Em
que se Mostra com que Disposição,
se
há de Abraçar o Estado Matrimonial.
I
Da
dignidade Sacramental do Matrimônio, resulta
a necessidade de certas preparações e disposições, sem as quais
só se achará no mesmo Matrimônio, amargos desgostos.
São as seguintes:
– 1º.
Atitude e propensão para este estado.
Nem
todos são aptos para todas as profissões. Há vocações diversas,
a que se deve atender. O mesmo São Paulo, que proclama o Matrimônio
um grande Sacramento,
e declara ser esta aliança em tudo digna de respeito,
e afirma fazer bem o pai que casa sua filha donzela,
acrescenta logo, que melhor ainda faz o pai que, bem
estudada a propensão e vontade da filha, não a casa.
Eu, a respeito das virgens, diz
o grande Apóstolo, não tenho preceito do Senhor (que
as obriguem a ficarem solteiras); mas é um conselho que
lhes dou, fundado na doutrina de Cristo a que sou fiel.
E mostra as vantagens da absoluta continência sobre o Matrimônio:
1.
Porque é conselho de Cristo.
2.
Porque as virgens estão isentas das contínuas sujeições, cuidados
e trabalhos com que andam atribulados os casados.
3.
Porque a continência nos desapega dos bens terrenos e caducos, e
deixa mais liberdade para o serviço de Deus.
4.
Porque a virgindade mantém o nosso corpo em maior lustre de pureza.
Do que tudo conclui o Apóstolo, ser o estado de continência muito
mais perfeito.
Jesus viveu virgem, quis ter Sua Mãe Virgem, amou com predileção a
João, o Apóstolo virgem, e declarou que muitos renunciariam ao
casamento pelo reino dos Céus.
De
fato, vemos pela história do Cristianismo que, milhares e milhares
de criaturas humanas têm sido elevadas, pela ação poderosa da
graça do Salvador, acima das fragilidades dos sentidos, vivendo em
corpos terrenos uma vida toda celeste. Verdade é ser isto a exceção;
mas a exceção existe. O Sacerdócio e a vida religiosa abrem vasto
campo às aspirações de muitas almas generosas, que, pelo mais
sublime dos sacrifícios, renunciam aos gozos legítimos da família,
para viverem só para Deus e para a humanidade. É um fato que não
se pode escurecer.
“Cada
dia, milhares de criaturas amadas saem dos castelos e das choupanas,
dos palácios e das oficinas, para dedicar a Deus seu coração, sua
alma, seu corpo virginal, sua ternura, sua vida… É a flor do
gênero humano ainda ornada com a gota do orvalho que só refletiu o
raio do sol nascente, e que nenhum pó terrestre ainda maculou.
Em
todas essas nobres noivas de Deus aparece o que quer que seja de
intrépido, que é acima de seu sexo. É o próprio da vida religiosa
transfigurar assim a natureza humana, dando à alma o que lhe
faltaria na vida ordinária; inspira ela a uma jovem virgem não sei
que de viril, que a rouba a todas as fraquezas da natureza… mas uma
heroína meiga, branda, surgindo dos abismos da humildade, da
obediência e do amor, para atingir ao que há de mais potente na
humana coragem… O sacrifício que as crucifica é a resposta do
amor humano ao amor de um Deus que se crucificou por nós”.
Portanto,
no plano da Providência,
nem todos têm de casar-se.
É, pois, necessário refletir e ponderar bem primeiro, diante de
Deus, ver qual é o estado a que Ele nos chama, dispostos a seguir o
aceno divino para onde quer que nos aponte.
“Examine
cada qual”, diz um sábio
autor, “os talentos, inclinações, compleição, forças
e razões para um ou outro estado, e pondere bem todas as coisas
segundo Deus. Tudo bem considerado, se lhe parece sentir uma certa
aversão a algum estado, é de supor que não seja a ele chamado;
sentindo-se inclinar para outro, com paz interior, com grande
confiança em Deus, com alegria de consciência, pode escolher este,
sempre tendo em mira a maior glória de Deus e a sua própria
salvação. Nem importa que não seja este estado o mais perfeito,
porque o estado mais perfeito não convém a todos. A muitos convém
dizer com Ló, fugindo às chamas de Sodoma: ‘Eu não posso
salvar-me no monte, aqui está uma cidadezinha, salvar-me-ei nela’.”
