãos. Nós mesmos
interrogamos um amigo nosso, Missionário aí, o qual confirmou o
fato, dizendo-nos que havia descoberto na Bolívia e República
Argentina pedaços de cruzes, de sepulcros com o nome deste Apóstolo.
Mas além destes testemunhos, temos mais seguro argumento. Era a
profecia que os Apóstolos deviam fazer ouvir sua voz em todo o
mundo;
sabemos por São Paulo, que esta profecia foi realizada em seu
tempo.
Como seria isto verdade se na América não tivessem pregado?
Dir-se-á, como pode lá ir este Apóstolo? Respondemos de dois
modos. Primeiro, por modo natural, podendo haver naquela época
algumas passagens para lá. Descobriu-se que antes de Colombo e de
Américo, lá foi Ivan IV, duque da Rússia. Em segundo lugar,
por modo milagroso, não faltando a Deus a vontade nem o poder de
cumprir suas promessas, feitas nas profecias.
Roma,
vossa amada Roma, por meio da Religião Cristã, se tornará na
realidade a rainha, a Metrópole do mundo inteiro.
“Não
sei descrever-vos, amadas filhas,** a alegria que senti
tornando a ver minha saudosa pátria, minha cara Jerusalém, antes
que seja arrasada***: os lugares
**Para
que ninguém se surpreenda ou escandalize deste carinho que emprega o
Apóstolo, declaramos tê-lo transcrito do Evangelho, das Cartas
Apostólicas, também dos Padres dos primeiros séculos. Naquela
época de simplicidade e candura não havia a malignidade da nossa.
Filhinho, filhinha,
não se pode traduzir fielmente senão assim.
***Conforme
a profecia de Cristo, Jerusalém devia em breve ser arrasada, e a
Palestina abandonada. Os Apóstolos não sabiam o tempo exato de sua
realização, por isso, ordenavam aos fiéis que se afastassem para
não serem envoltos nas ruínas, e que vendessem todos os seus bens.
Afirma São Jerônimo, que nenhum Cristão foi vítima daquela grande
catástrofe.
cheios
de tão belas recordações, assinalados com os vestígios de meu
Amado Mestre! Em vão buscarei explicar, não podereis compreender a
enchente de alegria, os festejos que fizeram meus companheiros
tornando-me a ver, e também meus filhos espirituais. Deixando
Jerusalém, fui a Antioquia, minha primeira Sede, e foi imenso o
jubilo que tive achando-a tão florescente; alegre acolhimento tive
de meus caros filhos e de meu Sucessor Evódio.
Atravessei a Grécia toda, vi as apostólicas maravilhas de meu
companheiro e amigo Paulo, dele soube que havia tido revelação de
vir a Roma, e que sentia ardente desejo de a realizar. Foi
neste ocasião
que vi e falei com aquela admirável donzela, que foi a Protomártir da Grécia, e que será a primeira glória do sexo feminino no
Cristianismo. Em poucas palavras vos referirei sua felicidade, para
excitar em vós a emulação de imitá-la.
Tecla
é o seu nome; era
filha única de nobres pais; nasceu em Icônio, cidade que ela fará
célebre acima de todas as da Grécia. Bela quanto é possível
sê-lo, abrigava no peito um coração que era ardente incêndio de
amor. Chegando à idade de casar-se desposou-se com Tamiri, jovem mui
nobre como ela, e muito autorizado entre seus concidadãos.
Ainda não se havia realizado o consórcio, Tecla
era ainda virgem, quando a fama lhe noticiou os grandes feitos de
Paulo. Sentiu despertar em seu coração ardente desejo de ver e
ouvir este homem extraordinário; não tinha sossego nem de dia nem
de noite. Enfim, realizou seu desejo; viu, ouviu-o pregar acerca do
merecimento da Virgindade; e consagrou logo ao Orador espiritual
afeto. Todos os dias ouvia suas prédicas, e buscava estar perto dele
para o ver e admirar, e beber com imensa avidez cada uma de suas
palavras. Um
dia não o achou, ficou pensativa e aflita. Tanto pesquisou e indagou
que chegou a saber em que cidade da Grécia estava Paulo. Volta a sua
casa, vende secretamente suas joias e enfeites, e os presentes
nupciais. No meio da noite sai de casa sem ser vista, sozinha, guiada
pelo amor, chega ao lugar em que está Paulo, e considera-se feliz.
Vai ele para outra cidade, Tecla
o segue. Mas até então não lhe havia falado, só era cristã pelo
desejo.
A
mãe e o esposo estavam entregues à desesperação. Em toda a parte
a buscavam, mas em vão. Finalmente, o Demônio os ajuda e conseguem
descobri-la e achá-la. Repreensões, lisonjas, súplicas, ameaças,
tudo em vão, quer ficar perto do Apóstolo, não se ocupa da mãe
nem do esposo. Este converte a ternura em furor, e acusa Tecla
perante os magistrados de se ter deixado seduzir por um mágico, de o
ter abandonado, e reclama sua esposa.
O
magistrado a faz prender e levar aos tribunais, lhe intima a ordem de
voltar com o esposo, ou ser devorada pelas feras.
– Coitada!
Exclama as donzelas, que cruel e bárbaro tormento!
Porém,
Tecla
não perdeu o ânimo; em presença dos magistrados e juízes,
protestou
que ninguém a havia seduzido, mas
que tendo ouvido falar de Cristo, de sua Religião, do mérito da
Virgindade, se havia apaixonado por esta, e espontaneamente recusava
o esposo, e estava disposta a perder antes a vida do que a
Virgindade.
– Ó
bendita donzela, replicou Prisca, ah! Se me fosse possível imitá-la.
– Beatíssimo
Pai, disse Priscila, se esta perseguição chegar aqui, vereis que as
Romanas não cedem a palma às Gregas! Aqueles bárbaros não se
comoveram?
–
Pelo
contrário, se enfureceram cada vez mais. Tecla
começou a zombar de seus numes. Por isso, ordenaram que fosse logo
levada ao anfiteatro. Chegando lá foi despida pelos verdugos e
envolta em uma rede, arremessaram contra ela feroz leão.
