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"Uma vez que, como todos os fiéis, são encarregados por Deus do apostolado em virtude do Batismo e da Confirmação, os leigos têm a OBRIGAÇÃO e o DIREITO, individualmente ou agrupados em associações, de trabalhar para que a mensagem divina da salvação seja conhecida e recebida por todos os homens e por toda a terra; esta obrigação é ainda mais presente se levarmos em conta que é somente através deles que os homens podem ouvir o Evangelho e conhecer a Cristo. Nas comunidades eclesiais, a ação deles é tão necessária que, sem ela, o apostolado dos pastores não pode, o mais das vezes, obter seu pleno efeito" (S.S. o Papa Pio XII, Discurso de 20 de fevereiro de 1946: citado por João Paulo II, CL 9; cfr. Catecismo da Igreja Católica, n. 900).

quarta-feira, 8 de maio de 2019

O Rosário na Eloquência de Vieira.


Do Verdadeiro e do Falso Rosário1

O homem que mais cortesmente soube falar com Deus, foi Abraão: “Falarei ao meu Senhor, ainda que eu seja pó e cinza”:2 e vede como falava, e como ouvia. A primeira vez que Deus apareceu a Abraão, foi em Haran, e diz o Texto: “Ora o Senhor disse a Abraão”:3 disse o Senhor a Abraão. A segunda vez apareceu-lhe em Sichem, e diz o Texto: O Senhor apareceu a Abraão e disse-lhe”.4 A terceira vez apareceu-lhe em Canaan, e diz o Texto: O Senhor disse a Abraão”.5 A quarta vez apareceu-lhe na mesma terra, e diz o Texto: “Disse Deus a Abraão, e Abraão disse a Deus”.6 Não sei se reparais nestas quatro aparições, e se achais nelas alguma diferença? Eu confesso que tenho lido estes Textos algumas vezes, e nunca adverti o que advertiu Caetano, e pede a todos que advirtam: Considere o prudente leitor, diz Caetano, que Abraão nas primeiras três aparições de Deus, ouviu e não falou palavra, e só nesta quarta ouviu, e falou”. Pois se falou nesta, porque não falou também nas outras? Porque falava com Deus. Quem fala com Deus, há de ouvir muito, e falar pouco: para falar uma vez, há de ouvir quatro. E quem tanto ouve, e tão pouco fala, merece que Deus lhe apareça muitas vezes. Ide agora, e falai o Rosário inteiro sem pausa, sem aguardar compasso, sem dar lugar a Deus, a que também Ele vos diga alguma coisa: e se vós falai tudo, e Deus não fala, como O haveis de ouvir?

Vai por diante Sophar: “Aut vir verbosus justificabitur?” Porventura cuidais que esta verbosidade, e esse muito falar vos há de fazer justo? Não. O justo, não o faz o muito que fala, senão o falar o muito que medita: “os justi meditabiur sapientiam et língua ejus loquetor judicium – A boca dos justos anunciam a sabedoria, a sua língua proclama o direito”.7 Encontrada coisa parece atribuir a meditação à boca, e o juízo à língua: o juízo é o que medita, a boca, e a língua a que fala. Mas o justo de tal maneira ajunta a meditação com a oração, e o mental do juízo com o vocal das palavras, que ainda com a boca e com a língua medita; e não porque fala muito, senão porque medita muito, é justo. Não justo, porque fala muito: “Nunquid vir verbosus justificatibur”; mas justo porque medita muito: “Os justi meditabitur sapientiam”. Mas para que é ir buscar a prova nas Escrituras, se a temos mais perto na experiência? Contai os que rezam o Rosário, e contai os justos. São tantos os justos como os que rezam o Rosário? É certo (ainda mal) que por cada cento que rezam o Rosário não me dareis um justo. E donde vem esta de desigualdade tão grande, tão enorme, e tão indigna? É porque “Vir verbosus non justificabitur”. Rezam e não meditam, e o rezar sem meditar, não é orar, é falar; em vez de ser oração, é verbosidade. O que se reza sem meditação sai da boca: o que primeiro se medita sai do coração: e ainda que seja uma só palavra, é oferta que se pode dedicar a Deus: Erucatavit cor meum verbum bonum, dico opera mea regi”.8 Então cuidam os que isto fazem, que a devoção do Rosário está em o rezar ou falar todo inteiro. Os que assim o rezam sem meditar, falsamente se arrogam o nome de devotos da Senhora e do seu Rosário. O Rosário que a Senhora instituiu não é esse: logo não são devotos do Rosário. Pois que são? Quanto muito são rezadores: e por isso, ou cegos, ou merceeiros; mas justos não. Lembrem-se daquela sentença: “Cum oratis, nolite multum loqui”:9 Quando orais não faleis muito. E de quem é esta sentença? É do mesmo Cristo, que diz: “Oportet semper orare”:10 Importa orar sempre; e o mesmo Senhor, que nos manda orar sempre, manda que quando oramos não falemos muito, porque o falar não é orar. Por isso, nem Ele nos ouve, nem nós o ouvimos.