As
chamas de Sodoma são as concupiscências do mundo,
segundo São Gregório; o
monte alto, claro, ameníssimo é a pureza da continência; a
cidadezinha de abrigo é o casamento.
Quem não pode subir àquelas alturas, fique-se com
o comum dos homens, cá pela planície, dentro dos muros protetores
daquela abençoada cidadezinha.
Este
exame é de máxima consequência, pois nada mais desgraçado do que
atirar-se alguém cega e temerariamente a um estado a que não se
sente propenso. É então
que, o casamento se torna, como diz São Basílio, uma
oficina de dores.
Grande
crime cometem os pais, que obrigam suas filhas e filhos a casar ou a
não casar. Torcer e
violentar uma vocação é matar uma alma.
É atirá-la a um abismo de desgraças e comprometer sua eterna
salvação.
II
– 2º.
Boa escolha.
Escolher
com diligente cuidado a pessoa a quem se têm de unir. Boa esposa
boa fortuna, diz a Escritura: Pars bona mulier bona.
O acerto em tal escolha é tanto mais importante, quanto se trata da
salvação de toda a família. Porque, como diz um sábio intérprete
citado por A Lápide, o entrar em casa mulher boa é sinal certo
de predestinação para marido e filhos, pelo que Deus a dá aos
predestinados. Convém, pois, em assunto de tal monta, obrar com
circunspecção, e regular-se pelos Conselhos da eterna Sabedoria.
1.
Diz o Gênesis, que Deus deu a Adão mulher semelhante a si:
Adjutorium simile sibi,
semelhante não só na natureza, senão também na condição, para
que saibam os que querem casar-se, que só devem escolher pessoa que
lhes seja igual; sendo a disparidade das idades, condições, e
fortunas manancial fecundo de desordens e desavenças nas famílias.
Velhice
e mocidade fazem de ordinário bem triste união, para não dizer,
lamentável contraste. Marido fidalgo dificilmente se dará bem com
mulher plebeia; e não há quase rica herdeira que não esmague, a
cada passo, sob o peso de sua superioridade metálica, o infeliz que
caiu em esposá-la, ou antes, em esposar a fortuna dela. Também
muitos e gravíssimos danos costumam resultar de casamentos feitos
com disparidade de cultos. Em suma, mui difícil é que com
qualidades e condições disparatadas se logre formar um venturoso
consórcio. Ferro só se liga com ferro, e não com prata e ouro. E
quando se tenta esta amálgama contra a natureza aparecem logo
divisões e fendas. Assim os casamentos desiguais são cheios de
dissenções e discórdias, diz um sábio.
2.
Depois, não olhes só para a formosura, e não desejes para
esposa uma jovem só pela sua beleza.
É outro oráculo da Escritura. O que é a beleza? Flor que
desabrocha pela manhã e à tarde já está murcha.
Enganosa
é a graça e vã a formosura, a mulher temente a Deus essa é que
merece louvor, diz ainda a
Escritura.
Comprareis um relógio só porque o vedes de bonito lavor por fora? A
primeira coisa é saber se regula. Da mesma forma, na pessoa com quem
vos quereis unir para sempre, não haveis de considerar só o dote e
garbo exterior, senão, e muito principalmente, os dotes do espírito
e do coração.
Que
religião tem? Que educação? Que juízo? Que gênio? Que modéstia?