– Ouvindo
isto, as duas Meninas se abraçaram apavoradas, como se vissem o
feroz leão, encolheram-se todas, e de novo exclamaram. – Pobre
moça! E ela não morreu de terror?
–
Tecla
estava fortalecida pela divina graça, e desejava ser devorada
depressa, não podendo suportar o tormento mais duro para ela, da
situação em que estava, exposta às impuras vistas dos pagãos****.
****Os
Santos Padres, especialmente Santo Agostinho e São João Crisóstomo,
asseguram que este foi o mais horrível tormento das Virgens cristãs.
Ele considera o pudor feminino e natural, e muito mais a modéstia e
candura destas Virgens, e não acha por isso dificuldade em
classificá-lo o maior dos tormentos que padeceram.
Porém,
não era esta a vontade de Deus. A fera esquecida de sua ferocidade e
fome, se deitou a seus pés, e os lambeu; e parece que tendo
entendimento
para exemplificar aqueles impudicos, não ousou levantar os olhos
para o seu corpo.
Então, as mulheres
que assistiam a este espetáculo, soltaram altos gritos e fizeram
grande tumulto, de modo que o magistrado que já tinha mandado vir
outra fera, fugiu assustado. Tecla
vendo-se solta, se lançou num tanque para ocultar sua desnudez, mas
as mulheres, depois que se levou o leão, desceram à arena, a
tiraram da água e a vestiram, e levaram em triunfo para a cidade.
Vede,
filhinhas, o poder de Deus e o amor que tem às Virgens? Considerai a
grandeza da Virgindade que amansa as feras, e se faz respeitar
delas?”
Prisca
ficou como que absorta, em êxtase, com os olhos fitos no Céu;
porém, Priscila pergunta ao Apóstolo se Deus fazia o mesmo acerca
dos outros Cristãos e em outros martírios. Ele respondeu – Não,
minha filha, Deus é assaz poderoso para assim dizer, mas se o
fizesse com todos os Cristãos, e sempre acerca de todos os
tormentos, como poderíamos obter a gloriosa palma, a coroa de
Mártires? Deus opera estes prodígios quando Sua glória os requer,
para mostrar aos pagãos Seu poder, e para convertê-los, mas às
vezes faz milagres ainda mais maravilhosos, como sejam, quando tenras
Virgens, delicados meninos permanecem vivos no meio de diversos e
prolongados tormentos, dos quais um só bastaria para tirar-lhes
imediatamente a vida. Deus deixa às vezes os Mártires sentirem a
destruição de seus membros, para
que alcancem maior prêmio, outras vezes os faz insensíveis a dor,
para que conheçam seu amor e proteção. Quando os Mártires chegam
a merecer o grau de glória que Deus lhes destina no Paraíso, os faz
morrer com pouco ou nenhum padecimento*****.
*****Sem
dor de tormentos morreram Petronilha, Rufina, etc. S. Regina, S.
Cristina entre outras, depois de suportarem inauditos tormentos,
pereceram nos mais leves e brandos.
Tecla
a todos excedeu, e teve a coroa de Protomártir das Virgens da
Grécia, sem padecer martírio”.
Enquanto
Prisca continuava em sua abstração, Priscila perguntou, Tecla
foi ainda exposta a outros tormentos?
–
Certamente,
mas então já era Cristã. Paulo foi cruelmente flagelado por
sugestão do esposo de Tecla,
e estava no cárcere coberto de chagas. Ela o soube, e de noite,
tendo vendido sua última joia, ofereceu seu valor ao carcereiro para
que a deixasse falar com o preso.
Este miserável consentiu, e ela entrou no horrível subterrâneo,
pendurou na parede a lanterna que tinha trazido, prostrou-se aos pés
de Paulo, apertando-os e beijando-os, referiu-lhe seu desejo e toda a
história de sua vida, pediu-lhe, suplicou-lhe que sem demora a
batizasse, depois lhe permitisse segui-lo para onde fosse,
prestando-se com gosto aos mais humildes serviços de serva. O
Apóstolo admirou tanto heroísmo em uma menina ainda pagã;
doutrinou-a, batizou-a, e lhe deu o lugar de sua filha
Primogênita.
Ela
havia trazido panos, ligaduras, unguentos e bálsamos preciosos, com
os quais se curou o Apóstolo de suas chagas, por isso em breve
sarou, e pode continuar sua pregação.
Todavia,
o esposo de Tecla
não estava satisfeito; seguiu-a, até outra cidade a que ela tinha
ido em seguimento do Apóstolo; de novo a acusou perante os
magistrados, estes a encontraram inabalável em seu propósito, e a
condenaram a ser esquartejada de modo horrendo e espantoso. Para este
fim, a levaram ao anfiteatro, e deitada em terra, lhe ligaram com
grossas cordas as mãos, os braços, pés e joelhos, então apertaram
e ataram bem as quatro pontas da corda aos chifres de quatro touros
indômitos, e começaram a irritá-los, a pôr fogo debaixo deles e a
espantá-los, para que correndo em diversas direções, despedaçassem
a Mártir, e a partissem em quatro partes. Pode-se imaginar que dor
faria sentir dilacerarem-se pouco a pouco os nervos, os membros e até
as entranhas. Os que eram amarrados a quatro árvores, padeciam um só
golpe. Porém, Deus
acudiu a Sua dileta serva, que apenas padeceu o vexame da desnudez;
quando foi amarrada se desataram os nós das cordas, e ela ficou
solta com espanto daquela gente, que ainda não estava acostumada a
semelhantes prodígios.
Foi
de novo acusada; e outro martírio se lhe apronta. Foi lançada nua
em uma cova cheia dos mais venenosos répteis e medonhas serpentes.
Qual foi o resultado desta bárbara tentativa? Os répteis, embora
maltratados com a queda de Tecla,
não lhe fizeram mal, rodearam-lhe o corpo, carinhosamente se
enroscaram em seus pés, braços, peitos, na testa a
modo de coroa, de colar, bracelete, lhe lambiam docemente as mãos, o
rosto, os lábios, parece que a acariciavam e
beijavam”.
