"Ó, se víssemos a estranha e repentina mudança que passa dentro de uma alma no momento em que perde a graça de Cristo, como ficaríamos assombrados! Mas já que não o podemos ver com os olhos, vejamo-lo de algum modo com o entendimento em uma comparação, e seja esta tirada do mesmo lugar de Ezequiel, como logo apontarei.
Levanta-te agora espírito meu e estronda esta Igreja só com três palavras. Quereis ouvi-las? Cristo Jesus é Sol; o homem é mundo pequeno; logo, o homem sem Cristo é o mundo sem Sol. Cristo é Sol, assim o dizem as Escrituras: Orietur vobis Sol. O homem é mundo pequeno, assim lhe chama os Santos Padres; logo, o homem sem Cristo é mundo sem Sol, assim o convence a força da razão. Pois se Cristo se ausenta de uma alma, exivit, que mudanças haverá nesta pobre alma? Ó, como se diminuirão também as influências e favores de Maria Santíssima, Lua formosa e dos Santos, estrelas brilhantes! Ó, como murcharão as flores das virtudes e os frutos das boas obras! Como se apagará o fogo do amor de Deus! Como se corromperão os costumes! Como cessarão todos os ofícios da caridade e todo o merecimento das boas obras! Como ficará tudo às escuras! Que é isto? Aut Deus naturae patitur, aut mundi machina dissolvetur: ou o Deus deste mundo padece, ou este mundo se acaba. E para falar mais ao certo, ambas as coisas são. Acaba-se e perece esta alma se neste estado fica, porque o homem sem Deus não é nada; e padece o Deus desta alma, porque esta alma ofendeu a Deus. Enfim, que o homem sem a graça de Cristo é o mundo sem o Sol”.
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Fonte: Rev. Pe. Manoel Bernardez, Oratoriano, Sermões e Práticas, 2ª Parte, Prática da Dominga da Paixão, 1343. Cfr. “As Mais Belas Páginas de Bernardes”, 2000 trechos selecionados por Mário Ritter Nunes, pp. 297-298. Edições Melhoramentos, São Paulo/SP, 1966.