Que hábitos de retiro e de trabalho? Isto é o que se deve examinar
principalmente e levar muito em conta, o mais é acessório. De que
vos serve ter em casa uma Vênus de Milo, mas toda luxos, toda
dissipações, toda vaidades, toda caprichos, toda nervos; espinhada,
insolente, rixosa, janeleira,
ciumenta, inepta, preguiçosa, incapaz de governar casa e de educar
filhos? De que serve, por caridade, uma mulher deste jaez? Aquele
frescor de mocidade e de beleza ir-se-á dentro em pouco: Doenças,
partos, trabalhos (não falando do ultraje dos anos) conseguirá logo
desbotar e demolir tudo aquilo. E o que é que vos ficará?
Ficar-vos-á uma mulher má para atormentar-vos toda a vossa vida.
Ora, diz o Livro Sagrado, que é melhor ir ao deserto habitar com as
feras, do que ter em casa uma mulher rixosa e má.
Tenhamos,
pois, por muito bem assentada esta doutrina, que antes noiva menos
gentil, mas cheia de virtude, do que uma que seja um sol de
formosura, mas de coração mal formado.
Compreendeu
isso muitíssimo bem o Imperador Teófilo. Vendo-o sua mãe Eufrosina
chegado a idade de tomar estado, chamou-o em particular, e, com porte
de mãe e de Imperatriz, isto é, amorosa e ao mesmo tempo cheia de
majestade lhe disse: – “Filho meu, é chegado o tempo
de dar um sucessor ao Império e um herdeiro aos teus Estados. Todas
as mais belas donzelas do Oriente mandei-as chamar a Constantinopla,
e se reunirão num salão deste paço. Recomenda-te a Deus para
escolheres bem; e sabe que de maior peso é esta eleição, que ter
sobre os ombros o Império todo”.
O
jovem Teófilo respondeu: – “Minha sempre respeitosa
mãe, as senhoras se conhecem melhor entre si, do que as posso
conhecer eu; e pois tão extremado desejo do meu bem reconheço em
vós, rogo-vos me deis uma instrução sobre assunto que me é de
todo estranho”.
– “Muito
de boa mente o farei. Eis um papel com os nomes, sobrenomes, vida e
costumes de todas as jovens, que se reunirão; quando o tiveres muito
ponderado, aqui tens um pomo de ouro todo cravejado de pedras
preciosas, para dares àquela que for eleita por ti, em sinal do teu
amor”.
Leu
e releu o jovem, e quase aprendeu de cor, toda aquela instrução, e
vindo o dia aprazado para a feminil reunião, ao entrar e ao passear
na sala, ao interrogar ora uma, ora outra daquelas jovens, muitas lhe
agradavam grandemente aos olhos, pela beleza, pela vivacidade, pelo
trato, fazendo cada qual por pôr em mostra naquele mercado o formoso
e bom que tinha.
Encontrou-se
a final Teófilo com Teodora. Esta jovem vinha na informação com a
nota da mais sisuda, modesta e bem-educada de todas. Combateram um
pouco os olhos com o entendimento o entendimento a queria por esposa,
mas os olhos iam-se para outra. Depois de longa luta entre o sentido
e a razão, aproximando-se Teófilo de Teodora, disse-lhe: – “Se
se houvesse de esposar o corpo só, perderíeis minhas núpcias em
comparação com alguma outra; mas como o Matrimônio liga em santo
nó também as almas, e a vossa sobre todas as outras merece o
diadema, Teodora, vós sereis minha e eu serei vosso”. E isto
dizendo apresentou-lhe o pomo de ouro.
O
que diriam as outras, principalmente as que esgotado haviam caixinhas
de arrebiques, deixo-vos a pensar.
Foi
esta depois uma das melhores Imperatrizes que se assentaram no trono,
e serviu ao esposo não só de mulher, senão também de conselheira
e de mãe.
Se
por estas regras se governou um sábio Imperador; se estas regras são
dadas pelo Espírito Santo, por elas se regulem todos os mancebos no
casar-se; e todos os pais e mães as repitam a seus filhos e filhas
núbeis, para que deles se possa dizer: Mulieris bonae beatus
vir.
3.