– Que
terror, que espanto! Exclamou Priscila. Mas não bastava esta vista
para lhe gelar o sangue e tirar-lhe a vida? Pode-se imaginar
crueldade maior do que esta? Seu ímpio esposo ainda não cedeu?
–
Não
se deve dizer esposo, porque Tecla
ainda não lhe pertencia, e não procurava senão o seu interesse,
mais nos deve surpreender a barbaridade da mãe.
– Também
a mãe a perseguia?
–
Era
a mais feroz, foi ela que tendo ido em sua procura com o pai, a achou
em outra cidade, e a fez prender e condenar a ser queimada viva.
Tecla
já estava nua e amarrada a um pau; já se acendiam, em redor dela,
ramos secos cobertos de betume, aspergidos de piche,
de óleo e de resina; as chamas elevando-se a investiam; queimavam as
cordas que a prendiam; nesta ocasião impetuoso vento separa, dilata,
muda a direção do fogo, que se apodera e abrasa os carrascos e
pagãos obstinados, que em torno dela zombavam do seu tormento.
Mortos
eles, pequena chuva extinguiu o incêndio, e Tecla
solta e livre voltou para a companhia de seu Pai espiritual.
–
Que
prodigiosos milagres! Também, que fidelidade, que heroísmo tinha
esta Virgem! Pai santo, dissestes que havíamos de ver o Apóstolo
Paulo em Roma, se esta heroína o acompanhar, ardentemente vos
pedimos que a façais vir a nossa casa; para nos comunicar parte da
sua coragem.
– Oh
sim! Disse então Prisca, acabado o êxtase, que fortuna seria para
mim vê-la!
–
Priscila,
tu a verás, mas não em Roma, Paulo não a quer trazer aqui.
Só
no Céu a verás, Prisca. Dize-me, por que não deste atenção a
esta interessante história? Por que motivo estás tão absorta, o
que imaginavas, menina, com teus olhinhos fitos no Céu?
O
semblante de Prisca adquiriu púrpura cor, e inclinando a cabeça
sobre o peito: – Pai santo, respondeu com submissão, vós sabeis o
que eu imaginava, mas peço-vos segredo.
Pedro
fingiu não o saber: – O que queres que saiba, minha filhinha?
Dize-me o que viste?
– Vou
dizê-lo, replicou Prisca, mas peço-vos que afasteis minha irmã.
Estais contente?
– Sim,
filhinha, estou contente.
Quando
a irmã saiu, Prisca disse: – Pai santo, parecia-me ver o Céu
aberto, e nele dois tronos resplandecentes, e sobre estes duas
brilhantes coroas, e riquíssimas vestes, brancas e vermelhas cor de
fogo, e entre a coroa uma palma e um lírio. Enquanto eu contemplava
tais maravilhas, ouvi um Anjo que disse: este trono, designando um,
está preparado para Tecla,
a Protomártir da
Igreja grega… e o outro…
Prisca
cobriu o rosto com as mãozinhas, encostando-se ao ombro direito de
Pedro, calou-se por modéstia e vexame; porém, Pedro sorrindo
replicou:
– E
o outro, dize-me confidencialmente, para quem será?
– Será…
para a Protomártir de Roma!… Enquanto dizia isto, com uma de suas
mãozinhas cobria o rosto com a estola do Pontífice, e beijava a
Cruz que tinha bordada de ouro.
– Quem
será a Protomártir? Será Priscila?
– Não.
– Será
Pudenciana, Praxedes?
– Não,
santo Pai, não.
– Então,
quem é?
–
Espero
que seja vossa Prisca!
O
Pontífice com um modo doce e majestoso disse:
–
Filhinha,
a visão que o Céu piedoso te revela agora, de tua futura glória
esteja sempre presente a teu espírito, e estampada em tua alma. Esta
visão regule teu procedimento no meio dos cuidados, angústias,
tormentos que tens que padecer nesta misera vida. Sabe que no
Oriente, o Protomártir Estêvão, moço delicado, amarrado e levado
para morrer, enquanto as multidões furiosas descarregavam sobre seu
corpo multidão de pedras, enquanto se lhe despedaçavam os membros,
no meio de tantos tormentos que padecia, viu o Céu aberto; e nele
Jesus glorioso e triunfante, que o esperava com a coroa na mão, que
o animava a permanecer constante no Martírio; encarando a glória
que o esperava, e as delícias que o
aguardavam. Com semelhante vista seu rosto resplandeceu como sol,
cintilaram-lhe os olhos pela alegria que inundava seu coração;
deixou de sentir a dor das lesões do corpo, exclamou sereno e alegre
– Vejo os Céus abertos, e o Filho do homem colocado à direita de
Deus.
Não
teve mais voz senão para pedir o perdão dos algozes, à semelhança
do Redentor. O mesmo te há de acontecer, lembrando-te desta cara
visão. Minha filhinha, quais serão os tormentos, que não se suavizem, sabendo que
alcançam inefável e eterna alegria? Como se pode achar um espinho
duro e pungente, quando se considera que vai transformar-se em
belíssima rosa? Lembra-te do heroísmo de Tecla,
da Protomártir da Grécia, procura imitá-la na fé, no pudor,
constância, intrepidez e mais virtudes que a tornaram a admiração
da Grécia e mais do Oriente, e gloriosa também para as futuras
gerações. Não temas, minha filha, as garras brutais dos algozes,
as ameaças dos tiranos, nem os horríveis tormentos que te esperam.
Deus estará contigo e te há de socorrer com Sua divina graça, e te
fará superar os mais cruéis martírios. Se
meu querido companheiro Paulo teve em Tecla sua Primogênita e Protomártir, uma e outra terei em ti; serás ainda mais gloriosa,
porque ela só teve o desejo e provação do Martírio, sem lhe
sentir os tormentos; porém tu, os sofrerás mais longos, fortes e
repetidos que os dela, evidenciarás com o sangue a tua Fé,
Virgindade e Heroísmo”.