Oh, se ouvíssemos alguma vez a Deus! Isto é o que desejava, e exclamava Sophar: “Utinam Deus loqueretur tecum et aperiret labia sua tibi”! Oh, se Deus abrisse uma vez a boca e falasse contigo! E qual era a razão deste seu desejo? Porque falava com os que falam muito e não querem ouvir; e sabia que tanto que ouvissem a Deus, mais haviam de querer ouvir que falar. Com ser Deus Autor da natureza, no falar e no ouvir tem mui diferentes efeitos. Todo o mudo naturalmente é surdo, e todo o que ouve a Deus, naturalmente emudece. A natureza, aos que privou do falar, tira-lhes o ouvir; e Deus, aos que concedeu o ouvir, tira-lhes o falar. Quando Deus apareceu a Moisés na sarça, e o mandou com a embaixada a Faraó, escusou-se Moisés com que não sabia falar: “Non sum eloquens ab heri, et nudius tertius”.11 Mas contra isto está o que se refere nos Atos dos Apóstolos, que Moisés tinha estudado todas as ciências dos Egípcios, e era nelas e na sua língua poderosamente eloquente: “Eruditus est Moisés omni sapientia Aegyptiorum, et erat potens in verbis”.12 Pois se Moisés era tão sabiamente eloquente, e tão eloquentemente sábio, como diz agora que não sabe falar? Ele mesmo deu a razão: “Ex quo loquutus es ad servum tuum, impeditioris, et tardioris linguae sum”:13 É verdade, Senhor, que eu antes deste dia falava expeditamente: mas depois que Vós, Vos dignastes de me falar, e eu Vos ouvi, no mesmo ponto se me tolheu a fala e atou a língua. E porque Sophar sabia os segredos desta filosofia, por isso desejava que falasse Deus uma vez aos que só falam e não ouvem: “Nunquid qui multa loquitur non audit? Utinam Deus loquentur tecum”! A Virgem Senhora Nossa não instituiu o seu Rosário, só para falarmos rezando, senão para ouvirmos meditando: e o Rosário que é só de boca, e não de ouvidos, é tão diminuto e imperfeito, que não merece o nome de Rosário, porque não meditando os Mistérios, falta a parte principal e essencial dele. Antes quero a terça parte do teu Rosário meditado, disse a Senhora a um seu devoto, e ainda menos da terceira parte, que todo ele inteiro sem meditação. E este conselho não só devem tomar todos, mas é necessário que o tomem sob pena de o seu Rosário não ser Rosário.

Podem-me dizer, contudo, alguns dos que rezam, e não meditam, que rezando o Rosário sem meditar os Mistérios, sentem contudo grandes afetos e seu espírito, assim de compunção para com Deus, como de piedade e confiança para com sua Santíssima Mãe. Oh, como vos enganais convosco mesmos, mas venturosamente! Pergunto: E esse cuidar em Deus e na Virgem Maria, não é parte de meditação, posto que breve? Assim o prova e convence a Santa Madre Teresa contra os mesmos que em seu tempo rezavam vocalmente, e tinham medo da oração mental. Os afetos de devoção e piedade que sentem quando assim rezam, também são efeitos da meditação, posto que imperfeita, e vozes ou sonidos breves e sutilíssimos com que Deus então lhes fala ou passa pelos ouvidos. Por isso, no livro de Jó se chamam estas falas de Deus, não vozes, senão sussurros, e esses que se ouvem furtivamente: “Et quasi furtivé suscepit auris mea venas susurri ejus”.14 Assim que, quando sentis esses afetos, já, sem o entender, começais a rezar pelos ouvidos: que por isso diz: “Suscepit auris mea”: e são uns como furtos, que faz a oração vocal à mental, saindo-se da sua esfera: que por isso diz: “Quasi furtivé”: e são as veias do sonido que ainda não chegam a ser voz de articulada: que por isso diz: “Venas susurri ejus”. Mas daí mesmo se colhe que se tão doce é o que se chupa nas veias, que será o beber na fonte? E se tanto obram na alma só os sussurros, as vozes declaradas que farão? Necessário é logo à essência do Rosário, que perfeita e inteiramente se reze pelos ouvidos, para ser verdadeiro Rosário.

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1O Rosário na Eloquência de Vieira, “Sermão Terceiro com o Santíssimo Sacramento Exposto”, IV 
Parte, pp. 81-84. Edição da Oficina do Rosário, Salvador/BA, 1949.
2Gên. XVIII, 27.
3Ibid., XII, 1.
4Ibid., XII, 7.
5Ibid., XIII, 14.
6Ibid., XV, 1-2.
7Psalm., XXXVI, 30.
8Psalm., XLIV, 2.
9Math., VI, 7.
10Luc., XVIII, 1.
11Exod., IV, 10.
12Act., VII, 22.
13Exod., IV, 10.
14Job., VI, 32.

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