Não escolhas para esposa uma jovem que com demasiados mimos foi
educada na família. Acostumada a ver fazerem-lhe todas as vontades e
condescenderem com todos os seus caprichos, atordoar-te-á cada dia
com suas queixas e lamentações, e, incapaz de qualquer sacrifício,
te acabrunhará de exigências, contínuas e insuportáveis. Examina
devagar, e estuda com cuidado o caráter e os costumes daquela com
quem te queres unir; aprecia tudo com calma, sem paixão; consulta
principalmente a Deus, Pai das luzes, de quem vem todo o dom
perfeito, e assim conseguirás fazer uma excelente escolha.
4.
Para abono e segurança de madura reflexão e prudente acerto nesta
escolha, é que se requer nos nubentes, certa idade para contrair
Matrimônio. “Ao sair da adolescência, na primeira
mocidade” (diz um sábio moralista) “tem a parte sensível
demasiado império. Ligam-se em afeto sob a influência do sexo e do
instinto natural, pelas simpatias orgânicas e de imaginação, mais
do que por apreço exato das pessoas e das coisas. A vontade não é
bastante iluminada, e as mais das vezes sua adesão é resultado de
cego impulso e quase de surpresa. Por isto, os casamentos por este
teor, formados, são em geral pouco ditosos. Começam a conhecer-se
quando já não se podem separar, e o prestígio da paixão que
descora com a posse e gasta-se pelo costume, deixa, caindo, a
descoberto vícios, fraquezas, ridículos, velados até ali, ou mesmo
transfigurados pela ilusão do coração”.
Em
verdade, que madureza de pensar pode ter uma mocinha de treze anos,
um jovem de quatorze ou quinze, para tratar de negócio de tamanha
gravidade, que lhes empenha todo o futuro? Consentir em casamentos
precipitados, sob a alucinação passageira da paixão que mais
deslumbra e arrasta, e em tão verdes anos, é promover a desgraça
dos nubentes e juntamente a da prole que deles tem de nascer. “Com
efeito”, como observa um fisiologista nosso muito distinto, “os
indivíduos que devem o ser a pais ainda não chegados ao completo
desenvolvimento, são notáveis pela debilidade e languidez que forma
o fundo de sua natureza íntima. Frutos arrancados prematuramente da
árvore da vida, conservam na cor e no suco, o esverdeado e a acidez
da imaturidade. Velhos de vinte anos, arrastam penosamente os curtos
dias da existência, e sucumbem à primeira enfermidade, vítimas de
uma predisposição mórbida hereditária. A prole ressente-se,
assim, da precocidade no exercício de uma função que perturbou e
inverteu toda a marcha do desenvolvimento natural”.
5.
Pela mesma razão do bem da prole, e por outras muitas tiradas da
ordem moral e social, devem-se evitar os casamentos entre parentes.
Uma constante experiência prova e que os frutos dessas uniões
consanguíneas, principalmente as dos graus mais próximos, saem
alguns de constituição caquética; outros afetados de surdez,
cegueira ou idiotismo, o que se observa melhor naquelas famílias que
de longa data conservam o costume de só se casarem entre parentes.
“Vemos,
muitas vezes”, diz um sábio
Prelado Francês, “essas uniões serem castigadas por
desoladora esterilidade, e se por acaso se multiplicam, se repetem a
miúdo numa mesma família, têm por efeito ordinário, após várias
gerações, o enfraquecimento da constituição física nos filhos, e
algumas vezes uma alteração mais deplorável ainda da inteligência
e das faculdades morais. É a lei natural que se apresenta aqui
perfeitamente acorde com a proibição religiosa; e essa lei, notai-o
bem, não é particular e privativa da espécie humana, porém,
atinge a todos os seres vivos, em todos os graus, e em todos os
círculos da criação, até mesmo aqueles que possuem uma vida
grosseira e vegetativa.
Segundo
as admiráveis disposições do Criador, o rio da vida não deve
sempre banhar as mesmas terras; é necessário que o seu curso seja a
cada passo interrompido, para recomeçar de contínuo em novos climas
e sob latitudes diferentes. Só por este modo os seres poderão
conservar o seu natural vigor e primitiva força: tal é o preceito
universal estabelecido por Deus para perpetuação de sua obra.