Prisca
estava em um êxtase de suave amor, seus olhos se fixavam ora no Céu,
ora em seu Pai espiritual, se semblante refulgia com a graça do
Paraíso. Ouvindo profetizar os martírios e a morte que a esperavam,
em vez de empalidecer e tremer com horror, se engolfava em alegria,
desejava, parecia apressar com seus votos aquele dia e hora feliz em
que poderia competir e exceder sua companheira, e tornar-se digna
esposa de Cristo. – Serei eu digna de semelhante honra, exclamava,
serei digna? Por que
motivo esta ventura não será de preferência concedida a minha irmã
Priscila, ou a alguma de vossas filhas Pudenciana e Praxedes?
–
Deus
reserva para ti esta felicidade, como te revelou e a mim também, e
não deves esquecer a visão de tua boa mãe. Tão
exímia honra, esta mercê que Deus te concede sirva-te de estímulo
para te mostrares agradecida. Pensa, filha, o que significa esta
escolha, o que vale esta honra. Serás a Protomártir,
por isso, não acharás nenhum exemplo que imitar em Roma, só
acharás Tecla
na Grécia. Tu serás a Protomártir,
isto é, o exemplar,
a Arquimandrita, o estandarte de infinitos Mártires que depois de ti
há de haver em Roma e toda a Itália, enquanto o mundo durar. Seja
na preparação,
na confissão,
seja no triunfo,
todas
olharão para ti, e buscarão imitar-te. Considera que virtude deves
ter, de que fortaleza, magnanimidade e heroísmo precisas?
– Pai
santo! Estareis junto de mim nesta dura provação, vossa presença
me fortalecerá nestes terríveis combates? Ensinar-me-eis o que devo
dizer e fazer? Se estiver desamparada e só, como poderei reger-me e
governar-me?
– Minha
filha, não te dê isto cuidado. Eu não estarei junto de ti, mas
Deus estará contigo, o Espírito Santo, Jesus, o teu bom Anjo
custódio.
– Por
que não estareis também vós?
–
Porque
Deus não quer; e quem terá a ousadia de dizer-lhe: porque fazeis
isto? Porém, o que então não poderei fazer, o faço agora enquanto
estou junto de ti. Tecla
durante as provações, não esteve privada da vista e exortações
de seu Pai espiritual! Somente no último martírio o viu
espiritualmente,
e esta vista bastou para confortá-la. Se Deus quiser, eu também te
acompanharei.
–
Vós
dissestes, meu Mestre e meu Pai, que antes de tudo se requer a
preparação.
Em que consiste esta?
–
A
preparação para o Martírio,
consiste em acender vivamente no coração o amor divino, radicar-se
bem na fé, na assídua meditação da glória que os Mártires
alcançam no Paraíso, e talvez também na terra, e das angústias e
tormentos que os pagãos sofrerão no Inferno, especialmente os
apóstatas, por toda a eternidade! Ainda mais, consiste a preparação,
no desapego e desprezo de todas as coisas do mundo, riquezas, honras,
pompas, prazeres, e até da própria vida,
servindo de estímulo a consideração da vaidade, brevidade e
inconstância das coisas terrenas.
É útil prelúdio, habituar-se o futuro Mártir à vida austera e
penitente, a beber por assim dizer gota a gota, o amargo cálice do
Martírio, experimentando-o em si próprio.
A
alma que ama a Deus com verdadeiro e puro amor, não se enfastia, não
recusa, não repugna padecer por Ele, ainda que sejam os mais cruéis
tormentos, pelo contrário, deseja e suspira por estes, deseja que
sejam os mais atrozes, para melhor provar seu amor. O amor não
encontra dificuldades que lhe pareçam
insuperáveis, nas coisas difíceis não acha obstáculos à sua
empresa, não lhe dão cuidado os perigos, fadigas, suores,
contratempos; não sente os tormentos, lesões, feridas e a morte.
Basta que possa agradar ao objeto amado; está satisfeita, acha-se
Bem-aventurada. Está disposta a atirar-se nas chamas, submergir-se
na água, ser esfolada, feita em pedaços, perecer em um turbilhão
de dores, e ainda assim se achará feliz. Não foi o amor que trouxe
do seio do Pai, e
do Céu o Verbo Eterno, que O fez revestir-se de nossa carne, aceitar
a responsabilidade de nossas culpas, sofrer pobreza, angústias,
desterro, finalmente a flagelação, coroação de espinhos e a
morte? Ele próprio o confessou: “Não existe maior prova de amor
do que morrer por quem se ama, e eu assim tenho feito”.
Inspirou ao Discípulo amado o seguinte: “Deus amou tanto o mundo,
que por ele entregou à morte seu Filho”.
Se
os fiéis, se tu, querida Prisca, amares teu Deus do fundo do
coração, estarás pronta a padecer por Ele os mais cruéis
tormentos, a derramar todo o teu sangue, a perder a vida. Mas
quem não tem este amor em grau heroico, não pode suportar o
Martírio. Porém, o amor não basta, ou antes, sem viva fé, é
impossível haver verdadeiro amor. Deus se conhece pela fé, e quem
não tem conhecimento não pode ter amor, pois este procede da
grandeza, amabilidade do objeto e dos dotes e predicados que nele se
descobrem, e que o fazem digno de amor. Quem ama, deve crer, e crer
perfeitamente tudo que Deus revelou de Si, e não pode então deixar
de estar pronto a selar a fé com o próprio sangue. Minha cara
Prisca, quem pode decidir-se a padecer e perder a vida por uma coisa
desconhecida, incerta, duvidosa? No tempo mais próximo à
perseguição, deve repetir-se frequentemente o Símbolo da Fé, e
renovar a Deus o protesto de querer viver e morrer nesta crença, e
de estar decidido a perder tudo, até a vida, antes do que
abandoná-la.
É
muito
salutar também a frequente meditação da glória dos Mártires no
Paraíso, e das penas eternas dos apóstatas no Inferno. Se uma
mesquinha grinalda, um arco triunfal, uma ovação, passageiro
triunfo, um pálio, é incentivo para que milhares de homens se
exponham aos riscos da guerra, às lutas dos atletas, à fadiga das
corridas, aos perigos dos torneios, e talvez às feridas e morte, sem
esperança então de alcançar aquele desejado prêmio;
o que não deveremos fazer e padecer nós, para ganhar a excelsa
coroa, palma vitoriosa, esplêndido trono, infinita doçura que Deus
nos concede por toda a eternidade? Nossa alma é naturalmente
inclinada à felicidade, ainda que Deus se limitasse a prometer tão
grande prêmio e honra aos Mártires, bastaria para decidi-los e
atraí-los.