Se
o mal que combatemos persistir a estender-se mais e mais, se sua ação
funesta se exercer durante um longo período de tempo sobre os
mananciais em que a cada instante se renovam as existências, os
séculos vindouros recolherão os frutos deste desvio da ordem, e só
contarão em seu seio raças de homens física e moralmente
degenerados”.
Tem,
pois, a Igreja razão de proibir tais casamentos, e se Ela, pela
introdução do casamento civil nestes nossos tempos, e pelo
relaxamento dos costumes e das mesmas leis civis em matéria de
moralidade, se vê obrigada a mitigar o rigor de sua disciplina, e a
conceder frequentes dispensas, isto o faz gemendo, como mãe que se
compadece da fraqueza dos filhos, mas sem deixar por isso de manter
inviolável o salutar princípio sancionado em sua legislação.
Ela
quer que não só a onda da vida se espraie, segundo a lei do
Criador, mas que se espraiem as relações sociais, além dos limites
estreitos e exclusivos das famílias, promovendo assim o verdadeiro
bem dos homens e a prosperidade das nações. Sigam os pais os mesmos
conselhos quando tiverem de dar maridos a suas filhas.
III
– 3º.
Reta intenção.
Cumpre
entrar no estado matrimonial animado de puras e cristãs intenções.
Primeiro
que tudo, não se procure neste estado o que ele não pode dar.
Alguns, com a imaginação seduzida por vago sentimentalismo, ou por
sonhos dourados de romancistas e poetas, querem achar no Matrimônio
só encantos e felicidades. Pensam que se casam para gozar de toda a
liberdade, e para passar vida deliciosa, neste novo paraíso
terrenal, em que não há nem trabalho, nem serpentes, nem tentações.
Depois, quando se acham face a face com a realidade, tão diversa do
que imaginaram, então são as decepções amargas, o queixar-se e o
lamentar-se de contínuo; mas de quem é a culpa? Quem os mandou
acreditar em arroubos poéticos e fantasias românticas? A Igreja
certo não os embalou em tais sonhos, e São Paulo diz bem claro, que
os que se casam sofrerão tribulações da carne,
isto é, mil trabalhos e
desgastes que acompanham a vida de família.
O
jovem e a jovem cheios de
siso e bem aprendidos no Cristianismo, longe de encararem o consórcio
como um remanso de sossego, de delícias e satisfações, olham-no,
pelo contrário, como um encargo tão honroso como pesado; como um
remédio para moderar o excessivo ardor das paixões; como uma
sociedade de mútuos socorros nas penalidades da vida; como um
ginásio onde se exercitam deveres difíceis, virtudes não comuns;
como um meio severo de aperfeiçoar caracteres, quebrar-lhes os
ângulos, torná-los pacientes e amorosos; como escada íngreme,
porém, bastante clara e segura, por onde se pode se subir ao Céu;
enfim, como o manancial da vida, donde têm de sair novas criaturas,
que depois de serem a honra da pátria, a glória da Igreja, irão lá
em cima ocupar tronos na glória imortal do Criador.
Porém,
negociar o Matrimônio, fazer dele uma torpe especulação comercial,
um meio, como outro qualquer, de granjear fazenda e cabedais;
casar-se, ou fazer casar só em vista do dinheiro, e dominado da
infrene cobiça, é querer
mesmo atrair sobre tão tristes alianças a maldição do Céu.
“Procuremos
todos uma só coisa, diz São
João Crisóstomo, a virtude, um bom natural, a fim de
gozar da paz, de provar as delícias de uma concórdia e afeição
perpétuas. Esposar mulher rica, é tomar uma soberana em vez de uma
mulher. Já de si têm as mulheres bastante vaidade, bastante pendor
a brilhar; se lhes sobrevêm o contrapeso de que falo, como poderão
aturá-las os maridos? Pelo contrário, quem recebe mulher de sua
condição ou mais pobre que ele, toma um auxiliar, uma aliada; e é
verdadeiramente a felicidade que mete dentro de casa. O vexame que
causa à esposa sua pobreza, inspira-lhe toda sorte de cuidados e
atenções para o marido, a obediência, uma submissão perfeita, e
suprime todas as causas de disputas, de rixas, de extravagâncias, de
rebelião, une os dois esposos na paz, na concórdia, na ternura, na
harmonia. Não é portanto, o dinheiro que havemos de procurar, senão
a paz, se queremos achar felicidade. O casamento não é feito para
encher vossa casa de lutas e combates, mas para vos procurar um
adjutório (auxiliar), para vos abrir um porto, um asilo, para vos
consolar na aflição, para que acheis agrado nas conversações de
vossa mulher; quantos ricos não se têm visto, opulentados ainda
mais pelos dotes das mulheres, mas privados, de um só lance e para
sempre, da paz e da ventura, por um casamento que lhes transtornava a
mesa em arena, em teatros de contendas diárias! Quantos pobres, pelo
contrário, não temos visto, unidos a mulheres ainda mais pobres,
que gozam paz e são ditosos na vida; enquanto mais de um rico, no
seio da fartura, almeja pela morte, para ver-se livre de sua mulher e
só suspira por depor o fardo de tal vida! Tanto é verdade, que de
nada serve o dinheiro, quando falta companhia virtuosa!…
Consideremos
bem tudo isto, e em vez de procurar a fortuna, procuremos a virtude,
a honra, a modéstia. Mulher modesta, virtuosa e cheia de siso
(ajuizada), ainda sem fortuna, tirará melhor partido da pobreza, do
que outras da riqueza: pelo contrário, mulher educada com mimos,
intemperante, aborrecida, achasse embora em casa milhares de
tesouros, logo os terá dissipado com a velocidade do vento, e
arrojará o marido em inumeráveis males, além da ruína. Não é,
portanto, opulência que devemos procurar, mas sim mulher que saiba
bem empregar os recursos da família…
O
único motivo que vos deve levar ao Matrimônio, é a resolução de
fugir ao pecado, de escapar a toda desonestidade; todo o casamento
deve tender a este fim, ajudar-vos a ser puros. Ora, assim será, se
esposardes mulheres capazes de inspirar-vos muita piedade, muito
recato, muita sabedoria. Com efeito, a beleza do corpo, quando não
têm a virtude por companheira, pode bem reter um marido vinte ou
trinta dias; mas depois, perde o seu império, deixa ver os vícios
que a princípio ocultava; e desde então desvanece-se todo o
encanto. Pelo contrário, aquelas em que reluz a beleza de alma, nada
tem que temer da fugida do tempo, que lhes ministra cada dia, novas
ocasiões de descobrir suas belas qualidades; o amor de seus esposos
torna-se mais ardente, e os liames que os unem, mais fortes. Neste
estado de coisas, e diante do obstáculo deste ardente e legítimo
afeto, todo amor impudico é repudiado para bem longe; nem sequer
ideia de incontinência entrará no marido ligado à sua esposa pelo
amor; até o final persevera-lhe fiel, e assim pela castidade chama
sobre sua casa a benevolência e a proteção divina. Eis as uniões
que formavam nossos justos dos antigos tempos, mais atentos à
virtude que à fortuna”.
Citarei
aqui o edificante exemplo de um pai de família, que, bem-avisado,
não se prestou a fazer do casamento da filha um ignóbil negócio.
Era
um velho sertanejo que a calamidade da seca fizera descer para o
litoral; caráter franco, reto, cheio de fé católica e de nobre
valentia, como o geral da nossa gente do centro. Estava ao desamparo,
paupérrimo e carregado de numerosa família.
Desta,
fazia parte uma filha, já moça, dotada de beleza não comum.
Passava o velho pai pela rua mais comercial de uma de nossas
Capitais, quando o chama certo negociante, proprietário de uma loja
de joias.