Porém, não só nos apresenta gloriosa recompensa se nos sujeitarmos
ao Martírio, mas nos coloca na alternativa, de a alcançarmos, ou de
sofrermos os mais cruéis tormentos durante a eternidade. Não
há meio termo para quem está no lugar da perseguição.
Não seria loucura a recusa de suportar aqueles tormentos, que duram
o espaço de um relâmpago, embora durem dias, são rápidos, para ir
padecer intensas e eternas angústias?
A
razão e a fé nos decidem a trilhar a vereda que guia ao Céu.
Prisca, se te dessem a escolha de sofrer a furada de um espinho, ou
ser feita em pedaços, não preferirias a punção? Se pela
preferência te prometessem inefáveis gozos, a mais esplêndida
glória, não a aceitarias como dadiva?
– Certamente,
qual seria o estulto que procedesse de outro modo?
–
Aqueles
porém, que estão aferrados aos miseráveis bens desta vida, deixam
de ser susceptíveis destes nobres sentimentos e do heroísmo que o
Martírio requer. Por esta causa dizia Cristo: “Quem ama a sua alma
a perde, quem a perde por amor de mim, a salva. Quem ama pai, mãe,
esposa, irmãos, casa. Fortuna, e também a vida, mais do que a mim,
não pode ser meu discípulo”.
Não é possível, minha
filha, para só falar das tuas iguais, que
uma donzela afeita ao luxo, aos prazeres, efeminada pela moleza,
apaixonada pelas modas,
possa trocar os aprazíveis e vãos ornatos que usa no peito e mãos,
pelos pesados grilhões de ferro; em vez de
coturnos ter troncos nos pés, em lugar de macios colchões de penas,
deitar-se na terra nua; trocar os odoríferos perfumes pelo bafo
fétido do cárcere; em vez de vestes delicadas, estar envolta em
penoso cilício; sujeitar-se a cruéis flagelações, ao
despedaçamento de seu corpo, ao repuxamento dos nervos,
quebrantamento dos ossos, e tão variados e horrendos martírios que
o Inferno há de inventar para desafogo de sua raiva, especialmente
contra as Virgens sagradas? Estas que descrevo serão todas
miseráveis apóstatas.
|
Santa Prisca sendo batizada por São Pedro |
–
Mas
é possível que as Virgens receberam a graça do Batismo, que
solenemente renunciaram ao Demônio, ao mundo e suas pompas vãs,
voltem atrás,
sejam perjuras, se revistam das frívolas pompas a que haviam
renunciado? É crível que uma alma que teve a ventura de conhecer e
amar a Nosso Senhor Jesus Cristo, dar-Lhe palavra de esposa, depois O
queira renegar, para evitar sofrimentos nesta vida, que não podem
deixar de ser muito breves?
Pedro
ouvindo as últimas palavras que saíram dos inocentes lábios de sua
filha, recordou-se da sua negação e chorou amargamente.
A
menina que ignorava a causa deste repentino pranto, o interrogou: Pai
santo! Por que chorais? Espera-me um dia semelhante desgraça? Ah! Se
pensais que vossa filha um só instante abandone seu Esposo, seu
Deus, aterrada pelos tormentos, vós que sosi tão amado por Jesus,
rogai-Lhe, suplicai-Lhe, meu Pai, que me envie já a morte. Vossas
lágrimas me fazem tremer! Eu apóstata! Eu renegada, oh! Não,
nunca, jamais! Então se desfez em lágrimas, via-se-lhe o coração
palpitar com veemência, pelo movimento exterior das vestes, e pelos
entrecortados suspiros e soluços que dolorosamente exalava.
–
Não,
cara filha, disse Pedro tomando-lhe a mãozinha entre as dele, e
acariciando-a, não choro por ti; nunca serás renegada nem apóstata,
mas sim valorosa Mártir, o Céu m’o assegura; amarás sempre com
supremo amor o teu Jesus, e
conservarás ilesa sua fé, serás espelho, exemplo para todas as
donzelas cristãs da observância da Lei divina, guarda da
virgindade, desprezo dos mesquinhos bens do mundo. Não é verdade
que procederás deste modo?
–
Sim,
meu Pai, farei
tudo que vós quereis, tudo que Deus exige de mim; tudo que me
ensinastes, contanto que não seja apóstata, não renegue meu Deus.
Isto não! Antes sofrer mil mortes! – Tornou a chorar e a suspirar.
–
Sossega,
minha filhinha, vence o temor. Se todas aprendessem contigo a
preparar-se e dispor-se para o grande combate, não teriam as
esposas de Cristo que chorar tantas apóstatas e renegadas que depois
de ti haverá, quando forem chamadas para a Confissão.
– Quando
me chamarem, o que deverei fazer? O que é a Confissão?
–
Quando
chegar o dia de tuas núpcias,
e vires chegarem soldados para prender-te, amarrar-te e arrastar-te
aos tribunais, lhes pedirás algum tempo para dispor-te. Alcançada
a permissão, se não houver Sacerdote em casa, tu mesma comungarás
o Corpo de Cristo; depois vestirás os nobres trajes de noiva; te prostrarás pedindo o auxílio de Deus, oferecendo-Lhe o sacrifício
de teu sangue e de tua vida! Então, serena e calma te apresentarás
aos soldados, estendendo as mãos às algemas, recordando-te que o
mesmo fez teu Esposo por amor de ti. Pelo caminho, mostrarás
semblante modesto mas tranquilo, em teus lábios apareça doce
sorriso, não pensando ir à morte, mas sim, para as suspiradas
núpcias, para o triunfo. Chegando perante o juiz ou imperador,
quando te perguntarem teu nome, condição, e a profissão de tua fé,
a tudo responderás: – Sou
Cristã.
–
Se
me fizerem interrogações sobre a fé, como hei de responder?