– “Chamei-o”,
disse, “para pedir-lhe que me dê sua filha em
casamento”.
– “Quer
o sr. Zombar de meus cabelos brancos, e de minha pobreza?”
Perguntou o velho indignado.
– “Não
é zombaria, é um projeto sério. A vi e a desejo por esposa. Sou
estrangeiro, muito rico; não sou católico. Posso fazer a felicidade
dela e de sua família”.
– “Não
duvidarei de dar-lhe minha filha, mas, pois me diz que não é
católico, então terá de aceitar as condições que lhe forem
impostas, para que minha filha não sofra em sua fé”.
– “Isso
não”, respondeu o negociante, “eu que lhe trago a
fortuna, é que lhe imporei as minhas condições. A primeira é, que
ela não porá os pés na Igreja”.
– “Pois,
sr. Meu, estas grandezas que estou vendo, este mundo de ouro e de
pedrarias que estão reluzindo a meus olhos, para mim são terra, um
pouco brilhante, é verdade, mas não passam de terra. Calco tudo
isto aos meus pés. Não negocio com meu sangue. Não vendo minha
consciência de pai. Guarde sua fortuna; eu guardarei minha filha”.
Oxalá,
que tão nobre procedimento seja imitado por todos os pais, e que,
nos projetos de casamento, se bem se entenda as justas afeições e a
interesses legítimos, tudo se faça com intuitos generosos e com as
mais puras intenções!
IV
– 4º.
Vida bem regulada.
Preparação
excelente para um bom casamento, é uma vida pura e virtuosa. Uma boa
mulher é tesouro tão precioso, que só a dá Deus aos que O temem,
em recompensa de suas boas ações. É da Escritura: Boa mulher,
boa fortuna, diz o Sábio. E logo ajunta: Deus a dá em
quinhão aos que O temem, como prêmio e coroa da boa vida e
regulares costumes do esposo. A oração e as boas obras abrem
caminho à felicidade.
Vem
narrado no Prado espiritual, o caso de um cavalheiro, que
logrou venturoso consórcio pela esperança que colocara em Deus, boa
vida e esmolas dadas aos pobres. Eis como ele mesmo o conta: “Eu
fui filho de um homem ilustríssimo na glória do mundo. E este meu
pai era muito inclinado a fazer esmolas, e com larga mão as
distribuía aos pobres. Eis que um dia me chamou, e me disse:
– Meu
filho, que vos será mais grato, e estimareis mais? Que eu vos deixe
todo este dinheiro, que como vedes é muito; ou vos deixe a Cristo
por vosso Tutor?
Eu,
como me contentavam muito as boas ações que meu pai fazia,
respondi, que antes queria a Cristo do que todo o dinheiro que
meu pai me queria deixar; porque estas riquezas passam, hoje são, e
amanhã não são; mas Cristo eternamente é. O que meu pai ouvindo,
foi dando então mais livremente, e com mais larga mão aos pobres,
de tal maneira que, quando morreu, pouco tinha que me deixar.
Eu
então, vendo-me pobre, procedia mais humilde, pondo minha esperança
em Cristo, a quem ele me deixara por Tutor.
Havia
na cidade, outro cidadão muito rico, e da primeira nobreza, cuja
mulher era fiel em Cristo e temente a Deus, e tinham uma filha única.
A mulher cuidando na filha, disse ao marido:
– Senhor,
nós temos só esta filha, e Deus nos deu tantos bens, que ela para
casar não tem necessidade de mais nada.
Se a casarmos com algum homem destes mais nobres e ricos, que não
seja de bons costumes, podem-na tratar mal; busquemos-lhe antes um
homem humilde e temente a Deus, que a ame e viva com ela como Deus
quer.
Disse,
então, o marido:
– Parece-me
muito bem, Senhora, o que dissestes; ide logo à igreja, e orai a
Deus com todo o afeto de vosso coração, e aí vos assentai um
pouco, e o primeiro homem que entrar entendei que é o esposo que
Deus manda para nossa filha.