–
Não
pense nisto; o Espírito Santo te há de ditar
respostas que sirvam para confundir até os mais sábios. Ouvirás
lisonjeiras promessas de nobres consórcios, de riquezas, prazeres;
desprezando isto, passarão às ameaças de arrancar-te à força a
flor da virgindade, de fazer-te padecer variados e cruéis tormentos,
hão de mostrar-te, para te aterrar, horríveis instrumentos de
tortura, flagelos, tendo nós de chumbo, escorpiões, tochas,
navalhas, ecúleos,
catastas,
roda, clavas, caldeiras de água fervendo e de chumbo derretido,
fogueiras. Não esmoreças com este espetáculo, recorda-te das
palmas, coroas, delícias do Paraíso que compensam
estes breves tormentos, e naqueles que não têm fim, que te causaria
a apostasia. Lembra-te que o Senhor te há de revestir de Sua divina
graça, que não te deixará sofrer dores, ou te infundirá fortaleza
para sofrê-las.
– Sim,
meu Pai, agora que ouço vossas exortações, eu vos afirmo que nada
temerei, mas eu me exporei à provação, pois acho o maior gosto em
mostrar-me vossa digna filha, e digna esposa de meu caro Jesus.
–
Assim
farás, Deus m’o assegura, e por isso, depois de breves tormentos,
vencedora
do mundo, do Inferno, dos tiranos,
alcançarás o triunfo mais esplêndido e glorioso que se pode
imaginar.
– É
de grande valia o Martírio, pois Deus lhe reserva tão eminente ?
–
Que
me perguntas, filha? Que poderei dizer que dê a mais leve ideia da
recompensa que merece? Em primeiro lugar, asseguro-te que o Martírio
é a prova mais solene de amor que uma criatura possa dar a Deus,
segundo Jesus Cristo mesmo disse.
Porque é o mais alto heroísmo a que uma criatura possa elevar-se,
especialmente uma jovem virgem. Também, por duas razões
convincentes é o maior
serviço que se possa tributar a Deus em relação a Fé. Porque esta
prova evidencia sua veracidade;
e em segundo lugar, é a melhor maneira e a mais segura de propagar a
Fé. O Apostolado é nobre ofício; semelhante a este, e ainda maior
pelo resultado é o Martírio; o qual dá eficácia Apostolado,
o sangue que sai das feridas dos Mártires serve mais do que a
palavra proferida pelos lábios dos Apóstolos, para converter os
povos. Este sangue é semente fecunda, que não cai em vão na
terra,
por isso, os Mártires alcançam também a palma e coroa dos
Apóstolos. Quantas donzelas e meninas atraídas pelo teu heroísmo,
hão de se consagrar a Cristo? Estas
te hão de cortejar no Paraíso, e tu serás para assim dizer, sua
Rainha; ao mesmo tempo que serás a Protomártir de Roma e da
Itália, também será Rainha de todas as outras, que depois serão
outras Rainhas.
– Que
maravilhas me narrais, meu Pai e meu Mestre, quem poderá ouvindo-as
não se apaixonar pelo Martírio? E em vez de fugir-lhe e ter-lhe
horror, não o procurar e provocar?
– Isto
não se pode fazer, minha filhinha, a não ser por especial revelação
divina
ou em punição da apostasia.
Cristo ordenou que nos escondêssemos, que fugíssemos quanto fosse
possível no tempo da perseguição;
e só quando as diligências de escapar não tivessem êxito, então
o confessássemos claramente sem temor, sob a ameaça de sermos
renegados por Cristo diante de seu Pai Celeste,
mas se tanto te enamorou do Martírio, o que disse a seu respeito, o
que será quando ouvires o que me resta a dizer?
– Deves
saber que o Martírio é um Batismo, para os gentios e catecúmenos,
que sem o da água produz na alma os mesmos efeitos,
e é também novo Batismo para os crentes. Quem pode percorrer este
lodaçal, passar entre as chamas da vida presente sem manchar-se, ou
pelo menos, ofuscar a pureza da veste original da inocência, que foi
alvejada na Pia Batismal? Quem tem vista tão perspicaz para
discernir as pequenas manchas, quase imperceptíveis e só manifestas
à divina sapiência? Sabemos que no Céu nem com estas se entra, só
resta o lugar de purificar-se, e embelezar-se entre dores e suspiros.
Porém, o Martírio faz as vezes do Purgatório, assim como do
Batismo, e a alma que sai pelas feridas do corpo, lavada e purificada
no próprio sangue, pelo fogo de imensa e perfeita caridade, que a
excitou a dar a vida pelo seu Senhor, bela e resplandecente, voa sem
detença para o Céu a unir-se a seu Deus.
Isto é dom sobrenatural que Deus concede às almas mais prediletas:
é dom que faz a alma a quem se concede, semelhante a Cristo, e Sua
irmã. As sagradas cinzas e os ossos dos Mártires operam prodígios,
e serão venerados na terra enquanto houver Igreja, como preciosas
relíquias, e serão conservadas com grande desvelo e amor em urnas
de cristais e de fino mármore, em relicários de prata e ouro
cravejados de pedrarias, e serão colocadas nos altares,
e penderão do pescoço dos fiéis. Enquanto durar o mundo será
celebrada a memória de seu Martírio co festa, pompas, iluminações.
Hão de compor-se e cantar-se em seu louvor hinos e cânticos; os
oradores, músicos, e poetas hão de rivalizar com os pintores e
escultores para exaltar e transmitir aos vindouros sua glória. Em
seu nome se elevarão altares, templos e Basílicas, e os fiéis hão
de se esmerar para alcançarem seu patrocínio.
Se é tão excelsa sua glória na terra, considera, filhinha, a que
lhes estará reservada no Céu! Não há língua que saiba expressar,
nem espírito que possa imaginar semelhante glória, basta dizer que
é a mais elevada e sublime que Deus justo e magnífico em premiar
Seus servos, amigos e esposas, lhes concede no Paraíso.
Prisca
nadava em mar de delícias ouvindo esta santa instrução. Sua alma
suspirava por aquelas palmas e coroas triunfantes que teria sem muita
demora no Paraíso, e não se aterrava com as torturas que devia
suportar para as merecer. Seu coração abrasado no amor divino,
suspirava pelo momento de retribuir a seu Amado, sangue por Sangue,
morte por Morte, amor por Amor, e de se lhe assemelhar. Prisca
ansiosa desejava dar-Lhe este penhor evidente de extremoso amor,
constante e fiel. Quando verei este dia, exclamava, quando chegará a
hora feliz!
Enquanto
seu Pai e Mestre a acautelava para os próximos e funestos
acontecimentos, e a predispunha para o Martírio, não esquecia a
Igreja universal; com a extrema atividade de seu espírito, e com o
zelo de seu ardente coração, tudo providenciava. Já Marcos havia
composto o Evangelho que o mesmo Pontífice lhe havia ditado, e que
encerrava os fatos vistos e ouvidos por ele mesmo.
Ele escreveu uma Carta Apostólica e Pontifícia, e a espalhou por
toda a Igreja, embora especialmente a dirigisse aos emigrados por
causa da perseguição da Sinagoga.
Foi esta a primeira Encíclica, a primeira Bula, que os
Pontífices dirigiram aos fiéis, e o modelo e tipo de todas que se
escreveram depois no correr de XIX (XXI) séculos. Nosso plano não
comporta sua transcrição textual, apesar da certeza que temos de
sua oportunidade, e do fruto que desta se poderia colher, pois, é
pouco conhecida, principalmente dos leigos, que muito conviria que a
conhecessem e meditassem. Daremos desta Epístola um resumo.
Pedro
começa declarando-se Apóstolo de Cristo, designa em geral aqueles a
quem dirige sua Epístola, que eram os desterrados Cristãos
moradores no Ponto, Na Capadócia, Ásia e Bitínia, e nela lhes dá
feliz esperança de paz e graça divina. Continua louvando sua fé,
esperança e amor a Cristo, pelo qual padeceram grandes tribulações,
que todavia eram inferiores ao mérito e prêmio que teriam no Céu.
Estabelece a autoridade dos Profetas, que são inspirados pelo
Espírito Santo, e exorta aqueles a quem escreve a serem santos e
perfeitos. Quer que se despojem de toda a malícia, fraude,
dissimulação, inveja, detração, e que semelhantes a meninos
inocentes, porém, racionais, sem ficção alguma, desejem o leite da
celestial doutrina, para que possam crescer para a salvação,
experimentando quão suave é Deus. Honra-os, dizendo-lhes: Sois o
povo escolhido, o Sacerdócio real, gente santa, povo conquistado,
destinado a fazer resplandecer a virtude de Deus, que das trevas em
que estáveis, vos transferiu para a Sua luz. Eu vos exorto,
caríssimos filhos, prossegue o Pontífice, que sois emigrados e
peregrinos, a abster-vos das concupiscências da carne, que
prejudicam vossas almas, a proceder bem entre os gentios, que vos
rodeiam; os quais apesar de vos caluniarem como malfeitores, se
convençam que fazeis boas obras, e darão glória a Deus no dia de
Sua visita.
Sede
submissos a toda a criatura humana para agradar a Deus, seja ao rei
como superior aos outros, seja a seus delegados, por este enviados
para justiçar os malfeitores e para segurança dos bons; pois é
vontade de Deus que vosso proceder reto faça emudecer a ignorância
dos homens, independentes sim, mas não cobrindo com o véu da
liberdade a malícia, mostrando-vos servos de Deus. Tributai a todos
honra; amai a fraternidade, temei a Deus, respeitai o rei. Servos,
sede sujeitos com toda a reverência a vossos senhores, não só aos
bons e modestos, mas também aos díscolos.
Convém que consideremos como uma graça sofrer injustamente por
causa de Deus e por Seu amor. Com efeito, que glória tereis
padecendo justamente por vossos delitos? Mas quando fazendo o bem
sofreis; é isto dom de Deus. Deveis acreditar que sois chamados para
este fim pois o próprio Cristo sofreu, deixando-vos o exemplo, para
que sigais Suas pisadas…
Semelhantemente
vós, esposas, sede submissas a vossos maridos, se algum deles for
infiel, sem necessidade de pregador se converta por causa do
religioso proceder de sua esposa, considerando com reverência seus
hábitos de castidade. As esposas não empreguem seu cuidado no
toucado, nos enfeites, no afã pelos vestidos, mas sim na modéstia
de um espírito manso e incorruptível, adornado perante Deus. Em
outro tempo assim se adornavam espiritualmente as mulheres santas,
esperando em Deus e perseverando submissas a seus maridos. Vós,
maridos, por igual motivo convivei com vossas esposas com
simplicidade, honrando-as e compadecendo-vos de sua fraqueza, como
companheiros da vida eterna; para que não estorveis o êxito de
vossas orações. A todos exorto que se regulem pela fé,
reciprocamente se amem, compadecendo-vos das mágoas uns dos outros;
sede misericordiosos, modestos, humildes; não pagando mal com mal,
maldições com maldições, mas pelo contrário com bênçãos, pois
sois chamados para fruir, como herança, a bênção celeste. Quem
vos pode tocar se fordes bons? Se assim mesmo sofrerdes por causa da
justiça, sois Bem-aventurados; mas não temais vossos perseguidores.
Repito,
que todos sejam prudentes, vigilantes na oração, que mutuamente se
amem, sejam hospitaleiros, não tenham disputas, não se desviem de
sua vocação e graça que receberam de Deus; que não se impacientem
quando forem perseguidos, nem por esta causa desfaleçam, mas antes
se considerem felizes e Bem-aventurados; evitem, porém, merecer o
castigo dos homicidas, ladrões, maldizentes, intrigantes, mas sofrer
porque são Cristãos não lhes cause vergonha. Passa a exortar os
Bispos e Sacerdotes, recomendando-lhes que apascentem o rebanho de
Deus, não com violência, mas com boa vontade, não com intento de
auferir torpe lucro, mas por amor; não pela força e desejo de
domínio, mas com o exemplo, assim se mostrará o príncipe dos
pastores ser merecedor de imarcescível coroa. Admoesta os mancebos
que sejam submissos a seus superiores; e a todos que sejam humildes,
sóbrios, vigilantes, e conclui: Saúda-vos a Igreja que está
reunida em Babilônia, e meu filho Marcos; a vós todos saúda com o
santo ósculo da paz. A graça esteja convosco que estais unidos a
Cristo Jesus.