Fez
a mulher pontualmente (continua o mancebo), o que o marido lhe
disse; e orando ela e sentando-se, eu fui o primeiro que entrei. Foi
a mulher para casa, e mandou logo um criado que me chamasse, e
começou a perguntar de onde eu era:
Eu
lhe disse:
– Sou
desta cidade, filho de fulano. Disse-me ela então:
– Daquele
esmoler? Eu lhe disse:
– Assim
é, desse esmoler sou filho. Então me disse:
Senhor,
sois casado? – Respondi que não, e lhe contei o que meu pai me
dissera. Ela então glorificando a Deus disse:
– Adverti
que o vosso bom Tutor vos mandou mulher e riquezas para que de tudo
useis com temor de Deus.
E
me deu sua filha e suas riquezas; e eu agora peço a Deus me conserve
fiel até a morte, para que vá pelo caminho por onde meu pai foi”.
(Quem
dera que) Assim se dispusessem todos ao casamento como este jovem!
Ah! Vós vos admirais, diz um orador sagrado, que sejam poucos os
Matrimônios felizes; e eu admiro e pasmo que não sejam ainda em
menor número! Que vida fazem os jovens, por amor de Deus? Que vida,
como aparelho e preparação ao casamento?
E
que vida fazem muitas donzelas antes de tomar estado? E vai
enumerando em largas páginas: desobediências contínuas aos pais;
desprezo de seus conselhos; insolentes transgressões de suas ordens;
agastamentos e queixas pelas mínimas repreensões; nenhum sentimento
de piedade; galanteios indecorosos; profanação de igrejas;
escândalos nas ruas; rixas; rivalidades; tantas perdas de tempo, de
fazenda, de reputação; superstições e sortilégios;
familiaridades indiscretas entre os noivos, durante largos anos,
passados a esperar melhor emprego; finalmente, entre muitas outras
dissoluções, algumas vezes a desonra daquela mesma que vai ser
recebida diante dos altares!… em suma, pecados e mais pecados,
ofensas e mais ofensas de Deus, eis o que se manda ao Céu, antes do
casamento, em vez de orações e boas obras. E é assim que este
jovem poderá merecer de Deus boa esposa, e esta donzela um excelente
marido?
Entendam
bem as mães e as jovens esta importantíssima verdade,
conclui o orador que citamos: o meio de obter um esposo, de
boas, de excelentes qualidades, não é a imodéstia, o estar todo o
dia à janela, nem os olhares livres na igreja e fora da igreja, nem
o rir em face de qualquer um, nem vestidos indecentemente decotados,
nem galanteios indiscretos. Não se chega a tomar bem um Sacramento
por meio de escândalos e pecados. “O bom marido, como a boa
mulher, Deus o dará pelas boas obras”.
Estas
são, pois, algumas disposições necessárias para se obter um feliz
consórcio.
V
– 5º.
Enfim, estado de graça.
A
razão é, porque o Matrimônio é Sacramento de vivos,
isto é, um Sacramento instituído para aumentar a graça
santificante; mas não para produzi-la de novo, depois de extinta na
alma; portanto, para recebê-lo com fruto, é necessário ter já a
mesma graça; sem o que, se comete um horroroso sacrilégio.
É
preciso, pois, preparar-se para este ato solene por meio de uma boa
Confissão, e fervorosa Comunhão; que nada é mais eficaz para
atrair sobre os nubentes as bênçãos e graças que são
necessárias.
Em
resumo: antes de casar-vos, examinai bem vossa vocação; fazei uma
boa escolha; purificai bem vossa intenção; preparai-vos com muitas
orações e boas obras; e entrai, com a graça de Deus, no estado
conjugal, que sereis certamente venturosos.
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Fonte:
D.
Antônio de Macedo Costa, “O
Livro da Família” –
ou Explicação dos Deveres Domésticos Segundo as Normas da Razão e
do Cristianismo, Oferecido aos seus Diocesanos, Cap. II, pp. 23-42,
1879.