Escrita
a Epístola mandou-a por um Cursor pontifício, Silvano (Ib.);
e com verdadeira e paterna caridade cuidou, como Pai desvelado de
Prisca e Priscila, em cuja casa havia sido agasalhado com tanto amor,
e tinha colhido tão satisfatória primícias da fé. Enquanto se
ocupava deste paterno cuidado, terrível tempestade se desencadeou
contra ele, e sobre toda a Igreja Romana, especialmente contra a cara
Prisca.
A
notícia da morte de Messalina assustou o bairro dos Hebreus,
especialmente a Simão e Lucusta. Eles muito confiavam em Messalina,
e já lhe deviam insignes favores. Júlia e Vinícius, seus
adversários tinham sido mortos, esta com ferro, aquele com veneno. O
terrível Sêneca gemia no exílio, e Messalina se havia precavido
para que, suas mais humildes súplicas de regresso fossem repelidas.
Cláudio não tendo já quem o excitasse contra os mágicos, não se
lembrava de seu decreto; também a descoberta que Messalina lhe disse
que estes tinham feito de seu atual perigo, por cujo motivo obteve
seu consentimento para o consórcio com Silio, tinha-lhe apagado do
coração todo o medo dos mágicos, e até havia concebido por eles
grande estima e amor. Simão e suas companheiras nada tinham que
recear tendo a proteção de mulher tão prepotente, que dominava a
seu talante o coração do imperador, e dispunha do império. Se
houvesse alguém que ousasse opor-se-lhes, contristá-los, ai dele!
A um aceno dos mágicos, a uma rogativa que fizessem a Messalina,
seria morto ou despedaçado. Porém, morta ela, quem os salvaria e
defenderia? Já não havia para eles esperança alguma.
A
esta tão grande desventura se reuniam os boatos que corriam em Roma.
– Sabes,
cara filha, disse um dia Simão a Lucusta, enquanto a sua Helena
magoada chorava ao lado dele, encostando a cabeça ao seu ombro,
sabes quem fez matar Messalina. Se é verdade o que se diz, foi Simão
Pedro, meu inimigo e antagonista: que a fez matar por intermédio do
liberto Narciso, o qual foi atraído e seduzido por Júlia.
– É
verdade! Replicou Lucusta extremamente pálida, com o coração
palpitando de modo que parecia, querer sair-lhe do peito. Já me
haviam noticiado que este liberto subia frequentemente ao Aventino,
entrava secretamente em casa de Prisca, onde se diz, e eu fui avisada
pelos numes infernais,
que habita Pedro, que há tempos estava ausente, e eu me lisonjeava
que não voltasse mais; porém, chegou a tempo de realizar sua
vingança da morte de Vinícius.
Eu
sempre dizia a Messalina: livrai-vos daqueles libertos, que me são
muito suspeitos; destruí o ninho do Aventino; despedaçai as
serpentes que naquele antro se aninham; não vos limiteis à morte
dos Pais; matai também as filhas; aniquilai as malvadas Priscila e
Prisca, que seduzem nossos sectários, perseguem nossos numes,
desfazem nossos encantamentos. Eu lhe dizia que ela no fim seria
vítima de suas intrigas; não quis acreditar-me. Messalina me
repetia que não tinha medo de ninguém, porque em suas mãos estava
o coração de Augusto, que ninguém teria a ousadia de atacar sua
vida nem de opor-se à sua vontade. Messalina vivia em fatal
segurança, e não havia meio de dissuadi-la. Acresce que, depois da
morte do liberto Polião, julgava ter aterrado os libertos. Com
efeito, depois deste dia todos emudeceram; o que ela atribuía ao
medo e desfalecimento de ânimo, e era apenas silêncio e segredo da
conjuração, símbolo do ódio, inspiração da vingança. Tarde
demais compreendeu seu erro e foi barbaramente assassinada; o conluio
desta catástrofe foi urdido pelos libertos, especialmente por
Narciso.
– Ah!
Pedro! Ah! Galileu! Tu queres ser sempre meu implacável adversário!
– Por
que motivo vós também, meu pai e mestre, seguistes a superstição
do Nazareno?
– Que
queres, filha! Eu estava em Samaria quando lá chegou o mágico
Felipe, que me acolheu como Pai, me batizou, mas não recebi o que
chamam o Espírito Santo.
Procurei Pedro para recebê-lo; o qual me repeliu com soberbo
desdém.
Então, um Gênio
me falou e prometeu a faculdade de fazer milagres, enviou-me a Roma
para opor-me a Pedro seu inimigo. Agora vejo, que o meu trabalho
está perdido.
– Certamente
o está, se não tratais de defender-vos. Ouvi dizer que Narciso se
empenha com Cláudio para que despose Agripina, irmã de Júlia. Esta
chamará do desterro seu mestre Sêneca, procurará vingar-se de nós
por causa da irmã; ambos hão de induzir Cláudio a executar o
decreto da nossa expulsão. Ah! A morte de Messalina foi nossa
desgraça!
Helena
até então não tinha dito palavra, e só havia chorado. – Será
possível que não haja algum recurso? Por que não consultamos
nossos Numes infernais? Se permanecermos na inércia não
escaparemos.
– Dizes
bem, minha cara; sabes que há tempos a esta parte estão mudos,
todavia, experimentemos.
A
prova se fez. O mágico e as duas mágicas fizeram fulminações,
sacrílegos sacrifícios, formaram círculos, balbuciaram nefandas
palavras. Tremeu e abalou-se todo o edifício, obscureceu-se a luz,
negras chamas em redemoinho apareceram em redor deles; surgiram
horríveis espectros, e muitos Demônios; infernal uivo retiniu a
seus ouvidos. Desvanecido o encantamento, Simão alegre confortou as
mulheres. – Tende ânimo, lhes disse, esperai, Jabaloth,
Sabaloth, Ariachel me falaram. Pedro e seus sectários serão em
breve desterrados de Roma, e nós ficaremos senhores dela.
– Oxalá
que praza aos Numes realizar-se este fausto anúncio! Responderam as
mágicas enxugando os olhos.
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